blog caliente.

28.2.05

O tempo que dura uma vida

Million Dollar Baby é tão silenciosamente contido que podia, até, durar apenas uns minutos: os minutos que durassem os combates vitoriosos. E acabaria no momento em que a boxeur cai desmaiada, mas amparada. Pelo Frankie/Clint, amparado por ela.
O resto são os prefácios, os epílogos e a história dos que depois disso mudaram, sem que nenhum deles deixasse de ser o mesmo que antes era.

Fashion (lê-se féxen)

Tenho de ir dormir. Ninguém precisa de mim belo e repousado, mas preciso eu.
Antes de ir, porém, em noite de oscares, pergunto-me:
"Besugo, ele não está lá, em nenhuma categoria!"
E respondo-me:
"Mas podia estar!"

-" Eu sou o rei dos perteguezes, de Pertegale!"
- "Toma o chazinho, môre"
- "...de Pertegale!"
- "Sim, pela palhinha, môre..."

Em romeno (espero eu...): provocatiae

Este blogue não é actualizado há vários dias.
Deve ser do frio. Moscovita.

Linhas

Há os três blogues marcantes e há os outros. Que são marcantes também. Como o nosso, espero. Duma marca não se espera que seja indelével, eterna, espera-se que marque enquanto marca. Isto aplica-se aos três que marcam, aos que marcam mesmo.
Sabem do que estou a falar aqui, é de linhas de rumo, de marcas de água, de fios de prumo. De seriedades.

"A noite, o que é?"
"Early morning ... "
" Eu hoje acordei assim".

São linhas. As coisas podem ser intermitentes, mas desde cedo que nos habituamos àquela puerilidade de unir os pontos e fazer uma figura. Com linhas.

Mesmo sem links, apostam que toda a gente entende do que estou a falar?
Não confessam? Ah! Isso é outra coisa. Não temos "caixa, nem sequer de comentários".

Le notte di Oscare

O Clint pode até ser amigo do Bush, mas o Million Dollar Baby é tão bom que nos faz pensar se a Rice poderá até, um dia, deixar a política activa e passar a adjunta da Maria José Nogueira Pinto na Misericórdia.
Eu quero ver o Clint e a Hillary de estatueta na mão. Ela a chorar, fica sempre bem e é isso que se espera.
Não são esses, ora. São os do filme. O outro era Clint...ão.

Pode ser

Qualquer texto credível deve ter, ao menos, duas partes. Podem ser duas partes sérias, uma séria e uma burlesca, por aí fora. Mas, ao menos, duas.

Parte séria 1
Não sei o que vai ser da minha vida.

Parte séria 2
O Papa está mal, Scorcese pode ganhar um oscar no ano Eastwood, levando a Capria por arrasto, o João Moutinho é mesmo talentoso, pode ser que Sócrates esteja, mesmo, a tentar formar um governo, pode ser que a Lolita tenha razão e que a balzaquiana que agora contracena com MRS seja uma espécie de "magalhaniano" teleponto do professor, uma espécie de parede preparada para um pingue-pongue individual directamente do córtex de Celorico à nossa parede de treinos "com bola", pode ser que o Zé Luís ressuscite, que João da Ega também, pode mesmo ser que eu, na hipotética resolução desta hipotética e hipotecada sucessão de hipóteses que hoje listo, resolva a parte 1 da minha seriedade de hoje.

27.2.05

Temos agora aqui a Fernã Lopa!!!

A figura mítica de D. Sebastião dá para tudo. Desde alegorias opiáceas, a delíquios marroquinos de chá de jasmim. Passando por filmes que não se chamam Anikibobó por ... enfim, por mera circunstância.

Não sabia é que a enevoada figura do nosso "belfo" reizinho poderia vir a servir, via Lolita (inspirada em Marcelo Rebelo de Sousa, ou vice-versa), como ícone da pré-campanha de Cavaco Silva.

Eu bem te topo, "mourinha".

A maldição sebastianista

Acabo de ler num jornal online (que nem interessa dizer qual, porque todos falam, neste tema, da mesma forma) que o "Mourinho ganhou a taça da Inglaterra". Não esqueço que é natural (e até expectável) que, à força da mistura entre o universal orgulho das nações pelos feitos dos seus filhos e a nacional-parolice sobre os descendentes de Amália e Eusébio, se puxe a brasa à nossa sardinha e que, com isso, nos apropriemos das vitórias alheias - neste caso, britânicas - para engrandecer os nossos.

Mas, caramba. Aqui é diferente. O Mourinho ofusca tudo e todos, onde quer que esteja. Foi o Mourinho que ganhou a UEFA, que ganhou a Champions League, que ganhou a Super-Liga, que perdeu (até a derrota é dele, veja-se!!) a Taça de Portugal, que levou o Porto onde nunca a mão humana o havia levado. Foi? O que faz impressão é que se tenha como certo que o mérito passa todo por ele e nenhum pela equipa, pelos adjuntos, pelos dirigentes. Nem sequer pelo público. Como se o Mourinho fosse titular de um gene, raro, de timoneiro invencível que o torna tão essencial ao destino colectivo que, entre as causas e os efeitos de qualquer resultado, ele está lá, invariavelmente.

Ter Mourinho por treinador é, para qualquer equipa, tão perigoso como tornar-se adicto à heroína. Enquanto dura, é o paraíso; quando acaba, são as trevas. O Chelsea, que neste momento se delicia na Ilha dos Amores, há-de sucumbir, mais tarde ou mais cedo, ao reino das trevas por que tem passado o Porto. Não há Fernandez, Couceiro ou, sei lá, Alex Ferguson que resista à maldição mourística. E nós, que tendemos vertiginosamente para o culto do sebastianismo (do rei dos perteguezes de Pertegale, sim, esse mesmo) continuamos a espreitar as vitórias do ditoso treinador, desejando que ele, como o outro, um dia regresse para ganharmos um campeonato dos "a sério". Para que possamos, durante décadas a fio, passar às gerações vindouras as bravuras lusitanas. Ganhar é preciso. E a história dos cinco violinos está gasta; já se conta há cinco décadas.

Não será ousado afirmar que há quem sonhe com uma Dulce Pontes tão prestigiada como a Monserrat Caballé. Quem sabe? Deixem-na tornar-se um bocadinho ainda mais anafada e, entretanto, aguardemos.

Há dinossauros no rock lusitano

Até hoje, nunca tinha entrado no teatro Sá da Bandeira. Esta noite, com apresentação prévia do mentor do Fantasporto, fui lá para assistir ao concerto dos Xutos e Pontapés.

A sala, que só tinha lugares de pé na plateia, estava recheada: quer de admiradores da banda, quer da malta que vai só para curtir, todos na lufa-lufa constante do percurso sala-bar/bar-sala, ao sabor da sede de cerveja. Já os Xutos, esses cantaram sempre sentadinhos (que a malta já não tem vinte anos) e só se levantaram para sair, como de costume, para voltarem a sentar-se durante os encores. Os encores (céus!) duraram quase o mesmo do que o tempo regulamentar. E mais, até, do que o povo pediu - pareceu-me. Pareciam saldos. Saldos de Xutos. De Xutos condecorados pelo Sampaio. Eu lembro-me, no ano passado: parecia um óscar de carreira.

Cantaram as suas melodias de sempre com os chavões do costume, alcançando o apogeu naquela música do "mundo ao contrário" que põe o povo ao rubro (uma espécie de "remix" do Upside Down da Diana Ross?).
Eu ouço, se for preciso como foi o caso, os Xutos sem esforço. Mais ainda se se pode fumar à vontade dentro da sala. Cigarros, claro! E sentada, que eu fugi para a tribuna.

26.2.05

Uma frase, o que é?

Há blogues de frases curtas. Eu nunca gostei muito de frases curtas, que eu sou barroco. Ou, por outra, às vezes gosto. Nessas alturas, em que gosto de frases curtas, gosto de muitas frases curtas seguidas. Sou uma barroca sucessão verbal de sés românicas. É melhor que ser gótico, detesto ogivas.

“Só sei que nada sei”. É um exemplo duma frase curta. Lapidar. Antiga.
Uma merdice duma frase. Desde o sexto ano do liceu que todos os alunos com mais de 47 de QI (hoje em dia temos de reconverter isto para a “inteligência emocional”, “I.E.”, por causa dos histéricos: os histéricos também querem uma escala que lhes meça a “DNH,EV”, leia-se “densidade neuronal histriónica, vírgula, em velocidade”) sabem que se afirma, ali, naquela frase, a sabedoria de duas coisas. Não, apenas, de uma. Vale que o idiota que a disse (nunca escrevia, o pobre) já feneceu.

Esta frase anterior foi longa. Também gosto de blogues de frases longas. Eu sou assim: tanto gosto de marés altas como de andar às conchinhas.

Uma frase longa, atenção, carece de pontuação cuidada. Não há frase longa nenhuma, por outro lado, isto é seguro, que resista aos excessos de pontuação. Ou à falta dela. De pontuação.

É preciso saber escrever frases longas. A escrita longa, se pouco escorreita, desfavorece o pensamento mais cristalino, empastelando-o. Apetece não ler o pensamento. Estão a ler, não estão? Repararam que, vírgula, até aqui, vírgula, tudo está como “graças a Deus”, vírgula, mesmo as vírgulas e as aspas?

Uma frase o que é? Uma frase é uma vírgula aspeada do pensamento. Se a gente estiver a pensar enquanto morre, reticências, é um ponto final aspeado. Mais nada.
Que admiração.

25.2.05

A Canção Desnaturada

Há músicas que, mesmo que nos pareça que conhecemos desde sempre, só se descobrem a sério por acaso, no momento e no contexto certos: estando, por exemplo, a sós, em perfeita predisposição sensorial para a música e com o adequado estado de espírito. Foi assim que, há uns tempos atrás, viajando sozinha de carro, ouvi com atenção involuntária a Canção Desnaturada, na versão da primeira encenação da Ópera do Malandro. Na peça, esta música é cantada pelos pais de Teresinha, a Curumbinha, que cresceu depressa demais. Há uma frase, nessa música, em que o Chico Buarque lamenta, com aquele inconfundível requebro da voz: “se fosse permitido/eu revertia o tempo/para reviver a tempo de poder te ver”. O que todos queríamos: parecer-nos mais com os pequeninos homens e pequeninas mulheres que, muitos anos passados, ainda somos. De preferência olhados de fora, por olhos protectores.

Eu aviso: esta música, ouvida com atento assombramento, é dolorosa. Fala de dor profunda, da dor mais ancestral da condição humana. Fala da consciência, latente, de que cada segundo se transforma em irremediável passado no segundo seguinte. É através dessa consciência, nostálgica mas plena, que paramos no tempo para apurar do passado o que é que, do que fomos quando fomos crianças, permanece no que sempre seremos. Somos sempre essas crianças, amadurecidas num corpo finito e numa alma maior do que nós. E, então, sucede sentirmos saudades de nós mesmos. Com "as pernas bambas".

É impossível estarmos mais vivos do que isto. Conduzidos, por acaso, por uma música. Boa música.

24.2.05

Mentiras de besugo

Marques Mendes avançou. Vi a entrevista com Judite de Sousa, ele a avançar.
Houve vários "frissons" pequenos. O maior deles foi a questão sobre Durão. "Eu disse-lhe". "Claro que era uma honra, uma decisão difícil, mas eu disse-lhe".
Deve ter dito. Pode até não ter dito, mas é o tipo de coisas que ninguém desmente. Portanto: ele disse-lhe.
E ele foi embora, mesmo assim. Mesmo dizendo-lhe que não fosse.

Eu tinha razão. O eixo Durão-Portas-Santana tinha, mesmo, pouco (con)senso. E o resultado final desta pegada putice, a derrocada, não tem nada a ver com "a confiança dos investidores", nem com "ziguezagues na política económica", nem com a tutela da famigerada "pasta das finanças", nem com "encostos à direita", como disse Marques Mendes. Isso colhe nas tertúlias analíticas em que se colhe o que se quer, porque se semeia o que se quer colher. É o onanismo tertuliano. O unanimismo tertuliano. "A voz para dentro".
E colhe, evidentemente, entre os imbecis mais pobres do ponto de vista neuronal e "euro...nal", que persistem no slogan dos acéfalos (equivalente ao do "eçelebê" no que respeita ao pensamento político) que é aquela idiotice de "o que é preciso é que o país vá para a frente".
Querem pisar uma jangada veloz, é o que é, uma coisa qualquer que se mexa, mas eles com as pantufas em cima. Tanto lhes faz que sejamos uma nova ilha à deriva, algures entre a Espanha e os Estados Unidos, uma espécie de "estamos agora a passar por São Miguel, mas daqui a bocado vamos estampar-nos contra aquela merda alta com a tocha... aquela estátua...Força, aí vamos nós, civilização!", como um grande calhambeque de dois andares, avermelhado, rodando aos tropeços pela Espanha e pela França acima, até à Mancha. Daí, vamos a nado, ou de "ferry", ou pelas catacumbas, interessa é andar para a frente, cantando e rindo, "p'rá frente Portugale!". Mesmo que andar para a frente (assim às arrecuas) nos leve àquela coisa chuvosa e cheia de lameiros, habitada pelo povo mais feio do mundo, que se chama Grã-Bretanha. Eu digo: ide, feiosos, penetrai-vos de donuts ou de scones, alambazai-vos à fartazana do que melhor vos anafar o gosto e o cagueiro. Eu fico antes aqui, que gosto mais. Sim?

