blog caliente.

30.11.04

Santana e os seus botões

Não percebo, juro que não percebo. Eu até já tinha um gajo que aceitou substituir o Henrique (com condições, o sacana, mas aceitou; eu já tinha levado tampas o dia todo e pensei: olha vai assim mesmo, é só um vice mas eu hei-de explicar que é um jovem com elevado potencial, ou assim, depois penso nisso). Ficava tudo bem, olha que caraças. E o Presidente nem me deixou explicar que eu já tinha tudo resolvido, foi logo dizendo que já estava a tratar de tudo para marcar eleições. "Já chega de palhaçada, ó Santana. Tu nem me digas nada, já pus tudo em marcha e não quero ouvir um ai, sequer."

Bom. E agora? Deixo andar, nem vale a pena falar com o Portas. Além de que havia de aproveitar para me moer o juízo, o gajo pensa rápido quando lhe dá para chatear o próximo. "Olha a coligação, ó Pedro! Tu fala lá com a malta lá no Conselho Nacional, não te esqueças do que me prometeste. Eleições em Fevereiro, OK? Depois combina-se melhor." De certezinha que o gajo me vem com esta. E os outros ficaram de fora a assistir de plateia, a ver quando é que o circo pegava fogo. Hão-de querer fazer-me a folha, olha se não. Congresso extraordinário, salta Santana! Estou mesmo a ver. E o Cavaco ajudou, agora percebo que o que queria era entalar-me. Aposto que agora já anuncia a candidatura.

Mas porque é que eu não fiquei quietinho na Câmara? O túnel do Marquês até já vai avançar e eu sempre podia ir colhendo apoios para a candidatura às presidenciais. Não era para ganhar, ora, eu não sou parvo. Mas dá um prestígio do caraças. Passam todos a notáveis, os candidatos derrotados. Sem mexer uma palha, que é a melhor parte. Agora, kaput.

Hum... o que faço, então? Isso. Para já, vou ligar ao Carmona. Ele há-de compreender. E se não compreender? Problema dele, ora.

29.11.04

Causa deles

Mário Soares sobrestima os portugueses ao julgá-los capazes de motins - ou de alguma coisa um grau abaixo de um motim - com vista à rejeição de um governo mau. A participação cívica e política no PREC foi fruto da embriaguez e o caso de Timor foi uma excepção que, pelo lado positivo, consistiu numa colectiva e orgulhosa empatia e, pelo lado negativo, num vaidoso show-off para o resto do mundo. Seja como for, resultou. E eu também me vesti de branco, note-se. E Salazar, lembremo-nos, manteve-se incólume no poder durante quatro décadas.

Os portugueses só se queixam em pequenos grupos ou colectividades e apenas quando lhe mexem directamente no bolso. Não dimensionam o mundo em planos estratégicos, não acolhem ciências políticas. E depois há a rotina, a rotina dos dias que mói o pensamento, que o come tanto que quando se vai para pensar já se está exausto e já alguém antes teve tempo de pensar melhor. Ou pelo menos assim parece, que o sentido crítico já se foi.

Não tenhamos ilusões. Nunca veremos uma manifestação espontânea às portas de Belém, por mais erráticos que continuem a ser os governantes. Só as organizadas pelas colectividades, em que o prato forte já vem preparado: é só comer e gritar as palavras de ordem. Ou se adere ou não se adere - à causa.

Aguardemos.

Vascos

Dr. Dias da Cunha:

Faça-me um favor geográfico, se faz o favor (adoro irregularidades frásicas; dois favores no mesmo favor): transfira-me o Sporting, mas mesmo todo o Sporting, para o lado de cima do Douro. Que eu torno-me, imediatamente, independentista. É só o que me falta. Torno-me um verdadeiro Vasco. Um problema adicional para o país, que é do que este país eminentemente subtractivo necessita: de Vascos.

E logo um país que teve tantos. Tantos Vascos. Até o que namorou com a minha tia, tão bonita, ela. E ele também. Eu via, pequenito. E que agora parece um país que só tem um Vasco, fraquito e excelente tradutor.
O Santana não conta. O meu país não é esse. Revistas não.

Faça-me isso, doutor, suba-nos a todos para aqui.

Ruas de paralelos

O Porto não é longe, mas era tão bonito. Cinzento e perto, distante e alheio. Não era meu. Já lá estava.

O Porto não é de ninguém, não é como Lisboa que é puta de toda a gente. O Porto é de quem lá está, de quem se lhe dá sem lhe pagar senão com a força de lá estar. O Porto empresta-se. Lisboa vende-nos. Macedo de Cavaleiros não sei.

Jantei no restaurante do Simões, há muitos anos. O Simões era aquele defesa central de bigodes, aquele que Pedroto fez jogar ao lado do Freitas, antes da dupla Eurico-Lima Pereira. Eu era puto.
Chamava-se "Trave Negra" e era em Antero de Quental. O restaurante.
Uma rua com um nome grande. O nome.

Se eu fosse a lembrar-me de tudo aqui não vos sobrava espaço para mais nada.

28.11.04

Id

A Lolita e os seus colares. Mundanices?

Não.

Colocado foi pequeno e assertivo dedo em ferida muito funda: o simbolismo dos pequenos actos.
É uma ferida aberta no pensamento.
"Tenho eu, que gosto de justiça, o pequeno direito de ser injusto, às vezes?"

Não, isto é bacoco. Melhor:
"Tenho eu, que penso quase sempre, o direito de fazer algumas coisas sem pensar?"

Não é, ainda, isto. Isto seria prosa de mendigo enquanto pensa.

Vejamos se assim sai melhor:
"Tenho eu, raios vos partam, o direito de comprar um colar de que gosto sem que o apouquem com particularidades do fabricante (ou do próprio apoucador)?"

É mais isto. Isto não anda tudo ligado, ao contrário do que se diz.
Por mim sim.
Sim às três perguntas.

E compra outro. Em querendo.

A mundialização

Comprei um colar. Sem que eu perguntasse, disseram ter sido feito à mão em Telavive, em tom de "é à confiança". Espetaram-me com o pedigree do colar, como se tratasse de uma valorização adicional. Vá, lolita: agora tens de mostrar de que lado estás. Comprar um colar pode, de facto, ser um acto de definição política. O que pensas sobre o conflito israelo-árabe? És capaz de comprar um colar feito em Telavive sem tomares posição? Lembra-te do miserável povo palestiniano, lembra-te que os israelitas têm o dobro do PIB português. Ou mais. Lembra-te que o Sharon inspira forte antipatia. Mas, afinal, queres ser acusada de anti-semitismo? E os ataques terroristas a alvos civis em Israel? E a "pasta" abundante que Arafat deixou à viúva?

Que informação incómoda. Era só um colar e, por mim, podia ter sido fabricado na Lisnave ou feito em Canas de Senhorim, onde até faria falta a implementação de um mister como este.

Bom. Comprei-o e, mais tarde, fui mesmo acusada de colaboracionista com o terrorismo israelita. E o colar até é bastante bonito, garanto.

27.11.04

Ainda a Ucrânia

1 - Não tenho saudades senão das coisas simples. A União Soviética era muito complicada, Lolita. A União Europeia é mais simples, toda a gente sabe ao que anda. Isso é bom, falecer desenganado é mais fixe.

2 - O irritante da questão é o Wagner Love, Lolita. E tu ignoras esse ponta-de-lança do Ocidente, essa seta agasalhada e civilizadora espetada no coração da mãe-Rússia. No caso, da mãe-Ucrânia. Quem não souber o que é a Ucrânia, fará o favor de ler as minhas definições.

3 - Não os recebemos por nada disso. Ser loiro é uma deficiência enervante, é certo, toda a gente sabe. Mas não vem ao caso. Recebemo-los pelo mesmo motivo por que outros nos receberam a nós: eles vieram conforme nós fomos. A diferença são eles? Pois são.

4 - Eu não sou desavergonhado: tenho memória, sabes?

5 - Aqui, tirando a generalização dos benfiquistas (o stkaneko, o alonso, o manolo, mais ninguém que me lembre, talvez o Altino, enfim, são excepções) tens razão. Também era o que faltava: que não tivesses razão às vezes!

26.11.04

Saber depois é saber na mesma

Morreu e eu não sabia grande coisa dele.
Também, valha a verdade, não é nos epitáfios que se aprende sobre as pessoas: os epitáfios são reduções da vida.

Se não sabia grande coisa dele por que falo nele? É simples: gostava de vir a ter um epitáfio igual, daqui a sessenta anos.

Se houver alguma coisa de meritório nisso dos epitáfios, não terei. E será muito justo que não tenha. Mas pronto.

Comentários às besuguices sobre a Ucrânia

1. A primeira abordagem é essencialmente ideológica. O lamento, a pincelado esbatido, sobre o fim da URSS e sobre a falência do comunismo mais o respectivo nivelamento patrimonial, exposto por confronto a uniões mais recentes, mais económicas do que culturais, como a nossa, a europeia. Da primeira, o besugo sente a falta; da segunda, sente o tédio - eu também. Subscrevo. Sobre a segunda, claro.

2. A segunda é futebolística. A Ucrânia, ex-república soviética, tem tradição na prática desportiva em geral e futebolística em particular. Naqueles tempos, nenhum ucraniano escolhia ser futebolista, porque alguém escolhia por ele. Curiosamente, até eu, que era catraia e só ouvia falar indirectamente de futebol, conhecia o Dínamo de Kiev. Donde, de duas uma: ou as oligarquias ucranianas tinham uma imensa habilidade para caça-talentos ou então as orientações vocacionais dependem muito menos das vontades individuais do que dos interesses colectivos. Ou então são conciliáveis. O que agradaria ao besugo - ver ponto 1.

3. A Ucrânia como país exportador de mão-de-obra. É mesmo verdade, são todos altos e loiros e, para além de altos e loiros, são todos dentistas, engenheiros, farmacêuticos ou investigadores de biologia molecular. Quase perfeitos, dir-se-ia, naquelas predisposições físicas e académicas para o sucesso no mundo ocidental. No entanto, a Ucrânia rejeitou-os e nós recebemo-los porque são ordeiros, responsáveis, simpáticos mas, sobretudo, porque nos assombram com o mesmíssimo património genético-cultural que Tolstoi, Eisenstein ou Tchechov carregavam; e nós estamos a ficar mais mortiços do que já eramos, não duvidem. Até o Jorge Palma não se cansa de dizer que deixou de fazer noitadas e que detesta ressacas, enquanto saboreia uma insípida coca-cola light.

4. O besugo é um desavergonhado. É tanto o frémito de maldizer a nossa união que chega ao ponto de defender o candidato apoiado por Putin, o ex-espião soviético, o homem que passou a escolher, na solidão do poder, os juízes do seu Supremo Tribunal e que piorou para o triplo aquele inominável massacre de há uns meses atrás. Pensa, besugo. Podes corrigir esta, redimes-te e, no mínimo, manifestas abstenção.

5. Aqui, o besugo expõe a Ucrânia na perspectiva entupida do mundo. É mesmo assim, como ele descreve: não há idade para se ser ligeirinho e egocêntrico. Aliás: primeiro existe-se egocêntrico, depois descobre-se um ligeirinho. Um ligeirinho não consegue mais do que debitar vulgaridades, seja sobre a Ucrânia, seja sobre si próprio, o que é bastante mais grave, porque circular. Do tipo pescadinha de rabo na boca. Há disso por todo lado, até nos msn, até nas academias científicas. Há benfiquistas assim, também, mas também há benfiquistas que não são assim - aqueles para quem ser benfiquista é só uma casualidade, embora não o saibam.

Definições da Ucrânia

1 - A Ucrânia é um país que fazia parte da União Soviética (que acabou, a tal União Soviética; porque as Uniões, para serem justas e eficazes, têm de ser Europeias; isto é evidente do ponto de vista histórico e económico, há toda uma tradição unionista na Europa que nos vaticina sucesso largueiro. Digo isto sem nenhuma dúvida, evidentemente, embora o próprio Professor Cavaco já nos vá informando que estamos em risco de descer para a segunda divisão dessa tal União, o que contrasta com as opiniões do ex-comentarista desportivo e do ex-futuro-como-é-que-eu-aqui-cheguei-e-logo-na-defesa-e-no-mar-que-nem-ligo-muito).

Ou seja: esta é uma definição toda feita de parêntesis, o que não augura nada de bom, nem à definição, nem a quem a fez. À definição, é claro, sobretudo em termos de poder vir a fazer parte duma enciclopédia, mesmo pequenina.

