blog caliente.

31.3.05

Cassetes pirata

A distorção da relação médico-doente, de que falou o Besugo (e depois o Alonso, ainda sob o trauma da anestesia dentária) não é diferente, nas causas, de todas as outras distorções relacionais geradas pelo estatuto profissional. Todas nascem no parolismo, instalado e pegajoso, da ostentação de título académico impressivo, ainda que se trate de uma licenciatura em ciências esotéricas com especialização em parapsicologia. Daí decorre quase sempre a sensação inusitada, para os titulares, da putativa elevação do estatuto moral e social que lhes estratifica a visão do mundo e a convicção da sua iniciática sapiência, apreensões essas com as quais aniquila as suas - eventuais - fragilidades. A partir do exacto segundo em que se passa a ser doutor, quase tudo muda: o padeiro respeita-nos. O cartão de crédito identifica-nos. O doente venera-nos.
Na maior parte das vezes, nos nossos sonhos. Algumas lamentáveis vezes, em plena vigília.

Apetece-me escrever ...

Só porque me apetece. Nas minhas assíduas leituras deste blog já por várias vezes alinhei mentalmente umas ideiazitas (ora sobre o Freitas, ora sobre o "mar adentro", o "million dollar baby", o Clint, a Eutanásia, o Amenabar e a Garner, ora sobre o facto de o besugo marrar com todos os que marram com ele ... menos comigo ... e a decorrente sensação que tenho de que ele não me leva a sério, sei lá eu.

Mas hoje não tenho absolutamente nada para dizer. O Sócrates não inpira escritos, o Sampaio não inspira nada, do aborto já falei que chegue, da eutanásia não falei mas também não é assunto que me incomode. Não vou ao teatro, não tenho visto TV, lá vou lendo o meu "Público" diário com o café matinal mas já nem o"Inimigo Público" à sexta tem a piada que costumava ter.

Sobra que à conta dos DVDs do Tintin (no "Publico", à sexta feira) fiz um trato com o meu filho. Ele lê o livro durante a semana e eu compro o DVD. Ele não lê, eu não compro. E assim consegui, finalmente, que ele começasse a ler. Até porque, como o trato é só com ele mas o DVD é para ser visto (também) pelas queridas manas, conto com o apoio das ditas em que ele TEM MESMO que ler o livro até sexta feira. A mais velha sabe ler, mas lê que chegue e não me dá cuidados nessa matéria, e a mais nova (dos que já vêem DVDs, porque mais novas há ainda) ainda não sabe ler, portanto não há trato possível com ela (aliás, não há trato possível com ela em geral, é um pedacito de mau feitio que só visto).

E pronto, quase sem querer escrevi três parágrafos. Que com este passam a quatro.

Mas, para que não digam que me limitei a "encher" este nobre espaço de vacuidades desinteressantes, aqui vai uma reflexão alonsiana, inspirada no último texto do besugo, que por sua vez se inspirou no que outrém escreveu.

A relação médico-doente não é diferente de qualquer outra relação, no sentido de que, se existe, é porque há uma razão que a determinou. Não há relações sujeito-sujeito, há é relações entre pessoas, relações essas que têm causas, início, desenvolvimento e fim, sempre revestindo especificidades impossíveis de "normativizar".

Da curta e besugal citação depreendo que o autor citado acha que os médicos assumem, amiúde, uma postura paternalista face ao doente. E que acha que isso deve mudar. Eu, por mim, acho bem. A última vez que estive face a face com um médico estive 80% do tempo com a boca aberta e sem poder falar, enquanto ela (porque era uma médica) se entretinha a brocar alegremente alguns dos meus dentes, ao mesmo tempo que comentava a dificuldade de estacionamento do respectivo veículo na zona do consultório e que eu que é que tinha sorte por andar sempre de mota. E eu pensava, enquanto a porra do aspirador de saliva me secava a garganta e a gengiva entumescida com o anestésico: "Aqui está. Quando eu puder fechar a boca vou-lhe paternalisticamente dizer que talvez fosse melhor ela comprar uma mota ou então passar a andar de transportes públicos, até porque tem uma estação de metro aqui à porta".

Mas, (premonitóriamente porque não tinha lido este texto), achei que o paternalismo nas relações médico-doente deve ser evitado e por isso evitei este discurso condescendente e verdadeiramente paternal e no fim limitei-me a perguntar, com língua de trapos: "Sra. Dra., não tive tempo de almoçar antes de cá passar e estou cheio de fome. Daqui a quanto tempo é que posso comer?"

Foi uma pergunta típica de uma relação sujeito-sujeito. Fiquei orgulhoso do modernismo da minha atitude. E, para terminar tudo isto em beleza, apertei-lhe a mão, com um brilho de auto-satisfação nos olhos (disse-me a assistente, que eu não vi). Depois, fui pagar a conta.

Caminhos

Quanto tempo levará a relação clássica médico-doente a deixar o registo paternalista para se transformar numa relação sujeito-sujeito, sem prejuízo do saber médico?

Há-de demorar o tempo que ambos, médico e doente, demorarem a aceitar conviver nesse registo, independentemente do resultado final desse convívio.
Vejamos, ninguém procura o médico, enquanto médico, para conviver. Naturalmente. Quer-se a cura, o alívio, a paz. Estamos, pois, perante uma relação viciada, desde logo, pela cumplicidade de interesses comuns que, contudo, se desencadeiam, antes da comunhão, unilateralmente. Quem procura quem? E por quê? Com que expectativas? Pois.

Quero crer que ambos, médico e doente, querem o mesmo. Para quem? Exactamente: para o doente.

Pode não ser fácil. Vivemos tempos de vigilância opressiva. Mas, de qualquer forma, concordo que há-de ser por aí, o caminho. É, pelo menos, por aí que eu quero ir.

Redefinir limites

E não se pense que a alimentação por gastrostomia (como no caso Schiavo) não é uma manutenção artificial da vida. Não fosse a tecnologia da medicina e há muitos anos, teria já sobrevindo a inexorabilidade da morte, num corpo, que apenas consegue manter autonomamente a respiração, os batimentos cardíacos e o equilíbrio homeostático. Reforço... num corpo, porque apenas na forma se assemelha a uma pessoa!

Assim escreveu medman, após citação de Machado Vaz. Que, valha a verdade, não disse nada disso.
Disse, apenas, que já escolheu. E disse-o clara e tocantemente: não quer sobreviver-se.

Uma gastrostomia, medman, não passa duma espécie de sonda nasogástrica que não passa pelo nariz. Alimentam-se, assim, doentes que têm, por exemplo, cancros do esófago, com estenoses importantes, em que a sonda não passa e não é possível colocação de prótese. Alimentar por gastrostomia é alimentar, só isso. Nada há de artificial nessa alimentação, a não ser na forma de alimentar. É como se fosse pela boca, ou por sonda nasogástrica. É alimentar.

No caso de Schiavo, está ali a alimentar-se um ser vivo. Não é um corpo. É uma pessoa. A não ser que Medman, a um corpo que respira, cujo coração bate (e do equilíbrio homeostático nem sequer falo) e cuja morte cerebral não foi estabelecida, declare faltar-lhe uma alma.
E isso remete para outras profundezas.

Sejamos claros: a alimentação não representa uma medida de suporte avançado de vida; e não se sabe se Schiavo disse ou não disse o que se diz que pode ter dito.

O que eu digo é isto: estivesse ela ligada a um ventilador, não se verificando morte cerebral, nem havendo certeza da sua vontade prévia, NINGUÉM em Portugal se atreveria a desligá-la do Servo, quanto mais a poupar-lhe na papa entérica!
Ou estamos, apenas, a brincar ao faz-de-conta que era assim?

Júlio Machado Vaz já escolheu. Eu, se calhar também.
Mas havemos, se calhar, cada um de si, cada um por si, de fazer documento mais criterioso, sobre isso, em tempo oportuno. Claro, se tivermos tempo.

Os miseráveis do fim de Março

Entretanto, morreu-me o Jaime.
Sacana. Aproveitou as minhas curtas férias para me poupar a tristeza acrescida de estar ali, esganado na bata, a ver-lhe o fim.

Miserável, que nem um "encore" tiveste, nem sequer no fim da tua única peça, essa simples opereta dum homem com medo.
Adeus, amigo. Eu lembro-me de ti.

Os bandos de pardais à solta

O parasitismo mostra-se, de dia para dia, mais descarado. Há relativamente pouco tempo atrás, o oportunismo disfarçava-se de tolerância, de altruísmo ou de determinação. Apresentavam-se a público estratégias de puro interesse pessoal disfarçadas de manifestos justiceiros ou processos de ajuda comunitária que não escondiam, por detrás, a criação de desafogados postos de trabalho para equipas de compadrio.
Sabe-se, é evidente, que uma boa parte das carreiras de sucesso são feitas das regras da influência. Dos amigos dos amigos, dos favores, da saia curta, do sobrenome de família. Na capital do império, sobretudo, há uma boa fatia de gente bem encostada que vive saltitando. Salta para a prateleira seguinte assim que a anterior passou a ser cobiçada por criatura feita da mesma massa que a que sai. Ninguém, neste meio, constrói solidariedades, mas a verdade é que o dano nunca é irreparável - há sempre a tal prateleira que se segue.
Assim sucede com Santana Lopes. Que, se calhar sem já causar espanto, poderá entrar na Quinta da TVI. Há a Felícia Cabrita, verdadeira papa-léguas à caça de historietas sórdidas do bas-fond nacional. Há o ex-casapiano Pedro Namora, que lança livros pseudo-denunciadores do sofrimento alheio. Há o Isaltino Morais, que, digo eu desavergonhadamente, nunca enganou ninguém. Há mais. Bandos infindáveis de políticos-satélite, a aguardar posto de relevo. Filhos e sobrinhos de notáveis cujo mérito se esgota no sobrenome. Senhoras coloridas, mundanas e vestidas up-to-date que lançam livros, colecções de jóias ou simples sorrisos. Nada disto parece sério ou consistente: é como se todos fizessem parte de uma associação recreativa. A vida diverte-os e eles tornam a vida ligeirinha. Falam da "experiência enriquecedora de ser mãe", da despenalização do aborto ou do direito à vida, da eutanásia ou da alma imortal, dos sem-abrigo ou da disparidade na distribuição da riqueza, do futebol ou da corrupção nas autarquias, de qualquer tema, enfim, com a profundidade típica de quem não pensa com a mesma frequência com que fala.
E falam tanto.

30.3.05

Alívios

Recebi um e-mail duma pessoa enervada (e, até prova em contrário, anónima) que, entre outras coisas afáveis, me mandou à merda.

Logo à merda! Bolas. Se fosse de viva voz, o autor anónimo diria, a este não menos anónimo besugo, talvez, "mêrda"! Eu calculo sotaques, sabem? E eu ficaria ainda mais esmagado, evidentemente, pelo seu sotaque de culto. Mas ria-me na mesma.

Fui ver. A neve caía... Não, não é isto.
Fui investigar a causa desta irritação. E cuido que está ali em baixo.

E, então, sendo assim, eu iria à merda (em sendo obediente) porquê?
1 - Porque não discuto
2 - Porque não quero discutir
3 - Porque o meu "texto" (as aspas são do "nervoso") é um acumular de imagens excrementícias
4 - Porque insultei.

Ora bem. Por uma decorrência óbvia da minha incapacidade discursiva, aliás justamente apontada pelo anónimo, eu, o ponto 1, o ponto 2 e o ponto 3, neribi: não discuto. Pronto.

O ponto 4 é mais complicado. Mas afirmo que não insultei ninguém. Pelo menos assiiiiiim, um insuuuuuulto graaaaande!

O que eu disse e mantenho é o seguinte (vou tentar um estilo o menos excrementício possível):

1 - Por ter afirmado coisas erradas (inventar uma jornalista que, afinal é advogada, entre outras coisas) e por alguma ligeireza na análise (que eu posso ter, que não sou crítico, mas um crítico não pode... ou não deve), suspeitei que o crítico, do filme, tivesse visto um "trailer". Daqueles mais compridos, eventualmente. E lido qualquer coisa, adicionalmente.
2 - Lá porque não lhe agradou ter vislumbrado um embrulho romântico no filme, o entendido fez uma mistura musical que lhe saiu mal. A mim podem sair-me coisas assim, que não sou crítico. "Não esperem nada de mim" é, aliás (ou era?) um excelente blogue. Já a quem escreve na qualidade de especialista, compete, convenhamos, explicar-se bem. Sobretudo evitando asneiras. Olha logo o Mozart, esse romântico! Esse e o Ludwig!

Ora, portanto, era de asneiras que se tratava. Logo duas, num texto curto. Ficam mais grossas.

3 - A propósito duma frase que me parece (e mantenho) uma barbaridade em letra corrida, eu teci, de facto, considerações um pouco... enfim, um bocadinho escatológicas, sobre a mente que a teria pensado. Falei, mesmo, em penicos e poias a boiar.

