blog caliente.

31.8.04

A saga (2)

"Eu sou juíza, sou emotiva e, além disso, estou de turno. Estar de turno põe-me fresca e vicejante. Tudo o que passar pelo meu turno está sujeito ao crivo da minha emoção fresca e viçosa, até porque senão fico bués amorfa. Ora eu sou uma juiza de turno emotiva e detesto que me achem amorfa. Sou, também, muito interpretativa e pró-activa e assim outras coisas. Vai tudo dentro outra vez, que chatice. Julgamento para tantos de tal. A que horas saio? Sei lá! Que importa isso durante o meu turno? ".

O barco

A desastrosa patetice que significa a proibição da permanência do barco em águas territoriais portuguesas é tão evidente que não carece de comentários. Não chega, sequer, a ser repressiva: é apenas ridícula. É a forma suprema e mais desejável (porque abrevia a queda) de descredibilização do Portismo à qual me parece que nem quem é favorável à penalização do aborto e a defende de forma séria ficará indiferente.

Quanto ao barco: não me agradam reivindicações, manipulações ou demagogias que incitem ou motivem a prática de um acto tão profundamente íntimo e doloroso. Faz tanto sentido estimular a prática do aborto como defender as mutilações por motivos religiosos. É tão primário e fundamentalista colectivizar e politizar a prática do aborto como impor o uso da burqa. O aborto é matéria estrita de consciência individual, uma daquelas matérias em que o Estado deve manter-se no limiar mínimo da garantia de que, se uma cidadã o pratica, não só não será penalizada como lhe serão asseguradas todas as condições para que o possa praticar em segurança. Não me agradam histerias colectivas em torno de direitos que se exercem individualmente nem grupos feministas a defender causas não feministas.

O que quero dizer com isto é o seguinte: o Portas reagiu como se esperava. Os "radicais chic" de esquerda e os grupelhos feministas exultam e elevam-se em comunicados anti-repressão. Reagiram, também, como se esperava, pois. Reacende-se, uma vez mais, a questão da despenalização do aborto; um ano desses far-se-á um referendo em que toda a gente toma posição e dá a sua opinião sobre se a vizinha do lado tem ou não o direito de ir a uma clínica portuguesa em vez de procurar uma espanhola ou um barco que paira no limite das águas nacionais. Duvidoso é que um dia se perceba de forma definitiva de que, na verdade, não há opinião que legitime o exercício de um direito que só a quem o exerce diz respeito, mesmo que seja para afirmar convictamente que não o quer exercer. O barco, as holandesas cheias de boas intenções, as visitas ao barco, os comentários gastos e obsoletos parecem-me, assim, tão inúteis e bacocos como a proibição do ministro. Muda alguma coisa?

A saga (1)

- O barco vem mesmo aí (leia-se "mêmaí), senhor ministro!
- Eu sei. Eu sei lindamente, Patty (leia-se "eu sâi lidamênte, Pêti" ).
- Que se faz com ele?
- Não entra, não penetra, fica à entrada. Irra.
- Pobre querido (leia-se "criduuu")... Continua com os mesmos problemas, coitado!?...(leia-se "c'taduuu!?" )
- Tá parva? Em que anda você a pensar?
- Eu? Em nada, foi o Dr. Pedro que me disse...
- Eu falo do barco holandês, aquele barco horrendo, sua vaca! (leia-se "vàcaaaã!" ).
- Muuu. Tá bem. Vai falar aos jornalistas?
- Vou. (leia-se "vô" ).
- Então vai dizer às pessoas (leia-se "soas" ) que o barco não entra, é? (leia-se "ê?" )
- Vou. (leia-se, outra vez, "vô")
- Porquê?
- Basicamente porque eu não quero. (leia-se "quêruu" )
- Mas você tem quereres? Tem assim, sei lá, vontades?
- Tá estúpida?
- O Dr. Pedro é que diz isto, às vezes...
- O que eu digo é que Portugal (leia-se "Prtugal" ) é um estado de direito, tanto em terra como no mar. É toda uma vastidão que você daí não vê porque é uma parva! E eu sou o seu maior anfíbio.
- Pois olhe, não parece...
- Uma grande nação? Tá parva?
- Não, o senhor não é nada o meu maior anfíbio, o senhor parece (leia-se "parêce" ) mais uma pequena sereia...
- Acha? Jura? Bom... as sereias são anfíbias?
- Não sei, mas também não se sabe se são carne ou peixe...
- Ah! Filosofia! Gosto!

Flores

Olha, "N.": o nosso Sporting lá ganhou ao Gil Vicente, um bocadinho à rasca, mas ganhou. Tu já não viste o jogo, que já tinhas começado a morrer. Acabaste de morrer no dia seguinte, ontem, sem dores, que o teu filho contou-me. Sacana, tive eu de lhe telefonar a saber de ti, tanto lhe pedi que me fosse dizendo coisas e o tipo não disse nada, armado em médico antigo, o puto, "que não me queria incomodar no dia dos meus anos"... Mas teve, ao menos, a sabedoria de ir bater na porta certa e sancionar o que queria: aumentar-te a morfina que te sossegasse. Dormiste, dormiste, dormiste. Não há outra dignidade que seja maior que a tua, que a do teu filho e, já agora, que a do anjo que te deixei aqui, alerta. Para o teu filho poder bater a uma porta bonita, enquanto eu ia bronzear o estúpido lombo longe de ti e de mim.

Vai ser um bom internista, o teu filho, "N.". Tem o teu carácter de granito bruto, muito mais quartzo que "feldspato e mica". E é depositário fiel da tua revolta mansa, sossegada, de bravo. Ele não sabe que eu escrevo estas coisas aqui, nem nunca há-de saber, que eu não lhe digo. Descansa. Em paz, que eu não lhe digo.

Sabes? No dia 15 de Agosto, de manhã, fui ver a campa de Salgueiro Maia, em Castelo de Vide. Podes confirmar isso com ele, com o teu desditoso companheiro das abreviaturas da vida, aí onde estás agora, procura-o bem. Fui mesmo: vi uma campa rasa, cinzenta e descuidada, sossegada na sua discrição de tumba triste debaixo dum céu azul-ferrete, ensolarado. Cheirava lá bem, cheirava a terra, e havia ali um choro manso, cansado, uma tristeza de orfandades muito antigas que a Lolita ainda tentou alindar, rejuvenescer, ajeitando as flores artificiais e empoeiradas do tempo que lá estavam, caídas num cansaço sem nome.

Ela também não conseguiu, "N.". Não fui só eu. Acredita, não fui só eu, ela também tentou e não conseguiu, ela tentava e as flores caíam sempre, sempre, sempre...

25.8.04

Gulags

Estão com sorte. Restam-me 12 minutos para escrever, porque a lolita, depois de acabar a posta dela, avariou os computadores. Teve de vir o pessoal das composturas e o próprio Figo telefonou a saber lo que pasaba.
Limito-me, portanto, a verificar que os nossos miseráveis companheiros lá conseguiram escrever a fantástica quantidade de cinco-postas-cinco (!!!) na nossa ausência. Aproxima-se uma crise salarial, meus amigos, ides passar a ser pagos à pecinha que isto aqui não é a função pública. Antes fosse.

Evidentemente, se pudesse, se me deixassem, se não estivesse a ser ameaçado, escreveria sobre o Sporting, o Anderlecht, os Jogos Olímpicos, a Cinha Jardim, as cassettes, o Manuel Alegre, a entrevista do Oliver Stone ao Fidel Castro, a namorada do professor Marcelo, a toalha do Souto Moura (um amigo nosso tem uma igual, o que fará dele PGR num futuro próximo), o mar, as areias fininhas-como-o-raio-que-as-parta que se entranham em qualquer refego, o Boi-na-Brasa e suas araras e brasileiras dançantes, o Sporting, o Anderlecht e a lesão do Derlei.

Tá bem, já vou, tens a mania que és a dona desta m..........................?

Sete

Vim da praia e visitei o Cyber Café do Figo, o mais mediático de todo o Algarve, onde, ao verem o besugo chegar, pediram desculpa antes de acorrentarem os computadores.

Ontem resolvi não desperdiçar a possivel última noite de muito calor, acompanhada de vento oeste. É que dentro de pouco tempo estarei de novo no Norte. Como sou desconfiada por natureza, combati o sono e, apesar dos protestos, insisti em permanecer acordada até cambalear.

Chega. Só tenho uma hora de navegação e o besugo também quer falar... do Sporting, presumo. Ontem fizémos um ano de blogosfera. Obrigada ao Arcabuz e ao Blasfémias, que se lembraram disso. Hasta la vista.

23.8.04

Portugal!