Não. Recentremo-nos. Caramba. Isto é sobre Roterdão, no fundo.

A sério. Isto que acabou agora era uma xaropada política. Não passou de um chá de má qualidade, servido fora de horas, destinado à irremediável e calmante vómica. Uma mistela intragável. Um "charolo aguado e lorpa", adoçado, antes e depois da vómica, pela voz melosa de Durão. É bom que se fale, sempre, apontando-lhe indicadores lúcidos, desse "José? Sou Eu!..." .
Um José que se topava, à légua, mesmo antes de anafar, que era anafar que queria.

23.2.05

O acaso, se por acaso o há

Maxi Lopez é um jogador argentino que o Barcelona agora tem. Possante e lutador, poderia estar no Benfica, se o Benfica tivesse capacidade para discutir com o Barcelona em termos financeiros.
Hoje à noite, o Barcelona ganhou ao Chelsea, por 2-1.
Maxi Lopez demonstrou que há dias para tudo, até para se ser herói. Marcou um bom golo, daqueles que há-de marcar mais, porque tem características de recebe, temporiza e chuta.
Participou noutro em que foi herói acidental: rematou, a bola saíu-lhe torta e encontrou a bota de Eto'o, que a encaminhou, certeiramente, para o fundo da baliza.

A vida é feita de talento, de saúde, de educação e de trabalho, sim senhores. E de lazeres e descansos, quando os há. Mas, também (e muito!), de sortes e de azares. "L'hasard", a sorte e o azar, ao acaso. Há isso, eu acho.

Ao contrário do que pensa e diz Gabriel Alves. Para Gabriel Alves (e para muita gente que, cada vez mais, vou conhecendo), o futebol é uma espécie de jogo de PlayStation, em que a gente se aperfeiçoa nos botões e, em se aperfeiçoando, consegue ganhar sempre, mesmo no nível mais difícil.

Para cada vez mais gente que vou conhecendo, a vida também é assim, quase assim, um bom bocado assim. Uma questão de treino, de concentração competitiva, em que nos aperfeiçoamos sempre. Quase chega a ser pecado que o prémio deste adestramento todo seja a morte, mesmo para quem crê em setenta virgens ou em delíquios celestiais menos "desflorantes".

Não é assim. Para mim não é. Há, definitivamente, o acaso. O acidente que sai duma maneira, consoante podia ter saído doutra.
O descontrole, a absoluta falta de previsão, têm desfechos que dependem, sobretudo, do calhar.

No interior

Três anos de miséria é muito tempo. Tempo demais, para quem tem de se reabituar a viver sem o ganha-pão que, em terra pobre, é quase uma dádiva. E os donos das fábricas, sabedores da ingénua ignorância dos que lá trabalhavam, espetam a facada de súbito, no momento em que já tudo é irreversível. A fábrica vai fechar.

Um deles tinha 28 anos quando foi despedido. Tem mulher e um filho e desde há três anos que perdeu o gosto pelos prazeres do café e dos bailes. E o dinheiro, claro está, para se dedicar a eles. Hoje tem trinta e muito poucos anos mas, na face sulcada e nos olhos desiludidos, envelheceu mais de vinte, na canseira de procurar trabalho, na dor de não encontrar rumo.

São milhares de pessoas ou milhares de famílias atiradas para a miséria maior ainda do que a de viver em terra infértil, onde nem escavando encontram pão. E que encobrem a fome portas adentro, com a dignidade envergonhada de quem foi desapossado de tudo. Até do seu próprio futuro.

Quem viu o telejornal da TVI, viu-lhes os olhos silenciosos. Há portugueses diferentes daqueles que todos nos habituámos a qualificar, genericamente, de indigentes voluntários, que sonham em depender de tudo e de todos porque nós (os outros) temos o dever de lhe providenciar o pão. Mas há gente diferente. Há gente esquecida, acossada pelo medo de ter fome, que se torna presa fácil de negreiros. Até que caem nas mãos sujas destes, que lhes matam o sonho de uma vida pequena e que os marcam até à descendência.
A fábrica fecha e os filhos perdem-se no mundo. Falido o sonho, a vida deles repete-se na vida dos pais.

21.2.05

Consertos

Acredito que o Alonso esteja preocupado. Eu também estou. Já estava e continuo a estar. Devíamos estar todos, passado que está o momento do "golo da vitória" neste jogo, o campeonato prossegue.
Comecemos por assentar nisto, Alonso: nem eu me sinto, hoje, muito goleador, nem tu deste nenhum "frango" que te derrote.

Trata-se, tratou-se sempre para mim, duma história deprimente e irritantemente clara na sua essência "quase" mafiosa, que envolveu 3 pessoas: Durão, Portas e Santana. Tu sabes como eu vejo isto, como sempre vi, que já falámos disso algumas vezes e eu já aqui derramei alguma lama biliar sobre o assunto.
Uma sucessão de equívocos e baixarias tinha, forçosamente, de acabar assim. Não se via ali, nunca se viu, coluna vertebral. Havia, ali, uma sensação penosa de se mexer em visco. Havia, que queres? Para mim havia, desculpa.
Admito que podemos estar a começar, alegremente, a nossa próxima sucessão de equívocos e baixarias. E doutro visco qualquer. Eu espero que não, mas vamos ver.
Uma coisa de cada vez.

Sei que há rumos que não podem mudar. Sei que quero continuar a poder pagar as minhas contas, que não são muitas, e caminhar relativamente direito pela vida que me resta. A minha esperança na mudança de rumos é, hoje, muito menor que há vinte anos. E já não a quero toda, à mudança que antes queria.

Atrevo-me a repetir o que disse ontem, agora doutra forma: não me provoca espasmos de alegria, esta maioria absoluta do PS. Mas também não me preocupa demais. Eu queria (duma forma que, se quiseres, podes glosar de "irracional"), que fosse penalizada uma maneira que cuido ser pouco nobre de fazer política e de estar na vida. Do meu ponto de vista, foi. Sei bem situar os meus derrotados. Se bem que, como também sabes, já desisti de interpretar a vontade do povo: para o povo, às tantas, não foi nada disto que se passou.

Quando enalteço Ferro, aliás, meu amigo conservador, não o faço por lhe conhecer outras virtudes que não sejam aquelas que agora te digo, as principais: tomou o leme do PS numa altura má, quando foi tempo disso; e, quando lhe pareceu, chamuscou-se ao defender um amigo.

Entende sempre isto, Alonso: o teu amigo besugo nunca saberá nada de economia, de política, de coisas complicadas.
Guio-me sempre pelas pessoas, pelo que gosto ou não gosto delas, pelo que lhes surpreendo de bom e de mau, a cada momento.
É por isso que tenho os amigos (poucos) que tenho e os inimigos (poucos, também, espero eu) que tenho.
E alguns dos amigos estão aqui, no blogame. Já cá estavam e continuam a estar. Creio firmemente nessa manutenção de algumas coisas boas que nos consertam a vida.

Enfim ...

Para gáudio dos meus colegas de blog, cá venho dizer qualquer coisita sobre a (também minha) derrota de ontem. Em três registos:

A) Alonso versão "Politicamente correcta e nada combativa"

Quero antes de mais felicitar os meus colegas de blogue, por que as eleições correram como eles queriam que tivessem corrido. Desejar ao PS que faça bom uso da maioria absoluta e que governe Portugal com competência. O CDS teve um resultado muito mau, pode ser que para a próxima seja melhor.

B) Alonso versão "políticamente incorrecta e revanchista"

- Pois é, meus amigos esquerdófilos, ganhou o PS, com maioria absoluta, o PSD é uma desgraça e o CDS está de rastos e sem líder.

Tomem, no entanto, nota do seguinte:

- Nem vomecês nem ninguém sabe o que vai o PS fazer no poder. Para além da geral incompetência dos milhares e milhares de "boys" que já salivam na perspectiva do tacho que hão-de receber, sobra a total ignorância do povo quanto ao sentido das políticas que vão ser desenvolvidas. O que é bom, considerando que o Sócrates nem teve que se comprometer com políticas de esquerda. O que significa que vai prosseguir políticas ... de centro (estou a ser irónico, claro).

- Aproxima-se uma luta de civilização, no que respeita ao aborto. E a direita só pode agradecê-la. Qualquer combate exclusivamente político nos próximos tempos seria um massacre da esquerda pela direita, nem que fosse porque esta está particularmente desmotivada e sem vontade nenhuma de se andar a chatear com campanhas. (isto, até que todos os besugos, lolitas e stkanekos deste País comecem a dizer do Governo do PS: " MAU ... eles falam, falam, falam, falam, e não os vejo fazer nada ....fico chateado, concerteza que fico chateado ...")

- O referendo à lei do aborto será diferente. Seja qual for o resultado, vai galvanizar as massas, de um lado e do outro. Visto deste lado, isso é bom.


C) Alonso versão Alonso

Estou preocupado. Não tanto pelas políticas que o PS porá em prática, porque serão "mais do mesmo", por muito que isso custe a quem quis mudar, mas porque tenho do PS a noção de que, salvo raras e honrosas excepções, é formado essencialmente por incompetentes.

Estou também preocupado por causa do CDS. Se não fôr o referendo ao aborto a dar entretanto ânimo às hostes, o que vou sentindo é um tal desânimo que nem sei como se chegará (com capacidade política suficiente) aos próximos actos eleitorais. Desde logo, as autárquicas.

Estou ainda preocupado por causa da questão do aborto. Tactica e politicamente é bom que o referendo se realize proximamente, pelas razões já explicadas. Mas a questão não é táctica nem política. E o referendo anuncia-se duro, e de resultado imprevisível. Eu nem sei, neste momento, quantas semanas de gestação é que a esquerda entende serem suficientes para que se permita a liquidação do feto por simples vontade da mãe (ou portadora, como quiserem). Mas nem isso me importa muito. Importa-me mais que, sejam quantas forem, isso passe a ser letra de lei.

A ver vamos ... até lá, e apesar da mudança de Governo, nada mais (que seja importante) mudará de facto.

PS - besugo, a distinção entre CDS e PP faria sentido no tempo do Manuel Monteiro, de quem tanto gostas. Hoje, o paradigma do "velho CDS" é capaz de ser o Freitas, personalidade que aprendi a não apreciar. Quanto ao PP, já não é, feliz ou infelizmente, o partido essencialmente populista dos tempos do Monteiro. Devo dizer-te que os meus tempos de maior identificação com este Partido foram 2: no tempo do Pires; agora. E por isso, fui mesmo derrotado. Em 1983 e 1985; e também agora, em 2005. É assim.

Game Over!



Esta ministra da Educação riu-se muito...
Esta ministra da Educação fez asneira atrás de asneira...
Esta ministra da Educação revelou a sua incompetência...
Esta ministra da Educação mandou o Assembleia da República dar uma volta...
Esta ministra da Educação gozou com os Professores e com a Educação em Portugal...
O jogo terminou para esta ministra e para quem a apoiou...
Terminou muito tarde, mas terminou!

Triga-milha

Carrilho na Cultura. Por causa da esposa.
Belém na Saúde. CRIs. Aquela coisa evidente.
Vitorino na Administração Interna. E adjunto total de tudo, topam?
Seguro, seguramente, sentadinho no parlamento, se não se puder pô-lo na pasta "Vou para a Madeira e fico lá".
Gama como embaixador. Na Letónia.
Façam-me ao menos isto, que a caravana pára-me à porta de casa.

O Pité vai trabalhar amanhã. É bom que vá, o Pité ainda é melhor médico que político. Embora seja bom nas duas áreas, uma espécie de defesa central que marca golos.
E é do Sporting. É verdade!

Notas sobre a noite eleitoral

- Marcelo e Judite não combinam. Marcelo não precisa de protagonistas, basta-lhe um Júlio Magalhães a babar pela sabedoria do professor enquanto solta risinhos e sugere motes para comentário que nem chega a transformar em verdadeiras perguntas. A Judite é esperta, bem informada e nem sequer faz parte do clube de fans de Marcelo. Em televisão, isso não resulta. Sugiro, assim, à RTP que contrate o Júlio em part-time. Ou, o que vai dar no mesmo, um macaco daqueles que abanam a cabeça quando se metem moedas no cachaço.

- Não pude deixar de reparar nas gravatas intensivamente vermelhas do Lobo Xavier, do Seguro (o Tó Zé) e do Ferro Rodrigues. Por falar em Ferro Rodrigues, o que faria ele pela maioria absoluta do PS que Sócrates não fez e que, ainda assim, lhe veio parar às mãos? Basta pensar. E é pena.