Fica aqui uma pequena nota, embora dispicienda: não vou sufragar uma Europa, em referendo, sabendo que vou jogar na segunda liga, OK?

2 - A Ucrânia é onde joga o Dínamo de Kiev que, por sua vez, é onde jogavam o Blokhine, o Demianenko e, penso eu, o Protassov. Era uma boa equipa, o Dínamo de Kiev. Havia muitos militares nos jogos em casa, o que era grotesco, mas não havia brasileiros de luvas e collants, nem chamados Wagner Love. Eu sei que o Wagner Love joga no CSKA de Moscovo, mas naquele tempo ignóbil, que mais faziam estes detalhes pequenos? A Ucrânia era um sítio notável para acidentes nucleares, fora do futebol. Na Ucrânia era tudo russo, visto daqui.

Ou seja: esta é uma definição que recebi por e-mail. De quem? De Perestrelo da Rapaqueca, esse meridional. Só pode ter sido, mas vinha anónimo.

3 - A Ucrânia é um país que exporta a população. Provavelmente para equilibrar as finanças públicas e manter o défice em níveis saborosos. De economia sabe o professor Cav...ntana Lopes, deculpem.
A Ucrânia costuma exportar pessoas altas e fortes, inteligentes, com diferenciação científico-tecnológica, o que as capacita (em Portugal) para as artes de trolha, incluindo montagem de circuitos eléctricos e acartar coisa pesadas. Ver um ucraniano a seguir as ordens dum capataz português da construção civil é redentor e educativo. Se pensarmos que quem dá ordens ao capataz português é o empreiteiro-empresário português, a redenção educativa hiperboliza-se, é todo um big-bang emocional que há-de levar-nos, inevitavelmente, à retoma.

Esta definição da Ucrânia é, ainda, mais imbecil que as anteriores. Pressupõe a estúpida possibilidade duma superioridade intelectual e física dos ucranianos exportáveis sobre os portugueses exportáveis (e já exportados), o que é um sofisma. Basta ver como somos respeitados (pela nossa superioridade intelectual e física) na Alemanha e em França para se perceber a falácia. Mesmo na Suíça, note-se.

4 - A Ucrânia é um país que agora teve eleições. O que perdeu diz que perdeu mal, que houve vigarice. O que perdeu, o bom, tem o apoio da União Europeia (que diz que, ali, há gato) e dos EUA (que dizem haver gato, ali).
O que ganhou devia ter vergonha, portanto. A UE e os EUA são tradicionalmente certeiros nas suas observações, bastando, para percebermos isso, deixarmos vir à lembrança a perspicácia demonstrada por ambas as potências na identificação, demonstração e abate (pumba! logo todas!) das armas de destruição maciça que havia, abundantemente, pelo Iraque dentro.

Esta definição da Ucrânia não é uma definição da Ucrânia. É uma definição qualquer, mas não é uma definição da Ucrânia. Estamos mal.

5 - A Ucrânia é longe e faz lá muito frio, sobretudo no Inverno. Há lá flores e árvores e animais e armas nucleares, mas são antigas. A Ucrânia é onde nasceu o Schevchenko, que joga no Milan. O Milan é uma grande equipa financiada, entre outros, pelo senhor Berlusconi. Rima com Trapatonni, é certo, mas o Karadas não é ucraniano, é belga, ou norueguês. Ou assim. Vou mandar-te agora um mail, ou vens ao msn para falarmos de mim? Que, se é de ti que queres falar, passo, OK?

Esta definição é uma excelente definição rápida e bués da Ucrânia. Lamento já não ter idade para desportos radicais.

Olha que bem pensado!



Uma ideia a trabalhar, Altino, uma boa ideia. Deixe aquecer um bocadinho o Douro aqui de cima e logo vê como é uma ideia de estalo! Bom, desde que me prometa não trazer aqui, às berças, celebridades como a Cinha Jardim, ou como aquele rapaz que quebrou um ossículo do pé e que tem trejeitos de maricas quando fala.

Boa ideia, homem! Até já o sol ilumina o cenário, por entre a névoa das últimas semanas.

Estranho título...

Mais do que incontestavelmente feio, ostenta expressão que varia entre o imbecil e o permanentemente acossado. A boca está invariavelmente entreaberta e só não lhe descai o lábio inferior porque tem o beiço fino. Oscila entre um Caius Detritus e um bobo da corte. Se fosse membro da Mafia, seria o do trabalho sujo - aquele que se encarrega de fazer desaparecer o corpo, depois da chumbada do castigo nostro. Se fosse cozinheiro, seria o que descasca os alhos. Se fosse estudante, era o queixinhas. Se fosse francês nos anos 40, seria colaborateur. Se fosse mais velho, teria sido membro da mocidade. Se fosse gestor de empresas, promovia despedimentos em massa se isso agradasse aos acionistas e com isso salvasse a sua féria.

Não admira, portanto, que até o bonómico Sampaio imponha alterações plásticas.

25.11.04

O mito de Orfeu - epílogo

Orfeu, conforme se sabe, viu depois de morto a própria cabeça ser impiedosamente levada pelas correntes do rio Hebro, até ser resgatada e, por ordem divina, glorificada num templo que lhe perpetuou a alma e o reabilitou para a lenda. Nobre cabeça, a de Orfeu.

De vez em quando, acontece qualquer coisa que torna a explicar-nos a ira divina aos trácios, às vezes com episódios triviais ocorridos com as nossas próprias cabeças. Pense-se, por exemplo, numa dor de cabeça que alguém, estando perto, cuida com cuidado e atenção. Sem nunca a esquecer, até ter a certeza de que passou de vez.

Parece trivial, pois. Mas foi o que me ocorreu.

Esguichos de besugo

1 - Começou o julgamento do chamado "Caso Casa Pia". Um dia dedicado àquilo que parece chamar-se "questões processuais".
Boa malha. É como se, em pleno bloco operatório, a equipa se reunisse, diante do doente anestesiado, a discutir a técnica cirúrgica.
Tempos de anestesistas, os nossos. Aqui há uns tempos, uma anestesista "nouvelle vague" engonhou o início da cirurgia com procedimentos protocolares inatacáveis: era o catéter central que estava difícil, eram as análises do doente que lhe não pareciam de feição, era tudo um problema, até o raio da colcação do tubo endotraqueal. O cirurgião, luvas calçadas e benévola paciência na fronte, já impaciente, acabou por confidenciar à colega que "olhe que eu acho que o doente veio de casa até aqui para ser operado, não para ser anestesiado".
É um exagero? Uma coisa nada tem a ver com a outra?
Concedo. Associações livres é no que dão.

2 - O Sporting ganhou em Tbilissi. Claro que gostei, vi o jogo, mas parece-me que os georgianos poderiam perfeitamente andar a competir com o Maia e com o Amadora, na nossa segunda divisão, aí pelo meio da tabela. Não, nem sequer sorrio: missão cumprida, quando fácil, merece apenas singelo registo.

3 - O meu filho mais velho sai de casa às 8 e meia da manhã e reentra às 18 horas. Está na escola, entretanto. Gosta de andebol, eu também gosto que ele faça desporto, vai a dois treinos por semana. E, nesses dias, chega, toma banho, vamos jantar; a seguir, tem de "fazer deveres". Agora marcam-se "trabalhos de casa", na escola secundária. Eu pasmo. Pasmo com isto e com os horários. Os putos devem ter tempo para estudar. É onde aprendem, no estudo. Não é nas aulas. Falo por mim: não se tivesse dado o caso de ter tido meia dúzia de professores liceais talentosos, diria que, na maior parte das vezes, chegava das aulas com a estranha impressão de que tinha estado a "pastar" em prados secos e que tinha de me sustentar em casa.
Decidam-se duma vez, pedagogos: aulas de manhã, para as cotovias, ou de tarde, para as toutinegras. Ou de manhã e de tarde, se quiserem, mas, nesse caso, nunca ultrapassando o pôr do sol. Dêem tempo aos putos para estudar, façam menos organigramas normativos em que tudo parece bater certo (no papel) e libertem-se, de vez, dessa ideia de "escola em permanência". O insucesso escolar advém da falta de estudo e não da falta de aulas. O sucesso académico provém do tempo que for dado aos estudantes para fazerem trabalho de cabeça, labor de raciocínio mas, também, de memorização. A memória é uma das vertentes da inteligência, o PREC educativo acabou, ouviram? Deixem os putos estudar, os que quiserem. O estudo é uma actividade que requer concentração, sossego, paz. O estudo tem de ser sério, não é coisa para "bués".
Apetece dizer: "Teachers: leave the kids alone!".

4 - O maestro Graça Moura abandonou o tribunal, diz o Público "online" de hoje. Fui ler, o título levou-me a pensar que tivesse fugido, saltado pela janela. Mas não, parece que aquilo acabou e ele saiu. E meteu-se num carro, pasme-se; podia ter sido num autocarro, numa trotineta. Foi, estranhamente, num carro.
Que estranho evento, que notícia airosa, que título bom!
É no que dá, jornalistas irritados por não se saber se o maestro Graça Moura foi vítima de alguma medida de coacção. Solicita-se ao irmão Vasco que traduza isto, suando como de costume por cima das beiças finas de tradutor sensível e laborioso de todos os Petrarcas. Se possível em verso.

Cuba

Agrada-me saber que a Espanha reiniciou hoje o diálogo com Cuba e que pretende que todos os países da União Europeia façam o mesmo. Tal como o Alonso não se cansa de dizer, eu gosto de Cuba; gosto dos cubanos e gosto, até, do Fidel. Sei que o que acabo de dizer provoca a ira a muitos, críticos apaixonados da opressão castrista, e eu não os censuro. Mas Cuba, que sempre conheci oprimida, tem a aura dos personagens líricos hispanohablantes. Os cubanos sonharam com o seu futuro e quiseram construí-lo, ainda que (ou forçosamente, se calhar) tivessem de destruir para depois repor as pedras nos devidos sítios. Fidel, não nos esqueçamos, também é um desses cubanos. Move-se por convicções, não por interesses. Inevitavelmente, tornou-se anacrónico no decurso, gasto, da construção daquilo que ele queria que fosse uma sociedade justa. É possível, aliás, que ele saiba disso; não pode, no entanto, deixar de insistir em manter a sua construção, demasiado longa para desistências, profundamente contestada para que não a defenda.

Quanto aos cubanos, vejo-os com olhos de primeiro mundo (sub-primeiro mundo, enfim), inexperiente em tudo o que respeite aquela humilhante heterodeterminação do seu futuro. Às vezes comovem-me, às vezes inspiram-me respeito. Sobrevivem, seja como for.

24.11.04

"Bull eye"

A Lolita dedicou-se, hoje, a falar de lendas antigas. Bonito resumo, aquilo do Orfeu a ser esquartejado pelas malucas das Mênades, que lhe dispersaram a falecida anatomia entre a Trácia e a Jónia, tudo por ser um tipo desconfiado: da Eurídice, dos deuses do breu, dele mesmo.

Mas dedica-se a outras coisas, a nossa menina. No seu ponto 2 percebe-se que, mesmo quando não aborda questões mitológicas, consegue ser premonitória. E também lhe não pagam para isto.

23.11.04

O mito de Orfeu

Orfeu, habitante da Trácia e tocador de cítara e de lira, encantava todos com a sua música e com o seu canto. Quando cantava, tudo se suspendia, todos se detinham, mesmo os corações mais gelados. Com a sua música, ensinava os néscios, enternecia os irascíveis e amansava os selvagens.

Orfeu amava perdidamente a ninfa Eurídice, a quem se uniu. No dia das núpcias, Aristeu quis forçar Eurídice a entregar-se-lhe e Eurídice, enquanto fugia, foi picada por uma serpente que lhe causou a morte fatal. Inconsolável com a morte da sempre amada, Orfeu deixou de cantar e de tocar e abandonou-se a um profundo e silencioso choro.

Um dia decidiu descer à profundeza das sombras, a ver se encontrava Eurídice e a trazia de volta. Levou a sua cítara e tocou para as trevas. Encantou as almas escurecidas com a sua voz divina. Comovidos, os deuses do breu decidiram devolver-lhe Eurídice, impondo-lhe, porém, uma condição: que, durante o seu regresso ao sol, nem por um segundo olhasse para trás para ver se Eurídice o seguia.

Orfeu aceitou a condição e iniciou a longa viagem a caminho da luz. Enquanto caminhava, duvidou. A dúvida transformou-se em desconfiança e a desconfiança transformou-se em certeza: os deuses das sombras estavam a enganá-lo. No exacto momento em que abandonaria o breu e tornaria a ver a luz, Orfeu olhou para trás e viu Eurídice. Eurídice esvaiu-se, pela segunda vez, e Orfeu perdeu-a para sempre.