Tenho seguido os Jogos Olímpicos (JO) de Atenas com alguma atenção, principalmente as competições onde entram atletas Portugueses.
Agradaram-me até agora as participações de alguns atletas, mesmo que não tenham conseguido medalhas.
Destaco, sem ordem de preferência, Francis Obikwelu, Naide Gomes, Sérgio Paulinho e Nuno Merino.
Do Francis Obikwelu eu já esperava esta prestação. Tem vontade! Defende as cores de um país que o acolheu com “trabalhos forçados” mas que lhe soube reconhecer as qualidades, a humildade e o querer! Força Francis Obikwelu… espero que nos 200 metros em Atenas nos possas brindar com a tua classe e força de vontade! Eu acredito!
De Naide Gomes reconheço que apostava numa melhor classificação. Até ao final do primeiro dia, a atleta, classificada em 4º lugar, mostrou estar bem. Mostrou aquilo a que nos habituou no Pentatlo. Sim, no Pentatlo! Em Atenas representou-nos no Heptatlo, vendo alargado o número de provas e sabendo-se que as que entraram não as domina. Esteve bem mesmo tendo em conta que se lesionou. Não desistiu! E viu-se bem o esgar de dor quando lançou pela última vez o dardo! Sei que pode fazer melhor, e ela, seguramente sabe-o, melhor que ninguém!
Sérgio Paulinho. O primeiro que nos deu alegrias nestes JO. Viu-se nos olhos dele quando recebeu a medalha que estavam todos ali com ele! Os pais… irmãos… namorada… “toda a família Portuguesa”! Ele e todos os dele merecem esta medalha. Uma família de ciclistas, de gente sofredora. Pois quem monta numa “bicla” sabe que custa... pedalamos 5 km a bom ritmo e sai tudo pela boca… Desejo-lhe as maiores felicidades (possivelmente na US Postal) e que continue a honrar as nossas cores. Força Sérgio!
Do “miúdo” Nuno Merino, desconhecido para mim, retive uma expressão que acho que tocou a todos que o viram. Os olhos a brilharem antes de executar, fenomenalmente bem, os seus dez saltos na final de trampolins. Simplesmente fantástico! Entusiasmou-me a mim e penso que a todos quantos assistiram à final. Digo-vos, sinceramente, depois de o ver pensei nas medalhas. Admito! E se não fossem as pontuações bastante inflacionadas atribuídas a Henrik Stehlik, Alemão, Dimitri Polyarush, Bielorusso e Alexander Russakov, Russo, o nosso Nuno tinha ficado em terceiro lugar. Acreditem no que vos digo. Revejam a final e depois tirem as conclusões que entenderem. Chegarão possivelmente às mesmas que eu. Para o Nuno Merino tudo de bom. Que termine o seu curso e que nos brinde com a sua presença ao mais alto nível, quer seja nos Europeus, Mundiais ou nos JO.
Alguns atletas confirmaram os meus receios... Obtiveram prestações menos boas, mas já deram provas que podem fazer muito melhor.
A dupla Miguel Maia / João Brenha é um destes casos. Maia “rodou” pelo campeonato nacional de voleibol, efectuou alguns torneios de voleibol de praia com outro parceiro que não Brenha e apresentou-se em Atenas nitidamente desmotivado. Brenha esteve lesionado e não conseguiu recuperar nem 80% das suas capacidades. Não foi bom e eu já esperava, dadas as circunstâncias. Sei que podem fazer melhor pois já o demonstraram.
Outro caso foi o Nuno Delgado, medalhado nos anteriores JO, mas que não esteve em forma nestes de Atenas. A lesão teima em dar sinais sempre que o atleta está em competição (até mesmo nos treinos), mas já nos deu alegrias e estou certo que ainda vai dar!
A maior confirmação de fracasso foi a da nossa selecção olímpica de futebol. Deu razão ao que eu já pensava sobre ela. Um treinador limitado técnica e tacticamente, sem qualquer domínio sobre os jogadores e incapaz de os meter na ordem. Alguns jogadores indisciplinados e sem o mínimo sentido de responsabilidade, protegidos por uma federação que não sabe o que fazer para os “acalmar”.
Não me vou alongar sobre esta selecção de futebol (até porque a prestação da selecção olímpica não o merece…) mas deixo aqui um desabafo muito meu: só devem ir às Selecções Nacionais se quiserem honrar, respeitar e dignificar Portugal. Não queremos gente contrariada e muito menos clubes, treinadores e dirigentes desportivos a arranjarem falsas lesões ou argumentos estúpidos para a tão abençoada dispensa dos seus atletas. Se não querem ir não ponham lá os pés e vão, como disse alguém há um tempo atrás e muito bem, “tomar no cú”! Triste figura fizeram e que mal representaram Portugal.


P.S. – Para os atletas Portugueses ainda em competição nos JO as maiores felicidades. Espero vir aqui escrever sobre eles… mais coisas alegres!

20.8.04

Sting ( precedido de algumas ideias soltas)

1) Pouco antes de ir de férias, a inestimável lolita insinuou que eu vivo no passado. E deduz-se do que ela escreveu que, no que lhe respeita, ela já está no pós-modernismo da política, algures para além da esquerda, da direita e do centro. Faz lembrar o Freitas (mas descanse a blogosfera. A lolita NÃO é o Freitas).

2) Ontem li com interesse o artigo da Maria Filomena Mónica no "Público" (um dia eu aprendo a fazer links, itálicos e bolds, mas agora não me apetece). Fala sobre a sua evolução pessoal no plano ideológico e sobre a forma como, após o tempo de paixões do PREC, se converteu ao "sossego" da democracia. E sobre o perigo de, neste "sossego", já não haver ideais em disputa, mas apenas pessoas. De já não haver políticas, mas formas de gestão da coisa pública.

3) Vi há pouco tempo um filme chamado "K19", com o Harrison Ford e o Liam Neeson. Bastante pesado, mas um bom filme. Retrata uma tragédia do tempo da guerra fria. O filme nem é sobre a guerra fria, mas ela está lá presente, é o pano de fundo e a razão última de tudo o que se passou.

4) Finalmente, há poucos dias discuti longamente com um amigo o actual estado (internacional) das coisas. Que, quase ironicamente, é bastante mais complexo do que era justamente no tempo em que existiam dois blocos fortemente antagónicos, com capacidade para se destruirem reciprocamente, destruindo o mundo inteiro pelo caminho. Entre outras coisas, porque entrou em cena o fanatismo, o desespero, a loucura e a vontade de morrer matando. Nestas condições, já não há ninguém para bater com o sapato na mesa em plena reunião do Conselho de Segurança da ONU.

É estranho que hoje andemos mais inseguros do que no tempo em que a destruição do planeta era uma ameaça sempre presente.

5) E, nisto tudo, lembrei-me de mais uma música - desta vez do Sting - que talvez traduza a diferença entre o estado das coisas desse tempo e o de hoje. E que pode (ajudar a) explicar porque é que o planeta sobreviveu a 40 anos de guerra não declarada.


In Europe and America, there's a growing feeling of hysteria.
Conditioned to respond to all the threats
In the rhetorical speeches of the Soviets.
Mr. Krushchev said "we will bury you".
I don't subscribe to this point of view.
It would be such an ignorant thing to do,
If the Russian love their children too

How can I save my little boy, from Oppenheimer's deadly toy?
There is no monopoly of common sense,
On either side of the political fence.
We share the same biology.
Regardless of ideology.
Believe me when I say to you:
I hope the Russians love their children too

There is no historical precedent,
To put words in the mouth of the president.
There's no such thing as a winnable war.
It's a lie we don't believe anymore.
Mr. Reagan says "we will protect you"
I don't subscribe to this point of view.
Believe me when I say to you:
I hope the Russians love their children too

We share the same biology,
Regardless of ideology.
What might save us me and you,
Is that the Russians love their children too.



Bom fim de semana

17.8.04

Kate Bush

Os chefes desta coisa foram de férias. É a ocasião ideal para os vagabundos de serviço (eu, Stkaneko, Paco, Manolo, chabeli) dizermos mal deles.

Mas não ... só tem piada implicar com alguém que responda.

Por isso, adoptando uma toada mais reflexiva e pensando naqueles que gastam mais tempo a relacionar-se via "net" do que a investir nas relações que têm com quem os rodeia, aqui deixo uma "letrinha" interessante de uma música da Kate Bush (neste blog tão apreciada, da direita à esquerda):


As the people here grow colder
I turn to my computer
And spend my evenings with it
Like a friend.

I was loading a new programme
I had ordered from a magazine:

"Are you lonely, are you lost?"
This voice console is a must.
I press Execute.

"Hello, I know that you've been feeling tired.
I bring you love and deeper understanding.
Hello, I know that you're unhappy.
I bring you love and deeper understanding."

Well I've never felt such pleasure.
Nothing else seemed to matter.
I neglected my bodily needs.

I did not eat, I did not sleep,
The intensity increasing,
'Til my family found me and intervened.

But I was lonely, I was lost,
Without my little black box.
I pick up the phone and go, Execute.

"Hello, I know that you've been feeling tired.
I bring you love and deeper understanding.
Hello, I know that you're unhappy.
I bring you love and deeper understanding."

I turn to my computer like a friend.
I need deeper understanding.
Give me deeper understanding.


A música chama-se "Deeper Understanding" e foi publicada no álbum "The Sensual World", algures em finais dos anos 80.


14.8.04

Experiências...

Estando ligado ao desporto, na escola e fora dela, leio diariamente e com alguma atenção as notícias relacionadas com o desporto nacional. Tenho por hábito fazê-lo através dos jornais desportivos diários, em formato papel, ou, quando não o posso fazer desta maneira, nos sites dos mesmos jornais.
Hoje não pude deixar de ler no Jornal Record, na página 46, uma notícia que me indignou e me deixou perplexo pela contradição das palavras proferidas por um senhor, de nome Artur Lopes, e que é o Presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC).
A notícia diz-nos que a FPC recusou, depois de conversa com o Director Técnico Nacional, uma vaga para um atleta Português de BTT participar nos Jogos Olímpicos.
O que me deixa mais abismado é ler as justificações. Senão vejamos: o Presidente da FPC diz nesta notícia que o assunto foi abordado com o Director Técnico Nacional mas que, depois de ponderarem (será que o fizeram mesmo?), entenderam que o BTT português ainda não está preparado. Mas este senhor diz mais. Diz que a FPC entende a ansiedade das pessoas ligadas à BTT, mas antes de participar nos Jogos Olímpicos os nossos atletas de BTT precisam de ganhar experiência, nomeadamente em Europeus e Mundiais.
Sem dúvida que com a experiência o nível de prestação aumenta também. Mas será que este senhor percebe que a participação de um jovem nos Jogos Olímpicos pode trazer uma experiência e uma vivência única na vida do mesmo? Quem se julga este senhor para "cortar", desta maneira, as pernas a um atleta Português? É por andarem pessoas como o senhor, a "pastar", em algumas das nossas Federações, que em algumas modalidades não atingimos o tão desejado "nível de excelência".
Resta-me desejar ao atleta que deixou de poder representar Portugal nestes Jogos Olímpicos as maiores felicidades na sua carreira (englobando neste todos os praticantes de BTT).

P.S. – Para os senhores da Federação Portuguesa de Ciclismo deixo um recado: sejam profissionais como foi hoje o Sérgio Paulinho (medalha de Prata nos Jogos Olímpicos). E não se esqueçam que a razão da vossa existência assenta no trabalho das equipas nacionais e no excelente trabalho que elas desenvolvem ao longo do ano.
VIVA PORTUGAL!