- António Barreto foi, de longe, o comentador mais lúcido de todos os que estiveram nas três estações. Ninguém o bate, naquela serena eloquência. Ou inteligência. Ou ambas.

- Vencido pela insistência (deixa! mas deixa, vá!! mas eu quero!! pronto, tábem!!), o Louçã deixou a Ana Drago falar à imprensa quando se soube da vitória da esquerda radical. E a Ana lá foi, de timbre afinado, dicção muito cuidada e semblante determinado, qual Maria da Fonte portátil. Só se enganou quando - helás! - chegou à virança.

- Alberto João Jardim responsabilizou setenta por cento dos portugueses pela vitória do PS. Referia-se aos cubanos, claro, que na ilha correu tudo de feição. Eu, pelo menos, já sinto o peso nos ombros.

- Santana Lopes partiu só para esta aventura, lançado às feras pelo partido. A dada altura, deu-se conta de que não lhe restava outro rumo senão o de seguir em frente, ainda que a derrota se adivinhasse ao longe. Hoje, humilhado pela derrota que sempre foi certa, perdeu a oportunidade de se demitir sob o olhar comovido das suas indefectíveis apoiantes. Será inevitavelmente corrido pelo partido, em condições bem piores e perdendo a oportunidade, que hoje teve mas que não se repete, de ser uma Evita vitimizada.

- Os barões, notáveis, históricos, carreiristas do aparelho, enfim, todos os sociais democratas de relevo que se puseram de fora do santanismo são uns valentes irresponsáveis. Muito mais do que Santana Lopes. O castigo são as trevas dos próximos quatro anos de que nem Cavaco Silva, quando se (se) tornar presidente, os salvará.

- Marques Mendes já espreita, sentado na cadeira do congresso. Até o Barreto acha que ele tem tudo para ser líder. E o Aznar também tinha menos de um metrisessenta.

- O Bloco duplicou os votos. Mas o Louçã sabe que uma boa parte deles eram do PS e que a ele voltarão, mais tarde ou mais cedo.

- Jerónimo ganhou sorrindo, apenas. Sorri bem. Pelo menos, sorri bem.

- O país agora é de esquerda. Mas a alternância é um dado indesmentível e as pessoas tendem mais a votar em partidos coloridos, líderes simpáticos, ondas de luta e canções bonitas do que em ideologias. Daqui a quatro anos, a direita renascerá das cinzas a que hoje se reduziu e festejará, como hoje festeja a esquerda. É assim. O país é assim.

20.2.05

O que é a vida?

Posso garantir-vos: tirei, mesmo, fotografias. Mas não as posso publicar, por falta de cabo próprio. Nem só em Cabo Verde nos subtraem material.

A Lolita deve continuar fascinada por Barreto, esse reguense pouco convicto (aparentemente) das origens, mas esperto. A gente olha para ele com respeito porque é o único de nós que não tem sotaque. É donde lhe vem a esperteza. Da falta de sotaque ao dizer o que dizem os outros.

Estava tudo tão claro há tanto tempo. Que clarão havia aí, meu Deus.

Eu estou fascinado pela facilidade da política, quando encarada como uma espécie de jogo decisivo para o campeonato: "Perdi, assumo, demito-me". "Perdi, assumo, ponham-me fora!". Há aqui uma diferença estrututal e estruturante de personalidade, mas é dispicienda. O fundo é o fundo, batam lá. No fundo. Cada um à sua maneira, um com barbatanas, outro com o nariz, mas batam mesmo. É a vida.

As más pessoas devem sair. Devem ser exterminadas. O PSD que se limpe, que o CDS já se limpou. Oiçam Nobre Guedes, que de tão parecido com Begnini, ganhou a minha derradeira simpatia de hoje: pediu-lhe (a Paulinho) que não amuasse. Mas ele amuou. Portas é um boi inominável, uma merda fina e amuada. Uma merda amuada é uma das piores merdas que há. E as eleições serviram para mostrar isso mesmo, que "la merde peut-être fine, mais c'est toujours et toujours la sacrée merde".
Viva Portugal, o Euro foi hoje e Seitaridis é um sacana. A Grécia é dos grécios, adeus Bush.
Topam? Se não topam não percebem nada da vida.

Sócrates, agora nós: o Correia de Campos não vai ser o "comistro" da saúde, pois não? Olha o Antunes a concordar comigo, esse cirurgião cardio-torácico...

Vamos fazer a sério ou vai ser a brincar? Se for a sério, estou aqui. Se não for, a gente fala um dia.

Limpar a fuligem

As alegrias não valem pelo que duram, valem enquanto duram. Porque nada é tão duradouro que valha, apenas, pela duração.
Amanhã isto passa. A vida não é isto. Não é só isto. Mas a descida abissal e merecida de Portas, que pensava que tinha um partido pujante, todo feito de moçada modernaça e com bícipes no cérebro, esta derrocada do elo maior do meu eixo do mal (isto nem sequer ofende o Alonso, que o Alonso é do CDS, não é do PP, acho eu, e, mesmo que seja, eu gosto muito do Alonso, meu amigo e gente de muito bem!), fez-me remoçar. Eu hoje tenho 18 anos e vou para a noite! Cuidam que fico no sofá da sala, aquele em que vejo o futebol? Enganam-se. Eu hoje vou correr os sofás todos!

Pobre PSL. Tarde percebeste que ninguém deve ligar-se a sacanas. Coligar-se com sacanas. Olha, PSL, o culpado disto que te aconteceu está em Bruxelas. Na noite das eleições que ganhou, Durão começou a fazer-te perder, ao deixar-se penetrar na virilha por testículo insidioso e frágil de menino bimbas.
Durão agachou-se e foi-se embora. O homem da voz melosa engorda por terras belgas, e tu, desgraçado, desejoso que andavas de ser um líder, não resististe. Ficaste tu, aí, com a tatuagem que Durão deixou que lhe fizessem na região inguinal do partido. Exactamente, Portas, esse pedaço de fuligem. O outro cromo sorri, contente, nesta altura, lá no cume da sua Europazinha conquistada com espada de papelão. Cada vez mais gordo, cevado, com a mesma voz melosa e o mesmo sentido estratégico do seu egoísmo.
Eu sabia. Pobre PSL, que és um cepo, de tão burro. Perguntavas-me.

Era isto

Ainda não são sete horas. Por isso, isto tem de ser escrito agora, logo a seguir à bicicleta da Lolita.
Não me preocupa minimamente que o PS tenha ou deixe de ter maioria absoluta. Não é a minha guerra. Não simpatizo com Sócrates. Não é socialista. Emprestava-lhe o carro com dificuldade, embora lho tenha emprestado, ainda desta vez. Já aqui o disse. Preferia Ferro Rodrigues, mil vezes. Mil vezes. Vai ter tempo de aprender se quer sê-lo (socialista) ou se quer o meu ódio. Sócrates não terá dificuldades na escolha, eu sei, mas eu também não.
A minha pequena guerra, aquela que travo, intestina e dura, desde o início do meu tempo lúcido (eu sei, são quinze minutos por dia da minha vida inteira, eu sei), é uma guerra muito duradoura que cuido travar-se entre pessoas de bem e pessoas de mal. Duradoura, infelizmente, por isso.

Se o PP e o PSL tiverem, hoje, uma derrota eleitoral profunda, com o PSL (não me enganei, o partido chama-se assim, agora, desde Barroso!) a ficar abaixo dos 29% e o PP abaixo dos 8%, fico profundamente satisfeito. Independentemente do resultado do PS. O resutado do PS é uma variável que me apoquenta pouco. Não espero nada deles. E quero que o PND tenha mais votos que os que conta, também. Gosto de Manuel Monteiro, há vários anos, já aqui o disse, emprestava-lhe o carro. E que os comunas puros e duros tenham um resultado honroso. Que o BE suba. Também é bom. Quero vozes abertas, quero luz, quero calor. Tivera eu mais carros para emprestar a quem não precisa deles!

Que esta gente que aí anda agora vá embora depressa, ao menos hoje. É o que eu quero. Eu sei que eles voltam, a canção do "papão" é para entoar todos os dias. Mas um dia de paz ia saber-me bem.

Não. A sério. A minha vida melhora, sobretudo, com pequenas alegrias. E eu já elegi o eixo do mal muito antes de Bush. O meu eixo do mal chama-se egoísmo. Chama-se "filhadaputice" mascarada de progresso.
Cresci a gostar de D. Pedro, por ser liberal. Estragaram-me a sopa da minha pequena História, viciaram o léxico que eu tinha, paguem! Nem que eu pague também.
O meu sonho, aliás, é um país para todos, pago por todos.
E hei-de morrer assim, Deus permita que seja tarde. E calmamente. E, se possível, num país assim.

O dia das eleições num blogue do Paraná

Genti hoje foi uma coisa ,eu acordei super tarde 3 da terde comi bolacha e sai com meu nenezao 6 da tarde ,a genti foi numa loja de esportes e depois pra um shoping de velhinhassso tem coisas 1900 e bolinhas,comi loteria um hamburguer de camarao to ate agora meio mal.Por hoje eh soh bjinhus!

Bjinhus prócê tumém! Ôia, e num comi loteria di novo qui faiz mal prós denti!

Não insistas, que eu não digo que sei que vais ter uma bicicleta de prenda!

Acabo de ler, no Público, a notícia de que a Comissão Nacional de Eleições pediu à comunicação social que não divulgasse a notícia de que Mário Soares, ainda próximo da mesa de voto, falou em "maioria absoluta do PS".

Ainda bem que a CNE agiu prontamente. Assim ninguém ficou a saber de nada.

Falando de convicções

Votar com a convicção de que se está a votar bem, nestas eleições, é tarefa árdua. Nos últimos tempos, todos fomos vítimas de dose tão excessiva de informação que acabámos por perder a inocência. Falamos de política num tom misto de humor satírico e de desencanto pessimista e já ninguém acredita em mudanças milagrosas nem em políticos descomprometidos. Votamos, portanto, sem qualquer fervor, daquele fervor que se tinha quando a direita enfrentava a esquerda (e vice-versa), quando se sentia a importância genuína de um voto, de cada voto a construir uma escolha, determinada e firme, que tinha tanto de contra como de a favor. Rejeitava-se e aderia-se, numa dialéctica perfeita e bem definida. Hoje, aprendemos a condicionar-nos contra a adesão e habituámo-nos ao nosso estrito discurso da rejeição.

Uma ideologia supõe um ethos social, a construção de uma sociedade justa, no fundo, a proposta de um projecto de vida. Que seja ou sedutor ou intolerável. Eu sinto involuntária simpatia por partidos pequenos, que não ultrapassam o zero vírgula qualquer coisa por cento dos votos porque defendem modelos de vida tão distantes do nosso que nos assustam. Nascem e sabem-se pré-destinados a manter-se à margem do mainstream partidário. E sabem que se manterão sempre assim, pequenos e ignorados porque... impossíveis.

Eu só decidi quando estava perante o boletim de voto. Ali, em poucos segundos, tal como se faz quando se percebe a morte eminente, observei de fora toda a minha vida, olhei para a lista de partidos que tinha na minha frente e decidi que não queria arrepender-me mais tarde. E, assim, desenhei uma cruz no primeiro partido da lista, dobrei a folha e vim embora. Repeti uma experiência, construí sabedoria. Própria, só aproveita a mim. Mas segura. Saí satisfeita.

19.2.05

Se o céu estiver limpo talvez não chova muito...

Já tinha ouvido falar dele, por aí. Mas nunca o tinha lido em toda a sua pujança intelectual. Mas hoje li, calhou.

Ainda bem que Luís Delgado tem uma forma alternativa de ganhar a vida. Como cronista, ou lá o que ele tenta ser, é uma desgraça. Se vivesse só de escrever morreria de fome e matar-nos-ia de tédio, no caso de sermos obrigados a lê-lo.
É lastimável.
O texto em que afirma, entre outras originalidades (elaboradas na humidade dum suor talentoso, ninguém duvida disso), que "na noite de 20 de Fevereiro todos saberemos como foi, quem ganhou ou perdeu, e palpites antes de tempo, neste Inverno esquisito, não são de fiar", é digno de figurar na "Galeria João Pinto, o ex-capitão do FCP", em lugar de destaque, na secção "Prognósticos? Ah! Só no fim do jogo".

Que cabeça! Que torrencial pluviosidade ideativa! Que finura arguta ali se nota!
Volta, Petrolina. Não estás perdoado mas arranjei-te um parceiro para a bisca lambida.

18.2.05

Disse Petrolina?

Há vários jogadores de futebol brasileiros chamados Juninho. Alguns são bons, sobretudo o Juninho que chegou a jogar no Atlético de Madrid e no Middlesbrough. E o outro Juninho, também atleta de selecção, que joga agora em França, não sei se no Mónaco se no Lion, não me lembro mesmo, um médio, também. Os Juninhos são, geralmente, médios.

O Belenenses tem lá um Juninho, também. E também é médio, embora nem mediano seja. Quando engata, o que sucede de dezassete em dezassete jogos, é perigoso. Nos dias normais, é ridículo.
Juninho Petrolina é, provavelmente, o jogador de futebol mais estúpido do mundo.

