Sentir de noite, o que é?
A Luisinha sente-se doente.Não vos contei, ainda. Mas a Luisinha é irmã daquele meu amigo velho que morreu inteiro, depois de ter recusado tentar viver sem uma perna... e cego.
O que me deixou música bonita, Brahms e Bach incluídos na beleza. Eu, em tempos escrevi sobre isto. E não vem ao caso escrever sempre sobre o mesmo, embora eu tenha dificuldade em cumprir estes processos de intenção que me são impostos pelo torpe pudor de me repetir. No fundo, não tenho medo de me repetir. Quem se repete, ou é estúpido, ou está marcado pelo que repete. E a escolha do que pensam de mim não é, sequer, minha.
Considerem isto um "encore". Há quem nasça para "encores", mesmo sem ter feito nada para os merecer. É o meu caso. Mas não é o caso da Luisinha, nem do Zé, o irmão que nos morreu.
A Luisinha anda a cair muito. Desequilibra-se, cai. Magoa-se. Aos setenta anos deixou (tristeza grande) de se equilibrar em saltos altos, alturas de que sempre gostou, desde que me lembro. Eu, que nasci quando ela já era da idade do meu Pai.
Não come quase nada, tem dores, emagreceu. Mingou-se toda no que ainda não se sabe que tem.
Mas está doente. De certeza.
Começou assim depois da morte do irmão. Aliás, já antes disso: no desvelo contínuo por ele, que a foi consumindo. Mas piorou, agora. Convalesceu da morte dele no agravamento de si.
Ontem entrou-me pela porta da lembrança, no seu pequeno ruído de quem bate com os pés pequenos, o ruído dorido de quem se sente mal e só. Não sei se vou poder ajudá-la mais do que isto: tentar perceber o que ela tem, além duma tristeza funda que não é doença. Isso são as marcas do desencanto.
Mas ela tem mais qualquer coisa que a há-de levar de mim. E a mim dela. Isto fode-me a ignorância, por enquanto, mas há-de acabar por foder-me outra pequena parte da vida.
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