Em desespero, Orfeu esgotou o resto dos seus dias a repelir todas as outras mulheres. Morreu esquartejado pelas Mênades, enfurecidas pelo desprezo que ele lhes devotava. Os seus restos foram lançados ao rio Hebro, para desgosto dos deuses que, em fúria, castigaram os trácios com a peste, que só acabou quando encontraram a cabeça de Orfeu na Jónia e ali erigiram um templo em sua memória.

Critérios

Do que me mostraram, hoje, de Canas de Senhorim, retenho a imagem duma senhora obesa e descomposta, efectuando trajecto meteórico entre uma inicial e resoluta postura de lutadora de sumo, toda ali fantástica de cu no chão, e uma subsequente atitude de quase desfalecimento, aos ais de profunda abafação, enquanto a levavam dali para outro sítio qualquer. Provavelmente para o Hospital, onde terá sido, conforme o seu estado de espírito (leia-se "estado de nervos"), muito bem ou muito mal atendida. Isto tudo passando por uns breves intantes de histeria, em que berrou bastante.

Do povo eu não entendo, porque não existe. Ou por outra, existe. Mas renega-se. Basta ver um eleitor, daqueles convictamente desgraçados todos os dias, do CDS-PP (ou do PSD, ou mesmo do PS), a ir votar: desce a calçada, rumo à urna, como se fosse rei do mundo. Naquele dia, geralmente um domingo pedindo fatinho de lustrina, depois duma campanha eleitoral em que lhe pareceu que os líderes dos partidos que escolheu "porque sim" falaram sempre "directamente com ele, tão a ver?" , o eleitor como que se "lordifica". Podem crer que esta palavra, "lordifica", não existe. Mas eleitores assim, há-os. E às súcias.
Não há nada como ganhar 750 euros mensais e votar à rica, não é? Pois é, eu sei. Eu vejo-os aí, vejo-os e oiço-os; e alguns costumam chamar-me nomes feios, porque voto em partidos ( e pensamentos) que eles, se fossem eu, renegariam ainda mais do que, naquele dia especial (dia de urnas, dia dos verdadeiros fiéis defuntos), já renegam. Isto é uma coisa do camandro, tudo somado, senhores.

Gosto do povo... enfim, gosto dos povos. São vários e tontinhos, como diria Salazar, não isento (pelo menos) desta razão. Outras não tinha.

Santana Lopes não está, também, descontente com o povo. Admite, mesmo, "não lhe apetecer mudá-lo". Isto é bom para o povo (que evita, assim, mudar, essa maçada) e para Santana Lopes (que o povo podia dizer a Santana Lopes que se mudasse mas era ele, que o povo atura tudo menos que lhe digam que "se cagan en él, mismo que se caguen mismo").

Isto é simples, mas ao mesmo tempo complicado. Quase dou razão ao Alonso quando afirma que o mundo anda perigoso.

Por exemplo, resulta perigoso verificar que consigo escrever, com naturalidade e sem grande empenho, no registo intelectual do cronista Vasco Pulido Valente, que é um bom escritor. Pelo menos de crónicas é, sim. Eu escrevo outras coisas também, claro, eu sei, obrigado. Pessoalmente, prefiro-o a João Pereira Coutinho, que também é um bom cronista. Mas até isto é estranho: quando não está a tentar fazer uma mistura quase homogénea entre o Portas e o MEC dos tempos do velho Independente (ou seja, uma espécie de Constança Cunha e Sá), ele consegue escrever crónicas devastadoras de certeiras sobre Sean Penn ou, até, sobre Manoel de Oliveira! Eu leio e digo: "olha, eu já escrevi mais ou menos isto e ninguém me ligou pêvas!".

A minha questão é, já que brincamos, que não me ligam, bolas. Uma mistura melhorada, mesmo do ponto de vista osteo-muscular, de VPV e JPC, não colhe! Em Portugal, não colhe! Isto aguenta-se?
E porquê, perguntarão os meus dezasseis leitores? Por que não colhe? Porque, ao invés, colhem Santanas, Portas e Albertos Joões? Não. Seus tontinhos. Eu explico.

É por causa daquilo que eu comecei a dizer ali em cima: o povo, os vários povos portugueses (que são vários, eles variam, mas depende muito do que se pensa sobre variedades), pensam quase sempre assim: "eu ganho 750 euros e vejo-me grego para pagar o caralho da prestação do Daewoo em segunda mão, mas hoje, que é dia de ir a votos, prefiro parecer, só hoje, raios me partam, que sou um deles, um deles, caralho, um deles!, a mandar com eles todos dali do palanque abaixo".

O segredo é este.

Fica a gente sem paciência, hesitando entre ser verdadeiramente povo (e ter de cortar linhas de comboio, invadir Kiev, achar que Castelo Branco não tem um ar assim tão panasca, que ginjas e Benfica é que está a dar, ser tolerado por Santana Lopes...) ou cometer povicídio. Há disto?

Aguardo definição de critérios, pelo conselho de administração. Se quiserem, demito-me.

22.11.04

Vai assim, tudo ao monte

1. Jorge Sampaio vetou a criação da Central de Propaganda do governo usando os argumentos mais primários e intuitivos de que há memória. Parece que discordo? Nada disso, muito pelo contrário. Tão pelo contrário que acho até que esta proposta, de tão denunciada, seria motivo suficiente para dissolver a assembleia e mandar "esta gente" (sic, JPP) para algum sítio onde nos causasse menos transtorno. Até o debate político oposicionista baixou de nível (o Sócrates estava patético a contrariar a descida do IRS...) e o PR porta-se à justa medida de um governo medíocre, ao enrolar-se em razões óbvias mascaradas de complexidades democráticas para vetar uma proposta tão saloia quanto descarada. Este governo é um lamentável fungo parasitário chefiado por um pistoleiro.

2. Entretanto, o PSD dispôs-se a reflectir sobre a proposta do PCP no sentido da suspensão de investigação e de julgamento de crimes de aborto. Integram a recém-eleita Comissão Política Nacional uma porrada de espécimes da intelligentzia partidária, daqueles que gravitam em torno de SL à falta de outro, mais dotado, que lhes providencie prateleira confortável. O provável resultado desta reflexão será o que resultar do telefonema que Portas fará ao SL para São Bento em que, interrompendo-lhe uma sessão de karaoke com a malta, o instruirá para comunicar ao país que a lei que temos é uma boa lei e que nada muda.

3. Há dois dias atrás passou por mim mais um aniversário. Apetece-me agradecer a quem quis acompanhar-me nesse dia e ainda aos que, ainda que desajeitadamente, quiseram festejá-lo num jantar atribulado que não deixou, nunca, de ser um carinhoso jantar de aniversário.

E, ainda, ao Vilacondense, pela rosa.



Olhamos pela janela e o Alvão está sempre lá em cima. Mas não se vê, da janela, isto. Isto está torpemente escondido. Uma pessoa perde-se meia dúzia de vezes antes de lá chegar, dá sistematicamente a volta ao pé duma capela risonha ("outra vez?...") que, essa sim, a capela, encontra-se sempre com facilidade, os caminhos da fé são sempre menos escondidos que os da paz e da beleza. E metade das capelinhas riem-se sempre de nós, independentemente da maneira como lá se chega..
Enfim, lá se chega. Metade das vezes. Na outra metade anoitece antes de chegarmos. Outras conversas.

Mas isto não interessa nada.
"É como o resto que tu dizes, pá!", oiço eu.
Perfeito, gosto de coros a gozar-me. Consigo imaginar corais inteiros de Santanas a fazer os baixos, de Pedros Reis e Sócrates a fazer de conta que são tenores, famílias inteiras de Portas e de Congas (Cóias, Corjas?) a fazer os contraltos (há o Portas do BE que já não consegue fazer voz de capado, ou nunca conseguiu, Deo Gratias!) e a Cinha Jardim a reger aquilo tudo, com a batuta do "baixo mais à mão"... na mão, seringadora. O padre Borga saltitaria pesadamente na minha imaginação, ondulando as manápulas em obsoleto contratempo e, num altar elevadíssimo, Goucha e Moura Guedes fariam interessantes "um-dó-li-tás".

Mas não era nada disto.
Era isto:

- "Tou, sôtôr você?"
- " Sim, sou eu, quem fala?"
- " É a fulana, da administração! Tá bom?"
- "Eu estou, que foi?"
- " É que o senhor doutor (arquitecto, engenheiro, o caralho) fulano não vai poder recebê-lo, também, no dia 23...".
- "Está doente? Morreu? Vai-se embora?"
- "Não, credo! Sôtôr você, que mau humor! Está perfeitamente, graças a Deus!"
- "Folgo muito em saber, tenho por ele devoção canina... e então, desembuche lá a sua bosta de hoje, mulher."
- "É que a sua reunião "querapaceratreziquepassoupavintititrêspaçagorapavintinove". Pode ser?"
- "Então não pode? Hurra, hurra! Claro que pode! Agradeça muito ao senhor doutor (engenheiro, arquitecto, o caralho)".
- "Farei isso! Bem haja!".
- "Amo-a, sabe?"
- "Desculpe?"
- "Não peça desculpa, você não tem culpa de fazer entesoantes preliminares."

Também não era isto.
Não, isto é que dava um filme. É agora.

-"Estou? É da administração?"
- "Sim, fala a fulana! Quer ter a bondade..."
- "Bom, daqui é o besugo. Era para dizer ao senhor doutor (engenheiro, arquitecto, o caralho) que a reunião que ele ia ter comigo no dia "vintinove" fica sem efeito. Estou a desmarcá-la, porque eu não quero falar com ele e, mais que isso, a falar com ele, não garanto que lhe não fornecesse um murro potente na focinheira. Como calcula, isso prejudicaria, a acontecer, a minha esbelta imagem de manso e cordato cavalheiro, não faltando quem me associasse à "dirty figure" de Clint Eastwood na sua versão "fourty years old, yet", ou seja, antes do filme das pontes. Nem você quer isso, cara amiga, nem eu quero andar a chegar Betadine aos nós dos dedos...".
- "Quer adiar a reunião, é, sôtôr você?"
- "Eu não. Eu quero é que você seja imensamente feliz e que não pense muito; oiça e veja aqueles anúncios dos telemóveis, aqueles que apelam a que pense menos e fotografe mais; vai ver que entende tudo: um telemóvel é uma máquina fotográfica, uma máquina fotográfica é um chaveiro, um chaveiro é uma pipeta, uma pipeta você deve saber o que é, faça favor de usar a pipeta para o que ela serve: chupe".
- "Sempre a brincar, sôtôr você! Bem haja, então, contamos consigo no dia vinitinove, sim?"
- "Claro que sim, mamífera hemi-encefálica com sotaque de lísbia, claro que contais! Falo chinês, eu?"

Bolas, também não era isto. Não me sai nada, hoje.
"- Como de costume, sôtôr você, como de costume... hihihi... não desliguei, fiquei a ouvir... hihihi".

Trocas

Quero o Carlos Brito no Sporting. E o Ricardo Nascimento.
Arranjem isso barato e ficamos amigos para sempre. Damos um autocarro (não penhorado) e aquele jogador que agora temos, parecido com o Rochemback mas que não é bem ele.

P.S. - O Jacques também pode vir. Segue o Beto, na volta do correio.

Mas não pode ser porquê, ó Dupont?

20.11.04

Mudar os cheiros sem mudar mais nada

Nunca devemos dar parabéns aos outros misturados com tristezas nossas.

Parabéns, Lolita.
Só para ti, sem ser num escrito deprimente sobre os xulés perpétuos da minha vida.
Tu cheiras sempre bem, como sabes. Perfumes da Carolina Ferreira.

O Zé Pedro também manda beijos. Toda a gente manda, tu sabes.

Opções

1- Não houve triagem. A médica espanhola faltou, deprimida e gasta pelos sucessivos xulés (ainda por cima recorrentes) dos nossos velhos. Queridos velhos, que não têm quase nenhuma culpa. Querida espanhola, que se gastou de vez e já não volta, "antes morrer de fome!", disse ela. Não volta mesmo. Disse adeus ao Portugal das SA. Boa viagem, miúda, que sejas feliz onde não te fodam sem gostares. Ainda é capaz de haver sítios assim.
O director da coisa, pessoa de barbicha ambiciosa e tonta, também médico, é certo, mas operador de si e dos outros, o que é diferente, confabulou sobre premências. O importante para ele, que pensa longe (não é tosca e torpemente imediato como o besugo), é resolver os problemas que "a gaja" (é assim que ele se refere à espanhola que lhe faltou; eu tenho pena da colega que me faltou... e eu é que estava lá) lhe vai criar (a ele, evidentemente), em Dezembro. "O problema de hoje, besugo, é cagativo". Disse-me assim e depois não sei mais nada, que eu ignoro gente cagona.