Não tenho nada a ver com o Belenenses, até acho esse clube uma espécie de agremiação alternativa, do ponto de vista futebolístico. Mas tem lá jogadores bons (o Marco Aurélio, o Amaral, o Zé Pedro, o Pelé e o Wilson, vá lá, o Neca), apesar de tudo.
O que estraga tudo é o Juninho Petrolina. Eu nunca tinha visto um jogo de futebol em que entrasse um jogador tão estúpido. Vi hoje, contra o Porto. E o treinador do Belenenses, que se chama Carvalhal, não substituiu o tipo! Carvalhal, que deve admirar o pragmatismo "valha-nos Deus, que não jogamos a ponta dum corno" do FCP e aspirar à consagração como membro de elite da "nouvelle vague" dos "coaches" lusos, decidiu manter a sua equipa reduzida a dez unidades do princípio ao fim. "Se está bem assim para o Porto, para quê mexer?", deve ter pensado esse grande Carvalhal, ex-Leixões, futuro Paços de Ferreira.

Também gostei de ver Xistra, esse árbitro esguio, que não viu um penalty do tamanho da torre dos Clérigos sobre o Lourenço (única acção digna de nota do pequeno e azougado dianteiro, que, espero bem, se transforme em mais um eterno emprestado pelo Sporting, nem que tenhamos de o emprestar ao Sacavenense até ao desvínculo). É que há, também, uma "nouvelle vague" de árbitros em Portugal. São assim, mais ou menos como este, com preocupações com o "look", mas de bola... não percebem um orifício anal dilatado. O melhor deles todos ainda é o Pedro Henriques, que é militar. Esse, ao menos, deixa dar porrada a eito. O pior de todos é o Paixão, e um outro, sem queixos, cujo nome não me lembro. São uma espécie de Juninhos Petrolina, na variante "árbitros".

Parabéns ao Vítor Baía, que fez uma grande defesa perto do fim. E continua com aquela aparência alternativa, com aquele cabelo que parece cortado pelo suplente do jardineiro da Cordoaria, sobre frontaria de gavião preocupado. E de gola alta, alva, debaixo do uniforme.

Às tantas, o Sporting vai a Leiria e não ganha. Não seria a primeira vez, aliás. Mas é mais fácil o Sporting ganhar em Leiria que Juninho Petrolina vir a representar, um dia, uma equipa a sério.
Raios partam o homem, que me enerva.

17.2.05

Vírgulas

Também li a sondagem da UC, como toda a gente. Não vi mais nenhuma, aliás. E não me preocupa sobremaneira esta questão das sondagens, muito menos o seu potencial influenciador sobre os indecisos.

Um ser que esteja indeciso, nesta altura, já se sabe que vai prolongar a indecisão até dia 20. Nesse dia, provavelmente, se for votar, fá-lo-à ao calhas. Colocará uma cruz, se colocar, no quadradinho que lhe parecer na altura, como quando hesita entre dois pares de chanatas. Não há sondagem que influencie um eleitor indeciso, porque um eleitor indeciso, a 3 dias de qualquer eleição, não passa dum imbecil. E um imbecil não se deixa influenciar, um imbecil é um penedo, impenetrável a qualquer razão excepto à sua: "eu estou a pensar". Mas não está nada, está apenas a fazer de conta.

As sondagens da UC costumam ser rigorosas.
Pode ser que o PS não tenha maioria absoluta. Pode ser que o BE não suba tanto como dizem. Mas parece claro que estas duas possibilidades são tão especulativas e verosímeis como esta: dificilmente Portas arranjará os 2 dígitos que tanto o fazem salivar, a menos que se contente com dois dígitos separados por uma vírgula.

16.2.05

Zelar

O avião seguiu para São Nicolau como se fosse uma camioneta de carreira vocacionada para apeadeiros. Depois, lá aterrou em S. Vicente.

Com tudo isto, o Sporting acabou por sofrer um golo cedo, por azar. Por sofrer uma expulsão, por sofrer outra, porque foi assim que as coisas se passaram. Se eu fosse holandês de Roterdão, talvez não se tivessem passado assim, as coisas. Teria uma visão diferente das coisas, às tantas por ter as ventas carregadas de "hash" legal. Isto se fosse mais novo, que aos 44 anos a única droga que nos não envergonha é o pensamento. Pensamento rima com excremento, mas depende sempre de quem cheira.

Ganhámos 2-1 aos holandeses. O avião poisou bem. E ainda bem. E, no entanto, continuam as macas no meu hospital, admito agora que sem culpas de ninguém. Somos muitos, somos fracos, temos dores e febres urgentes todos os dias.

Ele, o meu amigo, foi comigo à urgência, esteve lá comigo. Sábado, de madrugada. Viu e percebeu, na sua visão crítica de tudo o que vê, que não exagero quando falo em untos que se acumulam nas macas que escasseiam.
Estou a falar, aqui, de um amigo de visão longa sobre as coisas, mesmo as que vê de fora. Um jurista (vade retro!) que seduziu, pela sua tolerância neutra de quem "está ali, apenas, por solidariedade", os que estão ali porque têm de estar. Os médicos, os enfermeiros. Os doentes não sei se seduziu, excepto um, que levámos lá de carro, com dores, para regressarmos com ele já fino, a falar de filmes, sempre no banco de trás.

O avião pousou, o blogame mucho está calmo, mas o blogame mucho é muito maior do que quem nele escreve. É uma espécie de Entroncamento sem magalas. Sem alferes milicianos. Com mais verde, mais azul, menos tristeza. Mais quente, sem ser mais seco, com menos fenómenos.

Viva o Sporting. E que os homens e as mulheres se temperem no sal de coisas mais importantes que decretos e regulamentos. O fortuito, o acidental, têm, por vezes, força de lição. E há abraços que se dão de longe. Incidentalmente.

O Peseiro foi mal expulso pelo austríaco poliglota. Detesto austríacos modernos: vivem à sombra do talento antigo e musical de antigos austríacos, alemães, húngaros e checos. São muito parolos, os austríacos. São brancos demais e, isto não é desprezível, mais teutónicos que os próprios alemães. Os alemães, ao menos, ainda hoje se penitenciam por causa dum austríaco. Os austríacos não se arrependem de alemão nenhum, excepto de Wagner, porque preferem o José Figueiras a "merdas chatas". Eu prefiro Brahms, que era alemão, como Wagner. Mas eu sou simples. Os austríacos são o contraponto "odeleriú" do fado. São execráveis aproveitadores do talento alheio, excepto Lauda, alguns outros automobilistas e Mendell. Mas este era padre e lidava com ervilhas.

Vamos passar a eliminatória, nós, o Sporting. Se Deus ajudar, na sua misericórdia eterna, o nosso talento, o nosso merecimento e a nossa crença. Vamos sim. E vamos ser mais felizes do que somos agora. Uns dias mais, outros menos, mas sempre mais que menos. E nunca seremos vogais de ninguém. Seremos sempre ... consoante.

E as macas vão deixar de ser precisas porque Deus vai ajudar-me. E a quem precisa delas, das macas e da ajuda de Deus. E o avião vai poisar de regresso, sereno, na única cidade de Portugal (ao menos, das que têm mais de 500.000 habitantes) em que não há mais paneleiros do que mar. Que é o Porto.

Esta prosa solta leva rumo. Tem destinatários. Tem o endereço de quem está lá longe, na cafraria dos aeroportos feitos apeadeiros. Tem o de quem está mais perto e foi solidário comigo, com o meu irmão, em noite de precisão. As rimas podem ser preciosidades. A gratidão e a precisão são rima fácil. Mas genuína, na sua singeleza fácil e imediata.

É um texto fraco, solto, este. Se é. Dos piores que aí há. Mas o Sporting lá ganhou. Isto desculpa quase tudo, justifica muita coisa. Até este texto.

Texto... isto? Parvo besugo, que confundes um texto com um pretexto para escreveres o que te sai.

15.2.05

Paz na Terra

Andei a ler, quase ao acaso. Fala-se aí muito de Lúcia, a idosa ex-pastora reclusa que se libertou. Morreu, libertou-se ao menos da vida, que já lhe devia ser penosa. Se estiver enganado, se ainda a vivia com gosto, desculpem: terá partido cedo demais.

Não sei mentir: não me lembrava da sua existência, da de Lúcia, há muitos anos.
Tenho fé noutras coisas, claro, a minha dose de irracional preenche-me suficientemente. Mas não acreditei, nunca, nas aparições. Nem no resto, à volta, antes e depois. Mas tenho imensa, infinita pena de mim, por mais esta lacuna, que me faz sentir, tanta vez, desamparado. E só.

Lamento que Lúcia tenha morrido como lamentaria qualquer morte não apetecida, em vida, por actual e eterno cadáver que não tivesse conhecido. Lamento não conseguir mais que isto, também. E receio não vir a conseguir muito mais.

Gostei de ler, aqui, um bom exemplo de genuína, pedagógica e fina candura intelectual. Um dos melhores exemplos que nos podem dar, depois de sabermos da morte de mais um velho, quando têm morrido tantos a quem nunca apareceu ninguém. Nem mesmo em pequeninos.

14.2.05

Silêncio! Mas digno.

N'O Vilacondense, o Dupond revolta-se contra as críticas de D. Januário Torgal Ferreira à suspensão das campanhas e pergunta, de forma retórica: a quem aproveitam as declarações do Bispo?

A ele próprio, caro Dupond. À Igreja. Aos que acreditam no milagre de Fátima. O D. Januário tem esta esquisitice de carácter, veja você: a de não gostar que se use a Igreja ou os seus dogmas para se fazer campanha política. Campanha em silêncio, que você diz ser digno, mas cuja dignidade só se descobre com um enorme esforço de boa vontade. Que nem um bispo da Igreja teve, repare. Como podemos nós, cépticos pecadores, tê-la?

É importante, Dupond, não esquecer este dado fundamental: os homens da Igreja marcaram a evolução da história do mundo ocidental por uma série de coisas. De todas elas, a menos decisiva há-de ter sido a oração.

Depois, no fundo, tudo se trata de confissões. Seja numa religião, seja num partido político. Cada qual acredita no que quiser mas, enfim... haja moderação.

Há Domingos em que é importante que esteja sol.

No resto da semana não poderei assistir às acções de campanha dos partidos que respeitam mas não se metem nem à suspensão das acções de campanha dos partidos laico-cristãos. Assim sendo, deixo aqui as minhas previsões sobre o que se passará no próximo Domingo.

O PS ganha, claro. Sem maioria absoluta, mas a um passo dela. Nada que não estejamos habituados, o país está sempre "quase a" qualquer coisa.
O PSD não sairá tão derrotado como merecia e a culpa é deste PS baço. Santana Lopes será, assim, engolido pelos (tu)barões do partido e voltará, enfim, à esbórnia de onde nunca devia ter saído.
O PP não sobe tanto como pensa porque pode acontecer que o eleitorado oscilante entre o PSD e o PP decida, afinal, votar mais ao centro para combater o centro-esquerda. Coisa em que eu não só aposto como desejo. Aliás, o PP não serve de nada se o PSD não ganhar e bem pode, sendo assim, manter-se pequenino. Um resultado em que os trinta e tal por cento dos dois partidos sejam distribuídos de forma tal que nenhum deles ganhe nada com isso serve os interesses dos portugueses. É serviço público.
O PCP manterá o seu eleitorado fiel, mais aquele que a inoperância do PS lhe conseguir dar. Como diz o Alonso, Jerónimo de Sousa é pessoa de bem. Eu também acho, mas a questão é outra; não se pode ser gente de bem e ser-se líder de um partido de manifestos. O PCP condiz com Cunhal, como Cunhal condiz com Fidel (que era, indesmentivelmente, um homem bonito), como Fidel condiz com "correr com parasitas", ainda que, lamentavelmente, o desparasitante tome as rédeas do destino. O PCP não condiz, portanto, com um homem bom que vê com olhos tolerantes a suspensão da campanha pelos partidos que se sustentam do liberalismo que os partidos comunistas de todo o planeta rejeitam.
O Bloco de Esquerda sobe. O Bloco de Esquerda, sabem, aquele partido cujo crescimento e permanência só se explica num país que ainda se deslumbra com radicais vermelhos que defendem evidências como quem fala no Quinto Império. Bom truque, resulta sempre, por cá.

Sem prejuízo da possível (eu disse possível) reflexão que farei até ao próximo Domingo e como, a partir de hoje, estarei menos permeável à propaganda eleitoral (mas, enfim, há sempre a RTP África), devo dizer que decidi, iluminada por uma súbita revelação, o que vou fazer ao meu voto. Sem arrependimento, seguramente. Seja qual for o resultado das eleições, a causa é nobre e hay que detenerlos.

Mas voto sob protesto: não é justo que se seja forçado a votar contra. Ora bolas.

A festa estava boa, a gente entusiasma-se ... (2)

Antes de mais, esclareço desde já que roubei este título ao besugo. Quer dizer, não roubei, limitei-me a "usufruir" dele. Como o besugo é socialista, não se deve importar.