Até à vista.

Ser verdadeiramente pobre é perceber que a nossa pobreza não chega para enriquecer a pobreza dos outros. Não faz sentido existir sem os outros e sem ser pelos outros. Não faz.
Dizer a um amigo e colega, que já vai sabendo das coisas de morrer (mas aprende connosco e com a vida que se morre mesmo, que se morre ao nosso lado), que não temos mais nada a fazer pelo Pai senão tirar-lhe as dores, dar-lhe suplementos nutritivos, ir falando com ele sobre "o nosso Sporting que, em Setembro, quando nos virmos outra vez, já há-de estar em primeiro, isolado!", faz-nos perceber que a pobreza está em nós, dentro de nós. Que somos, apenas, os próximos pobres.

Depois, vamos de férias e deixamos o número do telemóvel para que saibamos, em tempo competente, que é capaz de não haver esse Setembro.

"N", Homem pobre e bom que não me lês e vais morrer num dia que não sei: se não houver Setembro, se eu não te vir mais, que tenhas paz depois, ao menos. Eu vou de férias sabendo que posso não te voltar a ver, que o problema é teu, que saber que estás assim me mói e que trocava qualquer vitória do Sporting, para o resto dos tempos, pela sabedoria de te fazer viver.

Merda, eu não escrevo mais nada. A ternura dos pobres é a coisa mais estúpida que há. Mas é fodido descansar depois de olhar fundo nuns olhos que enganamos com um esgar de esperança que não temos.

Organização

A equidistância nem sempre significa uma situação espacial exacta. Ser equidistante pode querer dizer, apenas, que se está fora de dois pólos opostos. Não ser de direita ou de esquerda não será forçosamente, portanto, ser do centro; muito menos é ser de meias tintas. Ser equidistante pode ser o início do "caminante, no hay camino; se hace el camino al andar", o caminho sempre presente da evolução, invariavelmente perturbado com a nossa excessiva (obsessiva) definição conformadora. Nem sempre há situações limpidamente definidas - ou, se calhar, quase nunca há. Nós, tendenciosos, é que gostamos dos contrastes fortes, gostamos de pensar nas coisas devidamente arrumadas para que, quando nos debruçamos a perceber o que se passa, podermos facilmente encontrar a prateleira certa e para que todos possamos pertencer a qualquer coisa. Não pertencer causa angústia, mas também liberta.

Agora vou, chegaram as férias que, há uma semana atrás, me pareceram longínquas. Esta semana não queria largar-me, parecia eterna. Até à vista.

13.8.04

Poeiras

Chegaram-me as férias, o Sporting perdeu, ainda não escolhi os livros e a música que quero levar. Pior que isso, às tantas nunca hei-de conseguir levar tudo comigo. Nem toda a gente.

Eu gostava de estar sempre rodeado das coisas que gosto, das pessoas que gosto. E palpita-me que nunca hei-de conseguir, nunca. Uma pessoa sensata sabe isto de cartilha. Mas eu não. É como se morresse, uma morte esquisita, só por dentro, de cada vez que me descubro uma impossibilidade, uma incapacidade, um nunca mais. Um "nunca, desculpa, para ti já não dá".
É assim.

Uma das coisas mais injustas da "trivial life" é esta: por que é que temos de nos separar duma parte importante de nós, de cada vez que nos ausentamos? Por que carga de água não podemos manter sempre tudo junto? Tudo, mesmo tudo. Gosto da palavra tudo e não gosto da palavra nunca. Nunca hei-de gostar.

Vou de férias.
Quem fica, por favor, que mantenha a luz acesa e vá arejando a sala. Não gostava que estivesse poeirenta e a cheirar a bafio quando lhe abrisse a porta, no regresso.

12.8.04

Ao besugo ...

A gente desentender-se não consegue. Mas acho que conseguimos - com galhardia, aliás - não nos entender reciprocamente.

Eu explico, e arredo já disto o Vitorino, para centrar a questão numa versão concentrada de uma conversa entre nós.

Besugo - Ó Alonso, o capitalismo é uma merda! E os capitalistas são todos uns merdosos! Que não se lavam! E cheiram mal!
Alonso - Lá estás tu, besugo! O capitalismo é um sistema económico com prós e contras. E todos os outros até hoje inventados como alternativas têm tido mais contras que prós. Além disso, há capitalistas de todos os géneros, bons e maus. Tu, como não sabes o que hás-de dizer deles dizes que são merdosos. Quanto a lavagens, desconfio que alguns serão de banho diário e outros de banho anual, mas não percebo o que é que isso tem a ver com o capitalismo. Estás a discutir o assunto ao nível do escroto ... perdão, do esgoto.
Besugo - Olha pá ... escusas de me vir com essas paneleirices e insinuar que eu não sei discutir. Eu disse 4 - QUATRO - coisas muito simples sobre o capitalismo e os capitalistas. E tu não rebateste nenhuma.
Alonso - ... (silêncio profundo) ... dá-me um cigarro que os meus acabaram-se.
Besugo - És um crava do ... escroto, pá!
Alonso - Dás ou não dás?
Besugo - Dou, dou.
Alonso - Então diz-me lá: em que ponto espácio-temporal do espectro político se situa alguém que é equidistante da esquerda e da direita mas que não simpatiza com o centro?
Besugo - Afinal não dou.

À lolita ...

I - sobre Salazar - Eu não me lembro do António Ferro, mas não tenho mais contra ele do que tenho contra qualquer "assessor de imagem" "assessor para a comunicação social" e quejandos que por aí polulam às centenas e pagos pelo erário público; É fácil chamar "débil, pusilânime e medroso" ao Salazar como é fácil chamar isso a qualquer outro político que tenha tido a responsabilidade de governar. É só arranjar o discurso certo e aplicar as frases dentro do contexto adequado às críticas que fazemos à respectiva governação. Mantenho dele a opinião de que era de superior craveira intelectual e política e, em qualquer caso, sempre superior à de todos os políticos seus contemporâneos. Aliás, atribuir-lhe ou não determinados atributos pessoais por causa da censura e de todos os demais elementos que caracterizam o seu regime como autoritário é uma falsa questão. Porque o que está em causa é a concepção política que ele tinha, que pôs em vigor e impôs. E dessa discordas tu e discordo eu. Mas isso são contas de outro rosário. Até porque, se nalgumas coisas estaremos de acordo, noutras estaremos em profundo desacordo.

II - Sobre a direita e a esquerda - Sabes porque é que eu ressuscito velhas discussões sobre regimes que já não existem? Porque estou até hoje sem perceber se o horror do comunismo é percebido como tal. E desconfio que não. Mais, desconfio que aqueles que acham o Che Guevara um herói ainda não perceberam que - tivesse ele sobrevivido - seria hoje um tirano; E desconfio mais: Que o Fidel, apesar de ser o ditador de um país em que se fuzilam presos políticos, se impõe a censura, e a que faltam as mais elementares liberdades, não é propriamente olhado como "débil, pusilânime e medroso". Às tantas, continua a ser admirado. às tantas, a culpa de ele fuzilar gente nem é dele. Se calhar até manda fuzilar a contra-gosto, coitado.
Quanto aos debates sobre a ingerência do Estado na sociedade e na economia, sobre as liberdades e seus limites, sobre protecção social, etc., acho exactamente que quando andamos todos em águas mornas é que a única coisa que falta discutir é a gestão de poleiros. E por isso, quando discutimos essas coisas devemos aprofundar. E chegamos lá: às concepções fundamentais, logo, ideológicas.

III - Sobre a Deus, a Igreja e os Padres - Concordo que a Igreja é uma empresa humana. Aliás, não deve haver quem não concorde. A fé começa, exactamente, em acreditar, ou não, que essa empresa existe por inspiração divina. Nisso, acredita-se, ou não se acredita. Provas não há e pela razão apenas não se acreditará.

Cuidados

Sinto-me cada vez com menos vontade de fazer urgências e de aguentar com o "tudo ao monte e fé em Deus" que aquela barbárie é. A urgência é, vista de dentro, como se todos os afluentes do Douro se derramassem nele na zona da barra: não se podia morar na Foz. Vista de fora deve parecer incompreensível, por vezes revoltante, admito. Vai dar no mesmo. Não gosto, estou cansado, qualquer dia quero que se foda, como outros que conheço.

Em contrapartida, nesta fase da minha vida, cada vez mais ligado às coisas do cancro, era capaz (se me deixassem) de me dedicar a isto sem refilar. Leiam, se se interessam pelo tema.

Relações fortes

Porque será que a chuva em agosto e a nina simone ligam tão bem? Bem visto. Também gosto. Já que chove em pleno Agosto, o melhor é tratar de rentabilizar a intempérie. Ainda é Verão, note-se.

Problemas

I – O problema da discussão

O Alonso afirma, mais ou menos, que eu não sei discutir. Isso é tremendamente injusto: eu sei discutir razoavelmente. Não muito bem, de facto, mas ajeito-me. Isto é parcial e subjectivo? Muito bem.
O meu problema é este: mesmo que eu não saiba discutir, em que se baseia o Alonso para me imputar essa ignóbil deficiência?

Mesmo admitindo (o que me custa, mas pronto, às tantas é verdade) que eu não sei discutir, o facto é que o Alonso se baseia, para o decretar, nisto:

1 – Eu disse que Salazar tinha voz de capado e inventei uma teoria em que a grossura vocal se lhe teria escapado algures pela latitude das virilhas, após rombo.
2 – Eu disse que era um semi-católico semi-não praticante e brinquei com algumas práticas dos senhores abades enquanto, en passant, acusei Deus de letargia.

Ora, isto são afirmações. Quem não sabe discutir é o Alonso, que não as rebate. Eu fiz duas afirmações e, depois de Alonso falar, ei-las intactas na sua simplicidade inatacável. Pelos vistos.