2 - Por falar nisso, gente boa é o Manolo. Discute comigo e eu com ele como se nos odiássemos. Ofende-me como um animal, o cretino, mas eu hoje não lhe dei abébias: fiquei calado quando ele foi gestor dos seus recursos biliares. Em vez de lhe regurgitar em cima, como de costume, deixei-o em paz com a bile dele e fui gemer a minha.
Voltou a si, nem sei porquê, e, com um café, lá me fez voltar a mim. Talvez voltemos a nós se conversarmos mais, mas tem de ser fora do epicentro do sismo permanente das nossas vidas, faz lá muito barulho.

3 - A Lolita voltou e faz anos hoje. Numa perpétua fuga para a frente, digo mais isto: que bom, ambas as coisas. Parabéns, tudo de bom para ti, miúda. Que Deus te guarde mais do que me guarda a mim.

E não digo mais nada, foi um dia cheio e as noites esvaziam-se dentro dos cansaços que os outros sentem de nós.
Amanhã há-de ser outro dia.

19.11.04

Crónica Feminina (I)

Parti no Domingo à tarde. Lembro-me de sair da porta de embarque e de entrar para o autocarro como se fosse aí o ponto do não retorno. A memória desse instante parece-me agora curiosamente longa, como se tivesse demorado dias. Os dias todos da minha viagem.

Já sentada dentro do avião, enquanto folheava a revista do Duty Free, olhei em volta e dei conta de que, em poucos minutos, fiquei rodeada de celebridades: um futebolista e três ministros. O futebolista passou a viagem a jogar Gameboy. Os ministros leram os jornais do dia e um deles, esfomeado, devorou o costumeiro Hagen Daas (de morango, nesse dia) em tempo recorde.

Como é habitual, passei cerca de quatro horas na Portela, em estado de espera. Como é habitual, visitei demoradamente a Free Shop, abasteci-me de coisas indispensáveis (cigarros) e de coisas que não dispenso (cremes e perfumes). Poucas coisas consolam mais uma mulher saudosa do que comprar inutilidades, podem crer. Finalmente, como é habitual, abasteci-me de um sem número de revistas e jornais escolhidos ad-hoc e sentei-me num sofá, com um martini ao lado.

À noite, estaria outra vez a milhares de quilómetros dali, enquanto todo o resto do mundo estaria onde devia estar. Até o besugo, a quem para ser Ícaro só faltam as asas.

Regresso

Os regressos são sempre retemperadores. As viagens fazem-nos sentir numa transição espacio-temporal que, embora sendo de curiosa descoberta, causa o desconforto da falta de quase tudo. Dá-me gosto estar de volta, desta vez mais do que é costume. E, de cada vez que se regressa, gosta-se mais de regressar.

A viagem foi curta mas, na verdade, voei muito. As condições adversas têm a apreciável vantagem de nos aumentar o grau de atenção sobre aquilo que, indiferente a nós, se passa à nossa volta - é esta a matéria essencial da reconfortante relativização. Disso, hei-de ir falando por aqui: há coisas tristes, há coisas curiosas, há coisas bonitas. Para me aguentar (fui sem vontade), estive atenta a tudo. E descobri muito, mesmo naquilo que já conhecia, mas que tinha visto com humores diferentes.

Entretanto, já constam da lista os blogues escolhidos pelo besugo. O peixinho já não está no pyrex (atenção ao ipsilon, pois… ao Alonso são muito caras as trademarks e a respectiva grafia; a Lycra, por exemplo, é a marca dos soquetes que usa com o paletó). E o novo aquário ainda não explodiu. Porém, quando hoje de manhã cheguei a casa mortificada da viagem, olhei-o e veio-me tudo à memória. Pelo sim, pelo não, passei-lhe ao longe. Juntem-se o cansaço e a memória da encharcadela e eu mostro sintomas de stress pós-traumático.

Eu volto amanhã, agora preciso de sono.

Quinze anos

O Zé Pedro fez quinze anos.
Teve, de prenda (há quem diga que é bera dizer prenda, mas eu digo que bera é exibir a imbecilidade aos detalhes), a camisola 26 do Rochemback, umas sapatilhas novas de andebol e uma baliza feita por gente simples. E os abraços das amigas e dos amigos. Da família. E quase todos os telefonemas a que tinha direito.
O Zé Pedro deitou-se cedo e feliz.
Não sei ao certo, mas pareceu-me.

18.11.04

Ah, Ganapo.

Este Verão, mostraram-me um vídeo em que o protagonista era um dez-reis de gente que, a dada altura, dava uma sonora cabexada numa meja. A dor da cabexada lá passou, o dez-reis de gente cresceu e fez-se rapazinho de maneira tal que ninguém esqueceu a cabexada; continuará a fazer-se rapaz, há-de fazer-se homem. Há-de fazer-se um bom homem.

Hoje o Zé Pedro faz quinze anos, o sacanita cresceu muito e a voz engrossou. Também neste Verão, vi-o de olhar preso, ouvido terno e voz sumida enquanto ouvia o Toquinho, doce, cantando baixinho O Filho que eu Quero Ter. O Zé Pedro é assim, descobre sozinho o que é importante e às vezes é ele que nos guia ao encontro dos bons instantes. Parabéns, ganapito. Lembras-te da letra?

É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem
De repente eu vejo se transformar num menino igual à mim
Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim
Um menino sempre a me perguntar um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem e a quem só diga que sim
Dorme menino levado, dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado de tanta dor que ele tem
Quando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar no derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua mão vedar meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
Dorme meu pai sem cuidado, dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado com o filho que ele quer ter.

Depois mando-te a música.

Messias

Pacheco Pereira é um homem lúcido. Facilmente identifica nas personalidades de Santana e Portas a sua (deles) suprema aspiração: o culto da (sua, deles) personalidade assente na subjectividade do líder. Sim, que líderes, cada um na sua quinta (e, se quinta comum houver, vamos a ver quem liderará), são agora eles, "ambos os dois".

No entanto, de 1974 para cá, a cultura do eu recomeçou com quem? Com Cavaco Silva. Eu componho, a ver se se entende melhor: a cultura "desenvergonhada" do eu, na governação, recomeçou com Cavaco. Desde a campanha eleitoral que fez na altura, centrada na sua ideia de si para os outros, (ele ali magérrimo, montado num tractor), até ao "deixem-me trabalhar" dos seus tempos de primeiro ministro acolitado por Leonores e afins. Era tudo "ele".

Não dissocio Cavaco, neste particular, destes dois simulacros de gente de bem que agora aqui temos empoleirados nas nossas cadeiras. Excepto pelo facto relevante de achar (como sempre achei) que Cavaco, ao contrário de ambos, é mesmo gente de bem.
No entanto, pela pequena similitude que lhe encontro na propensão messiânica, não apoiarei Cavaco, nunca, em nenhuma candidatura sua.
Fora do âmbito dum condomínio, evidentemente. Aí, talvez. Mas, mesmo assim, para o apoiar, terá de se candidatar ao condomínio dum prédio em que eu não more.

17.11.04

Cruzes e negas

1 - Parece-me bem que o conselho de ministros reúna embarcadiço, no Dia do Mar. Se um dia houver um Dia das Lixeiras a Céu Aberto, o País confia na coerência dos gestos simbólicos e, mais ainda, na simbologia das gestas ministeriais. Para ser perfeito calharia no Verão.

Ontem sonhei que havia um conselho de ministros na Páscoa, também. Um conselho pascal. Todo o ministério se tinha deslocado, descalço, ao Monte das Oliveiras, evidentemente. O senhor ministro da defesa e o senhor primeiro ministro presidiam ao solene "meeting", dependurados de ambas as cruzes laterais. Um em cada cruz, apesar da discussão inicial que mantiveram a respeito do seu posicionamento: o senhor minstro da defesa chegou a berrar que "eu também quero estar nessa, ora bolas!",mas foi serenado pelo senhor ministro do ambiente, que se sentou a seus pés, em silêncio, uns metros respeitosos mais abaixo. Estavam descalços, como já se disse, o que pode ajudar a explicar este recato.
Havia sido tapada a cruz central, que se mantinha lá, mas completamente fora daquele tempo e daquele contexto.
Acordei na certeza de não controlar os meus sonhos, mas de sonhar com respeito.

2 - Sobre a crise na coligação governamental, ficámos todos a saber que ela não existe. Não, vá lá, não brinquem, párem, o que não existe é "a crise", tontos!

"Não houve crise nenhuma", repetiram os líderes dos dois partidos que integram o Governo."A imprensa sabe sempre coisas que eu não sei", disse ainda o primeiro-ministro...

A última frase do primeiro-ministro, aquela em que compara a quantidade de coisas que ele sabe com a (na opinião dele) superior quantidade de coisas que a imprensa parece saber sempre, impressiona. Impressiona, como tudo o que Santana Lopes profere, pela veemência do seu ar surpreendido. Também impressiona um bocadinho por ter sido proferida ao lado de Paulo Portas, mas cada vez menos.

15.11.04

Eurekas

Este já estava linkado mas só agora é que descobri porquê.

14.11.04

Custódio outra vez. Que cisma.

A esta hora vai um avião a voar.
A esta hora vou eu no chão. Vamos todos no chão, os que não vamos no ar.
Eu hei-de ir sempre no chão, sou um cagão assim que me tiram do chão, por isso fico sempre nele. Vocês não sei. Só sei de mim, e mal.

6-1 ao Boavista. Pareceu-me normal.
Calhou assim. Conforme calha pior, às vezes.

Não, a vida não é assim ao calhas, que estupidez!
Não é, o caraças. É, é.

Outra coisa: logo que o teu avião pouse de volta, Lolita, farás o favor de linkar este, este e mais alguns que agora não tenho tempo nem disposição para pôr aqui. Mas gosto deles e cala-te. Pousa bem.

Lustros de quatro é como pokers de cinco

O mundo não é um lugar perigoso, Alonso. O mundo é cómico. Ou seja: se é perigoso, a gente sorri na mesma e sobrevive no sorriso.

Morreu Arafat. Já se sabia. Até eu hei-de morrer (não, não mandem e-mails que isto é a fingir). O José Manuel Fernandes é que escusava de se exercitar na sua diária equação equidistante entre o vórtice do furacão e os dejectos marginais do dito-cujo furacão, como faz sempre: é que dá sempre zero, essa equação maldita que ele está sempre a fazer, aquela gorda barbicha laboriosa e burra, escrevinhadora lesma.

A Lolita conseguiu explodir um aquário... Há aqui alguma novidade, Alonso? A Lolita consegue, até, manter um blog explosivo que há gente que lê . São os meus filhos, os teus, o filho dela? Eu sei, mas são gente! Ora!

Eu gostava de ser puto outra vez. Diz o Alonso. Pois gostava. Eu gostava outra vez de muitas coisas. Tu não gostavas, é, ó Alonso? Ah!, fadista!

Santana Lopes gostava de governar até 2014. Por mim está certo. Eu, já que estamos em maré de augúrios pedinchões, gostava de viver até 2036. Atê doismilitrintiçàis, sim, para se perceber mesmo em Lisboa, que é onde está quem manda nisto de estar vivo. Ai não é? Pois, não é, ainda bem, mas vai dar no mesmo.

E se Deus quiser escolher entre estas duas vontades, a minha e a do ruminante serôdio SL, que foi a Barcelos fazer de conta que andamos aqui a brincar aos cóbois, "olha eu aqui, o besugo, ó Deus".
É que mereço mais, eu, ó cromo lá de cima! Que eu até só quero viver e estar em paz enquanto estiver vivo; o tipo que andou a ser papado pela Cinha é que quer governar, e tudituditudo.

O Mundo está perigoso

1 - Alguém assassinou um cineasta, com o curioso nome de Van Gogh. Ao que parece, esse cineasta fez um filme denunciando o tratamento dado às mulheres nas comunidades muçulmanas mais "fundamentalistas".

2 - Uma mesquita foi incendiada, aparentemente por "retaliação" ao assassínio do Van Gogh.

3 - Tudo isto num país pacífico e normalmente orgulhoso da "tolerância" que nele se vive.