Tenho coisas para contar, e algum tempo para contá-las, por isso lá vai:

1 - Perdi o telemóvel. E com ele, boa parte dos contactos que laboriosamente fui nele guardando ao longo dos últimos anos. Entre eles, os de uma jurista portuense e portista e os de um médico duriense e sportinguista com quem travei conhecimento por um acaso do destino ... agora estão na minha galeria de incontactáveis, até porque a jurista não lê o único mail que lhe conheço ... é estronça.

2 - Voltei a Torre de Moncorvo. Foi a terceira vez, e desta vez o julgamento começou ... mas não acabou. Houve acordo. Acho que foi pelo cansaço das partes ante a perspectiva de um interminável litígio. Desta vez, e por causas já referidas (ver 1 anterior), não regressei pelo Douro.

3 - Fui ao comício de Lisboa do CDS-PP. Para quem, como eu, já "militou" activamente (2ª metade da década de 80, 1ª metade da década de 90, ou seja, no período em que o CDS mal sobrevivia e cada acto eleitoral podia bem ser o último), é sempre engraçado revisitar estes ambientes. Fartei-me de encontrar gente que conheci e que está toda dez anos mais velha.

4 - "A gente entusiasma-se" é um bom retrato do ambiente que por ali se vivia. Encontrei lá dois antigos correligionários do Norte (um médico do Porto, o outro economista de Vila Real, mas acho que agora está no Porto também), que tinham ido a Lisboa "ver que tal". Estavam muito animados. Para eles, é fora de dúvida que o CDS vai ter um resultado "histórico". Garantem-me que, pelo menos no Porto, vai ser assim.

5 - Eu sou tradicionalmente pessimista nestas coisas. Acho que o CDS sobe dos 8,5% que teve nas últimas eleições ... mas prefiro não esperar grande subida.

6 - A verdade é que tive que concordar com eles nisto: a campanha tem sido irrepreensível, sendo que as circunstâncias em que é feita não são propriamente fáceis. Designadamente, porque não é fácil simultaneamente respeitar um parceiro de coligação e disputar-lhe activamente o eleitorado. Do ponto de vista de quem tem que discursar para cativar votos, um deslize de oratória torna-se um "caso" de campanha. O PSD já criou vários, a partir de segundas figuras. Nem assim houve outra resposta para além do habitual "não comentamos".

7 - Domingo veremos o que tudo isto dá. O "centrão" votará mais PS que PSD desta vez, isso parece certo. Resta saber quantas migalhas percentuais sobrarão - à esquerda e à direita - para os restantes partidos.

8 - Uma palavra para o Jerónimo de Sousa - ao contrário do desapontamento que julguei perceber no que lolita aqui escreveu, é minha opinião que se revelou, pela positiva, talvez a maior surpresa desta campanha. Não tem o ar enfastiado do Carvalhas, parece bastante mais genuíno de que boa parte dos seus correligionários, e tenho a impressão que não só estancou a sangria do eleitorado comunista (a favor do PS ou do BE), como até que pode fazer o PCP subir em eleições legislativas pela primeira vez desde há muitos anos. Não é que isso me alegre, mas há que reconhecê-lo.



Se nada escrever antes das eleições, escrevo depois. La Palisse não diria melhor, mas é mesmo assim.

Finalmente,"O Sistema!" (Coisa feia, a inveja!...)

O campeonato acaba no fim, isto é evidente. E a classificação final é que é importante. Mas em todas as jornadas se elaboram classificações, para se saber qual a ordenação das equipas na tabela, naquele momento. Isto também é evidente. E, uma vez que os jornais elaboram essas classificações tipo "corte longitudinal", uma vez que as elaboram e publicam, devem elaborá-las e publicá-las correctamente. No fim de cada jornada, uma classificação correcta. Como deve ser.

Ora, tanto na “Bola” , como no “Jogo” , como no "Record" (que corrigiu há pouco, ainda por cima, para mal!), como (mais ridículo ainda) no “site” oficial da Liga de Clubes, aparece, no primeiro lugar da Super Liga, o FCP. O que é um erro.

De facto, o que o regulamento da própria Liga estabelece, no que toca a critérios de desempate quando vários clubes se encontram com o mesmo número de pontos, pode ser consultado aqui e é o seguinte (artigo 8º, ponto 4):

"Para estabelecimento da classificação geral dos Clubes que, no final das competições se encontrarem com igual número de pontos, serão aplicados, para efeitos de desempate, os seguintes critérios, segundo ordem de prioridade:
a) Número de pontos alcançados pelos Clubes empatados, no jogo ou jogos que entre si realizaram;
b) Maior diferença entre o número de golos marcados e o número de golos sofridos pelos Clubes empatados, nos jogos que realizaram entre si;
c) Maior número de golos marcados no campo do adversário, nos jogos que realizaram entre si;
d) Maior diferença entre o número dos golos marcados e o número de golos sofridos pelos Clubes nos jogos realizados em toda a competição;"


Há mais critérios, mas bastam estes. E esqueçamos, por honestidade intelectual, o facto de este regulamento se aplicar às classificações finais, porque não há outro que possamos usar, que se aplique a "classificações à enésima jornada".

Neste momento, que temos? Temos que os 4 primeiros classificados têm o mesmo número de pontos: 38. Vamos ordená-los? Vamos lá.

Comecemos pela alínea a): O Porto ganhou ao Sporting e ao Benfica, e perdeu com o Boavista; tem aí 6 pontos. O Sporting venceu o Boavista e o Benfica e perdeu com o Porto; tem aí, também, 6 pontos. O Benfica só ganhou ao Boavista, o que lhe dá 3 pontos, e o Boavista ganhou ao Porto, o que lhe fornece, também, 3 pontos. Ou seja, de facto, não se desempatou com este critério. Há empate entre o Porto e o Sporting, no primeiro lugar. Por isso, vamos aplicar a alínea b).
Aqui, a questão pode ser se analisamos os 4 clubes empatados ou apenas os 2 que ficaram empatados depois de os passarmos pelo crivo do primeiro critério. Vamos admitir que entram todos, uma vez que temos de os ordenar a todos. Mas, se excluíssemos já o Benfica e o Boavista desta luta pelo primeiro lugar, o resultado não mudaria, em termos de primeiro classificado. Como se provará facilmente.

Vamos, então, usar a alínea b) para os quatro. Com a atenção devida ao facto de não poder haver contradição, evidentemente, com o apurado na alínea a), que é o primeiro critério.
Então, é assim: O Porto marcou, nesses jogos, 4 golos e sofreu 1, ou seja, tem um saldo positivo de 3 golos. O Sporting marcou 8 e sofreu 5, ufanando-se, igualmente, dum saldo positivo de 3 golos. O Benfica marcou 5 e sofreu 3, tem um saldo positivo de 2 golos, e o Boavista marcou 2 e sofreu 10, ou seja, tem um balanço negativo, neste particular, de 8 golos. Mas continuamos a não desempatar assim, ou seja, assumamos que continuam todos empatados, com 38 pontos, embora todos saibamos que o que nos faz avançar de critério é, mais uma vez, o empate entre o Porto e o Sporting. Certo?

Mesmo assim levemo-los, a todos os 4, rumo à alínea c). Ora, quanto a esta alínea, temos que o Porto marcou, no campo do adversário, 1 golo (foi ao Benfica), o Sporting nenhum ( só foi às Antas e ficou em branco) o Benfica fez um golo (em Alvalade) e o Boavista fez 2 golos, um nas Antas, outro em Alvalade. Ou seja, se não se verificasse evidente contradição com o que determina a alínea a), e mesmo com o que define a b), o Boavista estaria em primeiro. Mas o Boavista, pela alínea a), ficaria em 3º, empatado com o Benfica. E, pela b), em 4º, abundantemente em 4º, de longe!
Reparemos, como curiosidade, que as 2 primeiras alíneas deram um empate, no 1º lugar, para o Sporting e o Porto, apenas para estes. A alínea c) é, apenas, engraçada. Querem ver uma curiosidade adicional da alínea c)? Se tivéssemos eliminado, logo à primeira o Boavista e o Benfica, ficando apenas a ser analisados e aferidos o Sporting e o Porto, obteríamos o seguinte: até neste particular critério empatariam! É que tanto o Porto como o Sporting marcaram zero golos no campo do adversário. Eu sei que o Porto ainda não foi a Alvalade, mas não deixa de ser assim, pois não?

Continuamos com os 4 rumo à alínea d), já que começámos assim? Continuamos.
Bom, aqui desempata-se, realmente: todos têm um saldo positivo de golos. Mas o Sporting tem 19, o Porto e o Benfica 12, o Boavista apenas 2. Ou seja, deixa, pela primeira vez, de haver uma igualdade técnica entre os dois clubes que tinham ficado empatados no primeiro lugar quando aplicámos as duas primeiras alíneas: o Porto e o Sporting.

E o Sporting é, portanto, claramente, o primeiro classificado da Superliga, neste momento.

Há ainda mais duas alíneas adicionais, que não são precisas, mas que podemos analisar por desfastio, para teimosos. Tipos que digam: "ah! mas verifica-se um empate no segundo lugar, entre o Benfica e o Porto, nha,nha,nha...".
Pronto, lá vamos com os 4 de roldão, outra vez, rumo a elas, às alíneas seguintes:

A alínea e) desempata pelo maior número de vitórias. Por aí, Sporting, Benfica e Boavista têm 11 vitórias, o Porto 10. Não funcionaria. Empate a 3 no primeiro lugar.
Sigamos para a f), que propõe ordenação pelo maior número de golos marcados. Ora o Sporting marcou 46, o Benfica 33, o Boavista 27 e o Porto 26.

Ou seja, confirma-se, desde a alínea d), que graças ao Boavista (que, sem o Boavista, a coisa resolvia-se logo na alínea a), e a favor do Porto, diga-se), o Sporting vai à frente.

Que o não queiram lá é outra coisa... Coisa feia, a inveja!

Meter a mão na consciência e ficar em paz porque nos velam

Os Estados Unidos conseguiram geminar o Irão e o Iraque, o que é inteligente do ponto de vista dum besugo. Temos agora, aí, duas nações xiitas, em lugar de só uma.
Eu sei que os Estados Unidos ficam mais tranquilos quando conseguem poupar em rótulos: dantes tinham dois rótulos, "sunitas sacanas" e "xiitas sacanas, os dos reféns antigos que nos envergonharam". Agora só têm um, que diz "eixo do mal, S.A.".
Temo é que menosprezem o tamanho do eixo que inventaram.

Não temo nada. Estava a brincar. Temo muitas coisas, mas nunca aquilo que inteligências superiores criam: por definição, criam progresso e felicidade. Ou não seriam superiores e viria aí a peste.

Eu até admito que a vontade seja muita...

O engraçado é que isto está mal.
Eu admito que venham a corrigir, porque só pode ter sido distracção ou ligeireza.
Entretanto, já que fui elogioso para o Boavista, solicito ao Gabriel Silva que me corrobore, explicando a verdade, logo que possa.
É que há gente que não percebe...

13.2.05

Não explico nada, se quiserem pensem, ora!



Gosto deste gráfico. Está bonito. E sabem por que é que é assim que está certo? O verde à frente?
Ele há coisas... Vejam bem: por causa do Boavista. É verdade. Obrigado, Boavista, por este primeiro lugar provisório que me sabe tão bem.

12.2.05

A festa estava boa, a gente entusiasma-se...

Nuno Fernandes Thomaz é o cabeça de lista do PP pelo círculo de Santarém. Percebe-se, ouvindo-o falar, que podia ser cabeça de lista por outro círculo qualquer, ou mesmo por nenhum. Mas vai por Santarém. E por três fortes motivos: vai, às vezes, a Fátima, frequenta umas toiradas e tem lá, em Santarém, alguns amigos.

Quem sustentasse que poderia constituir-se de alguma importância a existência de outro tipo de laços entre um cabeça de lista por um qualquer círculo eleitoral e esse mesmo círculo eleitoral, nem que fosse ter lá passado, por exemplo, mais que duas férias da Páscoa em dezoito anos, levou forte ensinadela de Fernandes Thomaz. Um pedagogo esconde-se por detrás dum bom tribuno, isto é consabido.

Indo mais longe no seu desapego por certo tipo de ninharias, o promissor cabeça de lista veiculou, ainda, o seu afirmativo desdém por eventuais laços entre aquilo que uma pessoa anda a fazer e o seu conhecimento sobre aquilo que anda a fazer.
E foi arrasador no exemplo que fez ribombar nos altos céus ribatejanos: "eu, quando fui para a secretaria dos Assuntos do Mar, também foi assim, ao calhas: disso do Mar, o que sabia era que gostava de praia e de andar de barco!"

