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1.2.05

Questões sérias e uma diatribe sem importância

A culpa de haver muitos doentes velhos a chegarem ao SU não é da VMER. Nem do INEM. Muito menos, às tantas, dos doentes velhos. Mas, de facto, a utilidade da VMER esgota-se naquilo em que foi programada para se esgotar: num melhor e mais adequado transporte de doentes. Isto não é amaldiçoar a VMER. É ser realista. Foi o que eu disse aqui, há uns dias.

Uma vez transportado, o doente chega. É normal.
O que se passa é que chegam muitos doentes, muitos velhos e alguns mais novos, às urgências hospitalares. Com indicação para internamento, quase todos. Em alturas de crise isto nota-se mais. Chegam mais. Melhor transportados, alguns, o que é muito bom, mas chegam às medas, na mesma. O que é bom, note-se, bem melhor que não chegarem. Mas perturba muito, quando a chegada deles é massiva.
Perturba porquê? Isto é como uma auto-estrada que permite chegar melhor e mais depressa ao engarrafamento: chegou-se lá depressa e, já em fila indiana, em ponto morto, toca a buzinar. Porque parece que somos tantos que ninguém nos ouve se não for assim.

"Faz falta uma triagem de prioridades"!

Claro. Isto dito de alto soa a fanfarra clarividente. Mas a clarividência não é, por definição, um apanágio da fanfarra. Claro que é importante sabermos quem tem absoluta urgência em passar primeiro a portagem. Os que têm mais pressa, leia-se "os mais graves", primeiro. Eu sei disto, isto é uma verdade que se não discute, em absoluto. O problema é "depois da portagem". Porque continuam a passar os mesmos, os mesmos muitos, por ordem diferente, por uma melhor ordem, mas continuam a passar. E a parar e a buzinar a sua razão. É para isso que lá vão, ora bolas! Direito deles, ninguém o discute em seu perfeito juízo.

O que se discute, e há-de discutir-se sempre, é a questão dos planos rápidos e decisivos elaborados para ocasiões de crise. E não se responde a uma crise com soluções padrão, daquelas pensadas para a normalidade. É com soluções de excepção que se responde à crise de excepção. E se a crise se revelar cíclica, as soluções de excepção devem ser padronizadas. Porque a crise deixou de ser excepcional e assumiu o seu estatuto de previsibilidade.

Isto é um bocadinho como os incêndios e como o problema do Benfica.

O director clínico voltou a ser positivo na resposta que deu. Registo e aplaudo, e ele nem sequer me lê. Nem sabe quem sou. Mas há quem saiba, porque houve quem saísse daqui a bater com as portas e aos gritinhos guturais. E, houve, pelos vistos, quem não gostasse do que eu digo. "Sempre a Medicina Interna, esses bois! Têm as enfermarias cheias de velhos e não lhes dão alta! Estão a morrer, estão mal? Isto é um hospital de agudos!". Dizem os obtusos.

Mas eu gostei do que ele fez. Não foi obtuso. Foi agudo. Impunha-se, fez-se. É que os doentes estão lá, são muitos, e alguns deles, ó ironia da psitacose!, passados pela Cirurgia. É o destino de quem se atreve a não ter um ventre agudo... ser passado à Medicina.

Bom, eu escusava era de ter ouvido calado, hoje, piadinhas de corredor, diats em voz alta. Mandadas por emissário identificado que se cuida a salvo da sua ignomínia. Fiquei surpreendido, um bocadinho. Mas calmo. Não tenho medo de araras nervosas que decoram e reproduzem, enervadas, discursos mal digeridos e mal passados de passarões sentados, fingindo calma, na sua frágil cadeirinha de prosápia. Não tenho mesmo. Nem de passarões, nem de passarinhos. Sobretudo de passarões com a cauda presa: é um bater de asinhas que faz pouca brisa, entre ventos gélidos.

Aos malcriados responderei quando me destratarem sem bata e, é ponto assente, fora do serviço. Já ia perdendo a cabeça uma vez, de bata, e não a quero perder vez nenhuma: à conta de franganário tonto e ambicioso andar a foder a minha consciência e a minha vida? Era o que faltava!

O tempo e a atitude activa de quem sabe o que se passa há-de fazer justiça a quem a merece. É isso. Apenas isso. Eu disse atitude activa, não disse mexer muito. Excepto os olhos.

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