Arrependo-me. Estou aqui, contrito, de mão no peito, penitenciando-me.

Eu devia ter dito, apenas, que a frase é má. Mais que má, é péssima. É ir lá lê-la.
Parece uma daquelas coisas "circularmente enfáticas" que os estudantes do ensino secundário (ou alguns universitários mais novitos) costumam debitar, entusiasmados, naquela fase das suas vidas em que adoram devorar o que vem no Jornal de Letras e nos suplementos culturais doutros jornais, como se dali sorvessem uma absoluta seiva que lhes mitigasse a sede, a fome, o prurido inguinal.

Uma coisa tipo isto, assim: "Wenriffrosk: um mito tipificado da contra-cultura wrangleriana ou um edifício sedimentar em terrenos de aluvião?" . Uma coisa deste género, a que apetece responder "não é um mito tipificado, é um tipo mitificado, pá!".

Claro que, depois, há gente que não sai disto, continua a escrever assim e, às tantas, a pensar assim.
Mas isto já não é problema meu. Com o que me despeço, aliviado.

Falta de luz - 2

Vamos supor que Antero, em vez de pneumonia, padecia de pavorosa coxartrose.
E contratava com Ferreira, ortopedista, colocação de prótese total da anca, a efectuar, tal dia, na Ordem de Tal.

Antero pagará (entenda-se, por Antero, o somatório de Antero e seus abonos), à Ordem de Tal, hotelaria, mais utilização de cama e Bloco, mais material e ambiente climatizado. Pagará a Ferreira e sua equipa o estipulado previamente, por tabela.

E tudo está a correr como se fosse um Douro calmo, entre colinas de vinhedos.

Antero, que estava bem, vendo, até, o noticiário da TVI, fica, de repente, com imensa falta de ar, resfolegando grosso e, florindo o quadro, cuspinhando sangue.
Telefonado Ferreira, este chega. E pressente, com Marta, a anestesista, uma embolia pulmonar. Estava o doente submetido a subcutânea e profiláctica heparina de baixo peso molecular? Estava, sim. Procedimentos correctos, calma.

Que fazer, então, perante Antero assim? Parecendo necessitar, necessitando mesmo (por hipótese não absurda) de cuidados intensivos?
Tem a Ordem de Tal, ao seu dispor, esses meios, para proporcionar ao Antero que alberga? Não. Por acaso dispõe de RMN, mas não é disso que, agora, carece Antero. Carecesse ele disso e far-se-ia uma, que Antero pagaria. Como pagaria Júlio, internado em hospital público, se dela precisasse. Mas não. Antero necessita de cuidados que a Ordem de Tal não lhe pode, agora, depois de ali internado, operado e piorado, proporcionar.

Telefonema rápido para hospital público acende luz a Antero: há vaga.
Antero entra, já ventilado com ambu, após transporte, na pública UCI. Onde, após público e justíssimo tempo e público e merecido dispêndio, de hotelaria e cuidados, recupera. E fica bom.

Quando tem alta, Antero agradece – publicamente - ao público “staff”, convalesce em casa uma semana e, em se sentindo ambulatório, vai à Ordem de Tal pagar a sua conta. A Ordem de Tal, depois do público telefonema de socorro, já se esqueceu do público hospital e, legitimamente, recebe a devida verba. O engraçado é isto: caso a Ordem de Tal recebesse carta discriminada do hospital público, cobrando-lhe serviços prestados a doente seu (da Ordem de Tal) que aí (na Ordem de Tal) piorara, ganiria fortemente. Uivos indignados de Ordem de Tal.

E com razão, evidentemente. Se o público hospital, depois, no apuro das contas, der prejuízo, isso há-de ter sido por causa do habitual desperdício e má gestão crónica da coisa pública. E, claro, por causa dos honorários elevados, que nunca mais há meio de ninguém conter, do “staff” público.
A Ordem de Tal há-de ter, por seu turno, as contas límpidas de quem nada deve. Nem tem a temer.

Falta de luz - 1

Manuel e Jorge, ambos médicos, criaram uma empresa de prestação de cuidados. Atendem nas suas próprias instalações e, quando é o caso, vão ao domicílio.
Como trabalham, adicionalmente (cumprindo escrupulosamente as suas obrigações), no SNS, a sua empresa funciona, apenas, em horário pós-laboral.
Passam recibos dos honorários recebidos, são minuciosos na declaração dos seus rendimentos, não fogem aos impostos. Tudo duma limpidez calma.

Há dias, Manuel foi chamado a observar um doente. Antero.
Antero tinha tosse, expectoração e febre. E 75 anos.
Manuel viu, bem, Antero, prescrevendo antibiótico, xarope e “qualquer coisa para a febre”. E muitos líquidos. Pagaram-lhe doze justos contos. Manuel passou recibo, que Antero poderá “amortizar” no seu IRS. Manuel, por seu turno, anotou cuidosamente essa receita obtida, fruto do seu trabalho legítimo, para a submeter a futuros e próprios descontos. Manuel é um cidadão exemplar.

Três dias depois, Manuel foi, de novo, chamado a ver Antero. Não que Antero estivesse pior. Mas melhor não estava. Manuel observou Antero, uma vez mais, minuciosamente. E achou, após sumária e cuidadosa análise, que Antero deveria fazer uma radiografia. Levou apenas 8 contos, porque se tratava, ali, duma segunda consulta. Fez carta, dirigida ao hospital público da área, dirigida ao “digníssimo colega de medicina interna”, solicitando “avaliação e actuação conforme a praxis”.

Antero foi, portanto, ao hospital, munido de doença e carta. Fez uma radiografia e análises. E gasometria arterial. Teve alta, após confirmação de pneumonia adquirida na comunidade, sem insuficiência respiratória. Abastecido de receita alterando-lhe o antibiótico (não por erro no primeiro fármaco prescrito, mas porque assim aconselhava a evolução do seu quadro clínico), pagou a taxa moderadora, mais o resto. Ao todo, cerca de dois contos e quinhentos.

Está certo.
Mesmo o simples facto de Antero ter desembolsado, em três dias, vinte e dois contos e quinhentos, distribuídos da maneira que entendeu mais adequada, está correcto. Foi Antero que escolheu assim. E a liberdade de escolha não se discute, uma vez que é, por definição, livre.


Poderia a coisa ter-se passado, contudo, com Antero, diferentemente. Antero poderia ter ido, logo da primeira vez, quando se sentiu doente, ao hospital. Ou, mesmo da segunda, já com carta “solicitando os melhores cuidados”. Isto é, já depois de ter pago, a Manuel, doze contos por serviços e oito por carta educada.

Duma forma ou doutra, tudo poderia ter sido diferente.
Suponhamos que Antero, em vez de pneumonia adquirida na comunidade, sem insuficiência respiratória, detinha em si pneumonia extensa, radiologicamente pouco típica, com hipoxemia grave. E, eventualmente, tinha ali, Antero, enfeitando-o, assustador derrame pleural.
Aliviado Antero, por toracocentese que revelaria (por que não?) um exsudado, poderia Antero necessitar, além dos cuidados devidos, duma TC torácica para esclarecer o quadro. E duma BFO, por hipótese, para despiste duma neoplasia, por exemplo. Vamos supor que, por absurdo, depois da TC e da BFO, do mais que fosse, por haver coisa mais fina a esclarecer em Antero, era forçoso que lhe fosse feita uma RMN.
Aqui, calmaria. A RMN teria de ser realizada fora do Hospital. Que, por falta de meios públicos, o público recorre, também, a privadas possibilidades.

O Hospital pagaria, obviamente, como costuma suceder (por exemplo), à empresa de Carlos e Eleutério, que tem aparelhagem própria, a realização do exame. Carlos e Eleutério passariam honestos recibos ao Hospital, pelos serviços prestados. E o Hospital pagaria, evidentemente, a Carlos e Eleutério, os óbvios emolumentos.

Tudo certo. Aqui aprende-se, mesmo que se não perceba tudo, que a economia é uma ciência pouco acessível a besugos. Para já, aprende-se isto:

1 - Quando uma empresa privada carece, para um seu doente, de recorrer a público serviço, basta-lhe remeter o doente, com carta polida solicitando “os melhores cuidados e sofisticação”, agradecendo graciosamente e, de forma elegante, assinando.
2 - Quando um serviço público remete doente a empresa privada, solicitando “os melhores cuidados e sofisticação”, além da carta (e dos agradecimentos) segue, invariavelmente, cheque. Assinado.

Isto deve estar, evidentemente correcto. Há aqui qualquer coisa que me escapa. Deve ser, como é meu costume, o meu apedrejável vício de comparar alhos e bogalhos.
Tenho de tentar ver isto com outras lentes, menos foscas, a ver se vejo mais luz. Vou tentar.

Invocação dos deuses

Pressinto, já, estar a tornar-me vítima daquela atracção magnetizante pelo "positivamente mau", que em tempos me assaltou com os programas do Luis Pereira de Sousa e com as piadas do Badaró, só para dar dois exemplos. Acontece-me, por vezes, dar por mim fascinada com estas bizarras performances, que observo num torpor misto de horror e espanto. Ontem sucedeu assim. A Dulce cantava na rádio e desdobrava-se, orgulhosa e sanguinária, nos seus inconfundíveis gritos lancinantes. E eu, espantada, lembrei-me outra vez que ela vende discos em barda. Se houver justiça no mundo ou se Deus, de facto, existe, a Dulce ainda há-de, um dia, aprender a cantar. Ou, em alternativa, ser impedida de frequentar certos locais. Eu não tenho culpa que ela cante assim e invoco, portanto, o meu direito ao silêncio - que, neste caso, se resume a uma frase: calem a Dulce. Tenho medo que um dia alguém me convença, por puro carneirismo ou teimosia, que a rapariga até canta benzito.

27.3.05

não cuspam assim no teatro, ou, a comédia dos políticos medíocres

Há exactamente nove anos, a cidade da Régua via nascer uma companhia de teatro – Roga D’Arte, Teatro do Alto Douro. Sem tecto nem palco, um grupo de saltimbancos apareceu nas ruas da cidade com uma mensagem clara de apoio à arte e à formação de públicos. Estávamos então no dia mundial do teatro, e um ano depois, no mesmo dia, chamamos a atenção para a existência do célebre edifício italiano, abandonado, o denominado “Teatrinho”, e foi a partir daí que se iniciou o processo de classificação deste imóvel.
Ao longo dos anos, com cerca de uma peça levada à cena por ano, a companhia de teatro foi ganhando o respeito e a consideração da cidade e da região, recebendo o apoio da Casa do Povo de Godim, que lhe cedeu o seu palco para que aí o Roga D’Arte tivesse a sua sede. A partir de então, o Roga formou públicos vários, trabalhou gratuitamente para as escolas do ensino básico do seu concelho, formou actores e jovens, foi às escolas dar formação, mexeu com o espaço cultural da cidade que se orgulha deste seu grupo que já conta com milhares de espectadores; entretanto, organizou dois festivais de teatro amador, na Régua, e, entretanto, sem qualquer apoio significativo da sua autarquia! Fica mesmo na cauda dos menos subsidiáveis, e tem sido preterido especialmente nos últimos quatro anos; entretanto, com o apoio do ministério da cultura, do Inatel e do público, esta companhia de teatro amador, não só atingiu o patamar da autonomia técnica e humana, como também não tem qualquer dívida. Entretanto, a sua câmara municipal é tão sensível a estas coisas da cultura, que não percebeu que é no desenvolvimento cultural dos seus munícipes e na oferta cultural que forem capazes de oferecer, que estará o desenvolvimento económico-social da comunidade e o crescimento da massa crítica de que, normalmente, os políticos medíocres se afastam...
Como se tudo isto não bastasse, hoje, dia mundial do teatro, a Roga D’Arte recebeu da Câmara Municipal de Peso da Régua um presente especial, para compensar o subsídio que não deu ao teatro, justificado e pedido há cerca de seis meses, os ditos políticos de visão curta resolveram contratar uma companhia de teatro profissional, subsidiada anualmente com milhares de contos pelo Ministério da Cultura, para em 2005 vir à cidade da Régua apresentar cinco parcos espectáculos! Para isso o município dispendeu vários milhares de euros, que diz não ter para as associações culturais de todo o concelho! E esta, hein? Chama-se a isto faltar ao respeito dos cidadãos e cuspir na cara dos actores locais. Chega de insultos.

Sem sombra de pecado

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Admito. Estou verde de inveja, mas é uma inveja verde-clara, quase transparente de tão verde, que me permite, ainda, afirmar isto: a Lolita é, de todas, a melhor blogger. Já ganhou, a menos que uma blogger seja uma citadora.
Isto é importante: se a melhor blogger for a melhor citadora... ficas em último lugar, Lolita. Penetra-te disto, para já.

Eu, durante esta campanha que agora inicio, uma honesta campanha que pretende, humilde e orgulhosamente, colocar a Lolita onde merece (já não há galés...), solicito para mim, apenas, o seguinte:

AO MENOS A MERDA DUM RAZZIE! UM NIMOY!!!!
Custa muito, é?