Este desassombro fica bem e seduz, sobretudo vindo de quem vem e afirmado assim, elegantemente. Eu explico:

1 - Quanto aos chamados "laços de origem, permanência ou já por lá passei", fica a gente confortada, via Thomaz, na certeza de que vivemos num mundo cada vez mais universalista, em que, praticamente, só os habitantes de Canas de Senhorim, alguns adeptos do FCP e, eventualmente, Manuel Monteiro, se sentem amarrados a peias regionalistas totalmente ultrapassadas pela modernidade evolutiva dos nossos dias.
2 - Já quanto aos outros laços, aqueles que Thomaz mais repudia, aqueles laços dispiciendos entre a afirmação "eu vou para ali fazer aquilo" e a explicação "porque sei, de facto, fazer aquilo", estes laços, assim quebrados de forma luzidia por Thomaz, relançam-me na vida. Eis-me de volta.

E quero ser, evidentemente, secretário de estado das obras públicas.

11.2.05

Sacudindo a poeira

Devo avisar: esta não é uma posta séria.

À hora do almoço, ouvi excertos da entrevista do futuro-incontornável primeiro-ministro à TSF. Notei o sotaque, porque o sotaque nota-se mais em audio. Para quem habita uma penthouse no Saldanha, o Sócrates fala muito à nortenho! Pronuncia os "érres" como só no norte litoral se pronuncia, à inglesa, com a língua no fundo do céu da boca. Como em "falaurrrr", se me entendem. E o timbre da voz, na radio, é ainda mais quebrado. Sócrates provavelmente não sabe, mas tem timbre e sotaque de dirigente de futebol vimaranense ou de autarca minhoto, daqueles que involuntariamente se associam a rojões.
Retive, do que disse, que "não escarafuncha feridas". Tanto melhor. Já lhe basta tudo o que tem ou tudo o que lhe falta. Não o vejo, em todo caso, com ar de escarafunchoso. Vejo-o mais a fungar o nariz, que vai limpando com o lençito ISL, já encardido, que comprou no Atrium.

Bom. Eu avisei.

Como se pescam anchovas

Sejamos pedagógicos, como se fôssemos intensivistas. São os médicos mais inteligentes que há, os intensivistas, porque eles assim o dizem e porque têm tempo para o dizer. E, às tantas, porque o são mesmo. Nem sempre a inteligência se mede por padrões universais.

Sejamos, então, por items. E, sobretudo, sejamos pedagógicos. Foi assim que comecei e sinto em mim, no que me resta de hoje, vocação lectiva.

1 - Vai-se, de noite, para a doca de Ponta Delgada.
2 - Leva-se cana para pescar sargos. E cigarros.
3 - E anzol.
4- Como isco, pão de segunda e lombo de porco. Bocados de "lagarto", aquela parte tenra que envolve a coluna vertebral do suíno.
5 - Atira-se aquilo, com força, para o mais longe do mar que se consegue.
6 - Espera-se, cigarro aceso a fumegar na bruma cinzenta, e conversa-se sobre a lua que está alta e sobre "lá estamos nós, aqui".
7 - Acendem-se mais cigarros e começa a apetecer ter trazido um "kispo" qualquer.
8 - Manda-se alguém ir a casa buscar um "kispo". Já agora, dois.
9 - Discute-se, enquanto se espera pelos "kispos", a etimologia de "kispo". E questiona-se a validade do nome "kispo" atribuído a qualquer blusão que seja quente.
10 - Alguém vai mijar e o outro que lhe segure a cana. Enquanto vai, seus súcubos!
11 - Quem fica a segurar a cana do outro (sacanas, não tergiversem, ouviram!?) ouve ambas as canas sussurrarem, baixinho, uma para o carreto da outra, que "bem podíeis ir mijar os dois que a gente bem ficava".
12 - O que foi aliviar-se regressa, abotoando-se (detesto zippers) e pergunta, jovial, "então, já deu"?
13 - O que ficou dirige-lhe uma imprecação friorenta e de elevada violência verbal. Um verbo transitivo qualquer.
14- Chegam os "kispos". Agora vai.
15 - Esticão na linha dum dos pescadores, não importa qual.
16 - "C******! Dá-lhe linha!". Diz o outro, não importa qual.
17 - Ambos puxam e dão linha, consoante a febre do momento. É a vida, a filosofia verdadeira da verdadeira vida, esta combinação empírica de dar linha e ir puxando.
18- Violento esticão.
19 - Uma anchova comeu o raio do sargo que era nosso. E aliviou a pressão, levando-o nas mandíbulas. Uma risada doida varreu a doca. Desce na bruma uma violenta vontade de epitetar a anchova.
20 - "Puta!"
21 - "Cala-te, não epitetes mais a anchova e dá-me o isqueiro".
22 - "Está ao pé do lagarto. Dá-me daí outro anzol, chumbo e mais isco. São 4 e meia, isto hoje dá, vais ver!"
23 - "Pois, para as anchovas promete. Agora mijo eu, cala-te um bocado e segura aqui!".

É assim que se elabora um texto científico, para quem não sabia. Põe-se um número antes duma verdade e ela reforça-se na ordenação numérica, parece que é tudo pensado e, inevitavelmente, para sempre, assim.

10.2.05

Vê se atinas, pá!

Quando, um destes dias, em estando sol, este senhor conseguir enviar um e-mail (ou receber um, que não saber receber e-mails é uma variante não menos engraçada da sua incompetência informática...) de jeito, passará a contar aqui as suas histórias quase todas.
Sejam histórias de Laicas ou estórias doutras coisas, ele tem muitas. E bonitas. Sobretudo de pessoas. Mas também de coisas, eu disse coisas a saber o que estou a dizer.

Ele prefere Camilo, mas também gosta de Eça. Eu prefiro Eça e detesto Camilo. Mas eu, também, exagero os meus ódios só para fazer brilhar os meus amores. Fui sempre assim, um simplificador de questões, um emprestador de carros a quem não precisa deles. E ele sabe.

É meu amigo há muitos anos, o cota. E não corta o cabelo decentemente! E ele embranquece-lhe, tungas, grandes cãs!

Os nossos filhos são amigos, agora, vejam lá! Da escola, do andebol, da vida inteira, pequenina ainda e já tão grande!

Bastaria isso, mas há mais razões. Como verão. O que é sempre mais quente que o inverno.

Variações sobre O'Neil

A grande vantagem do advento da aviação comercial consiste no facto de podermos chegar em menos de um dia a qualquer parte do mundo. A maior desvantagem consiste exactamente no mesmo - essa rapidez vertiginosa. Em menos de um instante damos por nós noutra qualquer parte do planeta, a um mundo de distância, deslocalizados, desconhecendo o chão debaixo dos pés, atordoados pela ida que nem preparámos. A ida, note-se, não depende da volta. Vai-se, sem qualquer certeza sobre o regresso, que se planeia mas não se controla, enquanto dura esse tempo que nos parece... muito longo.

9.2.05

Sacos de plástico

1 - Santana Lopes não comenta. Ele pressente estrondosa vitória eleitoral e, como a pressente, já adoptou o ar distante e displicente dos vencedores. Dispensa comentar o episódio Cavaco como quem dispensa sacos de plástico e restante fancaria. Nota-se que o homem está calmo e confiante. Faz-me lembrar a atitude de Maradona em frente de Ivkovic, em Nápoles. Gosto de ver este tipo de artista, antes do penalty. E depois também.

2 - Portas resolveu revisitar os mercados e, mais que isso, visita-os agora de surpresa. Aparentemente, não avisa ninguém. Vai ele, vão outros quaisquer com ele, e a televisão lá aparece, já no fim, corada do esforço desta corrida esgalgada atrás deste homem humilde, sincero e bom, que se esforça por fazer uma campanha discreta, quase a fugir dos olhares impudicos, todo ele baseado na influente sugestão eleitoral dos sacos de plástico. É uma diferença notória, esta: sacos sim, sacos não. Aliás, na linha das semelhanças estruturais dos nossos actuais parceiros de coligação governamental, hem? Tudo os une, nada nos divide, aqui. Hem? Pois.
Tudo isto, a ver se consegue o que seu estro almeja: dois dígitos. Ora, por dois dígitos, bem vistas as coisas... merece um dezanove. É um bom número, dois algarismos perfeitos para o promissor calvo das feiras, que só não consegue disfarçar seu almejar. Posto a almejar, almeja tão abundantemente que lhe escorre baba pelo canto dos olhos. Os olhos fazem parte do tubo digestivo, come-se com os olhos, mas em certas pessoas nota-se mais. Claro, é mais difícil disfarçar a falta de trunfa, mas isso (a falta de trunfa) até o favorece: o perfil adunco como que se adensa, prolongado na testa ampla de pensador discreto de si que o homem tem.

3 - Alberto João, despenteado pelo vento, sempre com aquele olhar iluminado pelos holofotes que lhe vêm das profundezas neuronais, anda a ver se arranja maneira de Morais Sarmento ou, mesmo, um qualquer Arnaud, serem os potenciais candidatos do PSD às presidenciais. Hoje, arremessou mais uma pedra a Cavaco, em lugar de lhe dar algum espaço e um silêncio inteligente.
Fez isto ao único candidato potencialmente vitorioso do partido que (ainda que lá da Madeira, aquilo que devíamos vender quanto antes) representa. Isto é uma estratégia suicida que nem sequer me atrevo a comentar. Refiro-a como uma curiosidade estrutural de um grupo de gente que se encontra tão baralhada por questões de feiras, dígitos, parcerias potenciais e antagonismos viscerais, que não consegue um único movimento que pareça concertado ou consequente.

Admissões de besugo

Você nem se atreva a vir-me com diatribes de "baixa campanha", que nem nós estamos em campanha, nem você é capaz disso, que eu sei. Mas você, Dupont, é um homem bonito. E não me goze, que eu nem o conheço. Eu sei ver beleza onde a há.
Digo-lho eu, hoje, sem vergonha nenhuma nesta cara barbada de cansado: você consegue ser chato e verrinoso, vai atiçar-me, até, em breve, o Rio Ave. Mas é um homem bonito. E você sabe porquê.

Ilhas

Ontem à noite revi o Veiga, a Ana, o Fifer, a Cristina, a Fátima, o Nuno, a Zélia, o Fernando, a Teresa e o Rui, mais uns poucos de quem já nem sei o nome. O Esteves, o uruguaio, mais velho um bocadinho!
Foi numa velha cassette VHS, com dezasseis anos. Ainda dá todinha, com som e tudo. Encontrei-a nos despojos da última mudança.
Estávamos todos de calções, era a "Festa do Calção", em casa da Ana e da Cristina. Em Ponta Delgada. Em 1989. Março.

Éramos os médicos novos do velho Hospital, ali no Campo de S. Francisco. Éramos, pelo menos, grande parte deles. Éramos principiantes, é certo. Mas orgulhávamo-nos de nós porque todos os dias encontrávamos motivos para isso. Éramos menos exigentes connosco sem sequer saber porquê. Fazíamos o que tínhamos a fazer, o que sabíamos, porque também não havia muito mais gente que soubesse mais que nós.
Mentira: éramos exigentes connosco. Éramos, isso sim, por outro lado, mais tolerantes connosco. É isto. E os outros pareciam gostar mais de nós. Seríamos, talvez, mais belos. Ou, então, eram os outros. Deixemos isto pairar nas brumas de São Miguel até ao fim dos tempos, pouco importa.

Lembro-me de coser todos os tendões dum flexor comum, uma vez, com a Graça: um interno do primeiro ano de Medicina com uma interna do primeiro ano de Ortopedia, durante 3 horas, a coser um tipo que estava ali por via duma motosserra: ficou bem, mexia tudo, meses depois. Foi sorte. E foi arte. Não tenho dúvidas. Nunca tínhamos feito aquilo, mas não havia mais ninguém que fizesse. Decidir era fácil, portanto. Não era suposto mandar toda a gente de avião para Lisboa, percebem? Naquela altura não era. Eram outros tempos, chegava-se tarde a casa mas parecia tudo um sonho em que a gente crescia, todos os dias o mesmo sonho.

E havia os momentos de lazer, em que tudo se diluia nos sorrisos, nas cantigas, nas histórias. Esqueciámos as chamadas nocturnas à Unidade Coronária, de livro debaixo do braço, a ver se a confiança vinha connosco escada acima... era nos "quatrocentos", a Unidade, lembro-me bem. Casos difíceis para quem se apalpava, ainda, com o entusiasmo pueril de se descobrir e de ser útil, eficaz, certeiro, sem pensar que arriscava a pele e o futuro na assunção clara da sua voluntariosa ignorância.

Ao rever as imagens de mim, ainda sem nenhuma cã na "palha d'aço", reparei que me ria mais que hoje. E mais a despropósito. Reparei que tínhamos todos uma expressão de quem começa, de quem se testa, de quem está longe de casa mas em casa. A casa deve ser sempre o sítio onde nos sentimos como quem começa, ou recomeça. E é por nos sentirmos em casa que nos rimos, sem cuidar se o propósito é daqueles muito grandes ou, apenas, uma cócega só nossa.

Reparei que os meus filhos, que viram comigo o pai que eu, na altura, ainda não era, gostaram de me ver.