O Alonso fez-me lembrar o Vitorino. O Vitorino era um tipo que reagia como o Alonso. Querem ver o Vitorino? Era assim:

- Ó Vitorino, a Magda cheira horrivelmente dos sovacos!
- Pode ser que sim, mas toca perfeitamente flauta de bisel!
- Ó Vitorino, o Arsénio não se lava!
- Pois, mas fez um mestrado no M.D. Anderson!
- Ó Vitorino, que tem uma coisa a ver com outra? Não sentes o cheiro?
- Nada, sinto o cheiro, mas o facto é que tu não sabes discutir!

Viram o Vitorino? É o Alonso, em versão normativa.


II – O problema do Panathinaikos

Bom, deste problema nem vale a pena falar. O problema do Panathinaikos, felizmente, não é meu. É mais da Lolita, do Paco... enfim, de mais gente que anda preocupada. E com razão. Eu andaria, pelo menos, se fosse comigo.

11.8.04

Salazar, direita, esquerda, Igreja... Oh, Dios!

Li com atenção a extensa dissertação do Alonso sobre o Salazar, a direita, a esquerda, Deus, a Igreja e, finalmente, os padres.

Sobre Salazar: o Alonso reconhece o erro do sistemático "não se discute", o que é pouco. Esquece (embora saiba) que, para além de não discutir e de não fomentar a discussão, Salazar foi bastante mais longe: pura e simplesmente eliminou-a. Dourando-a, através da propaganda (lembras-te do Ferro? Do António? Pois, eu também não, felizmente para nós) e esmagando-a, através da censura aos media, aos artistas, à produção estrangeira, aos políticos, enfim, à subversão. E assim viveu o país durante cinco décadas, mergulhado num obscurantismo cultural hetero-imposto, forçadamente convencido do lema "pobrezinho, mas feliz" que se vendia nos filmes do António Silva (eternizada na canção "que saudades eu já tinha da minha alegre casinha tão modesta como eu", que, curiosamente, se tornou muito mais tarde num "hit" revivalista dos Xutos e Pontapés) e nos serões para trabalhadores das primeiras emissões da RTP.

É sabido que o golpe mais estrutural que pode desferir-se a uma nação consiste em bloquear-lhe o acesso ao conhecimento para, de seguida, matar-lhe a capacidade crítica, a possibilidade de discutir e a de partilhar decisões. Sabe-se, também, que a arte da propaganda se cultiva tanto em países democráticos como em países de regime totalitário, em doses iguais e sabe-se, ainda, que a capacidade e a oportunidade de manipulação da informação é semelhante em ambos os regimes, o que os aproxima perigosamente do ponto de vista dos meios que utilizam para "gerar convicções". Ainda assim, os regimes democráticos asseguram o acesso incondicional à informação, o que, mesmo coexistindo com actos de propaganda nacional mais ou menos subliminar, permite ainda assim aos mais cautelosos duvidar, antes de acreditar. Salazar não permitia nada disto. Sumariamente, tudo se resumia a "ou estás comigo, e bem, ou estás sem mim... e mal". A censura salazarista - na forma propagandística ou inquisitória -, que atingiu o paroxismo na década de cinquenta, é um forte indicador de uma personalidade débil, pusilânime, medrosa. Salazar preferia pôr-se de parte a ter de tomar posição. Preferia amealhar a investir. Preferia calar a discutir. Dificilmente se qualifica um perfil destes como sendo de "superior craveira intelectual", Alonso. E os resultados dessa política de gestão espartana, cinzenta e desinvestidora são evidentes: o atraso sócio-cultural endémico da nação, a que corresponde o reverso e recente parolismo consumista.

Sobre a direita e a esquerda: cada vez mais me parece obsoleta essa discussão. Sempre que lhe falam do Salazar, o Alonso insiste em contrapor a anacrónica evidência histórica (que já discutia quando era mais novo, bolas, este homem muito discute, mesmo quando o comunismo de leste ainda estava de boa saúde) da falência dos regimes comunistas de leste. Concentra-te, Alonso: já toda a gente se convenceu de que faliram (embora alguns tenham demorado mais tempo a convencer-se, é certo, e outros ainda nem sequer o admitem). O fascismo e o comunismo pervertem-se, enquanto ideologias, quando implementados como praxis governativa e, nesse contexto, tornam-se muito, muito parecidos. A discussão relevante, se a queres discutir, situa-se entre regimes totalitários (como o salazarista) vs. regimes democráticos, bem como a correspondente prática na perspectiva do "bem estar" de uma nação: liberdades individuais, ingerência do Estado na economia, livre mercado, protecção social, promoção da educação, etc.. Quanto à direita e à esquerda, para mim que sou equidistante (o que não faz de mim simpatizante do centro), as diferenças esbatem-se gradualmente mais à medida que a defesa de ideologias se substitui pela gestão de poleiros. Este é um tema longo, mas actual.

Sobre Deus, a Igreja e os padres: sou não-praticante, sem dúvida. Às vezes acredito em Deus, no Deus cristão, mas acredito, seguramente mais e mais vezes na humanidade. Quanto a dogmas, estamos conversados. A Igreja é uma empresa (no sentido de "empreendedora"), não é um dogma. Não se acredita na Igreja sem a discutir, como se acredita e se tem fé em Deus, na Santíssima Trindade, no Buda ou nas divindades clássicas. E, como empresa, sustenta-se, também, em propaganda aos fiéis. Termino, por isso, com uma sugestão de leitura, a que chamo, porque o título é longo, o "Legado de Ratzinger". Acrescento que está tão cuidadosamente escrito que me atrevo a dizer que se trata de um texto, enfim, eidético, se é que me faço entender. Ainda bem que, aqui na Ocidental Praia Lusitana, se pode discutir.

Deus nos livre!

Achei piada ao blog "professorsalazar". Não sei quem o faz, mas tem (aliás fino) sentido de humor, como o revela o título da categoria em que está o nosso blog: podia ser "os outros", "o reviralho", "não recomendamos". Mais simples ainda: segundo a lógica que neste mesmo blog se aplica quando se não gosta de outro blog, pura e simplesmente não haveria link de lá para cá.

Mas não. O autor desse blog fez questão de "linkar" muitos blogs, entre os quais este, com a categoria ... "Deus nos livre!". Bem pensado e melhor feito.

Não sei o que pensa quem faz aquilo, mas acho limitativo do blog em causa que o respectivo autor tenha escolhido "incorporar" o Salazar "lui même" (dis donc, besugo, tu percebes galicismos, non ?).

E explico porquê: ou continua num registo puramente gozão e provocatório, e rapidamente perde o efeito, ou começa a inventar "salazarices" que o Salazar nunca disse nem diria neste século XXI.

É que incorporar o Salazar em 2004 é impossível. O homem nasceu no séc. XIX, formou o essencial da sua personalidade e das suas convicções entre 1900 e 1920 e a partir da "mundivisão" que nessa época teve governou o País, até um tempo (anos 60) que manifestamente já não era o dele, já não o compreendia nem por ele era compreendido.

O salazarismo hoje é, por isso, e no meu modesto ver, um anacronismo por definição.

E passo a outro tema, que a frase anterior me lembrou: Salazar e o Salazarismo.

Há quem argumente que o Salazar, apesar de ser homem de outra época, nos deixou um legado, até ideológico, que pode ser aproveitado ainda hoje. E citam excertos de discursos como este que segue, lido em 1936: "Às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do século, procurámos restituir o conforto das grandes certezas. Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu dever."

O que é que esta forma de pensar tem que ver connosco, hoje? Nada. Porque a palavra chave do excerto acima é a palavra "não". Aplicada à possibilidade/capacidade de discutir.

Admito que, num plano estritamente político e numa lógica de efeito imediato, esta "jogada discursiva" do Salazar foi brilhante. "Há coisas que não se discutem. Ponto final". As pessoas (muitas, a larga maioria) queriam ouvir isso naquela época. Um pouco como o célebre "deixem-nos trabalhar" do Cavaco. O povo queria ouvir isso e deu-lhe depois duas maiorias absolutas consecutivas.

Mas essa jogada - a do Salazar - teve um efeito terrível no plano sociológico e de longo prazo. Porque, na verdade, tudo se discute. E quem não precisar de discutir ou se recusar a fazê-lo deixará de ter que batalhar por aquilo em que acredita. E depois, deixará de saber discutir as ideias que defende. Finalmente, perderá.

E é por isso que eu, embora admire o Salazar em muita coisa e tenha dele a noção de que era homem de superior craveira intelectual e política, não sou salazarista, nem acho possível ser-se hoje salazarista.

Mais: Poderá ser possível uma ideologia ser (mais ou menos) intemporal (isto era outra discussão) e considerar que é possível ser-se marxista, jacobino, democrata cristão ou o que mais se quiser independentemente da época histórica. Mas não é possível isso quando se fala de uma concreta prática governativa. Porque essa está muito mais amarrada ao tempo e ao espaço em que ocorreu do que um conjunto mais ou menos abstracto de ideias.

E o salazarismo - não sendo a adesão a uma ideologia, mas a uma prática - é algo (já o disse) anacrónico por definição. Como o peronismo ou - caso existissem - o Pinochetismo, o Castrismo, o Churchillismo, o Rooseveltismo, o Gaulismo, o Adenauerismo, o Miterrandismo e o Thatcherismo.


E passo a outro tema: as consequências do "isso não se discute".

Esta forma de pensar foi, pelo seu paternalismo, a pior possível, sobretudo para a direita. Porquê? Porque viveu décadas a dizer: "isso não se discute". Resultado (que aliás de há muito que conheço e que só recentemente se começou a desvanecer): a direita portuguesa deixou de saber discutir.

E, com o passar dos anos, quantas discussões políticas, entre amigos ou dentro das famílias terão terminado com o "Porque não. Há coisas que não se discutem." ?

Como argumento não serve. O Portugal dos anos 20/30 já tinha desaparecido. E o dos anos 60/70 era outro País, em que viviam outras pessoas. Assim, no final do regime havia dois tipos de pessoas: as que o apoiavam, e que eram incapazes de discutir porque "isso não se discute". E as que eram contra ele, e que o discutiam.