4 - Com Falluja ainda mal dominada, Mossul tornou-se um inferno. Teremos sequela do filme? "Fúria Fantasma II" é um título possível. Daqui a um ano teremos jogos para a Playstation com estes nomes.

5 - Arafat morreu. Agora veremos se a sua existência física era obstáculo à paz. Por mim, tenho as minhas dúvidas. E recomendo a leitura da da crónica do Vasco Pulido Valente no Público de hoje.

6 - Por falar no Público de hoje, li nele uma crónica "assassina" do António Barreto sobre o António Guterres. O António Barreto é um dos poucos socialistas lúcidos que conheço e que, mais do que apreciar, verdadeiramente admiro. Tem menos peneiras que o JPP - que cordialmente detesto na sua capacidade de defender tudo e o seu contrário com igual brilho - e é mais livre e desprendido do que este no que respeita à conjuntura política em que vivemos.

7 - Explodem aquários em casa da lolita. Mais: há prisioneiros em casa da lolita. O peixe é da Al Qaeda da certeza. Devia estar vestido de cor de laranja. E o aquário devia ser caridosamente referido na casa pelo adorável nome de Guantánamo (considerando a devoção que a lolita tem por tudo o que é cubano).

8 - O besugo queria ser puto, andar de inter rail e conhecer escandinavas. Sossega, besugo. Eu conheci uma norueguesa em tempos - há muitos anos, pois claro - e faltava-lhe o mesmo sal que sempre faltou à loira dos ABBA.

9 - A lolita vai deixar-nos por uns dias. Devem ser os suficientes para que o besugo comemore o empate do Sporting. Por mim, aguardo ansiosamente que regresses, lolita. Espero explicações sobre essa história do peixe que passou do aquário para um pyrex.

P.S. - Os "pyrexes" são aquelas coisas de vidro temperado que vão ao forno, não é?

P.P.S. - Xiça .... o gajo não devia ter feito explodir o aquário ...

Tontices

Hoje, uma simpática e tonta velhota chamou-me, lá do fundo da maca: "Empregado! Venha cá!". Tonta da velha. Fez-me sorrir, ternuras de quem já não tem avós.

A Lolita, quando um dia for muito velhinha e estiver deitadita numa maca de clínica chique, rodeada de jovens médicos perplexos pela sua jovialidade exigente de 106 anos , será bem capaz de dizer o mesmo, encarando um deles. O que tiver os olhos mais fundos. E de acrescentar "ó rapaz: você sabe como ficou o Porto, hoje? É que o besugo está no purgatório à espera de notícias e, bem vistas as coisas, se vocês não se despacham vou eu mesma lá, dar-lhas. Ou vender-lhas, quem sabe... Sobretudo se pressentir que o irrito, ao velho tonto!"

Boa viagem, miúda. A gente aguenta-te isto aqui, sem ti, embora isto sem ti não seja a mesma coisa.

13.11.04

Má fortuna

A blogosfera inteligente anda morna, vai-se segurando na morte de Arafat e na sublime inconsciência de Santana Lopes para alimentar polémicas. A blogosfera sentimental continua igual, como sempre foi e como sempre será: o conceito é intuitivo, anda à volta do "falo de mim e da minha alma", sendo, por isso, apropriável por um número potencialmente infinito de anónimos que entendem achar que a sua vida (interior, pois claro) é suficientemente interessante para qualquer indiscriminado leitor. Como é fácil de perceber, daqui decorre que o universo de blogues confessionais é suficientemente amplo para integrar escritos dignos de comparação com os mais inspirados versos de Petrarca aos escritos que, se fossem cantoras, se chamariam... Dulce Pontes, pois! Nada de anormal nisto, evidentemente. A blogosfera imita o mundo e toda a gente sabe que é mais difícil encontrar dez bem pensantes emotivos no meio de meia dúzia de milhões de pessoas do que uma agulha num palheiro industrial. E que, dos dez bem pensantes emotivos, pelo menos metade não serão escolarizados ou, até, possivelmente analfabetos: o que implica, desse conjunto, só cinco poderiam escrever num blogue.

Devo notar que nada disto é assim tão hiperbolizado como descrevi nem sequer o tema me interessa por aí além. Na verdade, tenho de confessar que só me servi daquela falta de assunto para entreter a espera. Encontro-me, pois, num condenante estádio de espera. Aproximam-se uns dois ou três dias que eu dispensaria até pagando para que me dispensassem deles.
Como não tenho dispensa, começo amanhã a contá-los, qual condenada, para que mais rapidamente se transformem em passado. O problema é que, neste preciso momento, esses dias ainda estão num irritante futuro próximo que é, todos sabemos, bastante mais incómodo do que um futuro longínquo e três vezes mais irritante.

Mas eu, enfim, não perco de vista que há coisas bastante mais incomodativas. Um exemplo? Aqui vai: há pouco, caiu-me um peixinho em cima. Não é agradável nem normal, até porque, imediatamente a seguir, ele caiu no chão, aparentemente morto. Mas há coisas bem piores: além do peixinho, também me caiu em cima toda a água do aquário. Explodiu, o sacana. Coisas que nem as leis da física explicam.

Despeço-me com esta húmida lição de vida. O besugo, o alonso e o stkaneko cuidarão disto (do blogue, que da inundação já eu tratei) com a atenção que eu sei que eles sabem que eu sei que eles dão. Eu volto, dentro de (felizmente poucos) dias. Antes que me esqueça: o peixinho não morreu e está vivaço, dentro da taça de pirex para bavaroises onde vai ter de dormir esta noite.

Entretanto, o Porto lidera o campeonato. Está tudo bem, dentro de dias estará ainda melhor.

12.11.04

Crepitações cósmicas



De vez em quando consigo parar de pensar na minha escala pequena de "todos os dias".

Nessas alturas, por muito que ache que o Altino é tresloucado daquela caixa córnea, apetece-me ser amigo dele e ter outra vez vinte anos. Ir fazer, outra vez, inter-rail (que nunca fiz), discutir Copérnico (mas alguém discute o falecido polaco? é que já nem a santa madre, caramba!) com gajas finlandesas (conheci umas holandesas, umas espanholas, várias portuguesas e uma francesa, mas nenhuma delas discutia comigo à escala planetária... e nunca conheci nenhuma finlandesa: fiz uma viagem de comboio com um dianamarquês de Vejle, mas isso não conta) e dedicar-me a achar que vivo num planeta, em vez de estar aqui a sentir-me simétrico com um país, um pequeno continente e um orçamento comunitário que é mais orçamento que comunitário. E, ainda por cima, sabendo-me decalcado deles todos, do país, dos orçamentos e da comunidade europeia "encaminhada".

Valha-nos Deus e o Dr. Solari, que explicou ao país em sobressalto que o Dr. Bagão Félix teve uma crise hipertensiva e que amanhã vai ter alta. Medicado.

Como tenho urgência amanhã e me sinto sempre entre a aldeia e o planeta antes duma urgência, peço ao Altino que não leve a sério o que vou dizer a seguir: o blogue dele é o melhor do mundo. Tirando o blogamemucho, evidentemente, mas isso é por causa da Lolita.

E oxalá o governador civil, ou mesmo um qualquer deputado dos bancos de trás (os montes), não me invada a pacífica existência de "urgencista por imposição", encanzinando-me, ainda mais, o sacrifício.

Gin

Um gin tónico é, geralmente, bom.
Claro que há alturas em que, além de bom, é certeiro.
Pode ouvir-se "The piano man" enquanto se lê, se tiverem o disco do Billy Joel em casa.

Erros

Acompanhei, há alguns meses, a forma equilibrada entre a revolta e a sensatez com que João Tilly nos descreveu, a todos os que o lemos, a morte do Pai.
Apeteceu-me, na altura, dar-lhe um abraço solidário. O meu Pai está vivo, o dele morreu, bastaria isso. Mas era, sobretudo, um abraço a um homem desgostoso, profundamente emocionado, questionando, criticando abertamente, mas mantendo um equilíbrio quase perfeito entre a dúvida ("eu penso que isto não devia, não podia, ter acontecido assim") e a certeza do inevitável ("quão duras e injustas podem ser as excepções quando nos tocam a nós"). Não fez, nessa altura, generalizações injustas. Fez justas perguntas. Apeteceu-me abraçá-lo (e fi-lo, excepcionalmente, nos comentários do seu blogue) pelo toque genuíno de "involuntarismo" que, na sua descrição, apesar de tudo, atribuía àquilo que, legitimamente, porque se sentia lesado, era, para ele, uma culpa. Sim, nem sequer era só de erro que ele nos falava.

Não sei, confesso, o que se seguiu. Não sei se se apurou ter havido erros, se terá havido culpa, incúria. Não sei mesmo. Sei, apenas, o que ele escreveu nessa altura. E, na altura, bastou-me.
Saber mais ou não é, até, irrelevante. Não para a nossa vida de todos os dias, mas para o que vou dizer a seguir.

Recentemente, no seu blogue, João Tilly escreveu diferente. Generaliza a sua desconfiança em relação àquilo que chama "a classe médica", afirmando sobre ela que "tem de descer à terra", "tem de ser obrigada a defender-se" e, a cereja sempre no topo do bolo, "esta classe privilegiada tem de prestar mais atenção àquilo que faz e ter mais respeito pela vida humana".

Honra lhe seja feita, João Tilly publica no seu blogue um e-mail de Alfredo Vieira, que se depreende ser médico, que expressa tristeza pelo que João Tilly escreveu sobre os médicos em geral. Mas João Tilly apouca o e-mail numa diatribe que escreveu sobre a formação médica, tirando-se dali, aparentemente, que pensa que o erro médico é mais grave, na sua consequência, que o erro noutras profissões. E, dessa verdade - porque é uma verdade -, extrapola, abusivamente, para a gravidade suplementar do erro médico na sua essência. O que denota má fé. Julgar o erro pela sua consequência é intelectualmente inaceitável.

Esse texto de Alfredo Vieira explica a João Tilly, também de forma emotiva, que a "classe médica em geral", se descer mais à terra... quase se sepulta; que qualquer médico tem de se defender, apenas, nas situações em que qualquer outro cidadão o deve fazer também (quando o atacam); que os privilégios da classe médica "com carreiras multimilionárias" são, em muitos casos, a miséria do trabalho pesado, mal dormido e mal pago (quatro contos e seiscentos por hora ganho eu, que estou no topo da carreira médica, sou chefe de serviço, e ganho este balúrdio porque estou em dedicação exclusiva) e a suspeição constante; finalmente, o mais grave de tudo, que a "classe médica" (e, se eu faço parte dela - e faço! -, ou o João Tilly "se reescreve", ou nunca mais o leio) tem muito respeito pela vida humana.

Nada me move contra João Tilly. Comecei, até, basta ler ali em cima, por expressar o contrário. Como ele, desconfio do corporativismo, dos silêncios cúmplices que podem minar a credibilidade, a bondade, de qualquer classe profissional. Mais: de qualquer agremiação, mesmo duma sociedade filarmónica. Podia, até, ironizar e tentar diminuir (de forma baixa e desonesta) o que João Tilly tem escrito a este respeito, argumentando com uma coisa que ele próprio afirmou sobre o que escreve: qualquer coisa que ele disse sobre escrever sem sequer pensar, nem na forma, nem no conteúdo. Ele escreveu isto algures.
Mas não o faço.

João Tilly, que escreve e é lido, detendo essa responsabilidade acrescida que a leitura alheia confere ao que ele escreve, tem de se reformular. Tem o dever de se manter nos bonitos limites da tolerância, da justiça e do respeito que os médicos do seu País lhe devem merecer, para manter a legitimidade (que ninguém lhe contesta, pelo contrário) de poder protestar, indagar, inquirir, quando se sente maltratado por qualquer um deles. Ou por qualquer instituição em que qualquer um deles (eu incluído, evidentemente) trabalhe.

10.11.04

Darwin

Leio frequentemente, com gosto, o Observador. Às vezes não concordo, gostar e discordar podem coexistir pacificamente.
Desta vez, retive duas afirmações que, embora desinseridas do texto, que é mais longo e assumia a forma de resposta a um outro blogue, não ficam (parece-me) desvirtuadas do contexto por dele terem sido excisadas.

O liberalismo, quando selvagem, leva a inúmeros problemas. A questão está em saber como os evitar. Os socialistas, que aceitam a civilização liberal, querem utilizar o Estado para tal. Mas, no meu entender, é possível ir por outra via que passa pelo regresso a uma ideia, há muito desaparecida na nossa sociedade, que é a responsabilidade pessoal, o sentido de cumprimento do dever.