Negros Hábitos

A blogosfera clínica (besugo incluído) anda entretida a discutir a mais famosa medida de Sócrates: a venda de medicamentos fora das farmácias. Parece-me natural que o tema lhes suscite reflexão, porque lhes está próximo. Já duvido, contudo, que mereça tanta discussão. A menos que se discuta muito para além da venda de medicamentos nos hipermercados e similares.

Discutir o grau de liberdade para se comprar aspirinas e panadóis é, se calhar, bem mais do que uma questão de saúde pública. É um conceito civilizacional. No fundo, trata-se de saber se deve, ou não, o Estado intervir ou condicionar, sempre que, num juízo de previsão, seja provável (estatisticamente provável) que, sem tal condicionamento, aumente o risco de comportamento social desviante que gere, a médio ou a longo prazo, dano ou desequilíbrio apreciável na comunidade. Ou, o que vai dar no mesmo, saber como se burila o espaço de liberdade individual em função do bem comum.

Todos sabemos que vivemos condicionados. Somos vítimas, passivas e resignadas, de extensos e globalizados condicionamentos, como aqueles que transformaram o baço do Beckham num fenómeno de histeria mundial colectiva. Ou que nos fazem acreditar que os computadores da Microsoft são os melhores, apenas porque são os mais conhecidos. Ou, ainda, os que nos fazem, gradualmente, cada vez mais perturbados sempre que acendemos um cigarro, por muito que já soubéssemos que o tabaco mata. A questão (e a discussão) da venda livre das aspirinas e quejandos deve situar-se exactamente aqui. Falamos, portanto, de propaganda, como a arte de modificar comportamentos potencialmente nocivos.

Não discuto, porque sei que existe, boa fé nos profissionais de saúde (agentes, inconscientes, dessa propaganda) que alertam para os riscos de sobredosagem ou intoxicação por ingestão desses fármacos. Até aqui, não só se agradece como se exige. É para isso que lhes pagamos. Certo, besugo?

O passo seguinte já se tolera menos bem. Aquele em que todos eles, quase em uníssono, expressam perturbação em face da mera hipótese teórica da venda livre de medicamentos. E a sua (deles) inquietação é consequência da sua crença de que ninguém está munido de sensatez e prudência suficientes para saber auto-regular a ingestão de medicamentos ao alcance da mão e do seu juízo, se os comprar no mesmo local onde habitualmente se abastece de maçã raineta.

Que imprudência é essa, tão avassaladora, que não nos permite avaliar sozinhos o risco associado à ingestão de medicamentos? E o que tem essa alegada imprudência de diferente com o acto de fumar? Porque é que ninguém discute a venda livre do tabaco, cujos efeitos nocivos estão tão distantes dos (aliás, eventuais) efeitos nocivos dos panadóis? Se, no caso do tabaco, nos bastamos com as opressivas e repressoras mensagens de letras, gordas e pretas, que ocupam metade do maço, por que razão se discute se as aspirinas, tão redentoras nas odiosas enxaquecas, nos podem ser fornecidas em qualquer lugar e a qualquer hora?

Informem-nos, sempre que nos apetecer comprar uma tablete de Melhoral. Ponham etiquetas do tamanho da caixa, alertando-nos para os riscos da sua ingestão. Banam, do interior, as literaturas inclusas (que, paradoxalmente, todo o leigo gosta de ler, sobretudo na parte das contra-indicações) se as acharem demasiado silenciosas. Inundem-nos de todos os avisos que acharem necessários, até com luzinhas a piscar, se necessário for. Mas não discutam tão profundamente por tão pouco. A solução já existe, já foi inventada e resulta. Pode não ser a ideal, mas é a possível.

Entendam de uma vez e tracem, com rigor, a ténue linha de fronteira entre a informação invasiva - que aceitamos há muito, helás!, por habituação - e a ingerência. Disso, eu não gosto. Ninguém gosta.
Ninguém é assim tão estatisticamente acéfalo.

26.3.05

Grelos e nabiças

Bom, tem-se falado com pouca seriedade do caso de Terry Schiavo.

Quais são os pontos em discussão, os que interessam, os que não se prendem com argumentação do tipo "o que o marido quer é dinheiro", "a família, o que quer, é aparecer na televisão", ou, mesmo, "coitada dela, que pode estar ali a sofrer!" (embora este último argumento nos remeta a desconfortos de ignorância)?

São estes:
1 - Schiavo está mesmo em coma? Assumamos que sim. Embora as imagens que nos mostram na televisão o contrariem, mas podem ser antigas. Está em coma. Muito bem. Ou muito mal, como queiram.
2 - Está morta? Leiam isto, se eu vos parecer pouco claro. Está cerebralmente morta? Alguém declarou a morte cerebral da senhora? Deixem-se de detalhes que agora não importam, sobre se a morte, a verdadeira morte, corresponde à morte cerebral e dela se decalca. Há critérios, guardem as objecções para quando se discutirem esses critérios, que há quem discuta. Mas agora não. Vejamos, eu repito: foi declarada a morte cerebral da senhora?
Não pode ter sido. A senhora respira. Como lhe fizeram, por exemplo, a prova da apneia? Tapando-lhe o nariz? A senhora respira espontaneamente, não está sob ventilação mecânica, tem o seu centro respiratório íntegro (ou, pelo menos, funcionante). Não pode ter sido declarada a sua morte cerebral, portanto.
3 - A senhora parece um vegetal? É isso? Bom, isso não é um argumento válido para o que aqui se deve discutir. Querem que vos lembre do vosso cuidado a regar as vossas plantinhas, as que tendes no vosso quintal, ou nos vossos vasos? Não, não vamos por aí, que não vem ao caso.
4 - A senhora disse que queria morrer? Bom, não pode dizer, pelos vistos. Nem isso, nem o contrário.
5 - Há quem queira cuidar dela, assim conforme está? Há. Expressaram-no.
6 - É o direito à alimentação subtraível a qualquer cidadão? É, evidentemente. Por torcionários pouco escrupulosos. Já se torturou gente assim, privando-a de comer e de beber. Notem bem: a alimentação entérica por sonda (nasogástrica, no caso da senhora Schiavo) não se constitui num tratamento! É um acto humanitário! Trata-se aqui de alimentá-la, apenas, pelos meios possíveis no caso dela. Nos EUA parece que a alimentação por sonda (que não é, não confundam, uma forma de nutrição artificial, parentérica) é considerada uma forma de tratamento. Felizmente, em Portugal, não é. Alimentar é, apenas, isso mesmo: alimentar. Um direito de qualquer pessoa, doente ou não.
7 - Não sendo legítimo considerar a alimentação um tratamento (há muito tempo que, neste e noutros campos, os EUA não se constituem exemplo a seguir para ninguém), sendo ela, a alimentação, antes, um direito básico de quem quer que seja, uma medida de suporte básico de vida, como se costuma dizer nos hospitais, a que propósito se suspende esse direito seja a quem for?
8 - É ou não verdade que a senhora Schiavo, no seu apregoado estado vegetativo, corre (e deve ter corrido sempre, é até estranho que não se fale de nenhuma intercorrência prévia que tenha tido; não as terá havido? E, se as houve, como se lidou com elas?) risco infeccioso acrescido, mesmo do ponto de vista respiratório? Claro que é verdade.
9 - E é ou não é verdade que, perante esta evidência de todos conhecida, o mais avisado seria aguardar por uma dessas inevitáveis intercorrências e, nessa altura, ponderando a utilidade da adopção de medidas de suporte avançado de vida numa doente em coma irreversível, optar, com a legitimidade que adviria do nosso actual estado da arte, por não as iniciar?

É que, assim, tal como foi feito nos EUA, baralham-se as coisas. Doentes em coma, com doentes em morte cerebral. O direito do próprio a escolher lucidamente com o direito de quem, apenas, não suporta olhar para nós, se sofremos ou vegetamos. Toma-se a parte pelo todo e as nabiças pelos grelos. Que é o que se costuma fazer quando não interessa, verdadeiramente, discutir.

Para mim, las cosas están claras: alimente-se a senhora. Não o fazer é um crime. Até porque concorre para decredibilizar outras causas, essas sim, nobres e úteis. Embora, sempre, discutíveis.

En hora buena

Há bons blogues de médicos jovens, por aí. Bom, há por aí bons blogues, por que não de médicos? E sendo assim, por que não de médicos jovens?

Este é um deles.
Ao João, que se interroga sobre se será o "Harrison's" o tratado escolhido para o seu exame de acesso à especialidade, que questiona a bondade da liberalização da venda dos medicamentos isentos de prescrição médica e que, por exemplo, afina pelo diapasão (excelente!) dos cuidados paliativos, crendo-os como eficazes substitutos da chamada "morte assistida", eu digo o seguinte.

1 - O "Harrison's" é um excelente livro, João. Se souberes o teu "Harrison's", farás um excelente exame, mesmo que o livro adoptado venha a ser o "Stein", ou o "Cecil". Acredita. E, já que vais ler o "Harrison's" de fio a pavio, aproveita para pensar na possibilidade de vires a ser internista. Eu recomendo sempre isto, quanto mais não seja para me sentir cada vez mais acompanhado.

2 - Aqui há uns dias, a propósito da venda livre dos vários paracetamois, lembrei-me do aumento significativo de transplantes hepáticos ocorridos no Reino Unido desde que passaram a vender-se "panadóis" fora do sítio. Tu, agora, vieste com o exemplo da aspirina. Outro bom exemplo, como o são os ibuprofenos e, em geral, todos os AINEs.
Como não faz sentido, por um lado, ter um técnico em cada banca de venda livre e, por outro lado, grande parte dos portugueses são (somos, pronto) analfabetos funcionais (somos imprudentes, refiro-me a isto), dou-te razão.
De facto, o mais adequado (a ser sentida necessidade de massificar o acesso livre ao medicamento, o que é outra discussão) seria permitir o aumento do número de farmácias.
No entanto, fiz uma mini-sondagem a alguns amigos meus. E verifiquei o seguinte: disseram-me que, mesmo nas farmácias, quando se trata de adquirirem medicamentos de venda livre, quem está atrás do balcão (geralmente não é um farmacêutico) nada lhes costuma dizer, em regra, sobre a boa utilização do que lhes vende. Ora, assim, também não vamos lá. De acordo?

3 - Não contraponhas, como se se substituissem mutuamente, a implementação de uma eficaz "rede" nacional de cuidados paliativos - que não a há, eu sei, mas devia haver; e, se queres um exemplo, o Plano Oncológico Nacional 2000-2005 prevê a sua criação e desenvolvimento, com fanfarras de "objectivo primordial" - e a necessidade de discutir e legislar sobre "morte assistida".
É que, João, tu já decidiste o que preferes. Mas pode haver quem queira decidir diferentemente.
E deixa a questão dos custos de lado. Para já, não te preocupes. Ninguém vai conseguir ir por aí, despudoradamente, agitando facturas como se fossem argumentos, ainda durante muito tempo. Felizmente.

Nos Estados Unidos talvez sim, mas eles atingiram um nirvana muito especial, só acessível a quem não tem, de facto, nem extenso passado, nem grande vergonha nas entranhas (que é onde se passa, nas entranhas mais obscuras, a maior parte do "sonho americano").

Como se agora tivesse dado ao mal para se rir do bem

Fui buscar isto ao Ilhas, que apenas cita. E cito o Ilhas por ser a fonte, que não acedo ao Açoriano Oriental. Antes acedesse, também. Como acedo, com gosto, ao Ilhas.

«Quem se atrever a defender em público o casamento, fidelidade, castidade, família e natalidade é considerado cómico e aberrante. Pior ainda , quem se arriscar a discordar do aborto, eutanásia, promiscuidade, pornografia e homossexualidade é réprobo e maldito».João César das Neves, terça-feira 15 de Março no Açoriano Oriental.

Eis um bom exemplo dum texto dicotómico. O bem e o mal, ali, bem definidos, por certeiro e nada manipulador escriba.
O casamento como contraponto do aborto, excelente mentira. A fidelidade brilhando, altiva, sobre a eutanásia, como se a fidelidade, assim do alto, se afastasse do dever supremo de ser fiel "sempre". A castidade (vá lá, aqui até se não vomita, pelo menos do ponto de vista semântico) reinando sobre a promiscuidade. A pornografia escarrada, como esterco que se atirasse à família e, sacrossanto Neves, no finzinho, essa estéril homossexualidadezinha, esse impedimento da pascal natalidade. Pois não é?

Não era isto? Então por que é que me parece que era mesmo? São os meus olhos? Pois sim...

Nos meus olhos cabe tudo o que vejo. E vejo ali dez coisas que não se arremetem umas contra as outras, muito menos aos quintetos.

E Tu, sim, Tu ouves?