Eu tive a experiência contrária. Aprendi a ser um "discutidor". Cresci numa época e num ambiente, sobretudo, escolar, em que boa parte do que eu pensava era no mínimo pouco popular. Quer entre colegas, quer, sobretudo, entre professores (todos vindos da faculdade dos anos 60 e todos, ou quase, marxistas). Aprendi que tinha que "discutir", pôr em causa, obrigar os outros a deixarem os lugares-comuns do costume e a terem que explicar "melhor" porque é que diziam o que diziam. E que tinha que o fazer em sistemática desvantagem. Numérica, desde logo, mas não só. Porque discutia, sobretudo, com pessoas mais velhas do que eu.

Mas lá ia discutindo e, sobretudo, obrigava aqueles com quem discutia a terem que arranjar justificações. Sobre porque é que os imensos sovkhozes produziam menos que as pequenas leiras que os camponeses eram "autorizados" a plantar para si próprios; sobre a falta de liberdade no bloco de Leste; a terem, sobretudo, que explicar porque é que esses países não podiam ser qualificados como "ditaduras". E ... já agora ... porque é que havia pessoas a fugir de lá.

E fui eu ... ironias ... que muitas vezes encontrei pela frente o silêncio. Nao era propriamente a resposta "isso não se discute". Era mais a "isso é mais complicado do que parece."

E daqui passo a outro tema, que o post do besugo (também) me lembrou: A (mais recente) incapacidade de discutir da esquerda.

O post do besugo é um clássico. Desconfio que ele não sabe bem o que é que há-de dizer do Salazar. E como nem ele próprio acredita que o homem fosse intelectualmente fraco, ataca-o (literalmente) por baixo. Fala-lhe da voz (mas para dizer que é de capado), do escroto e, mais para o final, ainda mete freirinhas ao barulho. Aproveita também para, num toque de modernidade e urbanidade (e de superioridade, pois), lhe chamar"serrano", para dar dele a ideia de tacanho.

É um ataquezito sem importância ou consistência. Apenas por tal ataque, quase se poderia deduzir que, afinal, o besugo admiraria o Hitler. Afinal, a voz dele enfeitiçava multidões, capado não era (a Eva Braun não se queixava) e não queria saber de padres nem de freiras para nada. E o homem cujos exércitos tomaram (entre outras urbes) Paris, Bruxelas, Amsterdão, Viena, Atenas, Praga e Varsóvia de certeza que não gostava só de serras.

Besugo: desconfio que não te apetece discutir o Salazar, se a discussão ultrapassar o nível do escroto e dos efeitos do seu corte na voz.

Já agora, e para não perder tempo, uma palavra sobre a definição "catolicismo não praticante".

Basta o não ir à missa ao Domingo. Exclui-se, por outro lado, dessa definição o "Deus não existe". E acrescenta-se (sempre dentro do "não-praticantismo católico") o acreditar que Jesus existiu, que era filho de Deus e Deus ele mesmo. Ainda assim não chega (ainda só se é cristão não-praticante). É ainda preciso acreditar que a Igreja Católica foi fundada por Pedro, por ordem de Jesus, e que é portanto a única Igreja que legitimamente representa Cristo como organização humana, e aquela - em consequência - que, por ter sido criada por ordem divina, melhores condições tem para interpretar a vontade de Deus e para guiar os seus fiéis no caminho da santidade.

É obra, isto de ser católico (mesmo que não-praticante). O chato é que poucos sabem isto, e muito menos sabem defender isto discutindo.

Com o besugo, no entanto, desconfio que deve ser fácil discutir este assunto. Basicamente vai dizer que há três tipos de padres: os hipócritas que têm amantes entre as beatas da sua paróquia; os hipócritas que são homossexuais e que abusam dos seminaristas como os bispos abusam deles; os hipócritas que se masturbam a vida toda.

Discussões de escroto, portanto.

A revelação

Segundo João Miranda, um católico não praticante "é uma pessoa que não vai à missa, não venera os santos, não se confessa, não acredita na transubstanciação do pão e do vinho, acha que as mulheres devem celebrar missa, que os padres devem poder casar, que os homosexuais devem poder casar pela igreja, que os bispos devem ser eleitos, que as missas devem ter música mais ritmada e que Deus não existe.

Descobrir que não somos o que pensávamos ser é, quase... hum... psicadélico:
Eu não vou à missa, de facto. Muito menos de fato. Confesso-me, não a padres, mas lá me vou confessando onde me apetece. Pão e vinho é coisa de Marcelinos. Não acho que as mulheres devam fazer seja o que for que não lhes apeteça. Quero que se lixe se os padres se casam, se se amancebam, ou se se decidem pelo auto-suficiente onanismo. Acho que os homossexuais devem poder casar-se, mas penso que a sua união, numa igreja católica, seria ridícula. Sobretudo a cena do beijo. Não vislumbro serventia plausível aos bispos. Música ritmada, na missa, sim: gostaria de ver o "Whatching the detectives" adaptado ao "Santo, Santo,Santo" . Acredito que Deus existe, mas que anda letárgico desde 235 d.C.

Não, afinal eu não passo dum semi-católico semi-não praticante. Bolas para isto.

A flauta de Pim

Em boa hora surgiu este blogue. Deve ser o blogue do Dr. Dias da Cunha (olá, senhor Presidente!), a julgar pela "nota de apresentação":
"Porque um país às avessas parece precisar de arreios, regresso para ensinar. A Pátria como ideologia. Portugal como insígnia. Ouvi as vozes dos saudosos que por mim clamaram. Contra o sistema. A bem da Nação."

Estou a brincar. Dias da Cunha não é para aqui chamado, por inúmeras razões.

Pode-se ressuscitar Salazar? Claro que pode! Brinquem para aí.

Que recordações me traz isto?
Bom, de Salazar lembro-me mal, mas recordo a excelente voz de capado que tinha, o tremidinho nas exaltações, aquele pensamento de serrano que saiu da serra mas continua a pensar que o mundo inteiro é a sua serra. Problemas de carpintaria, seguramente, e não forçosamente com serras: vai-se a ver, ao aplainar um bocado de "platex", a plaina furou-lhe o escroto, vazando a grossura da voz por um orifício fistular. Sobrevém sempre uma gangrena, uma sepsis, um catabolismo fatal, a este tipo de acidentes, em personagens predispostos à doença. E a voz afina, afina bem mais que a capacidade de pensar, que se limita, no serrano, à serrania. Um bucólico nem sempre é boa pessoa e, está provado, pode ter vozear de flautim.
Por isso defendo que certos utensílios cortantes devem ser reservados a quem sabe usá-los. Eu, a Salazar, desaconselharia, mesmo, a sovela.

Por mim, vejo-o, numa reencarnação qualquer que lhe tocasse, a fazer laçarotes para prendas de casamento. Ou a pentear bonecas de porcelana, embevecido. Ou a pontear peúgas de lã, à braseira, pisando a unha encravada da senhora sua prima enquanto cosipasse. São fetiches? Pois são, é isso e imaginá-lo, ao falecido capadote, de ligueiros. A descascar freirinhas. Que parafernália barroca!

No entanto, se reencarnasse e fizesse um blogue, descansemos: chamar-se-ia "Combazinha minha que te quero nossa".
Que ninguém se assuste, estamos na silly season, até as assombrações se parecem vagamente com caricaturas. Espectros engraçados que nos enfeitam o "countdown" para as merecidas férias.

10.8.04

Directamente do Portugal Profundo

Nem sei o que diga. O Manuel, da Grande Loja, nomeou-me representante do "Portugal Profundo", linkando para um post em que eu, um dia desses, desabafei sobre tanta desinformação acerca daquilo a que ele (estranhamente...) chama "Caso Pio". O que é curioso. Nunca me vi representante de ninguém que não me tivesse mandatado expressamente e que, além do mais, eu aceitasse representar. Mas seja, se ele quer assim. Se eu rejeito, estrago-lhe a tese e todos sabemos que as teses partem de pressupostos reais ou, no mínimo, confirmáveis. Eu confirmo, pronto. Cá vai: eu, representante do "Portugal Profundo", afirmo não conseguir ler mais uma linha que seja sobre os podres conhecidos, omitidos ou manipulados deste caso.

Tal como disse então, quero é que não me incomodem com teorias da conspiração à margem do processo. Quero que, a falar no assunto, não acusem veladamente anónimos identificáveis ("um dos arguidos quis comprar as gravações"; "um outro colega, também advogado, igualmente mediático, que o acompanha e coopta no mesmíssimo Processo"; "suspeita-se de fugas de informação do processo"; não faltam exemplos), quero que os identifiquem quando os acusam e, sobretudo, que provem as acusações. Quero que o processo seja conhecido apenas por quem intervém nele directamente e que aos jornalistas, repórteres, caça-notícias, paparazzis e afins lhes seja transmitido apenas o que, de acordo com o que ainda hoje é o segredo de justiça (e que há-de deixar de ser), seja divulgável. Sabe o que lhe digo, Manuel? As suas reflexões sociológico-morais sobre o alheamento dos portugueses e sobre as questionáveis posturas de Germano de Almeida e de Júdice caiem nesse mesmo pântano das teses improváveis, das opiniões subjectivas, dos juízos presunçosamente morais. E você quer, evidentemente, defender um dos lados da barricada (e até há vários), e esse lado da barricada que você quer proteger também eu conheço relativamente bem.

Nessa mesma qualidade (lembro: a de representante do "Portugal Profundo"), reafirmo portanto que, como nada daquilo é exequível, possível ou expectável (porque as instituições são feitas, para o bem e para o mal, de pessoas, de poderes e de domínios), prefiro não saber mais a saber a mais. O Portugal Profundo prefere, de longe, histórias concretas, individuais, de pessoas que, embora não identificadas, são repetíveis e são, seguramente, sãs como maçãs sem bicho. Embora tristes.

9.8.04

O regresso dos que ficam

O povo tem chovido, copiosamente, numa repartição de Bragança. Deu nas notícias. Para regularizar qualquer coisa que tem a ver com terrenos, parece-me.