Acredito profundamente na primeira frase. O maior problema do liberalismo selvagem é, exagerando muito pouco, o regresso à concepção pré-histórica da vida em comum, ao espírito de clã, ao velho Darwin: quem tem fogo, aquece-se, cozinha, controla; quem não tem, que pena tão grande!
O que duvido é que o sentido da responsabilidade e o do cumprimento do dever, essas subjectivas sensações, sejam antagónicos do dever obrigatório de solidariedade com quem pode menos. E que uma sociedade assim, tão entregue à subjectividade duma quase auto-avaliação do honesto empenhamento, se auto-regule com justiça.

"O que critico, no nosso sistema de ensino, é que, além de ele ser injusto (há quem não o utilize e por ele pague o mesmo daqueles que o usam) ..."

Não critico o sistema de ensino (julgo que se refere ao público) por isso. Quem não o usa, porque pode e quer escolher outros caminhos, que também existem, deve contribuir para que quem não pode escolher possa usar, ao menos, esse.

9.11.04

A Dulce

Passemos a outro assunto.

Em boa verdade, o besugo não tem qualquer exclusivo na publicação (recorrente) de longas dissertações sobre os seus mais estimados ódios de estimação - a saber, Manoel e Sean. É que também eu senti esse apelo: tentei, hoje à tarde, explicar a razão pela qual defendo que a Dulce Pontes canta abaixo de mal.

Lembrei que é histriónica. Que anseia por mostrar que tem um vozeirão (amplitude vocal, ao que me disseram) e que se esquece que é muito mais simples do que isso - só teria de cantar. Comparei-a (imagine-se a heresia, helás!) a Maria Callas, esse vozeirão cantante. Mas a Callas sabia usá-lo e sabia suscitar farta comoção, ao passo que, quando canta a Dulce, me lembro imediatamente dos piratas da BD do Astérix gritando "preferimos o chicote" ao entertainement do bardo Assurancetourix.

A Dulce estragou a musicalidade dos fados de que eu gosto(ava), inquinou a música do Morricone e induziu as adolescentes aspirantes a vozeirões a mostrar comportamentos desviantes nos concursos da televisão.

A Dulce é um desastre estético, só comparável ao incêndio da biblioteca de Alexandria, à implosão das estátuas hindu no Afeganistão, à obcessão mundial pelo Código da Vinci ou à reeleição de George Dabliu Bush.

Antes a Tonicha.

Simplicidades

Arafat deve estar quase morto. Faltará pouco tempo, às tantas, para que se coloque a questão de verificar se o cérebro do velho Yasser já morreu. A morte cerebral, desdenhando questões mais ou menos metafísicas, implica a assunção da morte do indivíduo que era dono daquele cérebro, por muito que o coração ainda lhe bata e os rins lhe funcionem.

Colocam-se, a este respeito, algumas questões muito simples, cuja resposta deveria ser, também, singela e calma.

Duas são estas.

1. Quem deverá decidir, perante a futura evidência demonstrada da "morte cerebral" de Arafat, a cessação do suporte avançado de vida que o mantém, para já, "deste lado"?
A família chegada.

2. Onde deverá Arafat ser enterrado, quando morrer?
Onde tiver pedido, se para isso tiver tido tempo. Em alternativa, onde a família pedir. Não há nenhum solo digno de mais, nem santo demais, para receber o corpo acabado de ninguém.

Se não estivéssemos tão torturadamente submersos na nossa ambivalência analítica, seria assim. Dolorosa (a morte causa sempre dor a alguém) e calmamente fácil.

Já sei, já sei:
"Mas, burro besugo, tu não vês? E depois?".
"Depois o quê?".

A América que voa

Tal como apontou o besugo, há quem fale em "uma américa", "outra américa", várias américas. Há, seja como for, muita América além de Bush. Nesta música, a Estátua da Liberdade está universalmente telúrica; o Mayflower traz dentro os nossos sonhos, tantas vezes frágeis, tantas outras (mais) vezes teimosamente presentes. No fim do caminho descansamos, sempre se descansa no fim do caminho que não é igual ao que sonhámos mas, bem mais do que isso, é aquele que se construiu. Há uma América bonita.


Many's the time I've been mistaken, and many times confused
Yes, and I've often felt forsaken, and certainly misused.
Ah, but I'm all right, I'm all right.

I'm just weary to my bones.
Still you don't expect to be bright and bon vivant, so far away from home, so far away from home.
And I don't know a soul who's not been battered.
I don't have a friend who feels at ease.

I don't know a dream that's not been shattered, or driven to its knees.
Ah, but it's all right. It's all right.

For we've lived so well so long.
Still, when I think of the road we're travelin' on, I wonder what's gone wrong.
I can't help but wonder what's gone wrong.
And I dreamed I was dying.
I dreamed that my soul rose unexpectedly, and looking back down at me, smiled reassuringly.

And I dreamed I was flying, and high up above my eyes could clearly see the Statue of Liberty sailing away to sea.
And I dreamed I was flying.
And we come on the ship they call the Mayflower.

We come on the ship that sailed the moon.
We come in the age's most uncertain hours, and sing an American tune.
Oh, and it's all right, it's all right, it's all right.

You can't be forever blessed.
Still tomorrow's gonna be another working day and I'm tryin' to get some rest; that's all - I'm trying to get some rest.

(American Tune, Paul Simon)

8.11.04

Anotei mais um...




O mais certo é todos os jornais voltarem a cair em cima do Ricardo por ter deixado a bola fugir-lhe das mãos, mas o que eu vi depois disso foi o Jorge Costa a impedir o Polga de se fazer à bola. Há uma câmara que mostra bem o lance, mas curiosamente apenas por duas vezes se viu. Uma durante o jogo e outra já nas notícias desportivas. Até o comentador de serviço (que quase me fazia ter um "orgasmo televisivo" com os seus soberbos e imparciais comentários) referiu que sobre o Ricardo não tinha havido falta. A existir falta "só se for sobre o Polga"!
Assim se abre mais uma vitória...


Sacudir a neura tem de ser logo

1 - Não há sombra de pecado na vitória do Porto sobre o Sporting. Jogaram melhor, foram melhores, são melhores, ganharam. Atenção: são melhores agora, isto pode inverter-se. Mas uma possibilidade futura não invalida uma verdade de hoje. Parabéns ao Porto. Sacanas.

2 - Foi por 3-0, como podia ter sido por mais, ou por menos. Eu, aqui, espero que não me desmintam: o Sporting, quando está a perder, não pode fazer como outras equipas, tem de se abrir e correr atrás do prejuízo. É nos jogos de iguais que temos de mostrar que somos iguais, quanto mais não seja para corrermos o risco de mostrarmos as fraquezas, de nos humilharmos na demonstração de que não somos, afinal, "tão iguais como isso". Não é a primeira vez que vejo isto: se abrimos, levamos. Levámos.

3 - Pormenores técnicos que não invalidam a justiça da vitória dos andrades:
a) - Falha do Ricardo no primeiro golo (o eterno problema das saídas da baliza, não é, Ricardo? pois é, que havemos de fazer? deixa-te estar que a gente gosta de ti na mesma).
b) - Ingenuidade do Enakharire no 3º golo (aguentava a posição, deixava-o ir, que o Carlos Alberto ficaria a olhar para a bandeirola levantada do fiscal de linha...)
c) - O Liedson é buliçoso, mas é um bocadinho jerico. Alguém que lhe explique aquilo da lei do fora-de-jogo, bolas! É que exaspera!
d) - O Rochemback ainda se arrasta um bocado. Enquanto assim for, não consegue arrastar mais nada, muito menos a equipa. Ginástica e come menos, rapaz!

4 - Epílogo: levámos três secos. Nada que nos impeça de continuar a lutar, há muitos mais jogos, creio haver ainda sportinguistas, no pasa nada.

Parabéns ao Porto, num jogo sem grandes casos.
Eu podia vir aqui, numa ironia de cão, agradecer à nossa imprensa desportiva por ter andado a dizer do meu Sporting aquilo que o meu Sporting ainda não é: uma equipa do caraças. Mas é irrelevante: eles andaram a dizer isso, fomentando o discurso "vindo de baixo" do Porto (o discurso que melhor lhes convém, não são burros), mas não foi por isso que perdemos o jogo. Foi porque isso não é (pelo menos ainda não é) verdade: não somos, de facto, melhores que eles, e bastaria ver o jogo de hoje para ter a certeza disso.

Desculpa, rapaz...

Quando, ali abaixo, disse um "abrenúncio" à possibilidade de o Benfica vir a ser campeão, esqueci-me que há benfiquistas que não têm culpa de ser adeptos dum clube que me irrita, apenas, por "serem tantos que quase se confundem com "o Portugale quase inteiro"." Assim mesmo.
Se calhar há muitos benfiquistas como o stkaneko, eu é que me esqueço disso, às vezes.
Quanto ao jogo com o Porto, está tudo dito: eu acho, como sempre, que vamos ganhar. Geralmente não ganhamos. E, mais vezes do que eu gostaria, não ganhamos ... e muito bem.

Desta vez, vamos ganhar.

Senhoras...



Eu isto, eu aquilo, eu racho, eu aconteço, eu faço acusações e não as provo e depois disto tudo eu continuo a ser uma Senhora! Assim se deve achar esta gringa que não me agrada mesmo nada e de quem não sei o nome.
Enoja-me ver gente desta! Gente que não trabalha para ganhar a vida! Gente que ganha dinheiro à custa de banalidades que fazem vender revistas. Umas vezes pagam-lhes viagens e aparecem... outras pagam-lhes plásticas e lá estão elas a ser capa de revista! Enoja-me! Não compro e não leio!
As Senhoras que eu conheço, e com quem me dou (Lolita incluída...), esforçam-se diariamente para no final do mês receberem o seu ordenado. Não é elástico, o ordenado, mas chega para pagar as contas de alimentação, para vestir os filhos, para pagar o empréstimo da casa e para algum contratempo de saúde, que por vezes acontece. Estas sim! São verdadeiras Senhoras e dou-lhes valor por isso!

O problema de parar para pensar

Vamos fazer um corte longitudinal num serviço de Medicina Interna, em pleno Outono? Querem, ou é mais fácil discutir a América? Aceitem o repto, que no Inverno, com o frio, vai ser ainda pior.
Vamos a isso, vá. É um tema de somenos importância, ninguém acredita, mas façam-me a vontade. É só hoje.

Imaginem que têm 60 camas onde estão internados 60 velhos, 60 doentes crónicos que agudizaram (acontece muito aos crónicos) a sua condição de doentes permanentes. Imaginem que, neste corte longitudinal feito a uma sexta-feira (por hipótese), nenhum deles tem condições de ter alta. E que os 3 ou 4 que poderiam ter alta, assim "mais ou menos melhorzitos", não são levados para casa pela família. Acontece, pois. Claro que acontece, a vida é difícil.
Está tudo certo? Não, não está. Cá em baixo, na Urgência, imaginem que estão mais 23 velhos á espera duma vaga. Velhos iguais aos de cima, os que já estão internados. Suponham, por mero absurdo, que metade deles (os de baixo) estão depositados em macas. Porque não há camas. Que vos parece? Que devia haver mais camas? Menos doentes? Mais médicos? Melhores médicos? Melhores doentes? Tudo junto e o Benfica (abrenúncio!), ainda por cima, ser campeão?

As administrações ( e alguns médicos e enfermeiros que se vêm ocupando, durante um ou dois semestres, quase em exclusividade neuronal, a aprender a suprema arte da gestão hospitalar) afirmam que é a demora média elevada dos doentes internados que provoca este caos. "Dêem altas, que há lugar para todos!", costumam afirmar.

Começa aqui, neste lapidar conselho dado por quem sabe, aquilo que intitulo, desde já, como o "curto-circuito dos velhos". É intrigante como os números são engraçados. Servem para tudo, os estúpidos adoram-nos, até porque fazer contas é uma característica elogiável dos "débeis calculadores".
Cada voltinha no "circuito dos velhos" começa na alta hospitalar precoce e termina na readmissão hospitalar rápida. Este circuito é curto, de facto, mas costuma ter várias voltas.

É assim: alta, casa, hoje tossiu mais, não comeu, urgência, já para a urgência!, não, passo antes com ele pelo centro de sáude, ok, fazes bem, passa por lá, levas a carta amarela a dizer "já para a urgência!", urgência, maca, maca, maca, sempre a maca, caralho!, dêem altas lá em cima, isto aqui em baixo está cheio!, ok, já pode subir ao internamento, internamento, que se passa?, nunca mais vai para casa?, olhem lá para baixo, há lá mais, há muitos, são tantos, dêem altas, ok, sais tu e aquele, que já não tosse, alta, casa, hoje tossiu mais...