Não, ingénuos. O homem não se encontra a recuperar de nenhuma traqueostomia. O homem está a respirar por ela, conforme pode.
Não, sacristas. O homem não disse nada disso, não ofereceu o seu sofrimento a ninguém. O sofrimento nem sequer se oferece, haja pudor. O sofrimento é dele, como o nosso é só nosso, os outros só assistem ao nosso, sofrendo ou não. Sofrimento deles, dos outros, esse sim, assistir ao nosso, se for o caso. E, assim, é sempre verdade.

Bem me parecia que o início da nova saga cristã, “a digna luta pela vida sofrida enquanto ela durar”, estava para chegar. Até já o disse, aí para baixo.
Eis mais um santo mistério: que faz correr, há tanto tempo, estes homens de saias, esta gente roxa, eternamente de saias compridas, cantando com vozes pias enquanto saltita, contrita, mesmo, do seu saltitar? Uma congénita ablação da consciência? Um qualquer paroxismo económico-ecuménico, sempre hesitante à volta do hífen?
Não digo. Eu sei, mas não digo.

Numa mensagem lida pelo cardeal Camillo Ruini, presidente da conferência episcopal italiana, o Papa exprime a sua proximidade "com todo os que sofrem". "Ofereço também os meus sofrimentos, para que o desígnio de Deus se cumpra e que a sua palavra se espalhe através dos homens", continuou João Paulo II, através do seu intermediário.

Pobre homem doente, condenado a “continuar-se” pelos seus intermediários. Intermediários que não escolheu, antes foram eles que o escolheram a ele, ao homem que respira por um buraco adicional, para estandarte furado de mais uma cruzada.

Não tenho razão? Que Deus vos oiça.

25.3.05

A febre da etiqueta

É evidente que tudo é comparável, na perspectiva, subjectiva, de quem compara. Pode-se comparar batatas com nabos, do ponto de vista do sabor, se cada um dos tubérculos se apresenta frito aos palitos. Pode-se, até, comparar a praia e o campo, como fez a Rute Marques, para reforçar de forma mais límpida o prazer que expressou em estar na Quinta. E pode-se comparar filmes que, incidentalmente, trespassam um tema em comum. Deve ser por isso que se fala, correntemente, de filmes sobre a segunda guerra mundial, de filmes sobre o holocausto nazi, de filmes sobre o racismo, de filmes sobre o Vietname ou de filmes sobre a eutanásia. Cataloga-se e, com isso, simplifica-se. Passa-se a observar o mundo através do crivo, regulador, do pré-juízo.

Confesso que não vejo qualquer interesse ou pertinência em comparar o Mar Adentro com o Million Dollar Baby apenas porque, em ambos, os protagonistas escolhem a morte assistida. Ou, mais absurdo ainda, se se critica o Mar Adentro por, alegadamente, aligeirar a discussão da eutanásia (ver o que diz o Luisinho de que o besugo falou no post anterior a este), imputando-lhe intenções éticas que, eventualmente, nunca terão, sequer, assaltado os sonhos do Amenábar.
O Mar Adentro é, curiosamente, um filme vivo. Segue o rasto da permanência, daquilo que vive perante a presença da morte. Nunca se afasta da inquietude (ou, pelo contrário, da gratificação) de se saber que, perante a iminência do nada, tudo o resto permanece vivo, no mar ausente da vista, nos montes que separam Ramón do mar - da vida.
A morte, no Million Dollar Baby, é uma morte contida. Uma morte solitária, independente do mundo, auto-subsistente, egocêntrica. Moralmente anti-pedagógica, enfim. Morre-se, afinal, porque se esgotaram as hipóteses de uma vida feliz. Não se nega a vida em busca da morte; antes se rejeita a existência.

Gostei de ambos, na verdade. Acho-os insusceptíveis de aproximação, a menos que se queira fazer doutrina bacoca como, magistralmente, faz o Luisinho de que o besugo falou; ou que se tenha o hábito de comparar a praia com o campo. E, por razões minhas, que só servem, na verdade, como razões exclusivamente minhas, o Mar Adentro perdurar-me-á no pensamento por muito tempo.

Escrítica escrota

Um crítico de cinema será, espera-se, além disso, outra coisa qualquer. Julgo que há-de haver decência para pagar pouco a tipos destes, de maneira a permitir-lhes a obrigação de trabalhar em ofícios "acessórios" e úteis.
Deste crítico, que se chama Luís Miguel Oliveira e analisa filmes para o "Público" , espero bem (pela sua digna sobrevivência) que tenha adicional profissão. Uma em que seja empenhado e, ao menos, bom.

Escreveu ele, sobre "Mar Adentro", o seguinte:

Conclusão óbvia: Amenabár é melhor em brinquedos ("Os Outros") do que em coisas sérias. A "Mar Adentro", sem beliscar o notável de trabalho de Bardem, objectamos o embrulho "romântico" (nem faltam Wagner, Mozart, Beethoven...), pindericamente exibido em voos sobre o mar, numa tentativa de "comover" o espectador que vai contra a enorme secura da personagem, e na criação de rodriguinhos sentimentais (a história da jornalista doente) que atrasam mais do que adiantam. Por outro lado, há uma vontade de fazer um "filme feliz" que paradoxalmente torna o filme um tanto leviano enquanto discurso sobre a eutanásia. Uma boa cena, contudo: a figuração da impossibilidade de entendimento entre Ramon e o padre, eles que falam em "níveis" conceptuais inconciliáveis, e onde Amenabár encontra uma solução literal para dar visibilidade ao insuperável "desnível".

Bolas. Ele "aspeou o romantismo", mas mesmo assim! É preciso explicar a quem o lê que, dos que ele disse, só Wagner é romântico! Mozart e Beethoven, verdadeiros clássicos pré-românticos, não cabem no embrulho feito à pressa do Luís Miguel.
Acresce que "a jornalista doente" não é, sequer, jornalista (é advogada) e que, em boa verdade, mais leviana que o discurso do realizador chileno sobre a eutanásia, é a lapidar opinião de Oliveira sobre o filme, sobre tudo o que lá está, fundamentalmente sobre "rodriguinhos" sentimentais e outras pinderiquices "volantes" que, segundo ele, atrasam. Atrasam o quê? A propensão de Luís Miguel para opinar sem jeito? Antes fosse assim e o homem se atrasasse tanto que se omitisse todo, na totalidade da sua "escrítica" de bacoco.

O jurisprudente cinéfilo encontra, contudo, no filme, uma boa cena. Valha-nos isso! A do padre. O que, contudo, nem assim lhe desencadeia, provinda da improfícua cornadura, uma frase (sequer) mediana. Sai-lhe, ali, no finalzinho, uma frase digna dum imbecil iletrado. Se não, releiam: "uma solução literal para dar visibilidade ao insuperável desnível" . Que é esta merda? Isto é uma frase digna dum profundo penico mental! E com muita poia a boiar!

O filme é muito, muito bonito e muito bom. E, também, muito comovente. E muito simples.
Tu não gostas que os filmes te comovam. Luís? Preferes não te comover de todo, ou ser comovido por outras coisas? Detestas, fundamentalmente, que se comovam os outros? Sobretudo se não fores tu a comovê-los? Isso é contigo.
Mas o teu maior problema (e ainda bem que é teu), Oliveira, é que tu explicas-te mal. Escreves mal. És fraquinho. Devias escrever o "rescaldo do Sacavenense-Odivelas", mais nada.

Tu não gostaste muito, foi, homem? Limita-te a dizer isso de forma simples. Conforme fazes, acaba por não se perceber por que raio não gostaste. Dizes asneiras, enfeitas-te de imprecisões, mesmo estéticas, estendes-te ao comprido. Segues a linha, muito comum (ao que andei a ver), dos teus "colegas amantes da sétima arte", que se penetram de cinema só para o expelir, depois, em formato publicável para tontos, como se estivessem prenhes de flatulência.

Dá só estrelinhas, as duas que deste, tu e os teus amigos, a "Mar adentro", sim? Sem explicações, que tu não sabes para explicar, sequer, as tuas estrelinhas. Sabes por quê? Sabes por que te sugiro que te cales? Porque, depois, há uns pequenos seres que te copiam em "pequenos sites" (os gremlins cinematográficos, exactamente), é a pústula disseminada.

Claro, de preferência, cala-te. Se conseguires. Se não... olha, continua. Tu viste o filme, ao menos, ora confessa lá?

Olha, tonto, lê uma análise comparativa, feita sem pretensões de publicação "crítica", dum tipo que viu o filme e o compara com outro, que (ainda por cima) também viu. Ambos vimos, aliás. Eu não estou de acordo com tudo o que ele diz, mas ele escreve como se não estivesse a vender nada. Sabes porquê? Porque, de facto, não está. E, por outro lado, escreve claramente. Aquela coisa de as palavras serem importantes quando queremos escrever, entendes? Pois, talvez não entendas, nem mesmo relendo a tua última frase, essa fedorenta bosta, tu lá chegas...

Mesmo assim, lê o que o homem me disse:

Vi ontem o filme "Mar Adentro". O pior, é que já tinha visto o filme de Clint Eastwood "Million Dollar Baby". O pior, porque ambos tocam na mesma temática (eutanásia) de uma forma completamente diferente, o que acaba por os diferenciar por completo: enquanto que no primeiro a temática é abordada de uma forma bastante moralizadora (o que me irrita ligeiramente), no segundo é-o (e tão só) de uma forma totalmente poética. E é essa diferença que faz de "Mar Adentro" um bom filme e do "Million Dollar Baby" uma absoluta obra prima. Este último é um poema (um grito de amor) e o primeiro apenas uma história bem contada (e mesmo assim perde-se em pormenores). O actor Javier Bardem é extraordinário, a música é bonita e o facto do Ramon "morrer na morte" e da Júlia "morrer na vida" (não teve coragem ..., na altura certa) comoveu-me muito.

Percebeste, Luís? Claro que não. Mas eu explico-te. É que este vive doutra coisa, não quer vender nada, nem sequer vender-se. Viu o filme (o que é importante, sabes?), gosta de filmes e, suprema simplicidade, sabe explicar-se.

Eu sei, homem, eu sei que é diferente, "é sempre diferente", não estrebuches mais, pobre entendido. Vai lá à tua vida, desanda-me mas é da lembrança.
Pensando bem, isso é para já.

24.3.05

O problema da morosidade da Justiça

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Lembrei-me agora deste filme antigo, que coisa extraordinária!
Ele há coisas!...

Para dizer a verdade...

...as diferenças entre o Besugo e o Carlos Castro resumem-se a uma só: o Carlos Castro já foi, em tempos, nomeado para um prémio da Nova Gente.

Com um brilhozinho nas guelras

Caro Miguel:

Não posso aceitar o duelo proposto. Por várias razões. Vou dizer só três, mas tenho aqui... ora, tenho aqui... dezasseis.

1 - "Costas com costas" parece-me bem. Nada de confusões, assim é que é bonito. Mas, depois, vem a história dos cem passos. Presumo que sejam cem passos cada um. Ora eu sou pitosga como um morcego. Um passo meu tem cerca de um metro. Mesmo que a sua passada tenha só sessenta centímetros, que não deve ter mais (anda, aguenta-te!), quando nos voltássemos para disparar (sim, que a essa distância, a espada deve estar fora de questão), estaríamos a cento e sessenta metros de distância um do outro. Você apontaria à minha cabeça, ou mesmo ao coração, talvez, até, a uma rótula. Já eu, duvido que o enxergasse.
Claro, aceito se for um duelo de vitupérios. Levamos megafones. Pode ser?

2 - "O melhor texto nhanhanha...". Bolas. Não houve mais texto nenhum, aposto! Os nomeados, andam a preparar os discursos, os vestidinhos e os smokings. Os não nomeados que agradeceram estão a preparar-se para boicotar o evento (para que pensam que era aquele arsenal bélico que a PJ encontrou um destes dias? Inocentes!!!). Os não nomeados que se calaram fervilham de raiva.
Não houve mais nenhum texto! Tratante!!!
Mulher, vai buscar o megafone grande, aquele que usas para me chamar para jantar. E põe-lhe pilhas novas!!!!

3 - A Lolita, que anda a chamar-me desp... indignado por tudo quanto é espaço em branco, precisa de mim, pelos vistos, para fazer a cobertura elegante do acontecimento. Eu, aqui, confesso: de facto, o meu sonho é ser cronista de costumes. Antes disto, era entrar no Miami Vice, mas depois vi o Carlos Castro em plena labuta e dividi-me entre ser bombeiro ou cronista de costumes. Agora, com os incêndios (e com o incentivo da Lolita, essa querida amiga que há-de pag... que hei-de tratar sempre bem!), acho que antes quero isso do "cronicostumismo". É outra limpeza.

Por isso, em vez do duelo (às tantas o Miguel sabe mais vitupérios que eu, prudência de besugo...) prefiro aceitar o cargo que a Lolita me oferece. E, se me disserem onde é que vai decorrer a festa, lá estarei, de gel nos dentes e sorriso avassalador no frontispício, na soirée. Abrilhantando-a com os comentários mundanos dum besugo das profundezas. Ah! E, claro, com o gel.