Eu atraiçoo completamente as minhas excelentes intenções de há um mês atrás, mas não consigo resistir. Algumas reportagens que se baseiam na opinião do povo perante as câmaras de televisão arruinam-me, completamente, qualquer foco de resistência: é que grande parte daquele magote é constituída pelos famigerados avecs-cependant, fauna que, ora me enternece, ora me enerva até ao desespero.

Pelos vistos, aquela infeliz repartição está atolada de povo que (se calhar porque tem de ser, que, às tantas, há prazos para cumprir), a invade torrencialmente. Não interessa nada o que está ali em questão, quero lá saber, é com eles, têm lá assuntos, pronto. E inundam aquilo, um mar de gente. E às tantas deviam ter previsto isso e reforçar o pessoal do atendimento, sei lá. Isto não importa para o caso.

A reportagem privilegiou a opinião de duas avecs. Uma avec, para quem não sabe, é a versão "hard" dum avec. Um avec toda a gente sabe o que é: portanto, é só hiperbolizarem la française préposition, aplicarem-na ao género fêmea e aí têm, uma avec! Voilà, ou então va bon, que é como elas gostam de dizer.
Suponho ser, va bon, uma interjeição que denota aculturação, ou seja, a capacidade do avec (exponenciada na avec) de se moldar, como um pedaço de plasticina mole, a quem lhe dá ordens o ano inteiro, lá na usine.

Como eu dizia, o repórter perguntou a duas avecs o que achavam daquilo tudo. Ambas disseram mais ou menos isto:
- Va bon, é uma pouca vergonha, isto não se percebe, va bon, eu venho dum país em que não é nada assim! É muito meilleur. Va bon?

Falaram, ainda, com uma terceira popular - que ainda não é avec, mas que faz parte dos cinco milhões de portugueses e portuguesas (isto foi ao calhas) que gostariam muito de o ser - que, com menos interjeições, propalou a sensata e difundida opinião, muito pensada, de que "este país, assim, tsc-tsc...".

Eu gosto deles, a sério. Trabalham todo o ano (como nós, va bon...) e, por isso, merecem respeito (como nós, va bon...). E mais o quê? Mais nada.

Apenas mais isto: ninguém explica a estes connards reconvertidos que donde eles vêm não é de lá, é daqui? Que estiveram sempre aqui? Que, raios os partam, nunca daqui sairam de vez absoluta? Que quem nunca partiu não volta? Que, quando pensam que regressam, estão apenas a materializar, ainda por cima reforçados no requinte da sua "finura crítica de bidonville", a sua eterna presença? Alguém lhes ensina que o que os distingue dos outros imbecis que por cá temos (quase todos com ânsias de sair - também ficando...) é, apenas, o seu sotaque bacoco de aculturados menores e a ignorância profunda da sua verdadeira geografia?

Va bon, je me "cale". Passe moi les "batates", Isabelle! E isso "vite"!

Les uns... et les autres

Nasceu o blogue do António Oliveira. O que é curioso, para já, é a organização dos links para outros blogues, que se dividem entre "blogues recomendados" (fácil é adivinhar quais são) dos blogues "Deus me livre!". Nós (eles) e os outros, ao monte. Salazar contra o resto do mundo.

Agora fico a aguardar para ver o que dirá o Alonso quando vir que, segundo Salazar, nós somos dos outros.

Quem quer ser o testa de ferro do treinador que eu sou?

"Del Neri pisou o risco com a sua metodologia e, ainda mais, com a completa falta de respeito com a cultura do clube. Não percebeu que estava no FC Porto, onde há ordem e organização."

Isto escreveu o Dupont. A culpa é do Del Neri, sem dúvida. Foi contratado para ser treinador do FCP, após aturado e inteligente processo de escolha (suponho), chegou e disse... tiraram-lhe o chapéu e foi-se.
Ou seja, PC enganou-se na escolha? Não! Nada disso! Ali há organização, sim? Del Neri é que se enganou, cuidava que vinha para as Antas brincar! O incompetente, o preguiçoso, o incapaz Del Neri, pensou que vir treinar o FCP era o mesmo que treinar o Chievo. Palerma! Sim, que foi ele que suplicou ao PC que o contratasse! Vamos a ver o que o homem dirá sobre isto, em Itália, longe da mafia "parte cabeças" do organizado FCP e protegido pela cosa nostra lá da terra dele.

Isto devia constituir um alerta para os futuros treinadores do FCP. Mas não, há-de haver sempre um imbecil qualquer que vai para lá treiná-los, mesmo assim. Isto é como se fosse uma mensagem de PC à futebolosfera! Assim:
" Meus amigos: treinador que eu contrate após aturado estudo, caso se substitua a mim como treinador, está feito: quem sabe da bola sou eu - e até sabe, o sacana - e, se ainda não perceberam que eu só aprecio "ecos de mim", vão falar alto para Verona. Ou, mesmo, para o bairro dos panascas de Londres".

Por que premente motivo não assume PC que é, quase sempre foi, o verdadeiro treinador do FCP? Porque o hábil manipulador de resultados e de mentes não domina, não pode dominar, a metodologia de treinos.
Controla é outras coisas: este ano, por exemplo, vai jogar sempre à babugem do Sporting. Isto é dispiciendo? Ver-se-à. Para entender é olhar para o calendário, por favor.

Bora lá, meninos e meninas, sem pensar é mais fácil!

Ninguém parece estar de acordo com a possibilidade de um deputado poder optar por viajar acompanhado, penalizando-se no seu "primeiríssimo" conforto com a sua "estúpida" vontade de não estar sozinho. Eu, desculpem qualquer coisinha, não vejo nenhum mal nisso.

Aparentemente, um deputado deve viajar sozinho e, evidentemente, sempre em executiva. Doutra forma, o país não vai para a frente, vai para outro lado qualquer.
Se um deputado decidir viajar com a mãe, o pai, a mulher, a filha, a amante, o irmão, o amigo ou a amiga, mesmo com qualquer enteado, deve fazer o seguinte: o deputado vai em executiva e o/a acompanhante, esse biltre pecaminoso, pagará, do seu bolso (ou do bolso do deputado), a sua enlameada viagem. Em turística ou, se quiser, em executiva.

Mesmo que o preço que suportamos pela viagem solitária do deputado-em-missão, em executiva, seja igual ao que suportaríamos caso o deputado-em-missão decidisse viajar em turística com o/a acompanhante, isto moraliza o povo. Dormimos melhor assim. E até a tripa nos funciona em estereofonia (com o cérebro) se soubermos que as contas estão certinhas. Melhor: elas estariam sempre certinhas, mas assim escusamos de nos cansar a fazê-las.

Além disso, tendencialmente, viajar sozinho predispõe ao onanismo. Isto é uma coisa que pode transformar os meios de transporte aéreos numa interessante mistura de moralidade e guitarrada, esse instrumento de cordas tensas, como tenso é o disparate do excesso de controle. A mesquinhez sempre apoucou mais o mesquinho que o amesquinhado.

Eu não entendo certas coisas, eu sei, mas algumas delas não encerram em si, sequer, qualquer potencial de entendimento. São formas pequeninas de vida, são quadraturas do círculo menor catárctico.

A luta continua

Se os deputados decidiram que, a partir de agora, poderão trocar o conforto da "executive class" pelo calor da companhia e se podem, então, viajar em classe turística sem que fique beliscada a dignidade do cargo, podemos esperar que, dentro de algum tempo, seja aprovada nova resolução na Assembleia nos termos da qual as viagens oficiais deverão ser sempre feitas em classe turística, sem acompanhante que, não sendo deputado, não se disponha a pagar a viagem do seu bolso e, ainda assim, só se a distância for apreciável, porque de outro modo viajarão, enfim, de comboio, de viatura particular (uma Space, onde podem até levar toda a família) ou qualquer outro meio de transporte alternativo. Estamos no caminho certo, o da transparência. E, neste patamar intermédio, o da promoção dos valores da família (o que me faz lembrar, a propósito, a Carta aos Bispos do Cardeal Ratzinger do final do mês passado), ainda que não se trate de família de iure (também vale para acompanhantes). Passear vão quase sempre, porque sempre se vê a paisagem e há frequentemente tempo para "visitas de gosto pessoal" para além do protocolo. Os senhores deputados recordar-se-ão agora, com comovida saudade, dos mártires do desdobramento de viagens, até agora clandestinos, que tiveram de ser sacrificados para que, alguns anos mais tarde, lhes fosse reconhecido um tão elementar direito. Hão-de, até, fazer-lhes a sentida homenagem nos dez de Junho dos próximos vinte anos.

8.8.04

Mas alguém consegue calá-los?

"Abjecto", diz o Aviz. Crimes alegadamente repetidos durante décadas que se perpetuam em novos crimes de furto de registos e de gravações que, sem sequer discutir a "inocência" do jornalista do Correio da Manhã, reflectem as vaidadezinhas de quem quis intervir, "off" ou "on" the record, na elaboração dos tais "instrumentos de trabalho". O que, sobretudo, se mostra perturbador é que já tanto foi silenciado, manipulado e distorcido que já ninguém sabe em que é que consiste, pelo menos neste caso, "cumprir a justiça". Não são os fundamentos do Estado de Direito que, por vias travessas, são postos em causa, como diz o Manuel da Grande Loja; é, antes, a precedente podridão das instituições democráticas que permite tanta desinformação. Eu preferiria um longo "black-out" informativo sobre a Casa Pia, ainda que imposto por decreto, até que tudo esteja no seu devido sítio: os inocentes de um lado e os culpados do outro, incluindo os cumplíces supervenientes, sejam eles a PJ, os jornalistas ou as defesas. Nisto, só o maniqueísmo é possível. Antes ignorantes do que desinformados.

A ortografia, a sintaxe, a ideia e a escrita

Tenho acompanhado o que se vem escrevendo no Aviz (e-mails incluídos), no Ma-Schamba, no Retorta e n' O Céu Sobre Lisboa (entre outros), sobre o problema de falar e escrever em português.

