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6.2.05

Esgrima de besugo

Debater é esgrimir.
Quanto ao debate, aos debates em geral, depois de ler mais de quarenta textos sobre o mesmo assunto, digo isto: debates televisionados, sujeitos às regras do tempo, fazem-nos perder a dimensão humana dos intervenientes. Tornam-se debates limitados, na prática, posteriormente, às análises de estilistas, que consideram melhor a gravata terra de Sócrates, enfeitando fato preto ou cinza escuro, ou a azul de Santana, consensualmente (para os estilistas da política) mais "de estadista".

Debater é debater. Misturar as vozes, elevá-las e baixá-las consoante o ritmo da conversa, arregaçar os argumentos, alindar feiuras, tentar apoucar belezas, procurar a contradição do momento na discussão das contradições que, já se sabe, cada um de nós (e podíamos ser nós a debater) leva, já prontinhas, para o debate. Um debate é um jogo de olhos, posturas e palavras. Um confronto de personalidades, muito mais que de políticas. As políticas estão nos programas, basta ler, analisar, debatemos nós.
Para que são precisos debates entre líderes, nesse caso? Para nada. E é por não serem precisos para nada que eu gosto deles. Mas sem "formato" politicamente correcto. Um debate público, para ter interesse, pode comparar-se a um combate de boxe, mas não pode ter a aparência duma palhaçada ao estilo do "wrestling". Nunca decidi um voto meu (tenho só um) após ver debates. Do que gosto é de assistir à maneira como esgrime o meu eleito.
E não somos todos assim, excepto os azedos jornalistas de necrotério que agora temos? Com raras excepções, já mal sorriem. São abruptos, malcriados. Exercitam-se na demonstração da sua falta de respeito por quem entrevistam, como se se limitassem a convidar pessoas a falar para, depois, lhes cairem em cima, do alto da sua convicção de pureza intrínseca e inerente, com um "ah! apanhei-te aqui!". Bacocos amestrados, protagonistas da mulher, da amante e da porteira. Ou do puto do ginásio.

Os debates devem ser exercícios de linguagem, de argumentos, de posturas. Mas devem cumprir a sua principal missão: a do folclore. Se os debates entre pessoas (neste caso políticos, candidatos a primeiros-ministros de Portugal - evitem ler isto com sotaque de Trepa, senão sai mal...) fossem, mesmo, para discutir os problemas da Nação, não precisavam de ser televisionados. A maior parte das pessoas vê aquilo como quem vê um Benfica - Porto: já decidiu por quem está.

Os debates são o folclore mais engraçado das campanhas. São, como veículos de formação da opinião, como canais de informação, perfeitamente dispiciendos. Como o resto das campanhas, a menos que se reconheça validade intelectual e formativa à actividade de beijar peixeiras ou crianças ranhosas, na rua. Mas servem, lindamente, para, quem já escolheu, analisar a competência argumentativa do "seu" candidato.

Para haver debates, a ter de os haver, que sejam abertos no tempo, sem luzinhas, verdes ou vermelhas, sem jornalistas circunspectos a canalizar e a ba(na)lizar os temas. Um debate, já que demonstrei ser dispiciendo em termos de modificar a opinião de quem quer que seja, pelo menos por motivos que tenham a ver com o próprio debate, que seja, ao menos, bonito. Que seja aberto. Que seja uma esgrima de palavras e conceitos (que até podem e devem ser demagógicos, mas bem construídos, de forma a proporcionarem a quem os escuta algum gozo intelectual) moderada por alguém, um ou dois jornalistas, eventualmente. Mas moderada. Não condicionada.

Um jornalista que pensa que faz a Sócrates ou Santana as perguntas que eu quero ver por eles respondidas, está enganado: eu quero ouvi-los falar desalmada e ininterruptamente sobre o que entenderem, ou a mostrarem-se incapazes de o fazer. E, nesse caso, eu digo "merda, pateada! imbecil!".
As perguntas sérias estão respondidas nos programas, nos papéis, na internet. E eu sei ler, vou lá e leio, escuso disto.

Os outros gozos da nossa vida a gente procura-os e encontra-os. Ou não.
Agora, debates assim, com temática e cronometragem "tão" estipuladas previamente, são como punhetas interrompidas, aos quinze anos, pela voz da mãe que nos chama para o jantar: queremos nós lá saber, naquela altura, das batatas... mas chegou a hora delas, nós já sabíamos, lavemos as mãos em boa ordem.

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