(Essa do Carlos Castro... vais ter notícias minhas, patroazinha! Vais, vais!)

P.S.- Aviso já que votei no Mar Salgado. O mínimo que eles podiam fazer era retribuir, são bastantes, e eu até já fui elogioso para o nome do blogue deles e tudo...
P.S. (1) - Não adianta chegarem lá onde se vota e escreverem besugo. Eu já tentei, aquilo está controlado, tem de se pôr o nome dum blogue. Mandem-me antes um e-mail de conforto, sim?

Adenda: dissipou-se, espero eu, o desp... a irritação.

Subscrevo o que diz o Miguel sobre este post do besugo. O melhor texto de sempre sobre os bloscares.
E, comovida, felicito-o. Ó Besugo: tenho a impressão de que o teu melhor registo, no que toca ao assunto "Bloscares", é o de cronista das estrelas.

P.S. Assim que tenha oportunidade, falarei, aqui, das diferenças entre o Besugo e o Carlos Castro.

23.3.05

O apocalipse

Um duelo! Nada seria mais apropriado para abrilhantar a noite dos Bloscares. Bem melhor do que os entertainers do regime: Billy Chrystal, Sammy Davis Junior, Danny de Vito ou, até, Luis Filipe Menezes.

Só não oferecemos o blogamemucho para a realização do duelo porque, como é evidente, o Miguel não aceitaria que se fizesse em território inimigo. Pensando bem, talvez o besugo também achasse. Continua desp... irritado, garanto.

Quanto a mim, estarei na primeira fila da plateia (porque dos camarotes, como refere o besugo, só se vê metade do palco). Decidirei, entretanto, se levo um vestido à Ivana Trump (sem esquecer a moldura facial de caracóis loiros) ou se, incógnita, apareço por lá disfarçada de Phileas Fogg.

Simplificações de besugo (epílogo)

Custa, isto de ser simples.

Freitas, que eu saiba, não estava desempregado. Bem pelo contrário. Era só um exemplo. Mas ainda bem que concordas que a Constituição consagre o direito ao trabalho. Embora, brevemente, deva passar a consagrar o "direito ao trabalho por objectivos", a menos que o texto constitucional seja elaborado por aquele ex-secretário de estado sem corrector ortográfico... nesse caso, poderá passar a consagrar o "direito ao trabalho por adjectivos", ou assim.

Não sei se Freitas do Amaral é "mais ou menos". Sei que, a menos que tu afirmes aqui que sufragas o pequeno articulado que a seguir te proponho, o fundador do CDS pode ser ministro dos negócios estrangeiros de qualquer governo legítimo, sem necessidade de estados de alma. Mesmo tendo afirmado o que afirmou, tendo negado o que negou e, mesmo (suprema humilhação!), tendo sido expulso do tal partido que Bush (o injustamente detestado Bush, pobre incompreendido) não sabe muito bem o que é, nem onde fica.

Eis o pequeno articulado:

O ministro dos negócios estrangeiros dum país não pode, sob pena de sevícias públicas:
1 – Não gostar de George Bush. Até porque é indecoroso, sendo sabido que o ministro dos negócios estrangeiros americano adora, aos pacotes, Jorge Sampaio, Sócrates, Eusébio e, mesmo, Maria João Pires.
2 – Criticar invasões (sobretudo se ordenadas ou lideradas por George Bush). Isso inviabilizará a nossa política expansionista de alto conteúdo bélico, logo agora que temos mais submarinos e, mesmo, vários helicópteros.
3 – Dar mostras de apetência por cargos ministeriais, porque é sabido que os ministérios se escolhem entre os desinteressados da governação.
4 – Dar mostras de 3, disfarçando. Porque isto é mesmo assim: se se mostra vontade é porque se mostra, se se disfarça a vontade é porque se disfarça.
5 – Querer mais que isso, que ser ministro dos negócios estrangeiros, porque é evidente que quem não puder ser Figo não pode ser, sequer... besugo.

É isto?

Mais citações

Percebo, besugo.
Sendo assim, concordo contigo. Se o Freitas do Amaral estava desempregado e se a Constituição da República consagra o direito ao trabalho, é evidente que também ele tem direito a ter um emprego. E, até, a dar à perninha para ter um. Como fez. E bem, que o direito ao trabalho não se nega a ninguém. Mesmo que seja alguém "mais ou menos".
E isto nem é mais ou menos. É mesmo assim.

Eu nunca vi o Durão Barroso a queixar-se de se ter afastado do MRPP. Sabes porquê, besugo? Porque foi ele que quis afastar-se. Saiu e pronto.
Há outros casos em que, não correndo bem, se tenta colorir as culpas para iludir quem olha. Como se se dissesse: "foi só uma coincidência, que eu saísse quando o partido já estava esfrangalhado; os que vieram depois é que estragaram. Ah! E eu, lembro, sou centrista."

Simplificações de besugo (4)

Estou, mais ou menos, de acordo contigo, Lolita. Como sempre. Posso, até, acrescentar um ponto 5. Queres ver?

5 - "Freitas não pode ser ministro dos negócios estrangeiros porque, no fundo, não era só isso que ele queria ser".

Bom, sei lá, talvez ele quisesse ser primeiro ministro, não sei. Ou ministro da defesa. No fundo, não acredito que defendas que "a Manuel não devia ser permitido ser faxineiro, porque Manuel queria, no fundo, gerir a empresa". Tu não defendes o desemprego, pois não?
Acresce que, no partido que ele fundou mandam, agora, senhores destes, como os que aqui te mostro. O do meio não é aquele arrumador de carros do Hospital de São João, a fotografia é que está desfocada.

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Fica simples?

Os amendoins. Bom, mais ou menos.

É "mais ou menos" isso, besugo.
Seria hilariante, fosse como fosse. Até com os amendoins.
Sobretudo na parte em que o Freitas do Amaral, suando as estopinhas, se metesse a explicar ao Bush que ele o comparou a Hitler, mas que, na verdade, não era bem isso que queria dizer. Enfim, que seria "mais ou menos" isso, mas não era bem. E mais ou menos não é igual a mais nem igual a menos, ora. Ele também não queria ser exactamente ministro dos negócios estrangeiros, mas era "mais ou menos" isso que queria. Bom, não queria assim tanto, ora. Queria "mais ou menos", evidentemente.
Ao que Bush, imperial, retorquia, olhando-o eye to glasses - "espere lá: você não é aquele hispânico que foi hoje expulso de um partido de uma região qualquer que fica ali para os lados da Inglaterra?", enquanto descascava mais um amendoim.

Suponho que, se assim se passasse, Freitas se retiraria imediatamente da sala, indignado. E que convocaria, de imediato, uma conferência de imprensa em que José Sócrates trataria de explicar, demoradamente, o que ele quis dizer. Com ele ao lado. Sentadinho. Mas calado. Ufa, assim é mais fácil.

Simplificações de besugo (3)

A Lolita disse:
"Freitas do Amaral pode ser ministro dos negócios estrangeiros; não precisa, no entanto, de fazer de conta que não fez nada por isso. Basta calar-se e tratar de seduzir o Bush, o que, aposto eu, há-de ser hilariante."

Até ao ponto e vírgula, a Lolita está luminosa. Depois, até ao primeiro ponto-final, confessa preferir que Freitas admitisse, em conferência de imprensa, "que sim, eu queria ser, admito, uma vez que toda a gente já deu conta, até porque estou aqui e Sócrates não me apontou nenhuma Uzzi para eu aqui estar". Entre pontos-finais, sugere a Freitas do Amaral que seduza Bush, ainda por cima calado.

Seduzir Bush deve ser fácil. Tem cara de quem gosta de amendoins e amendoins podem atirar-se em silêncio. Freitas do Amaral pode atirar amendoins a Bush, mas ele que os descasque. Esta é a parte do hilariante, o pensador americano a estraçalhar amendoins com os deditos, enquanto pensa o mundo.
Estamos, pois, de acordo. Há concórdia, no blogame mucho. Espero que não te tenha custado muito, Lolita.

E ainda... por mor dos marcianos.

O besugo tem um ligeiro handicap. Aliás, tem dois, mas um deles, honesto, ele reconheceu - a sua falha capacidade de entendimento. Que, porém, combate com metódica e cartesiana auto-desconfiança.
Mas o defeitozinho a que me referia tem a ver com o síndrome do "mais ou menos", que de quando em vez assalta e perturba o pensamento besugal. Explicando-se, diz ele que "Freitas do Amaral não pode ser ministro dos negócios estrangeiros porque, mais ou menos, terá dado a entender que queria ser". Bela frase, esta; típica de um homem da ciência.

Bom. Estas meias tintas não servem para muito. Melhor será tentar dar-lhe algum rigor e, ao mesmo tempo, esclarecer o nebuloso pensamento do besugo. A afirmação, concebida com suficiente objectividade, será, assim, esta ou semelhante:
"Freitas do Amaral pode ser ministro dos negócios estrangeiros; não precisa, no entanto, de fazer de conta que não fez nada por isso. Basta calar-se e tratar de seduzir o Bush, o que, aposto eu, há-de ser hilariante."

22.3.05

Simplificações de besugo (2)

Se bem entendi (eu questiono isto sempre, o meu entendimento), faltava um 4º ponto na minha primeira simplificação.

Era este:
4 - Freitas do Amaral não pode ser ministro dos negócios estrangeiros porque, mais ou menos, "terá dado a entender que queria ser".

Ora, isto é extraordinário! E significa o seguinte: nunca mais haverá governos isentos de críticas, logo nos blocos de partida, a menos que os seus membros sejam escolhidos entre aqueles que, com ar "blasé" ou agastado, atirem patadas ao chão, berrando "eu não quero, eu não, eu isso nunca!". Ou, atenuando, entre os silenciosos que esperam um aceno imparcial. É capaz de haver disso, aquele Nuno Melo do PP parece-me um rapaz desse jaez emocional...

Bom, isto é consolador. Por este prisma de Lolita, Portas nunca teria sido ministro. Ele não se limitou a pedir para ser, ele fez a Barroso mais do que pedir: disse-lhe "olha, é assim!".
Isto conforta. E simplifica.

Isto não é complicar; é pelos marcianos.

Ora vejamos: se um marciano viesse à terra à procura de notícias sobre Freitas do Amaral e lesse a posta do besugo, convencer-se-ia, sem apelo nem agravo, da inutilidade e do absurdo da questão.
Lembremos, porém, que o hábil besugo esqueceu-se (candida mas deliberadamente) de dois dados fundamentais.
O primeiro, o de que não é só por causa do ódióbushe que FA tem vindo a ser criticado. Há-de ser mais pelo notório investimento que empenhou para apanhar as migalhas que o PS lhe atirou. Pensa, besugo. Ora, tu sabes.
Depois, e como o besugo bem sabe, aquelas três razões que, escandalizado, aponta não são independentes entre si; antes são inconsequentemente incoerentes. Ser ministro de "este" governo não é compatível com pretéritas declarações públicas, emotivas demais para um pensador positivista (e centrista), sobre os possíveis despotismos da política externa norte-americana. Causam embaraço. Admito: não é grave, já vimos bem pior. Mas é embaraçoso. Como também o é ver o FA no parlamento, jogando com as palavras, tentando desmentir o indesmentível: "eu não comparei Bush a Adolf Hitler; o que eu disse é que algumas políticas norte-americanas são parecidas com as do nacional-socialismo". Percebido...

Lembra-te, besugo: se simplificares em demasia entortas a realidade.
É simples, isto.

Simplificações de besugo

Se bem entendo, o que se aponta a Freitas do Amaral para não poder ser ministro dos negócios estrangeiros deste governo é o seguinte:

1 - Não gosta de Bush.
2 - Não aprovou a invasão do Iraque ("grosso modo", assim simplificando)
3 - Ser "este" o governo.

Parece-me bem.
Os pontos 1 e 2, a serem exclusivos, afastam daquele ministério mais de 2/3 dos portugueses com qualidade governativa (ou seja, eu e a Lolita não poderíamos ser ministros, o Alonso talvez...mas também não creio).
O ponto 3 é simplesmente parvo. Pequeno.

Ficamos por aqui? É que, mais que isto, é complicar.

A relação tempo/espaço

Num pedaço de quinhentos metros de rua que demorei mais de meia hora a percorrer, pude ouvir toda a parte do debate parlamentar em que Paulo Portas (brilhante tribuno, façamos-lhe justiça; está ali bem, onde pode falar sem deixar de ser inofensivo), Ana Drago (do cimo do seu caixotinho à Gerard Schroeder), Telmo Correia (bem metido, admitamos, aquele veneno sobre o samba e a música de Câmara a propósito de quem faz o programa do governo mas não entra nele; mas - e muitos não sabem disto - ele tem a sorte de ter um brilhante professor de bruxaria) e mais um deputado do PSD cujo nome não me lembro (talvez um dos recém-chegados, ainda na recruta) trataram de moer José Sócrates com as contradições do Professor Ministro.
Este (o Sócrates), porém, bem sabendo da inevitabilidade do tema, vinha devidamente preparado, recordando aos presentes o passado nas Lages, emoldurado pelo já célebre cafézinho.
Esteve bem. Soube-me mal, apesar disso: repetiu três vezes que Portugal é um "pequeno país". É que, repare-se, a Grã-Bretanha também o é.
E eu recuso-me a admitir, sequer, a hipótese de que ele não estivesse a falar de geografia.