Ora foda-se.

Segunda-feira verde...

Depois de ver o meu Benfica vencer, de forma difícil, o Vitória de Setúbal (com um resultado pesado para os Sadinos...) espero que amanhã seja um bom dia.
Espero, acima de tudo, que comece bem azul mas que da minha janela se veja melhor o verde da relva do grande Sportinguista que lá mora.
Com o passar do dia, a noite chegará fria e silenciosa. Com ela vem o desejo de poder ver o Sporting vencer um jogo que também se apresenta difícil. Não que eu o veja difícil pelo rival. Não! Difícil porque, por muito que se tentem abafar casos anteriores, o António Costa vai, claramente, decidir os lances todos que puder a favor do Porto.
Mesmo com tudo o que o Porto vai fazer para influenciar o árbitro (ir à cabine, arremesso de moedas, cuspidelas dos tipos da claque, o reaparecimento do guarda Abel ou a simples aparição da virgem que por lá parece andar) espero que o Sporting consiga ganhar!

P.S. - Desde o jogo da Luz já contabilizaram a quantidade de erros que os árbitros, coitadinhos, decidiram erradamente mas sempre a favor do Porto?? E alguns com clara influência no resultado? Vão anotando...

7.11.04

O silêncio e o sigilo

Li, por aí, duas formas distintas de analisar o comportamento do enfermeiro que denunciou a rapariga que na semana passada foi julgada em Lisboa.

Uma delas é serena, reflectida. Está expressa, de forma límpida, no Mar Salgado e não carece de qualquer complemento. A quebra do sigilo profissional não só é legítima como se impõe se a ameaça ou risco de dano é iminente, tal como se passa nos casos de violência conjugal ou de maus tratos inflingidos a menores. Apenas nesses casos, mas imposta, nesses casos.

A outra é intransigente e vertiginosa. Arvora o cidadão que esteja na posse de informações privilegiadas num agente fiscalizador do próximo. Promove a pseudo-moralidade do castigo imposto ao terceiro prevaricador. Estimula o comportamento delator e exige que os outros devotem gratidão a esse comportamento. Em suma: transforma o dever de sigilo profissional num direito subjectivo à denúncia. Está amplamente explanada aqui.

Em matérias moral e socialmente delicadas - como a do aborto, as opiniões intransigentes ainda me parecem mais intoleráveis. Como quase sempre sucede quando, de um lado, a lei se sucede temporalmente às práticas sociais (ou se torna obsoleta em face da imposição dessas práticas) e, do outro, a moral religiosa se imiscui no Direito, a criminalização da IVG não elimina a sua prática; apenas a empurra para a clandestinidade.

É na clandestinidade de risco que são praticados abortos por pessoas que já antes de o praticarem eram socialmente excluídas e que se vêem, repentinamente, num (mais um) aterrorizante filme da sua própria vida. E o Estado, que já lhes negou quase tudo, negou-lhes também a possibilidade de praticarem aquele aborto (incontornável e necessário, ainda que tenha de ser clandestino) em local condigno, sem riscos e sem terror. O enfermeiro, por sua vez, negou-lhe a compaixão, que era tudo o que se lhe pedia. Exigia. Não devia ser necessário invocar-lhe o dever de sigilo; não devia ser preciso que lhe impusessem o silêncio.

O Estado, que redundantemente lhe negou quase tudo, só não lhe negou uma coisa - a perseguição criminal. Com a ajuda do enfermeiro que, eventualmente, será punido por coisa nenhuma, porque não há punição possível para tão sinistra denúncia.

Excelências

O excelente fotógrafo Manoel de Oliveira ganhou mais um prémio de carreira.
Sean Penn, esse expressivo histérico, também ganhou um óscar, recentemente.

Mísia, qualquer um dos elementos do clã Câmara Pereira, mais uma meia dúzia de esotéricos que por aí saltitam, hão-de, um dia, ganhar uma merda qualquer.

Cláudio Ramos pode vir a ser, portanto, Presidente da República. Ou mesmo ponta de lança do Sacavenense!

(Ainda o Eixo: iniciar o programa com a brincadeirazinha sobre o problema do Salgueiros é pobrezinho: mais, é típico de lísbio).

Uma América

O Eixo do Mal começou.

Apresentado por um prognata contido, daqueles que "quando chove cai-lhe água na boca".

Um zum-zum de vozes meigas, vozes de pensadores em exclusividade. Vozes de dentro deles por fora de nós, a fazer-nos pairar lugares comuns como se fossem jardins suspensos.

Falaram de coisas pequeninas como se fossem grandes e de coisas grandes como se fossem pequeninas. O mesmo registo, um bocadinho "féxen", um bocadinho "azeiteiro", para tudo. O mesmo sorriso de enfado "de quem leu muitos livros" em todas as bocas. Independentemente do tamanho das bocas e das coisas, fica a ideia de bocas a falarem de cátedra de quase tudo, superficialmente, enfadadamente, mas de cátedra. Sempre os livros. A condensação do nosso pensamento no pensamento dos outros. Condensação utilizada como arma de arremesso. "Este livro também sou eu". "Este autor, a mim, caralho! Que portento!"

Há uma América, há duas, há várias... Um programa para contar Américas, sorrindo sempre, como se "da América eu é que sei". Uma América, aquilo tudo, como diria o João Braz.

Ficaram todos um bocadinho patéticos na sua tertuliana exibição de si. O mundo até pode ser aquela merda simples de que falam, mas falam daquela merda simples como se, ao mesmo tempo, fizessem parte dela e a vissem de cima.

Fica-me a sensação de que a Clara Ferreira Alves, apesar de parecer sempre sob o efeito duma violenta pedrada cosmopolita, ainda marchava.
Do resto eu já sabia: aquilo é discutir as discussões, de forma circular e "entediada", até que acabe por nos parecer que o importante são as discussões, não as coisas que se discutem.

Bairrismo

Há pouco, na SIC Notícias, vi o Nuno da Câmara Pereira (o fadista da voz caprina) no seu papel de líder dos protestantes contra as taxas de entrada no Castelo de São Jorge. Aproveitando a presença das câmaras, o Nuno passou por cima do obliterador de bilhetes com expressão corajosa e com a destreza só expectável a quem mantém a boa forma cavalgando nos montes alentejanos à caça das perdizes. Foi lindo: a causa é tão nobre e o simbolismo é tão forte que a imagem nos há-de ficar carimbada na memória de forma só comparável à imagem dos tanques na praça Tianammen. Mais lindo seria, a continuación, que compusesse um fado em que exortasse à libertação do Castelo.

Mas note-se bem: os lisboetas não pagam. Trata-se de mais um curioso corolário daquele obtuso princípio do utilizador-pagador. Outro possível, que me foi sugerido há pouco, consiste exactamente no inverso: qualquer lisboeta que queira entrar no Porto pagará bilhete. A menos, claro, que consiga passar por cima do obliterador.

5.11.04

Eu já estava preocupado ...

... com a falta de reacção e comentário às minhas postas e, claro, ao facto inédito de ter escrito três de seguida.

Esclareço algumas coisas (primeiro à lolita, que eu cá sou muito cavalheiro):

Os assuntos ficaram todos tratados ao princípio da noite. A secretária, essa pobre instrumentalizada, já cá não estava nessa altura, coisas de quem tem horário de trabalho.

A propósito do Bush, vais no bom caminho. É que ao Alberto João Jardim já ninguém subestima. Mesmo os que ainda dizem que ele é estúpido fazem-no só para recolher auto-satisfação do facto de acharem que o estão a insultar.

àcerca do teu "estrutural cavaquismo": Não sei o que é isso do portismo, mas não é comigo de certeza. (nota interna: apurar se o Cavaco também fazia rascunhos).


capitalismos: Eu sei que Cuba ainda vive na Idade do Bronze. E que tem um fóssil a mandar naquilo. Mas achava que tu não eras dessa opinião.


Agora tu, besugo:

Eu não percebi bem o que tu escreveste. Tu chamaste estúpidos ao Marco Paulo, Tony Carreira, Nel Monteiro, Ana Malhoa y su padre, Kapinha, Sean Penn, Manoel de Oliveira e Cinha Jardim?

É que se chamaste, afianço-te (e faço-o sem receio de me enganar, apesar de não conhecer pesoalmente nenhuma de tão ilustres pessoas) que estás redondamente enganado. Nenhum desses é estúpido.

Não gostas da música, dos filmes, do modo de vida deles? É isso? Deve ser. E até estamos de acordo. Eu também não gosto.

Pensa nisto e boa urgência.

Ele é que disse

O Alonso disse isto:
"O engraçado disto tudo é, no entanto, que quem pensa que o Bush é estúpido e o despreza não se dá conta da absoluta vacuidade dessa acusação. Ele não é - evidentemente - estúpido, mais que não seja porque se o fosse não chegava onde chegou (agora duas vezes)".

O Alonso acaba de legitimar, por exemplo, a qualidade musical de Marco Paulo, Tony Carreira, Nel Monteiro, Ana Malhoa y su padre, a do próprio Kapinha. Que chegaram onde chegaram, ou seja, mais longe que a própria idosa Maria Guinot e, portanto, "saludos calientes desde luego".

O próprio (duas vezes próprio não é, propriamente, bom) Sean Penn lhe agradece, ao generoso Alonso, esta definitiva coisa: "chegaste aí, logo, mereceste, ó cromo!".

Até Manoel de Oliveira e Cinha Jardim lhe vão mandar e-mails, ao Alonso, a agradecer a simpatia.

4.11.04

Mikado

O excelente jogo do Sporting (com fases de tremideira que me deixam apreensivo) não me faz esquecer a chata derrota do Benfica. Penso que não será difícil, nem a nós, nem aos lampiões, superarmos esta fase de grupos da UEFA. Mas levar 3 secos em Estugarda, caramba, nem o Wolfsburgo, bolas! O Argel devia andar nas obras.

O Bush ganhou e tenho lido que a vitória do republicano estupidifica a Europa pensante. Contesto a óbvia verdade apenas por isto: eu não sei o que é a Europa senão em sucessivos mapas (o meu mais velho ainda hoje me pergunta que raio vem a ser isso da Estónia e da Letónia, acha que são países esquisitos; e são: perdem sempre com Portugal) e cedo pressenti que o futuro dos EUA é, mais ou menos, como o futuro do Mundo: não se decide aqui, na Europa, que é um arquipélago esquisito, nem lá, que aquilo é um pequeno continente ancorado no grande cais da gargalhada funesta, tresanda a morte.

Bolas, eu disse mesmo isto. Azias menores.

O Kerry perdeu, mas isso faz-me o efeito dum jesuíta: cai-me metade do pastel em cada trinca.

Mais coisas? Por hoje mais nada.
Um abraço a todos e boa urgência para mim, amanhã.

P.S. - Aquela senhora de cabelos brancos que falava "ashim", que é directora daquele serviço de urgência dum hospital da margem sul dum rio do norte, é minha amiga e minha tia. Irmã do meu Pai. E eu gosto muito dela.
Voltei a falar de mim ao falar dos outros, mas também expliquei a Europa e o Mundo em palavras simples. Tenho desculpa.

En passant

Consigo imaginar amanhã o Alonso afogado em telefonemas de clientes irritados, perguntando-lhe pelo assunto que ele devia ter tratado hoje ao final da tarde. Como o Alonso não lhes poderá explicar que esteve enfiado no blogger durante um ror de tempo, há-de, como é habitual, justificar-se com a pobre da secretária (a escrava, não o móvel onde esteve debruçado a escrever compulsivamente) que, alegadamente, não lhe terá dado os recados. É assim, o mundo capitalista (*); quem possui os meios de produção, instrumentaliza os que não os possuem.

Posto isto, comento sucintamente as postas do Alonso:

- Sobre o aborto: o feto morreu, de facto. Também me entristece, isso. Mas a história da rapariga também me entristece. Porque é triste ainda que fosse isolada, mas igualmente porque se repete vezes demais.

- Sobre o Bush: ele não é estúpido, de facto. É, antes, inculto, sobranceiro e obtuso. O que, na prática, significa ser estúpido. Assim dentro do género Alberto João Jardim (que também já foi reeleito uma porrada de vezes, note-se), mas com mais mísseis.

- Antes Cavaquista do que Porteira. Portista. Leia-se Pórtista, por favor! E tenho dúvidas, ora. Mas guardo-as nos rascunhos...