A ortografia é importante. Uma sintaxe correcta fica borrada quando enquadra qualquer "paresseme que sim".
A sintaxe é importante, evidentemente: qualquer ortografia cuidada se esboroa, torpemente inútil, num descuidado "ele foi ao cinema e ao mercado e compraram lá frutas e besugos".
A ideia é fundamental. Sem dúvida. "Vou escrever sobre a problemática das mitocôndrias e o seu papel no metabolismo celular!". Boa ideia, já há montes de escritos sobre isso; mas a ideia pode ser interessante, explorem-nola! Pois... Estraga tudo, não é?
E, então, a escrita! A escrita... ora, a escrita. A verdade é que podemos sempre evitar escrever quando não sabemos. A questão é que nos ensinem: tu não sabes, tu vai antes pescar bicudas ou aplainar sanefas!

Eça sabia tudo do escrever, mas dava erros de sintaxe. E "cometia galicismos". E "sabia pouuquito do seu dicionário", dizia Camilo, esse excelente romântico ex-presidiário. Esta berraria, perante Eça, tem a importância dum dromedário no Alaska: não os há, lá. Se levarmos para lá um, passa a haver, pronto. Isto é como os erros do Eça, a gente não repara nos erros da perfeição a menos que seja contabilista.

"A juventude não entende a época de Eça..." , li eu, mais ou menos assim dito, por aí.
A juventude não entende se não quiser entender, a juventude é como a "maturitude" e a "velhitude", neologismos que a gente pode (sempre!) inventar: basta olharmos em redor, numa circunferência centrada no umbigo que quisermos, que temos aí Dâmasos, Condes de Abranhos, Eusebiozinhos, Carlos da Maia, Alencares, Amaros e Ameliazinhas, Ramires e Titós, Natários e Raposões, tias Patrocínias e Cascos, Meirinhos e Baptistas, Crafts e Joões Eduardos, Palmas Cavalões e Melchiores, Sarrotinis e Conchas, Gouvarinhos e bois do verde Minho. Há aí de tudo, num país que é o mesmo há muito tempo.

A questão é esta, eu li quase tudo o que me apeteceu ler. E há quem cuide saber escrever e não sabe. Há quem cuide saber ensinar e não sabe. Há quem tenha "a ideia" mas, caramba, mais valia pagar a alguém para lha escrever. Nem sempre há "alguém que nos diga tem cuidado".
E há a profunda indiferença do "está bem assim, não está?" que nos sufoca quando a lemos assim, correctamente escrita, a essa indiferença, como se valesse um Tructesindo. Geralmente não vale. Nem sequer um Barrolo.
Olá, Gracinha!



7.8.04

O erro é virtuoso se ocorrer na casa da virtude

Não lhe acontece muito, mas acontece-lhe. Exactamente, também lhe acontece.
O Futebol Clube do Porto engana-se nas escolhas e corrige-se. Como os outros. Faz é as coisas de maneira diferente. Eu, depois, ali em baixo, falo um bocadinho sobre esta diferença.

Aconteceu-lhe, ao FCP, enganar-se, que me lembre, três vezes. Na minha vida. Fernando Santos não foi um engano desses, não conta. Fernando Santos foi, mais que um engano, uma "persistência no erro", do ponto de vista draconiano.
Com quem aconteceu? Muito bem: aconteceu com Quinito, aconteceu com Octávio Machado e aconteceu agora com o italiano. Herman Stessl não é para aqui chamado, foi um erro assumido em tempo de crise.

Quando vêem que as escolhas são más nunca as assumem assim, no FCP. Era o que faltava! "Pá, acontece, enganámo-nos!". Isso nunca! Conseguem, a custo, assumir o seguinte: "a escolha foi boa, mas agora temos dados novos; a culpa não é da escolha, é do escolhido".
Nunca se errou nas Antas, nunca se errará no Dragão, em vida de Pinto da Costa. Deus o conserve, personagem fascinante. Por muito que isto me venha a custar derrotas e campeonatos. Deus o conserve.

O FCP faz mal? Pelos vistos não: faz bem. Consola os arquétipos das cruzadas contra os mouros e perpetua na memória dos portistas a certeza que um dia há-de faltar-lhe: a demoníaca capacidade de corrigir os erros (sem os admitir) de Pinto da Costa.

Um homem inteligente merece-me o mesmo respeito que um homem burro. Gosto de comparar outras coisas e o respeito é uma coisa que eu tendo a distribuir como distribuo fruta: uniformemente, assim haja fruta que sobeje, entre prendados e desprovidos de neurónios.
Quero dizer com isto (sim, é mesmo isto que quero dizer) que Pinto da Costa é um homem destinado à liderança. Tem carisma e esperteza. Tem educação. Eu sei que o velho dragão é um homem educado, sei coisas dele por intermédio dum amigo meu, que é amigo dele. É, como se diz pelos lados terminais e mais conspurcados do Douro, um "sinhuâr!". Mas sei, também, ler-lhe, na hora do emendar de mão (como agora, com Del Neri), um olhar de esguelha para mim, um besugo que lhe fica a montante na geografia hidrográfica e a jusante no restante panorama, um olhar de "caramba, que este topa-me!" que me consola do resto.

Gosto mais de Fernando Santos que de Mourinho, de Del Neri que de Carlos Queiroz, de Camacho e Ivic que de Marcello Lippi. De Boloni, Jozic, Inácio, Peseiro, Allison, Robson e Burkinshaw, que dos outros todos. Isto a propósito das diferenças de que falava ali acima: há um certo fascínio no "arriscar ao calhas", no errar e toda a gente poder dizer-nos na tromba que errámos, sem a gente fazer, lá por isso, uma guerra civil. A diferença é que o erro, o engano, o falhanço, no FCP, são sempre mascarados de "premonição". O FCP é um clube que acerta sempre, mesmo quando erra. E ninguém pode dizer o contrário, que depois eles ganham e, por isso, têm razão. Isto é irónico? Pois é.

O FCP, qualquer dia, merecerá dum puto qualquer dos que agora calha lerem-me, o seguinte comentário: "a gente jogamos todos muito bem, bués, mas depois quem ganha é o FCP".

E deve ser assim que está bem. O país sente-se feliz desde que não lhe arda a parte que nos toca. E Pinto da Costa vai-nos tocando a todos, com a sua varinha de condão enferrujada-mas-ainda-faiscante-que-nos-tolda.


P.S. - Já agora, uma praga: o próximo "mister" havia de vos sair ainda mais simpático e menos ganhador que o engenheiro do penta! Não, não era para o Sporting ganhar o campeonato. Isso há-de ver-se a seu tempo. Era só para aprender como se faz, no FCP de Pinto da Costa, quando ocorrem dois-erros-dois na mesma época.

A importância da resposta

Uma e meia da tarde, num Cartório Notarial do Porto. Há uns dois ou três anos que não entrava num Cartório Notarial. Desde então, modificaram o lay-out com posters daqueles que explicam ao utente que ele é muito importante, que ali não se fuma e que o estabelecimento tem livro de reclamações, mais a pintura nova e os espelhos debaixo do balcão que permitem, enquanto se espera - sentada nas cadeirinhas, aquelas cadeirinhas de armação metálica com assento e encosto preto, tão na onda "Phillipe Stark" - observar os pés, as sandálias, enfim, a postura até à cintura (como fico eu de pernas cruzadas?) enquanto se espera a vez. Quando essa lúdica actividade me esgotou o interesse, pus-me atenta ao atendimento. Uma funcionária atendia. Outra, sentada na secretária com expressão entre o enfadado e o indolente, foi abordada por um senhor velhinho, o segundo dos utentes do Cartório (eu era a terceira) que lhe pediu que o atendesse, ao que ela respondeu, com um risinho, "lamento, mas estou na minha hora de almoço", que logo a seguir o velhinho comentou, veladamente, com um "ahhh, bom...", como se pensasse que, se estava na hora do almoço, porque é que não saía dali, que se fosse com ele não passava naquele purgatório mais do que o tempo estritamente necessário. Eu pensei o mesmo.

A outra funcionária, a tal que atendia, analisava uma minuta de procuração e perguntou, a dada altura, ao casalinho que a trouxe se lhe tinham dado a minuta ou se tinham sido eles próprios a preparar. Percebi, depois, que aquilo era um ritual iniciático e que a resposta a essa pergunta determinava o futuro do utente. "Não, deram-nos assim, tal como está", respondeu o rapaz. Ainda assim, a funcionária continuava com dúvidas, ao ponto de chamar a Ajudante (do Notário, note-se, portanto mais poderosa e sabedora do que a outra) que, depois de ler displicentemente o documento, iniciou-se na sua sapiente abordagem crítica, ditando alterações, complementos e cortes. O casal de utentes, inseguro, atreveu-se a perguntar se, com tanta mudança, não ia levar uma procuração diferente da que queria - eu a adivinhar que provocariam a ira da senhora. Acertei. Tratou de virar-lhes as costas, não sem antes lhes comunicar que não faria qualquer alteração na procuração. Ao passar perto de mim, ouvi-a segredar à funcionária-que-estava-na-hora-do-almoço que a tal procuração tinha sido feita por um advogado e por uma juiz (os dois, em consórcio, pensei eu?...). Ora, sempre os mesmos, sabem sempre tudo.

Ao senhor velhinho correu tudo bem. Não sabia ao certo o que queria e, portanto, respondeu acertadamente à tal pergunta. As funcionárias explicaram-lhe tudo e saiu satisfeito e com a papelada no bolso. Chegada a minha vez - eu também queria uma procuração -, imitei o senhor velhinho e, apesar de levar minuta, deixei-me levar pelos avisados conselhos das senhoras e nunca pronunciei a palavra "advogado(a)". Estive para dizer que era juiz, a ver a reacção. Mas tinha pressa.

6.8.04

Quarta a fundo

Sabe, caro amigo? Eu, no outro dia, não quis dar-lhe nenhuma explicação sobre nada. Você não carece de explicação nenhuma, aliás. Muito menos minha, quem sou eu, sei lá eu da vida? Sabe alguém? Pois.