Soltas de besugo

1- Sobre o Sporting - Porto digo isto: temos de ir ganhar ao Boavista. Nós, o Sporting. Na Luz ganhamos de certeza. Nos outros sítios pequenos é que não sei.

2 - Sobre o desafio malcriado de Portas a Freitas, no Parlamento: Portas é um imbecil de dedos sujos. Freitas devia ter respondido, mandando calar o fedelho e remetendo-lhe, ao Caldas, um falo pequeno, que não aleijasse. Não devia ter falado Sócrates. É a minha opinião, entendo essas solidariedades, era preciso, mas filhos da puta devem levar nos cornos imediatamente. Freitas, faça favor, senhor professor, de responder. Mesmo à canalha.

3 - Sobre Mariano Gago: oxalá seja melhor o livro que o filme. Bolas. O tipo é feio e acredita nos computadores e nas stem-cells. Eu também, mas bolas: é cedo para um ministério da ficção científica ficar entregue a um tipo com uma cara daquelas.

4 - Sobre Carlos Magno: muito bem, excelente peralvilho. Percebemos todos que o problema, agora, é dos jornalistas. Para Magno, Sócrates enfiou parcial escroto na virilha dos tipógrafos modernos.
É tudo uma questão de imagem, Magno, a gente percebeu que andas wharoliano, que tens da política a noção que Manoel Oliveira tem dos filmes: fotogramas devagar e boas críticas criam bons corpos. E já citas um Gil. É bom.

5 - Sobre Marcelo, ontem: que quer o senhor? Não sabe bem? Quer isto: urge-lhe um desentupir de artérias, polígono de Willis incluído, a que o senhor tarda em perceber a urgência. Está a tornar-se circular, você. Rubicundo, afagante e ofegante, sobretudo com a senhora que lhas bate ao domingo, a que imita canniches loiros vagarosos. Falta só saber se lhe paga o senhor ( a ela) ou se nós todos. Mais vale que sejamos nós todos, porque, com o tempo, atiram-lhe isso à cara e o senhor vai sentir-se empurrado para os netos, que bem precisam de si para aprender chicana e essas coisas de livros rápidos que o senhor gosta. Celorico por Celorico, antes o Ega.

6 - Sobre os velhinhos de 80 anos: mucha salud. Ou mortes súbitas.

7 - Sobre o Melo do PP: continuas com o mesmo ar de sempre, aquele ar de quem se tivesse asas era uma galinha, em não tendo asas cocorocó. Cabelo ao vento, em se bufando.

8 - Não era mais nada. Da morte dos polícias falo depois. Sobre a diminuição das férias judiciais, já percebi que a redução não resolve nada. Disseram eles. Porque eles trabalham todos muito. Isso é bom, um mês a mais de trabalho, já que trabalham tanto, pode ser vantajoso. Em mantendo o vertiginoso ritmo laboral, claro.

21.3.05

Tu mirada

Ontem à noite, vi um postal da Galiza.
Olhei-o sem pressa. Tentei vê-la pela mirada de alguém que se depara com o corpo a fraquejar.
Lembrei-me do verde dos pastos e da pedra cinzenta; imaginei-os vistos do céu.
Imaginei o mar ausente das mãos, mas logo presente ao fechar dos olhos.
Dorme bem e lembra-te do mar. Usa-a, a tu mirada.
Mar adentro.

Vai correr tudo bem

Estava calor, mas depois ficou mais fresco e chuviscou um pouco.

Via-se mal, não se via o palco todo. Mas via-se bem a parte do palco que se via. Havia gente, há-de haver sempre, que conseguia ver o palco todo, mas de longe. Desfocado. Eu gosto ao perto.

Depois amanheceu a surpresa triste. Todas as surpresas têm alguma coisa triste, mesmo as boas. A surpresa mexe sempre na pequena e calma alegria de estar quieto. Com as surpresas más é o mesmo, as surpresas quase não carecem de adjectivo.

Contudo, o Porto está cada vez mais bonito, envelhecendo aguado.

Isto era para ser só com a Lolita, mas podem ler. O Chico Buarque pode também. E a Teresinha. E a Geni.
Pensando bem, leiam todos. É um favor que me fazem. Eu não sou legível, mas esforço-me. Leiam, sim, por favor. Isto das letras é curioso, pode ler toda a gente que sabe ler.
O resto, é só quem pode. Mas querer é poder.

Sim, têm razão, mas eu tinha de acabar isto com um lugar comum. Que eu tenho de entender o que escrevo.

18.3.05

Max e Teresinha

Tenho nove bilhetes para ver a Ópera do Malandro amanhã à noite, distribuídos entre dois camarotes e um bocado de frisa. Ficaremos, portanto, distribuídos em grupos de três e far-se-á um sorteio, para saber a quem calhará a sorte de ficar com o Besugo, que, animado pelo folhetim, já ameaçou cantar (de pé) a canção final do Kurt Veil em timbre próximo do José Carreras.

A história do malandro é bonita. Conforme se sabe, Max Overseas é o vagabundo que casa com Teresinha, a filha do seu inimigo Duran, que se opõe ao enlace. Teresinha, porém, não hesita um segundo e, apesar de toda a censura, une-se a Max, transbordante de paixão. Ao seu Max, aquele que a beija fundo, até a sua alma se sentir beijada.
O resto são acessórios, Geni e o Zeppelin, a cachaça e os ianques e, como pano de fundo, um vasto mundo a tentar separá-los. Sem nunca os alcançar.

O Jaime, o que não quis saber até há pouco tempo.

O Jaime está lá, já quase só deitado, em internamento terminal.
Já cometi o erro do costume: conheci-lhe a mulher, que me estende uns olhos de desespero húmido, e os filhos, que me dão beijos.
Hoje, o mais novo, perguntou-me “quando é deixas o meu pai ir para casa?”.
Eu vou ter de deixar, logo que ele morra. Não vejo é como possa ser antes.

É fodido, porque me vai morrer mais uma espécie de amigo. Já lhe sei tudo, até o futuro que deixa aos dele. Dívidas, projectos, essas merdas que parecem simples enquanto temos força e saúde.
Para que me meto a conhecer os gajos que me chegam à vida já de morte às costas? Como se viessem ter comigo de mochila ajoujada com a última roupa?

Nunca hei-de conseguir ser um senhor doutor a sério. Dou-me pouco espaço, e aos outros. E isso acaba por não beneficiar ninguém, para ser franco.

17.3.05

Venham mais destes...

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Apostei a um almoço, de camarão tigre, a passagem do Sporting aos quartos de final da Taça U.E.F.A.
Ganhei eu. Perdeu o dono do restaurante onde costumo ir almoçar.
Fica daqui o recado: Sr. Quim... aqueça bem essa chapa que eu amanhã não saio daí!

Um forte abraço para o Besugo pela vitória!



P.S. - Podia era ter sido outro a marcar o golo... (perdoa-me lá Besugo...)

Decisão

Vou voltar aos karts. Tenho andado arredado, fugitivo de muitas coisas que gosto. Os karts, por exemplo. Vou voltar, um dia destes.
Preciso de sentir o corpo dorido de andar depressa.
Rente ao chão é tudo muito mais rápido.

16.3.05

Sit, Ubu! Good dog.

Eu, na verdade, também acho que as mulheres ficam bem na cozinha.
As cozinhas são locais aprazíveis e sossegados, onde uma fada do lar respira de profundo alívio e regozijo depois de cumpridas as suas cansativas missões; mas, também, quando se impõe a necessidade de encontrar refúgio.
A mulher moderna entrega-se alegremente à confecção de umas pataniscas de bacalhau quando, por exemplo, a alternativa é ficar na sala ouvindo o seu amo contar histórias da tropa.

Não é, de facto, fácil, a vida de uma boa esposa. Uma boa esposa deve ser uma esposa abnegada. Sabe que o seu desígnio é árduo, mas aceita-o com nobre resignação. Só uma esposa dedicada e paciente sabe como é cansativo explicar, diariamente, o sentido ontológico e procedimental de um autoclismo nos quartos de banho, a par da importância, fundamental, de levantar a tampa. O esposo, observando com - ligeira - dificuldade de compreensão o desenho que ela carinhosamente lhe esboça, lá acaba por reter a informação; pelo menos, até à descarga da bexiga que se lhe seguir. E, grato, oferecer-lhe-á (mais) um aventalzinho.

O Vitorino há-de ter previsto tudo isto.

O que de fundamental se reteve, do discurso de posse do Sócrates, é aquilo com que o país anda entretido a discutir: a venda das aspirinas fora das farmácias. Poderá o panadol ser fatal? É conveniente tornar a pílula do dia seguinte acessível a todos, ao simples alcance de um expositor?
Interessante, isto. Caminhamos, se se mantiver a chama acesa, para a discussão, mais abrangente, sobre bens de consumo nocivos. Debater-se-á, eventualmente, a sua composição química de um ponto de vista antropológico. Estudar-se-á, aturadamente, o impacto da ingestão prolongada de cereais ao pequeno almoço no aparelho linfático ou, até, o efeito dos hábitos alimentares dos portugueses no quinto Quadro Comunitário de Apoio.
Saboreia-se bem, isto de discutir tudo. O português gosta de pretextos para discutir e não regateia temas. Cada tertúlia de casa de pasto iniciar-se-á sob a égide do “isso é muito discutível”. E, dentro de pouco tempo, debater-se-á, em cada lar português ou em cada churrascaria de frangos na grelha a venda livre da lixívia Neolblanc. Os estabilizantes do Bolicao. Os pneus Michelin. As chicletes Pirata. A pescada chilena. A carne branca. Os ovos de avestruz. O camarão da costa!
Será memorável, certamente. Uma longa e profícua discussão, alimentada por pequenas, mas grandiosas, medidas anunciadas em cada discurso institucional. Até que, num dia distante - chegada, enfim, a civilização -, possam os portugueses abastecer-se de gasolina sem chumbo de oitenta e cinco octanas na farmácia mais perto de si.

15.3.05

Atoardas

Eu nunca disse que o lugar das mulheres é a cozinha. Eu consigo conceber variadíssimos sítios em que as mulheres ficam bem. De facto, ficam bem em quase todos.

Agora, que também não ficam mal na cozinha, isso sustento.
Nem é por causa do sustento. É por causa do aventalinho.
Sobretudo se for só de aventalinho. Sustento mesmo.

Panadóis

Por acaso gosto de farmácias. Quero dizer: não é dos sítios em que gosto mais de estar, mas não se está lá mal, sobretudo se formos buscar remédios para outra pessoa, não estando em causa doença nossa.

Quando, aqui há uns tempos, recebi uma missiva proveniente da minha Ordem, a dos médicos, solicitando reenvio de cupão em que se perguntava, mais ou menos, se "é o colega a favor da venda de alguns - os tais, os "panadois" - medicamentos fora das farmácias?", um papelucho que vinha, ainda por cima, com quadradinhos para pôr uma cruz, pensei: está tudo doido. E deitei-o fora.
Como médico, não tenho nada que me pronunciar sobre isto. É bacoco e quase perverso que a Ordem dos Médicos dirija aos seus inscritos uma pergunta destas. Isto é uma questão de cidadania, não é uma questão de "vendettas" entre Ordens e Bastonários, médicos contra farmacêuticos. Não se discutem "ganhuças", se as houver, entre Ordens. E logo estas, calha bem!

Bom.

Sobre esta questão da "venda livre" (chamemos-lhe assim para facilitar) , como médico, digo o seguinte, para já: a intoxicação por paracetamol pode ser muito séria. Se decidirem vender "panadóis" nos hipermercados, certifiquem-se de que está lá alguém, ao pé dos "panadóis", a aconselhar o consumidor (porque passará a tratar-se, apenas, dum consumidor, não dum doente) a não exceder as doses de segurança.

Os "panadóis" não atacam o estômago mas no Reino Unido já se transplantou muito fígado à conta de facilidades destas.
Tenham cuidado. E atenção, ninguém me paga para dizer estas coisas. Nem outras. Eu é quase sempre à borla.

A misoginia pode ser induzida. Cuidado.

Anda meio mundo a comentar a escassez de mulheres na era socrática; não sei se se comenta mais a escassez ou a fúria das mulheres socialistas à dita.
Na verdade, se eu pudesse calava-as. Eu consigo imaginá-las a todas, reunidas em torno do Sócrates muito prolixas e indignadas, céus. A fazê-lo ter a certeza, se ainda não a tinha, de que tomou a decisão certa.
Um besugo manda-las-ia para a cozinha, mas a verdade é que ele tende a ser mais cro-magnon quando se sente desp… injustiçado.
O maradona (excelente, excelente) e o Luís (na mouche) também se espantam.