Do Veiga, da Teresa, do Rui, da Ana... de quase todos os outros, açorianos de graça ou por empréstimo, nunca mais soube. Nada, mesmo nada. Pecados de quem se afasta dos outros com a inocência estúpida de quem vai à vida pensando voltar. E nunca volta, só quando se lembra.

8.2.05

A mesa da cimeira

A mesa oval onde se sentaram Ariel Sharon e Mahmoud Abbas em Sharm el-Sheikh era demasiado larga para o aperto de mão da praxe. Ou - e como os pormenores nestes momentos cruciais da história raramente são deixados ao acaso - estava ali intencionalmente no meio dos dois, estorvando mais a imponente barriga de Sharon do que o equilíbrio do Abbas, como que ilustrando um acordo reservado. Como se ambos dissessem "acabamos com isto mas, atenção, estarei atento" um ao outro.

De resto, Sharon fez uma declaração hábil, afirmando que a Palestina tinha concordado em travar os actos violentos contra Israel e que Israel ia retirar as suas forças da Palestina. Isto foi, evidentemente, dito em hebraico, e eu só li as legendas; pareceu-me, seja como for, estar ali presente, ainda que subliminarmente, a conjunção "portanto" entre as duas afirmações. A declaração do Abbas, que falou primeiro, foi mais limpinha mas vale menos. O Hamas está de fora e já se apressou a dizê-lo.

7.2.05

Medidas* choque para acabar com as licenças de parto

1. Acabar com o direito à maternidade. Só poderiam engravidar (ou melhor, parir) as mulheres que não trabalhassem. Simples e fácil de implementar.

2. Acabar com as licenças de parto. É solução menos radical e fomentaria, até, a criação de novos postos de trabalho: as amas, que cuidariam dos recém-nascidos - e que, naturalmente, não teriam também licenças de parto, caso dessem à luz; o que geraria novos postos de trabalho. E assim sucessivamente. Além da vantagem de que a socialização seria muito mais uniforme: os meninos cresciam todos com os mesmos exactos desejos e aspirações. A caminho, portanto, de uma sociedade sem classes.

3. Acabar com a gestão empresarial. Porque os recursos são escassos, não podem as empresas contratar substitutos das mulheres que se encontram em licença de parto, obrigando, por isso, os outros trabalhadores a trabalhar mais e mais horas. Ferindo, assim, as liberdades fundamentais conquistadas com o binteçincodabrile.

4. Acabar com as liberdades. Acabar com a democracia. Acabar com o liberalismo. Dessa forma, não seria necessário, sequer, proibir a maternidade. Muito pelo contrário: a maternidade seria colocada ao serviço do interesse comum. Na China, ao que se sabe, essas medidas têm corrido muito bem.

*Ou objectivos, para quem conhecer o programa do PS.

6.2.05

De vez, mesmo!

Eu devia era ter criado uma empresa e contratar Manuel, Pedro, Rui e Aparício.
Sónia e Rafaela estariam em casa, sossegadas, desovando e criando lentamente os filhos de Aparício (que isto da vida real pode ser complicado). Rui suicidar-se-ia, ou mataria Aparício, eventualmente. E iria preso por homicídio passional. Eu faliria novamente? Não sei. Podia ser que ninguém descobrisse nada.
Ou podia ser, mesmo, que Sónia e Rafaela desovassem os filhos de alguém que não trabalhasse na minha empresa. Não se esqueçam que era uma empresa pequenina e há no mundo muita gente. Isto bate certo. Canta, Dina.

Para acabar de vez com a razão

Aqui há uns tempos criei uma empresa. Pequena. Contratei Manuel, Pedro, Sónia e Rafaela. Paguei-lhes bem. Ao fim de 1 ano, Sónia e Rafaela decidiram engravidar. Claro que não foi uma da outra, parvos. Foi o costume, pronto.

Ora, hoje em dia, as gravidezes são muito complicadas, de maneira que estive sem a Sónia e a Rafaela durante sete meses: três meses porque tinham de preservar a cria, quatro meses porque tiveram de a amamentar. Entretanto, Manuel e Pedro trabalharam por quatro. Resmungaram. Mas a coisa passou. Ganharam horas extraordinárias, o que lhes agradou, mas me ficou mais caro. Não protestei: eu sou justo, acredito em direitos. Eles é que andavam cansados. E não pude contratar mais ninguém, porque a minha empresa era uma espécie de S.A., ninguém queria...

No ano seguinte, a mesma coisa: Sónia e Rafaela, verdadeiras artistas do ovário, engravidaram de novo. E foram mais sete meses de ausência. Manuel despediu-se e Pedro meteu baixa. Fali. Tornei-me assalariado, mas nem isso me fez engravidar. Que era o que desejava, ardentemente...
No entanto, isto já vai há alguns anos, as crianças crescem saudavelmente. E Sónia e Rafaela estão grávidas novamente. Sete filhos, quarenta e nove meses de direitos. Cada uma!

Estou receptivo, Manuel Monteiro. Insiste. Temos aqui um pequeno foco de resistência, mas partiu uma unha. Não vai dar luta.

As enxaquecas são nossas amigas

O besugo, que gosta de se afirmar anti-fascista, falou ali em baixo sobre as mulheres que têm licenças de parto e enxaquecas. Com o sentido prático que lhe é próprio, defende, por isso, que mais valia ficarem em casa.

Ora. Mas que generalização intolerável. O besugo esquece-se que, ainda hoje, no auge do pós-modernismo das reivindicações feministas, ainda há profissões que são exclusivamente exercidas por mulheres. Coisas que só as gajas fazem, enfim: tricot, crochet, bordados, costura, docinhos e outros lavores. Profissões socialmente úteis e imprescindíveis. E para as quais nenhum homem teria habilidade. Quem te coseria uma baínha, ó besugo, se nenhuma mulher trabalhasse? Quem te passajaria as meias, se todas as mulheres reclamassem o direito à enxaqueca?

Bom. Isto é assim, é a ordem natural das coisas. E note-se: assim como há profissões essencialmente femininas, também as há essencialmente masculinas: trolha, sapateiro, canalizador, lixeiro, maqueiro, enfim, todas aquelas que não envolvem mais do que força braçal. Alguém tem de as exercer, pois! E nenhuma mulher está para isso.

(Custa-me a escrever, hoje; parti uma unha, o que me obriga a escrever com o anelar, em face da incapacidade temporária do indicador. Amanhã de manhã, lá terei de telefonar para o trabalho, recorrendo à enxaqueca.)

Liberdade quê?

Uma nação liberta-se de tudo, Lolita. Mas é mais difícil libertar-se daquilo que tu chamas "stress pós-traumático da opressão" quando é obrigada a observar, na rua e em casa, as caras de alguns neo-liberais que deram, ultimamente, em liderar partidos. Refiro-me a Portas e a Santana. E a Barroso, antes deste último. E mesmo a Sócrates. Andam aí os novos opressores, os opressores "vodafone/europa/calem-se que fala a europa". Portas também, sim, Portas, sim, não me façam rir, sim, definitivamente sim.
Não que Cavaco fosse um homem especialmente belo e cândido, não que Freitas fosse um portento de elegância e bonomia. Soares era, até, o bochechas, e Cunhal era um asceta antigo, anguloso na sua geometria ideológica circular.
E, no entanto, havia ali mais luz. E é com luz que se vencem os traumas. Não é com reflexos de meia lua chocha em lameiros húmidos de micose.
Sá Carneiro morreu cedo, não falo dele de propósito, mas estaria nesta galeria velha de quem tem brilho próprio. Antes que venhas aí de clava em punho.

Para quem não tenha visto...

... aconselho muito vivamente que procure nos noticiários pela noite adentro da SIC notícias: o Portas, no comício do Palácio de Cristal (que estava, disse a repórter, quase cheio!), embriagado com o delírio do pobo portuense a cantar o hino do partido, com o seu fatinho e gravata aprumados, dando um pequeno saltito de excitação. Uau.

Fora da boca de cena, estavam o Pires de Lima de braços cruzados à bodyguard, o Lobo Xavier com o paletó cor de mel e o pequeno Álvaro. Todos satisfeitos. Afinal, o povo preferiu o Palácio de Cristal ao jogo no Dragão.

Ainda estive a ver se saltavam também, mas não. Mas estarei atenta, nos próximos comícios. Sobretudo se calhar iniciarem-se, por exemplo, à mesma hora de um corso carnavalesco.

A democracia menor

Mais de trinta anos depois, ainda é corrente encontrar slogans informativos sobre eleições em que se menciona a palavra "liberdade" associada ao direito de voto. Não é, evidentemente, a associação que é estranha; o que é estranho é que ainda se exprima assim o direito ao sufrágio, como se ainda se sofra do stress pós-traumático da opressão. Quanto tempo demora, afinal, uma nação a desabituar-se das sequelas anti-democráticas?

Primarismos de besugo

Vi retalhos da campanha, na televisão. Os tempos de antena.

Manuel Monteiro ganhou, hoje: tem, para já, a melhor música. É da Dina, aparentemente. Dina parece ter escolhido a (pequena) parte de jeito que sobrou do CDS-PP. Não me choca que se fale das mães que escolhem ficar em casa, desde que sejam senhoras lavadas como as que apareceram no tempo de antena. Aliás, em breve, tenciono demonstrar que o lugar das mulheres não é em casa, evidentemente, mas, em sendo, haveria vantagens. Haveria menos licenças de parto e enxaquecas. Hoje não digo mais que isto, que o Sporting perdeu. E para não levar, também, muita pancada.

O tempo do Bloco de Esquerda foi giro. Engraçados os "gags" antigos de Vasco Santana, um Santana de jeito a gozar com o que agora temos aí.

Portas comoveu-se e quase chorincava. É diferente de chorar, chorincar. Chorincar é aquilo que humedece os olhos dos falsos antes do próximo riso de sacana que os iluminará.

Do PS não vi nada. Mas hão-de ser tempos de antena em que se prometa que Correia de Campos não será ministro da saúde, enfim, todas aquelas outras coisas que eu estou, ainda, à espera de ouvir. Espero mais dez dias, se for preciso. Mas, mais que isso, não. Não é muito importante para mim votar em quem vai formar governo, sabem? Sou do Sporting em tudo, merda!
Desculpem. Já passa.

Posse de bola

O que é que aconteceu ao Sporting, hoje, na Madeira? Querem mesmo saber? Eu explico, para quem não viu o jogo.
Bom, a bem dizer, foi o costume. Foi aquilo que costuma acontecer-lhe, na Madeira e em outras regiões do país, sejam elas mais ou menos autónomas, quando não joga aquilo que vulgarmente se chama "a ponta dum corno". Levou três secos e arrastou-se, entretanto, por ali.

Teve mais posse de bola e tudo, como costuma gostar o Peseiro. Mas isso, mais posse de bola, temos sempre. E já perdemos um porradão de jogos ganhando o "campeonato particular da posse de bola".

Ora pensemos.

O Peseiro tem razão, seguramente, com isto da posse de bola. O Eduardinho também acha, o que afiança Peseiro. Aliás, isto é fácil de perceber, é um raciocínio peregrino: se nós temos a bola, não a têm os outros. Excelente!
Mas, então, perante a nossa recente eficácia atacante, demonstrada com o Setúbal e o Marítimo, é bom que treinemos mais e melhor essa coisa da posse de bola! Para quê? Para ganharmos 100% a zero em posse de bola e, talvez, se tudo correr bem, empatarmos a zero nisso dos golos. Sim, se tudo correr bem, que pode sempre haver um auto-golo, no meio de tanta posse de bola! É preciso pensar nessa possibilidade!

Claro, o jogo correu mal, isto é cristalino de verdadeiro. Mas... logo três secos com o Marítimo? Caspité! (ao tempo que não usava esta interjeição, é preciso enervar-me com a minha lagartada para libertar o léxico!) .
Nem eu, que sou o besugo, "craque da bola explicada", consigo explicar esta cabazada doutra maneira que não seja com um veemente "é preciso melhorarmos a posse de bola". Desculpem, não consigo. É que não consigo! E estou a tentar desde que levámos o terceiro golo, já a jogar só contra dez, ainda antes do jantar.

Estou convencido que no próximo jogo, talvez, além da posse de bola, Eduardinho e Peseiro consigam explicar aos jogadores o que fazer com ela (com a bola), enquanto a têm na sua posse. Mas, realmente, como é contra o Rio Ave, talvez não seja boa altura para experiências. Talvez seja melhor tentarmos atingir o nirvana dos 100% a zero, em posse de bola, e esperar que nada corra demasiado mal, entretanto...

Esgrima de besugo

Debater é esgrimir.
Quanto ao debate, aos debates em geral, depois de ler mais de quarenta textos sobre o mesmo assunto, digo isto: debates televisionados, sujeitos às regras do tempo, fazem-nos perder a dimensão humana dos intervenientes. Tornam-se debates limitados, na prática, posteriormente, às análises de estilistas, que consideram melhor a gravata terra de Sócrates, enfeitando fato preto ou cinza escuro, ou a azul de Santana, consensualmente (para os estilistas da política) mais "de estadista".