(*) O capitalismo, aliás, faz-me lembrar os ancestrais regimes comunistas que perduraram no leste da Europa durante a Idade do Bronze, em relação aos quais o Alonso cultiva vasto conhecimento e carinho profundo. Espero que ele volte ao tema. Pela santinha.

Escrever também é bom

Ao besugo: fazer de um blog um bloco de notas pessoal nunca foi o teu estilo. nem o da lolita, meu ou de qualquer um dos blogamemuchistas de intervenção ainda mais esporádica do que a minha.

Debitar aqui umas tantas reflexões sobre coisas de que gostamos (tipo: futebol e molhes) e/ou que nos dão que pensar, "picar" o blogamemuchista do lado ou deixar aqui um ou outro desabafo mais pessoal (estilo o meu adiado julgamento, o meu aniversário ou a minha mais recente experiência de patermidade), eis o que nos alegra de vez em quando o dia (ou a noite).

Nesta última vertente "desabafante", sendo certo que devemos usar de prudência, não o é menos que tal prudência é mais connosco próprios do que por temor a incomodar outros.

Se te pões agora a escrever menos deixas-me aqui praticamente sozinho com a lolita, que me esfola vivo com três frases lapidares, misturando pelo meio um "pela Santinha" e chamando-me, no mínimo, "retorcido".

É mulher, como tal cheia de certezas e sem aquela centelha de humanidade e compreensão pelas falhas alheias que é tão característica dos homens. Tu conhece-la, é estruturalmente cavaquista.

Escreve, besugo, se me tens estima ...

O estúpido ganhou

As eleições americanas lá decorreram, desta vez com um final clássico (choro de um lado, festa do outro) e sem as peripécias do anterior. O seu resultado (a vitória do Bush) dá uma liçãozinha de humildade democrática a todos - sobretudo na Europa - que o engolem com dificuldade.

Na política interna não faço ideia, mas na política externa sou crítico da "administração Bush", e sempre achei o derrube do Saddam menos prioritário do que um investimento localizado e constante na recuperação do Afeganistão. Hoje ainda será mais claro que a invasão do Iraque foi, no plano estratégico e diplomático um erro - em linguagem vulgar, um salto maior do que a perna.

Em qualquer caso, o tipo de ataques que a "bem-pensante" sociedade europeia desencadeou contra o Bush errou manifestamente o alvo. Regra geral, está por estas bandas instalado o conceito de que o tipo é, basicamente, estúpido. E não deve haver esquerdófilo jovem de barbicha, ou velho com-saudades-do-tempo-em-que-era-associativo, que não sinta por ele algo próximo do desprezo.

As coisas, na verdade, não mudam muito. Tudo isto me lembra o que há vinte anos os jovens barbichas os velhos saudosos de então diziam do Reagan, cuja passagem pela história do Séc. XX ficou no entanto indelevelmente marcada (e mais não digo, senão a lolita acusa-me de viver no passado com o meu anti-comunismo serôdio).

O engraçado disto tudo é, no entanto, que quem pensa que o Bush é estúpido e o despreza não se dá conta da absoluta vacuidade dessa acusação. Ele não é - evidentemente - estúpido, mais que não seja porque se o fosse não chegava onde chegou (agora duas vezes).

E é por não se darem conta desta tão simples evidência que, perante as eleições de ontem, as reacções encontradas ou são de incredulidade ou de profunda confusão. Desta vez nem dá para discutir o sistema eleitoral americano, considerando que, apesar da magra vantagem do Bush no Colégio Eleitoral que designa o Presidente dos EUA (274 - 252) , a verdade é que ele teve mais três milhões e seiscentos mil votos que o Kerry.

Resta, é claro, desenvolver teorias da conspiração, culpar os judeus americanos, os cubanos de Miami, o Bin Laden e quejandos ... e chamar estúpidos aos americanos em geral (esta última hipótese é, em regra, o desporto favorito de quem perde eleições).

A meu ver, no entanto, devem encontrar as razões da sua derrota em figuras como o Michael Moore. Eu não sei quantos votos o seu filme-panfleto deu ao Kerry ou tirou ao Bush. Mas desconfio que são menos do que aqueles que deu ao Bush, admitindo mesmo que não tirou ao Kerry, mas à abstenção.

Não é por se chamar estúpido, primário ou coisa similar a um adversário que ele passa a sê-lo. E se, na verdade, o não for, quem assim o tratar subestima-o, fica em desvantagem no "combate" e ... provavelmente ... perde. Só ganhou ao estúpido numa coisa: em estupidez.

Finais Felizes?

A lolita voltou a um tema que lhe é caro, o da (in)dignidade penal do aborto. Fê-lo na perspectiva, já conhecida, de que o aborto não deveria ter dignidade penal e que é abjecto fazer passar uma mulher - neste caso, adolescente à data do acto - pela humilhação de explicar o que fez e porque o fez em Tribunal.

Eu concordo que estas histórias são tristes, podendo mesmo ser miseráveis. Mas tristezas e misérias é o que mais se vê se se passar um dia num Tribunal Criminal.

Mas não aceito que isso seja argumento válido para retirar censurabilidade penal ao aborto. Se fôssemos por aí, a questão das condições subjectivas de cada um dos que pratica um acto penalmente relevante deixava de importar apenas para a determinação da medida da pena, e seria argumento para despenalizar os actos em si.

Portanto, a questão não é a miséria que pode estar por trás de um acto definido pela lei como criminoso. É se, na verdade, esse acto é ou não, à luz dos conceitos valorativos dominantes na sociedade, suficientemente censurável para que tenha dignidade penal.

E é aqui que reside o busílis. Para alguns (lolita incluída) o aborto não é censurável, ou não o é ao ponto de ser crime. Para outros, é-o.

Assim, EM SI, a situação em causa não é diferente da de uma rapariga de dezassete anos que, num quadro de abandono pelos próximos, de "falta de âncoras" (ouvi há tempos esta expressão e gostei dela), de confusão mental que permita pôr em causa o quadro valorativo dos seus própios comportamentos, cometa qualquer outro tipo de crime.

Em conclusão: se discordamos que certos comportamentos sejam considerados crime, choca-nos que alguém seja julgado por eles. É essa a posição da lolita. Se não discordamos, isso não nos choca, ainda que lamentemos as condições pessoais degradantes da grande maioria dos que são julgados - e muitos deles presos - por quase todos os crimes p. e p. pelo Códgo Penal.

No mais, não faço ideia se a rapariga em causa se encontrava nas condições dos que defendem a despenalização do aborto mitigada (até às 16 semanas, salvo erro, ou até mais tarde (20 ou 24) nos casos especiais aliás já previstos na lei actual. Mas também acho que não deve fazer grande diferença. A ideia que tenho é que os que pensam como a lolita seriam incapazes de defender a ida a julgamento de qualquer mulher que tenha feito aborto, seja lá em que circunstâncias fôr.

Aqui não há finais felizes. O único menos mau era os remédios não terem liquidado um feto. Presumo (apesar do arquivamento "por falta de provas") que liquidaram. Foi menos um a nascer. É assim a vida, é assim a morte.

Ler é bom

Escrever sobre nós num sítio qualquer (a menos que seja num diário íntimo e secreto) pode ser tudo menos íntimo e secreto: pode, até, ser quase pornográfico. Deve evitar-se. Quanto mais não seja por respeito: respeito por nós, que nos desnudamos sem dar conta, quase levianamente; pelos outros, os que calha lerem-nos, que hão-de perguntar-se "que tenho eu a ver com isso?".

Por uma questão desse respeito, enquanto não tiver mais que contar do que contar de mim, lerei apenas. Com o prazer do costume.

3.11.04

Raro e nobre sentido de justiça

O Acidental regista, para que ninguém esqueça e para que todos nos congratulemos, a absolvição da rapariga que esta semana foi julgada em Lisboa, acusada da prática de aborto ilegal. Segundo percebo, o PPM entende que se fez justiça porque, afinal, não havia provas suficientes. Também deduzo que se fez justiça ao submetê-la a julgamento por, aos dezassete anos, se ter visto sozinha mais a sua gravidez, que tentou extinguir através de medicamentos para as úlceras. E que fizeram com que fosse parar a um hospital, onde se deparou com uma abjecção em forma de gente que tratou de a denunciar na esquadra mais próxima.

Isto começa a ter contornos embaraçosos. A proibição da IVG é, hoje, tão rejeitada por quase todos ou é-lhes, pelo menos, tão indiferente que a perseguição penal à sua prática se tornou inconsequente e aleatória, fragilmente dependente das denúncias dos energúmenos despudorados (que, felizmente, são minoritários). Como inconsequentes e inúteis se tornaram todos os processos recentes sobre a matéria, quase todos concluídos através de decisões demissionárias. Eu duvido (embora ponha como hipótese que o enfermeiro a que acima me referi possa ter um correlegionário ou, ao menos, um simpatizante de entre os magistrados portugueses), que haja, enquanto esta lei anacrónica permanecer em vigor, mais alguma condenação de uma mulher pela prática do aborto. Ela cairá de podre, do esquecimento, da rejeição social. E do embaraço e da vergonha que se sente ao permitir que uma adolescente tenha acesso a medicamentos abortivos e a aconselhamento abortivo via TV através da holandesa do barco para, depois, negado que está o direito a uma assistência médica condigna, se fazer funcionar a máquina judiciária contra ela, explicando-lhe que ela praticou um crime p. e p. pelo Código Penal e forçando-a a procurar a sua própria culpa no meio dos factos sujeitos a prova.

Isto, segundo O Acidental, foi um final feliz.

Rascunhos



É aqui que estou com eles, todos os dias. Costumamos brincar com o soalho, uma espécie de chão de cozinha. Não fomos nós que escolhemos. Se fosse às riscas verdes e brancas, ou azuis e brancas, todo vermelho, seria igual: um soalho é só um soalho.

Vê-se 1/4 da sala. Estão lá os cadeirões velhos da hemodiálise, que nos deram, quase por favor, quando lhes chegaram, a eles, os novos cadeirões; são melhores que os que tínhamos. Vê-se a velha e colorida televisão (tristes jogos do Mundial da Coreia, todos de boné da selecção na cabeça triste, lembras-te Martinho?), as bombas infusoras de drogas e adiamentos. De curas, algumas, também.
Cheira bem, não cheira a hospital. As auxiliares têm brio diário no "repas" final.

Esta é uma fotografia tirada fora de tempo, uma fotografia de fim-de-tarde, quando tudo já acabou, os corpos rendidos já partiram, calmados na certeza cada vez mais triste de haver um hospital-de-dia escrito a lápis para gente feita de tinta o mais permanente que pode.

2.11.04

Missões

- Estou?
- Sim, desculpe lá ligar agora, sr. dr. você. É a fulana, da Administração. É para lhe dar uma má notícia...
- Uma má notícia?
- Sim. O senhor doutor (arquitecto, professor, engenheiro) fulano não vai poder recebê-lo no dia 3 de Novembro...
- Mas estava marcado... Não pode?
- Não, sr. dr. você, não pode.
- Mas era urgente, eu falei com ele há 3 semanas e disse-lhe que era muito urgente. É por causa...
- Claro, claro. No entanto, lamentamos imenso, mas não vai poder ser...
- Espere: foi, até, a senhora que me ligou na sexta-feira a marcar esta reunião, lembra-se? É amanhã, ficou agendada, não me lixe... A senhora disse "lamentamos"?
- Pois disse, lamentamos. Isto porque, hoje, o senhor doutor (arquitecto, professor, engenheiro) manda dizer que não pode recebê-lo amanhã. A sua reunião urgente passaria, então, para o dia 23. Posso marcar?
- Diga, desculpe, não percebi, disse 23? Daqui a mais 3 semanas, é isso?
- Perfeitamente, sim, dia 23, sr. dr. você. Posso marcar?
- Com certeza, marque. Muito obrigado. A senhora é uma mulher feliz, não é?
- Desculpe?
- Está desculpada.
- Bem haja! Com licença.

Toda a licença para ti, puta da voz comprada, tu tens toda a licença do mundo. Abre a tua sacrossanta agendazinha, eficientemente, com os teus dedinhos de marionette tonta, e põe a minha cruz no dia que te der mais jeito. Estais a ouvir? Ponde a minha cruzinha no dia que quiserdes, tu e o senhor doutor (arquitecto, engenheiro, professor), a palhacinha pobre e o palhacinho rico do "Grande Circo Infelizmente"! Ponde-a lá, lépidos, andai, ponde-a, ponde-a a lápis, como de costume.

Não marcais senão a lápis, pobres putas missionárias. A tinta permanente assusta-vos.

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