14.3.05

Sem linques. Por uma questão de princípio. Despeito, eu?

Acabei de saber que não fui nomeado.
Pronto, confesso: já soube anteontem.
Quem me disse? Ora adivinhem.
Pois. Foi ela.

O problema é que mo disse com um sorriso triste: "sabes? tu não foste... que chatice...". Aquilo era um sorriso de profundo gozo, mas pronto... caluda, eu é que sei!

Isto está mal.
Que não nomeassem o Alonso, eu entendia. Ele escreve pouco e, sobretudo, é um radical. Um radical não se nomeia. Castiga-se ou louva-se, mas é logo. Não se nomeia. A não ser com algum receio.

Agora a mim? Não me nomearem? Está lá o Moita de Deus, bolas! E o maradona, aquele tipo que hesita entre pegar-se com o senhor do contra-a-corrente (escorrem ali estrogéneos, ó blogosfera!), citar textos estrangeiros muito compridos, evocar digestões difíceis de feijões e falar (mal, que ele não percebe, da bola, o que se diz "um cu") de futebol!
E mais gajos! Está lá o FNV, por exemplo! Nomeado, ali! "Melhor blogger"! Tungas! Sim, o FNV, aquele que está sempre a escrever, sempre a escrever, num blogue que nem sequer devia existir! Não devia por quê? Olhem o nome! Que nome, por exemplo, que raio de nome para um blogue! O mar é doce, por acaso? É? Alguém faria um blogue que se chamasse, por exemplo, "Açúcar Doce"? Ou "Calor Quente"? Ah! Pois! Mas nomeiam tipos destes, mesmo assim!

Não trabalham, é o que é, têm tempo. Actua, Sócrates, logo que resolvas o problema do Tó Zé Seguro!
Eu já estou habituado a injustiças. Agora acusaram-me de over-booking, lá na "empresa". Trabalhei demais. Por isso, "lamentamos, mas incentivos neribi...". É como aqui.

Claro: pode ser falta de talento... "escreves, escreves, mas não tens talento...". Está bem abelha. Claro, eu cheguei a pensar nisso. Eu sei que é um pensamento peregrino, logo eu sem talento, que extraordinário! Mas pensei. Confesso que sim, que pensei.
Sabem o que fiz?
Fiz isto: imprimi dezoito dos meus melhores textos. Claro que fui eu que os escolhi, aos dezoito melhores textos, querem parar de ser parvos? Claro que fui eu! Quem havia de ser, o Miguel? Ah!
E levei-os, impressos, aos meus Pais. Eles leram. O meu Pai ainda disse que queria ver o telejornal, mas a minha Mãe calou-o com um olhar fundo, que já lhe vi mais vezes. A primeira vez que lho vi foi quando o meu pai me quis dar uns calduços por ter feito uma coisa qualquer que agora não me lembro, há 30 anos. Que lho vi, ao olhar dela. Entendido? A blogosfera fede, às vezes!
Bom, eles leram e abençoaram-me. Percebem? Não, vamos a ver se percebem mesmo: no mesmo dia em que Vital Moreira esteve no mesmíssimo programa em que estava um tipo sem beiças, um tipo convicto de si, que acha mal que sejam precisos 1000 euros para abrir uma empresa em Portugal (citou o exemplo da Inglaterra, lá bastam 50 libras para isso, dá para pagar os anúncios nos jornais, o "Sun", por exemplo, sim, que cada imbecil cita o que quer, é fazer as contas, eu também cito Peseiro e David Lodge, às vezes...), nesse mesmo dia, os meus Pais disseram-me, depois de me lerem: "Não, filho, talento tens tu, às carradas!".

Bolas. Talento, eu tenho. Caramba!, querem prova maior, na isenção e na acutilância, que a própria paternal declaração que aqui veiculo? Querem isto por escrito, certificado, é? Claro que não querem. Isto é uma poderosa verdade que dispensa de trabalho adicional a nossa administração pública, notários e (mesmo) senhores doutores juizes! Isto é uma verdade que nem sequer carece de catalisador! De enzimologia!

Então, que pode ter acontecido? Que explicação há para isto, para esta omissão revoltante?

Há duas explicações:
1 - O Miguel empiteira-se, soletra mal, detesta peixes baratos, é benfiquista, não se lava, ou tudo junto.
2 - A Lolita manipula isto das nomeações. Claro, eu devia era ter começado por aqui, isto é evidente. Mas agora não apago o resto. "Eu sou muito frontal!!!!"

Gosto desta frase, porque pressupõe que se possa dizer, com a mesma acutilância vocal, que se é "muito lateral!!!!", ou, mesmo, "um bocadinho oblíquo!!!!". Ou obtuso, mas eu aqui dispenso-me das aspas, que não quero querelas. Esta também foi boa: "não quero querelas, nem faço façanhas".

Eu refuljo. Admitam. Grande brincadeira! Hem?
Pois, eu refuljo, grande brincadeira, mas quem nomeiam? Ela, essa Lolita, o Deus, o que está sempre a escrever, o da cocaína e a bomba! E mais uns tipos e tipas (está bem, senhoras, pronto) que ninguém sabe quem são. Pum!

Pai, Mãe: confirma-se, eu fui reler!

"Eu estou bem, OK? Eu estou calmo. Quem chamou a ambulância, foste tu? Manda-a embora, eu vou a pé!".
Desculpem, a minha mulher ainda não se habituou a ver-me espuma nos cantos da boca, pensa logo que estou doente...

Onde é que eu ia? Ah!
Custava-te muito, era, Miguel? Custava? Nomeavas sessenta gajos! Noventa e cinco! Duzentos!
Bolas. Punhas-me lá!

Eu devia era bater-lhe. Ao gajo. A esse Miguel. "Ouve lá, onde moras? Na origem de quê"?
(Saberá artes marciais? E dentro de água? Sabe? Ai sabe? Ouve lá, Miguéis há muitos, OK? Isto era contigo por quê? Tens provas? Ah! Pois!...) .

13.3.05

Recado à Lolita (2)

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A culpa é deste tipo. Chama-se Pinilla, é um tipo que vê mal e, ainda por cima, deve ter uma úlcera da córnea. Tem, agora, de usar lunetas. O verdadeiro ponta de lança que não enxerga.
Levámos duas do Penafiel, que é um clube interessante mas fraquinho. Quem leva duas dum clube fraquinho é como se levasse quatro.
A culpa é deste animal porquê? Olha, porque não joga. Não o põem a jogar, deve valer pouca coisa. Deve ser apenas um peneirento que veio estragar-se de vez de verde e branco. Um paneleiro. Senão jogava, não é? Ele é o quê? Modelo? Ai é jogador? Então jogava!
E a culpa é, também, obviamente, do Peseiro. E do Hugo, essa besta que ilustra aquele ditado que diz “ a quem não sabe jogar à bola, até os pés atrapalham”.

Nada disto nos impedirá, por outro lado, de sermos campeões. Se tivermos de o ser, sabes muito bem que seremos. Nem a mim de declarar, aqui, o seguinte: não vi o jogo, mas o resultado foi injusto e quero que o Penafiel desça de divisão.

Eu nunca me contradigo, a não ser quando quero. Não disse nada que contrarie o meu recado anterior. Eu tenho bom ganhar, sou olímpico na vitória. Quando perco (ainda por cima sem ter podido ver, que estive a trabalhar, seus canhões de navarone da portugalidade vermelhusca!) é que fico mais fodido. Eu isso não faço muito bem, apetece-me bater. E dizer asneiras. Fodido não é asneira, há um blogue dum lampião que tem esse nome, mais “o”, menos “o”! Se eu estou fodido para que hei-de dizer que não estou?

Ficava calado? Eu não consigo...

Enquanto me esbofeteio (deixaram-me sozinho, não vou agora acordar os putos e bater-lhes...) e mando mais um e-mail ao Peseiro, ao Hugo, ao Beto, a outros imbecis, a ensinar-lhes alguns factos da vida, tu, Lolita, explica aí em casa (a quem sabes) que eu não sou inconsequente: o que escrevo hoje é consequência do mesmo que escrevi ... anteontem, acho.
O que eu sou é demasiado consequente, é um dos meus principais problemas: cada consequência, cada chilreio de besugo, peixe estúpido com a mania que tem asas. E ninguém o abate, anzóis escassos!
O meu problema é isso e a úlcera do sacana chileno que ali pus, em cima.

A blogosfera acaba no próximo dia um

O Miguel Tomar Nogueira incluiu-me na lista de nomeados aos Blogoscares de 2005. Quanta honra.
Honra ainda maior, se pensar nos restantes nomeados e nomeadas. La crème de la crème, embora por defeito (digo eu, claro).
Obrigada, Miguel.

Os Blogoscares estão aqui.

Estado de graça

José Sócrates tem vindo, com visível rigor, a virar do avesso os desastres de Santana Lopes. Esforça-se, com a obsessão organizativa (quase picuínhas) que lhe é peculiar, por mostrar que o governo socialista, no que respeita a seriedade, está nos antípodas do último do PSD.
Mas é evidente que é bastante mais fácil eliminar as hipóteses de erro imediatamente após um comportamento errático.
Muita sensatez, muita cautela, muita defesa, muita táctica. Tanta, que já parece demasiada.

A Tosca

Mar Adentro é muito mais bonito que o filme de Eastwood. Que também é bonito. Mas Mar Adentro é muito mais.

Porquê? Porque Mar Adentro é, simplesmente, muito bonito. Entendem?

Detesto Almodôvar, incapaz de fazer um filme sem (ao menos) um ícone aberrante. Nem que seja um camionista com tetas. Porquê? Por que é que detesto? Calma: eu tolero e admito aberrações. É só porque destes camionistas deve haver dois, em todo o mundo. Não quero saber de nada excepcional, tanta excepcionalidade cheira a manipulação feita para "efeitos especiais". Almodôvar não passa dum Spielberg hispânico, que sabe menos de computadores e é obcecado por paneleiros, putas e cores garridas.

Há filmes espanhóis que nada querem ter com Almodôvar. Este é um deles. Mar Adentro.

A minha Espanha é na Galiza. Não gosto de terra amarela. Prefiro o Minho ao Alentejo. O Douro ao Guadiana. Gosto de calor, mas não do calor mole da preguiça. Gosto do Alentejo, mas mais do Douro e do Minho. De cores garridas. Sou um paneleiro, do ponto de vista estético? Admito que um boi qualquer me diga isso. Ao pé de mim é que não diz. Ao pé de mim, na minha cara, muito pouca gente me diz as coisas que acha que devia dizer. É essa pouca gente que eu respeito. Por óbvios motivos.

Do mar quero saber sempre. Se for adentro, melhor. Toca-me. E eu ainda sinto. Se sinto.

12.3.05

Recado à Lolita

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Tens aí um amigo meu, em casa, que é capaz de ter ficado triste com a derrota do Porto.
A imagem da tristeza é sempre igual, ele que veja o homem da fotografia: a equipa dele deve ter perdido. Ficou triste.
Ensina-lhe que ficar triste por perder é normal, e que nunca se goza a nossa equipa com “olés”. “Olés” é nas touradas. E não se toureiam os nossos.
Diz-lhe que eu já fiquei muitas vezes triste, durante muitos anos, e ainda fico, quando o Sporting perde. Lembra-lhe que, nos últimos anos, ainda ele nem era nascido, penava eu, ano atrás de ano, dorido com derrotas. Recorda-lhe que, ainda no ano passado, o Porto ganhou tudo. Merecidamente.
Não o deixes esquecer uma coisa importante: eu sou do Sporting, convém-me que o Porto perca no campeonato, evidentemente. E ficarei muito contente se o Sporting ganhar ao Porto. Como ele ficará se for ao contrário. Mas diz-lhe que nenhum rival decente se alegra com derrotas de adversários, antigos e bons, por 4-0. Por uma questão de respeito.
Afirma-lhe que, se ele quiser, vamos ganhar ao Inter. Se ele aceitar o “vamos”.
E dá-lhe um abraço.

besugo

O privilégio

Há coisas que inevitavelmente se gravam na mente. Recordam-se, quando se está longe com vontade de se estar perto. O sono alheio, por exemplo: a expressão sossegada, a linha suave das pestanas, o cortorno bonito dos lábios fechados. A imagem da paz. O rosto de um menino a dormir. Do meu.