Debater é debater. Misturar as vozes, elevá-las e baixá-las consoante o ritmo da conversa, arregaçar os argumentos, alindar feiuras, tentar apoucar belezas, procurar a contradição do momento na discussão das contradições que, já se sabe, cada um de nós (e podíamos ser nós a debater) leva, já prontinhas, para o debate. Um debate é um jogo de olhos, posturas e palavras. Um confronto de personalidades, muito mais que de políticas. As políticas estão nos programas, basta ler, analisar, debatemos nós.
Para que são precisos debates entre líderes, nesse caso? Para nada. E é por não serem precisos para nada que eu gosto deles. Mas sem "formato" politicamente correcto. Um debate público, para ter interesse, pode comparar-se a um combate de boxe, mas não pode ter a aparência duma palhaçada ao estilo do "wrestling". Nunca decidi um voto meu (tenho só um) após ver debates. Do que gosto é de assistir à maneira como esgrime o meu eleito.
E não somos todos assim, excepto os azedos jornalistas de necrotério que agora temos? Com raras excepções, já mal sorriem. São abruptos, malcriados. Exercitam-se na demonstração da sua falta de respeito por quem entrevistam, como se se limitassem a convidar pessoas a falar para, depois, lhes cairem em cima, do alto da sua convicção de pureza intrínseca e inerente, com um "ah! apanhei-te aqui!". Bacocos amestrados, protagonistas da mulher, da amante e da porteira. Ou do puto do ginásio.

Os debates devem ser exercícios de linguagem, de argumentos, de posturas. Mas devem cumprir a sua principal missão: a do folclore. Se os debates entre pessoas (neste caso políticos, candidatos a primeiros-ministros de Portugal - evitem ler isto com sotaque de Trepa, senão sai mal...) fossem, mesmo, para discutir os problemas da Nação, não precisavam de ser televisionados. A maior parte das pessoas vê aquilo como quem vê um Benfica - Porto: já decidiu por quem está.

Os debates são o folclore mais engraçado das campanhas. São, como veículos de formação da opinião, como canais de informação, perfeitamente dispiciendos. Como o resto das campanhas, a menos que se reconheça validade intelectual e formativa à actividade de beijar peixeiras ou crianças ranhosas, na rua. Mas servem, lindamente, para, quem já escolheu, analisar a competência argumentativa do "seu" candidato.

Para haver debates, a ter de os haver, que sejam abertos no tempo, sem luzinhas, verdes ou vermelhas, sem jornalistas circunspectos a canalizar e a ba(na)lizar os temas. Um debate, já que demonstrei ser dispiciendo em termos de modificar a opinião de quem quer que seja, pelo menos por motivos que tenham a ver com o próprio debate, que seja, ao menos, bonito. Que seja aberto. Que seja uma esgrima de palavras e conceitos (que até podem e devem ser demagógicos, mas bem construídos, de forma a proporcionarem a quem os escuta algum gozo intelectual) moderada por alguém, um ou dois jornalistas, eventualmente. Mas moderada. Não condicionada.

Um jornalista que pensa que faz a Sócrates ou Santana as perguntas que eu quero ver por eles respondidas, está enganado: eu quero ouvi-los falar desalmada e ininterruptamente sobre o que entenderem, ou a mostrarem-se incapazes de o fazer. E, nesse caso, eu digo "merda, pateada! imbecil!".
As perguntas sérias estão respondidas nos programas, nos papéis, na internet. E eu sei ler, vou lá e leio, escuso disto.

Os outros gozos da nossa vida a gente procura-os e encontra-os. Ou não.
Agora, debates assim, com temática e cronometragem "tão" estipuladas previamente, são como punhetas interrompidas, aos quinze anos, pela voz da mãe que nos chama para o jantar: queremos nós lá saber, naquela altura, das batatas... mas chegou a hora delas, nós já sabíamos, lavemos as mãos em boa ordem.

3.2.05

Sentir de noite, o que é?

A Luisinha sente-se doente.
Não vos contei, ainda. Mas a Luisinha é irmã daquele meu amigo velho que morreu inteiro, depois de ter recusado tentar viver sem uma perna... e cego.
O que me deixou música bonita, Brahms e Bach incluídos na beleza. Eu, em tempos escrevi sobre isto. E não vem ao caso escrever sempre sobre o mesmo, embora eu tenha dificuldade em cumprir estes processos de intenção que me são impostos pelo torpe pudor de me repetir. No fundo, não tenho medo de me repetir. Quem se repete, ou é estúpido, ou está marcado pelo que repete. E a escolha do que pensam de mim não é, sequer, minha.

Considerem isto um "encore". Há quem nasça para "encores", mesmo sem ter feito nada para os merecer. É o meu caso. Mas não é o caso da Luisinha, nem do Zé, o irmão que nos morreu.

A Luisinha anda a cair muito. Desequilibra-se, cai. Magoa-se. Aos setenta anos deixou (tristeza grande) de se equilibrar em saltos altos, alturas de que sempre gostou, desde que me lembro. Eu, que nasci quando ela já era da idade do meu Pai.
Não come quase nada, tem dores, emagreceu. Mingou-se toda no que ainda não se sabe que tem.
Mas está doente. De certeza.
Começou assim depois da morte do irmão. Aliás, já antes disso: no desvelo contínuo por ele, que a foi consumindo. Mas piorou, agora. Convalesceu da morte dele no agravamento de si.

Ontem entrou-me pela porta da lembrança, no seu pequeno ruído de quem bate com os pés pequenos, o ruído dorido de quem se sente mal e só. Não sei se vou poder ajudá-la mais do que isto: tentar perceber o que ela tem, além duma tristeza funda que não é doença. Isso são as marcas do desencanto.

Mas ela tem mais qualquer coisa que a há-de levar de mim. E a mim dela. Isto fode-me a ignorância, por enquanto, mas há-de acabar por foder-me outra pequena parte da vida.

Se eu mandasse

Ei-lo que chegou e que já se foi, o debate.
Boa viagem.
Um debate generalista submetido ao formato do cronómetro (o novo justiceiro, tic-tac) não chega a ser um debate. São dois monólogos em onda curta.
Uma pessoa que tiver conseguido decidir, esta noite, depois da iluminação fornecida por Sócrates, Santana e Senhores Jornalistas S.A., em quem votar nas próximas legislativas... tem o meu aplauso.
E aplaudo o felizardo pelo seguinte. Porque está, por enquanto, safo da "lei número 1 de besugo, quando besugo, um dia, mandar": "quem, depois dum debate cronometrado, condicionado e apressado, conseguir dizer que decidiu, logo ali, o seu voto está, obviamente, impedido de votar".
E será uma lei para todo o sempre.

Sócrates & Santana

Unem-nos o calculismo e a ambição. Nenhum deles é emotivo: Sócrates tem a mesma expressividade corporal do coelho da Duracell e Santana Lopes não consegue disfarçar aquele olhar furtivo, próprio de quem é capaz de vender a própria mãe ao quilo.

Na postura, são inteiramente distintos. Sócrates estuda a lição a fundo e nunca é apanhado em falso. É como um bom aluno, daqueles que decoram tudo para compensar a falta de dotes. Nos antípodas, Santana atira à sorte, joga a fortuna. É inconsequente e impreciso. Ainda hoje penso como foi possível que alguém que cultiva um nível de discurso próprio de um dirigente desportivo pôde chegar a ser primeiro-ministro. Nós somos europeus, caramba. Mas, enfim, Berlusconi também é.

E não nos lamentemos: só num país economicamente desafogado e socialmente exigente seria possível ver dois candidatos a governantes a discutir a biodiversidade e a manipulação genética num debate pré-eleitoral que durou menos de uma hora e no qual os temas saúde e justiça, só para dar dois exemplos, nem sequer foram abordados.

Excerto de um blogue corajoso

Não seria melhor dividir os partidos em três divisões, isto é, os três do arco democrático (PSD-PS-CDS); os dois do arco comunista/totalitário, e os restantes que pedem para que os jornalistas lhes façam perguntas, para ver se aparecem?

Trata-se de uma original distinção do mapa partidário baseada nas festas populares. Omite-se, talvez involuntariamente, o arco dos "restantes", mas a verdade é que todos sabemos que esses não marcham. Por outro lado, é importante notar que, no arco democrático, é o CDS que segura o balão.

2.2.05

A cartilha

No pior sentido possível, foi, dos três, o Portas que mais dificultou a tarefa à Judite de Sousa. Ensaiado previamente para dar não respostas (a sua especialidade retórica), apostou na desconstrução sistemática das perguntas e dos conceitos. Com sucesso: não respondeu a rigorosamente nada do que lhe foi perguntado e usou, até ao limite do patético, o argumento de que "não é comentador dos outros líderes políticos" sempre que qualquer resposta possível lhe fosse incómoda. Parecia inseguro e desconcentrado, no início. Pausas a mais, para quem nos habituou àquele discurso redondo e sinuoso dos compromissos honrados, dos parceiros fiéis e dos ministros excelentes, com as reticências da comparação subliminar com a escalada de asneiras do tal parceiro a quem é fiel. Com o evoluir da conversa, recuperou o sangue frio e acabou por oferecer a quem viu o show cacarejante, de olhos fixos e gesticular exuberante, do democrata-cristão que defende a iniciativa privada sem nunca esquecer a promoção da solidariedade social.

A dada altura, defendeu a certificação dos manuais escolares e a possibilidade do seu reaproveitamento pelas famílias. "Eu herdei os livros do meu irmão!", disse. Talvez, mas duvido. Parece-me mais provável que tenha aceite ficar com eles em troca de uma pasta num possível, embora remoto, futuro governo.

Reparei no corte de cabelo, a ver se era tipo "risca cada vez mais abaixo, a ver se tapa", como notou o besugo. Mas não, o problema não é com a risca, que hesita, aliás, em decidir-se a ir de uma vez para o meio, à Richard Clayderman. O problema é que a testa do Portas está a crescer muito.

Estar aqui



"First Youth". Oiçam. Acalma e seduz-nos, a beleza dos sons leves. Sequências perfeitas de infantis, o acompanhamento em baixo a pedir que se vá "lá acima".
A beleza é, geralmente, fácil. É que a beleza realiza-se quando consegue espalhar-se, como pó de estrelas, sem se impor com o estrondo de trombetas e o espavento de grinaldas. À noite, então, é cansativo escutar tronitruares de bigornas e de bombos. Festas juninas são dos outros.

Oiçam. Começa com uma toada de xilofones, como se fossem girassóis. Depois, a flauta e as cordas, enternecem. Uma harmonia de canção de embalar em construção desliza ali. A seguir, faz-se uma pausa e o piano amadurece-nos. Em crescendo, com os metais a gemer, o dia sobe. Há sol, há calor e dádiva. Já não há "first", já não há "youth". Há a reciprocidade enleante da melodia que celebra a vida no seu estado de caminho, andando sempre, sempre a tentar dançar a toada que nos vão dando.
Depois, desaparece baixinho, depressa, como quem se apaga, mas sem ser depressa demais. Sem ressentimentos, sem apoteose. Não troveja nunca.
Uma pequena melodia, sem ser pequena demais, é uma melodia que pode ter o tamanho certo.
Devia ser sempre assim, sem sobressaltos.
A fotografia é da Lolita. Mas ela deixa-me usar os olhos dela enquanto gasto os meus ouvidos, aqui, no meu sossego.

Rituais com rictus

Ontem, ou anteontem, já não me lembro, Paulo Portas foi visitar templos de religiões diferentes da que apregoa gostar mais, sempre com aquele ar de quem coloca a mão no amplo e enfisematoso peito.

Num deles descalçou-se (e ficou de meias, naquela pose de estado típica, peúga e gravata), noutro colocou um pequeno barrete (e ficou, suponho, calçadote) no alto da fervilhante mioleira.

Gostei de ver. Fica ridículo de qualquer maneira, mas pareceu-me, ao longe, um expoente da tolerância. O corte de cabelo, assim tipo "risca cada vez mais abaixo, a ver se tapa" é que não ajuda.

Aquilo vai ao sítio com gel. Ou com tesoura. Ou, em se falando de toucinhos, com banha de porco.

Ponto final.

Este blogue, por minha culpa e dum erro de julgamento de que me penitencio (mas também não posso dizer que me surpreenda muito, eu erro, eu sei), esqueceu-se de ser um blog caliente e passou a dedicar-se, quase só, pela parte que me tem tocado, aos problemas do frio. E a inerências.

Já chega. É tempo de fechar a porta a quem saiu e a deixou aberta. A quem nunca devia, sequer, ter aqui entrado.

Sou muito dado à emoção e muito pouco penetrável às ameaças e ao medo físico. Sou assim. Fui sempre assim. Se um dia levar nos cornos, é a vida. Se um dia der mais do que levei, a vida é.

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Hoje morreu Canto e Castro. O meu filho chorou, porque eu disse que gostava de viver até aos setenta e cinco anos. E ele acha que quer chegar à minha idade comigo ainda vivo.
É puto. E joga andebol. Já falei aqui dele. Tenho outro, falo noutro dia.

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