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3.11.04

Raro e nobre sentido de justiça

O Acidental regista, para que ninguém esqueça e para que todos nos congratulemos, a absolvição da rapariga que esta semana foi julgada em Lisboa, acusada da prática de aborto ilegal. Segundo percebo, o PPM entende que se fez justiça porque, afinal, não havia provas suficientes. Também deduzo que se fez justiça ao submetê-la a julgamento por, aos dezassete anos, se ter visto sozinha mais a sua gravidez, que tentou extinguir através de medicamentos para as úlceras. E que fizeram com que fosse parar a um hospital, onde se deparou com uma abjecção em forma de gente que tratou de a denunciar na esquadra mais próxima.

Isto começa a ter contornos embaraçosos. A proibição da IVG é, hoje, tão rejeitada por quase todos ou é-lhes, pelo menos, tão indiferente que a perseguição penal à sua prática se tornou inconsequente e aleatória, fragilmente dependente das denúncias dos energúmenos despudorados (que, felizmente, são minoritários). Como inconsequentes e inúteis se tornaram todos os processos recentes sobre a matéria, quase todos concluídos através de decisões demissionárias. Eu duvido (embora ponha como hipótese que o enfermeiro a que acima me referi possa ter um correlegionário ou, ao menos, um simpatizante de entre os magistrados portugueses), que haja, enquanto esta lei anacrónica permanecer em vigor, mais alguma condenação de uma mulher pela prática do aborto. Ela cairá de podre, do esquecimento, da rejeição social. E do embaraço e da vergonha que se sente ao permitir que uma adolescente tenha acesso a medicamentos abortivos e a aconselhamento abortivo via TV através da holandesa do barco para, depois, negado que está o direito a uma assistência médica condigna, se fazer funcionar a máquina judiciária contra ela, explicando-lhe que ela praticou um crime p. e p. pelo Código Penal e forçando-a a procurar a sua própria culpa no meio dos factos sujeitos a prova.

Isto, segundo O Acidental, foi um final feliz.

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