11.3.05

O silêncio feminino

Acho que posso dizer com segurança que não há publicação diária, rádio ou televisão que não divulgasse hoje a boa nova dos trinta e seis secretários de estado sem referir que, desses, apenas quatro são mulheres.
No pretérito dia da mulher, naquele dia que é pretensamente simbolizador do reconhecimento da importância do feminino, eu remeti-me a um prudente silêncio (parecido com aquele de que o besugo me acusou de praticar depois de ter votado à esquerda) e abstive-me de escrever, aqui, sobre esta temática - e respectiva solucionática (com a devida licença do besugo). Mas, na posse daquele dado complementar noticiado por todos (semelhante, de resto, ao que sucedeu quando se soube qual ia ser o dream team dos próximos quatro anos), não resisto.
Isto, na verdade, seria uma questão moral. Não chega a irritar; mas é seguramente desolador, se se pensar como tudo poderia ser diferente se o curso da história também o tivesse sido.
E a questão é esta: os movimentos feministas fizeram, pelo menos, tanto pela discriminação das mulheres como todos os séculos anteriores da civilização ocidental o fizeram. Algumas, sem mandato, falaram por todas. E todos - os que ouviram - assim perceberam: que todas reclamaram.
Pelo caminho, perdeu-se irremediavelmente parte da beleza do feminino que, com o tempo e com o exacerbar do preconceito feminista, entretanto partilhado por todos (homens e mulheres), passou a ser, consoante o contexto, ou sintoma de histeria ou de masculinização, quando dantes era apenas... feminino.
E é por isso que as mulheres passaram a ser referidas, nos jornais e nos telejornais, como o animal raro dos governos. Como se a raridade fosse, por definição, um desvio. Bem dispensávamos ter de assistir a isto (eu, pelo menos, dispensava): uma sociedade de homens e de mulheres que, em público (só aí, pois), se esforça por declarar-se feminista firme e convicta.

aquorofilias I

Há sempre uma primeira vez para tudo. Precisei de umas dezenas de anos de vida para ser insultado por um teleósteo esparídeo! A bicheza anda amarga, o que é normal para quem vive num aquário a que os terráqueos chamam “hospital” – uma espécie de recreio consentido ou jardim de infância para micróbios e outros óbios, que até ali são transportados por uns hospedeiros “chatos” chamados “doentes”! A verdade é que sempre que visito tal aquário, a única coisa que me alegra é aquela variante terráquea que se desloca simplesmente tapada por uma bata branca e translúcida, normalmente bem caracterizada, habitualmente com fios dentais, ou talvez não, passíveis de grandes turbulências imaginativas… digamos que uma espécie de “douradas tropicais” no meio de um sem nº de guppis e espadas – chamam-lhes “enfermeiras”! Esse sim, parece-me ser o segredo do espírito curativo dos internamentos. Digo eu, não sei… (disformidades de um homem livre e pobre, até porque não há ricos livres…)

Entretanto, chegaram hoje ao terreiro os homens fortes do governo – aqueles que assinam e decidem, protegem e opinam, escolhem ou rejeitam as obras e as atitudes – são os secretários de Estado! Há por lá uma rapaziada nova que me parece agradável. Bamos Ber.

Post-Scriptum:
(para já, o março de hoje está cinzento e escorrega-nos pela pele do olhar à mesma velocidade com que os bestigos deslizam pelos socalcos do tempo, numa espécie de caligrafia esborratada sobre a folha de rio; tudo isto é mais verdade do que a inutilidade de alguns telhados vestidos de novo, espreguiçados até à borda da água – juro.)

10.3.05

A náusea

Há alturas em que o trabalho nos arrasta para a vertigem e nos aprisiona num transe obcessivo do cumprimento "a tempo de". No final do dia, dói o corpo, de moído, martirizado de longos dias concentrados em temas de que nunca buscaríamos ciência se não fóssemos forçados, por razões tão longínquas que já lhes perdemos o rasto, a saber deles a fundo.
Eu queria poder pensar demorando-me.

Estufa fria

A velha tem um cancro da mama, localmente avançado. E tem 89 anos. Mesmo depois de ACX4, o que já foi um risco que assumi de forma alarvemente estúpida, não foi possível fazer uma mastectomia de limpeza.
Porquê? Bom, eu explico. Porque fazer uma mastectomia de limpeza não é o mesmo que limpar a sala, em dia de visitas. Não entendem? Olha, que pena tão grande.

Agora tem um derrame pleural metastático, o que é fodido. Aquilo dá falta de ar. Eu não queria ter um. Um dia que tenha um hei-de vir aqui queixar-me da vida. Vou ter de lhe fazer uma pleurodese, que é uma coisa que me dispenso de vos explicar. Não precisais de agradecer. Eu vou fazer-lha, com bleomicina, é uma técnica que não é difícil, desde que alguém meta um dreno na senhora (eu perdi o treino, desde Gaia, já não arrisco a não ser que "tenha de ser eu a metê-lo por falta de pneumologista").

Sobre o restante, comunico que a velha senhora me afaga o rosto, mesmo quando a mando para casa. A restante família pensa, sequencialmente, que eu devia curá-la, ou, no mínimo, interná-la. A restante família odeia-me.
Há uma crença mais ou menos generalizada na virtude curativa das camas de hospital. Por isso é que a Moura Guedes e outros xarrocos, vez por outra, libertam reportagens sob o título "ela foi ao hospital 657 vezes e morreu, sem sequer a terem internado!". O internamento tem, aparentemente, virtudes curativas.

Vou passar a internar toda a gente. As casas das pessoas são fracas e têm muitas escadas. São os médicos que mandam construir casas assim, antigas e sem elevador. Filhos da puta de bata, haviam de paralisar com dores intensas, estes médicos!

É melhor, além disso, morrer num hospital: escusamos de chamar um tipo qualquer para verificar o óbito, nos hospitais há sempre uma besta qualquer que está de serviço.

Isto vai de ananases. Um calor de estufa. O tecto é, como de costume, de plástico. Pode derreter, no próximo verão. Para já, aguenta-se.

Vacas

O hospital de dia, hoje, parecia uma feira.
Uma senhora, muito simpática e gorda, acompanhando um ser doente e calado, por volta do meio-dia, disse alto, para eu ouvir:
"Ó freguês, eu estou aqui desde as nove horas e já é meidia! Eu dobia era de chamar a SIC!"

Eu, que agora só falo depois de um pensamento maduro, decidi ficar calado até às colheitas. Suponho, pelo olhar cúmplice e desgastado que o ser doente me deitou na altura, que estamos em sintonia: o ruído de fundo impede-nos de usufruir da musicalidade límpida da vida.

9.3.05

Crescimento sustentado

O futuro Santuário de Fátima será redondo como um estádio de futebol, muito longe das tradicionais e ortodoxas naves em cruz dos locais de culto católico. O nome que lhe foi atribuído - Santuário da Santíssima Trindade - ampliará, possivelmente, o pretexto da peregrinação muito para além do culto Mariano. Dotada de um santuário de arquitectura ecuménica e distanciando-se o simbolismo do lugar das revelações da Virgem (sem, claro, deixar de se partir delas), Fátima tornar-se-á, dentro de uns anos, uma espécie de Las Vegas dos crentes. De outras confissões, até, possivelmente. Por outro lado, o negócio das velas e das Virgens fosforescentes continua próspero e a cidade está a crescer em oferta de serviços.

O turismo religioso não depende das flutuações da economia e o seu crescimento parece ser mais um efeito colateral da globalização. Com investimento dirigido ao estímulo da fé, cresce ainda mais.

Mourinho e uma decisão

Devo ter medido mal Mourinho, definitivamente. Já aqui disse cobras e lagartos dele. Posso, até, ser acusado de incoerência. Não seria a primeira vez, nem aqui, nem noutro sítios. Sempre nas mesmas circunstâncias. Defendo-me: sou mais parcial que incoerente.
Os senhores, pelo amor de Deus, pensem sobre isto o que quiserem.

O Chelsea passou, embora o Barcelona também pudesse, sem surpresa, tê-lo conseguido. Foi um jogo todo feito de cavalgadas, reviravoltas, sortes e vontades.

Não vim falar do jogo. Vim falar de Mourinho. O abraço que Frank Lampard lhe deu, no fim do jogo, o aparecimento de Robben, Drogba, Terry, Makelele, Paulo Ferreira (todos envolvendo o treinador que, na Europa inteira, mais se expõe), numa espécie de "anda cá, que tu és nós", comoveu-me.

E admirei Mourinho, o tipo de quem já disse tantas vezes mal, se calhar só porque tendemos a dizer mal daqueles a quem pressentimos superioridade.

Nunca mais hei-de escrever nada sem pensar, maduramente, antes. O que, fatalmente, me forçará a um merecido silêncio.

8.3.05

Esguichos de besugo

É sempre um gosto ler o Alonso. Pena que seja um prazer raro. Como sei que ele tem muitos afazeres, cuido que uma aparição semanal seria o adequado. Contudo, ele prefere desepedir-se por tempo indeterminado.
O Alonso faz-me lembrar um homem na clandestinidade.
Um comuna. É o tipo mais parecido com um comuna que eu conheço, aliás.
Bom.
Saudações feitas.
Desta vez apareceu premiador. Vamos lá a ver:

1 - O prémio Madalena Iglésias está bem atribuído. Concordo com o nosso jurado. Ele sabe quem ele é, Freitas. E chama-lhe senador. O que me parece remeter, mais, à Roma antiga que ao Senado norte-americano. Alonso quase se condói do primeiro-ministro, porque tem no seu governo um senador. Remetendo-me (que eu sou muito endossável) aos dois governos anteriores, percebo que a dúvida não se tenha colocado em relação ao estupor (que não senador) que secundava os primeiros-ministros de então (um, agora, cevando-se de mordomias que nos orgulham a todos, outro pastando rasas pradarias plenas de geada): o problema não se levantou, nem a História o levantará, porque é suposto um estupor escolher, dentre o seu baralho de figurinhas, estupor da mesma espécie. Não havia, de facto, motivo para grandes conversas.

Se eu prefiro um senador a um estupor? Depende. Deixa-me pensar. Por exemplo, ao ver as imagens de Putin a falar com não sei quem, hoje à noite, prometendo condecorações a quem matou o "traidor" separatista, logo seguidas da exposição do cadáver do separatista, obviamente seviciado (pálpebras tumefactas, roxas, pose de rendido, com as mão no ar, todo ele um cadáver vencido)... Enfim. Prefiro, definitivamente, senadores a estupores.

2 - Quanto ao prémio atribuído à discussão sobre a eutanásia, discordo. Que se concorde com a Lolita, até entendo: ela está a tentar uma certa equidistância entre o paroxismo e a contenção, sobretudo desde que admitiu votar PC, o que lhe causa problemas de índole familiar (ameaças de alienação de património, etc) e do foro íntimo (Jerónimo de Sousa não tem a acutilância guerrilheira do Che... mas também, no Bloco, só Ana Drago poderia ser imaginada a seguir Fidel sem ser pelo "bués" de ser vista com ele...).
Mas não se percebe com que raio concorda o Alonso. Ó Alonso, fazemos assim: tu concordas, ao menos, que não há nenhuma semelhança entre a bondade da morte assistida e o legitimar das tendências abortadeiras das queques que se descuidam nas "fêstas" e eu passo este prémio em claro, substituindo-lhe, apenas, o nome: "prémio luta pela dignidade na morte, fazendo-me os senhores a fineza de discutir onde começa a dignidade e acaba a manipulação, nesta história".
Esta questão, a da eutanásia, é uma questão vasta e complexa, mas que tem de começar a ser encarada com seriedade. Hei-de voltar a ela, porque me perturba. E não devemos deixar a nenhuma força política, a nenhum partido, o direito de a excrementar. É uma questão social tão importante que deve ser despida de toda a coloração partidária. As vestes sectárias emporcalham, excrementam, uma questão que se quer bondosa, fazendo-a tender para uma bipolarização que ela não merece.

3 - Quanto ao terceiro prémio, estamos totalmente de acordo. Como aliás já se percebeu. Tal como o Alonso, não encontro na Igreja Católica qualquer utilidade pública. Encontro-lhe utilidade privada.
Ainda hoje falei com uma senhora entendida sobre isso. E ela explicou-me que, desde que eu me sinta bem, posso benzer-me as vezes que quiser, em momentos de crise, para logo a seguir vituperar a inquisição e os novos inquisidores. Ela acha que isto é como o alecrim aos molhos, por causa de ti choram os meus olhos: é consoante. Claro que os benefícios públicos de que goza a Igreja Católica são parcos e legítimos. Nem uma privacidade moral de tão casta e exemplar vetustidade se compadeceria com um alargado gosto pelo subsídio. Afinal, como todos acreditamos, a Igreja Católica vive de côngruas. E humildemente congruente, isso sempre.

Termino saudando o Alonso, a Lolita (que hoje, além do mais, é o dia da mulher - desconheço se ela o passou onde lhe competia, na cozinha... ou onde o seu estro a manda estar) e o Joselito, essa disforme criatura. E o stkaneko, caso leia.

Certo da gratidão que vos há-de inspirar este escrito, despede-se, já perseguido por centenas de émulas de Maria Teresa Horta, todas de caçarolas em riste, o sempre vosso

besugo

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