Uma coisa já entendemos ambos: não há cuidados paliativos organizados em Portugal, como não há outras coisas organizadas em Portugal. Eu ainda tenho Pai, Mãe, só já não tenho avós e alguns tios. Como eu o entendo, o tempo não pára!

Percebi, ainda bem (que eu nem sempre percebo logo... e depois esguicho sem nexo, peço desculpa), que temos isto em comum: este interesse desinteressado pelo bem estar e pela dignidade dos outros. Quer você agarrar-se a isto e irmos discutindo? Desculpe esta interpelação despudorada, às claras, mas deu-me para lhe ler os escritos todos e percebi que pode ser assim. Quer?

O meu Hospital tem, na gaveta do bafio, um projecto de cuidados paliativos domiciliários a doentes oncológicos, subsidiado pelo programa Saúde XXI. Um projecto com equipa hospitalar formada, com perfeita definição de objectivos, tudo! Gente que chegou a fazer formação em Odivelas, que é uma referência, como sabe, em termos de cuidados paliativos em ambulatório.
O advento das SA abortou o projecto. Isto é objectivo, por redutor que seja, mas aconteceu assim. Até a carrinha, que tinha sido prevista para a deslocação dos profissionais, se encontra, agora, a servir de carregadora de processos clínicos entre pavilhões, conduzida por maqueiro reconvertido.

Isto não é normal. A disponibilidade das pessoas não pode ser tratada como se fosse lixo: outrossim desmotiva, agasta, mete nojo.

Vamos traçar aqui um plano, nem que seja utópico: você, que é mais antigo na blogosfera, conduz. Eu colaboro. Lance os dados e jogue. Se quiser.

Um abraço.

Férias, prédios, velhas, questionários de Verão, depravações, imperialismos, povos oprimidos, o Louçã e ... rabos

besugo, não gozes comigo: eu tirei férias blogo-sabáticas, mas não férias. E desconfio que este ano, tirando uma miserável semanita em que vou procurar alhear-me do mundo (lá para o fim do mês), mais férias não terei.

Quanto às 7 perguntas:

1 - O prédio tinha seguramente mais de cem anos e caiu, com grande estrondo, perante as câmaras da televisão. Foi notícia esta semana e primeira página de vários jornais. Limitei-me a citar o que uma inquilina desse prédio contou ao repórter da televisão.

2 - "morreu com 94", disse a inquilina. Deve ser verdade. Não sejas tão desconfiado.

3 - 115, parece-me a mim, mas contas nunca foi o meu forte. Valor Acrescentado não tinha, tendo em atenção a renda que provavelmente pagava.

4 - teria bigode.

5 - Ora bem, ela viveu lá oitenta anos, que terminaram há 21. A nora vive há 51. Eu dria que 50, mas posso estar enganado.

6 - Já lá não vivem, que o prédio caiu.

7 - O Fantasma da Ópera.


Quanto à Marion: és um depravado. Eu via essa série e nem me lembro da tipa. Mas, também, eu sou muito mais novo do que tu.

Quanto à Hermione: és um grande depravado. E não, não tenho o contacto electrónico dela.

Quanto à filha da Marion: Já nem tenho palavras ...

Uma palavrinha final para a lolita: O Miguel Strogoff era bom rapaz, mas o tártaro também não era mau. Encara essa saga numa perspectiva multi-cultural e poli-étnica e pensa que, na verdade, os tártaros eram apenas mais um povo oprimido pelo poder imperial do czar. E os cossacos também devam fazer barbaridades aos tártaros. Há que defender os povos oprimidos. Aliás, o Miguel Strogoff nunca existiu, foi invenção de um francês branco e imperialista. Que mesmo assim o inventou mentiroso, porque ele não ficou cego e valeu-se dessa mentira para ver nua a loira que o acompanhava.*

Mas o Louçã explica estas coisas melhor.

* (ele e nós todos, que o rabo da loira a caminho do lago em que se banhou é a imagem que guardo mais nítida de toda a série. Não é que eu fosse depravado como o besugo, é que o rabo em causa era jeitoso. Enfim ... hoje em dia - 30 anos depois - deve estar cheio de celulite, coitado. "Sic transit gloria mundi")

E do Miguel Strogoff, lembram-se?

Quando o besugo falou na Marion lembrei-me imediatamente da série do barbudo aloirado que passou barbaridades à conta de um tártaro mau e desprezível. Lá em casa, tudo parava quando, à sexta-feira depois do telejornal, começava a saga do Correio do Czar que, a dada altura, às mãos do tal pérfido tártaro, ficou ceguinho por causa das torturas de ferros em brasa (cura-se mais tarde, descansem). Contudo, há uns (bastantes) anos atrás, o loiro barbudo parecia mais bem apessoado. E eu bem podia ter mantido o encanto, em vez de procurar fotos no google. Afinal, tem cara de huno. Na foto, lá está ele ceguinho, na fase mais apoteótica da série.


Policiário

Bronzeado das invejáveis férias que eu ainda não tive, o Alonso contou-nos isto:

"Eu pago 4 contos de renda, mas moro aqui há mais de 51 anos. A minha sogra veio para cá morar quando tinha 14 anos, morreu com 94 e já morreu há 21 anos." (vi na televisão. Se não era assim, era perto disto)".

Bom, Alonso, vais a perguntas:

1 - Há quantos anos existe a casa, supondo que a sogra do(a) senhor(a) foi habitá-la ainda com a tinta fresca? Refiro-me à casa, mesmo no caso da tinta, Alonso, eu conheço-te.
2 - Com quantos anos morreu a sogra?
3 - Se fosse viva, que idade teria a sogra? (sem IVA).
4 - Se fosse viva, que aspecto teria a cadavérica senhora? (sem Corporación Dermostetica)
5 - Quantos anos viveu a sogra, sem o genro (ou sem a nora), naquela casa?
6 - Há quantos anos vivem, o genro ou a nora, felizes, já sem a sogra, na casa da sogra?
7 - Quem matou, afinal, a sogra?

Sim, a 7 é que é! Que isto é um caso de polícia! Onde anda a PJ? E o Ministério Público, está de férias?

5.8.04

Serviço público

"...Dans le coeur des Ardennes belges, sept adolescents découvrent un château. Très vite, ils s'interrogent sur son aspect étrange et décident d'en découvrir le mystère. Le trésor du Château-sans-Nom a marqué la mémoire du début des années '70. D'ailleurs, qui n'était pas amoureux de Marion ?...Souvenez-vous de la musique du feuilleton télé Les Galapiats !"

Isto não sou eu que digo! Isto está escrito na respeitável internet, senhores, neste sítio! Onde até se pode ouvir a música da série, parece-me!

Fotografias decentes da Marion é que não encontrei, porca miséria...

Sadino Sagmento

O ministgo da pgesidência diz que o Govegno antegioge não designou ninguém paga cagos de digecção supegioge quando se encontgava em gestão, mas geconhece que existigam megas indicações de alguns compagsas paga cagos sem gemunegação. Iga! Ainda bem que em gegal o ministgo discugsa em vez de escgevege, pogque isto dá uma tgabalheiga enogme. Pgonto.

Um dia a casa vai abaixo, pois vai...

O meu filho mais velho assemelha-se cada vez mais (apenas no conteúdo, que ele é giro) a um frasco cheio de hormonas aos saltos. Para já, ainda se encontra num estado de "arrolhamento" competente. Contudo, a rolha ameaça saltar-lhe do gargalo e, espero eu, oxalá não bata na testa de ninguém. Bom. Isto é sério.

O tipo, agora, anda apaixonado pela partennaire do Harry Potter. A moçoila chama-se Hermionne e provoca no meu pobre petiz aquilo que Maria Madalena provocou em Cristo: uma infinita compaixão. Há-de ser isso. Uma compaixão sem nome. Não vejo outro motivo para os "olhos de carneiro mal morto" que lhe vislumbro enquanto ele revê, pela enésima vez, o raio dum filme em que a petiza entra.

Parvo adolescente. Fracos gostos, puto, tu vais longe!

É que não há comparação nenhuma entre isto que ele sente (efervescências de imberbe "besuguito") e o que o pai dele, o seu respeitável e vetusto pai, o verdadeiro "besugo", nutria pela Marion dos "Pequenos Vagabundos"!
Caramba, eu tinha desculpa! Bastava aquela música maluca para me desencadear toda a cascata da coagulação: era uma verdadeira trombose, o que me dava.

Espero que ele nunca leia isto. Vou apagar o raio do atalho para o blogue no ambiente de trabalho. Raio de nome: ambiente de trabalho.
Isto enerva-me.

A sorte é que o Alonso voltou de férias e me quer ver grelhado. Combinado, rapaz: eu salto para o brasume se tu me arranjares o contacto electrónico do raio da tal Hermionne. E da Marion, já agora... deve ter uma filha, não?

Um dia a casa veio abaixo ...

"Eu pago 4 contos de renda, mas moro aqui há mais de 51 anos. A minha sogra veio para cá morar quando tinha 14 anos, morreu com 94 e já morreu há 21 anos." (vi na televisão. Se não era assim, era perto disto)

Pois é. Esta senhora acha - como todos os inquilinos de prédios antigos e que pagam insignificâncias para neles morarem - que os senhorios são, por decreto legal, instituições de solidariedade social. Mas os malandros recusam-se a sê-lo. E bem, que isto de ser expropriado do rendimento de uma propriedade sem se ser simultaneamente isento dos encargos que dela advêm não lembra ...

O Estado, nesta coisa dos arrendamentos, quiz sol na eira e chuva no nabal. Ou seja, nacionalizou na prática a propriedade urbana arrendada mas, não tendo dinheiro para a manter, deixou-a na mão dos proprietários. Eles que se amanhassem.

Podia aqui contar dezenas de histórias de senhorios e inquilinos em Lisboa. Mas não há história que revele a dimensão da catástrofe que o bom do Salazar criou em Lisboa (e suponho que no Porto também) ao congelar as rendas no fim da Segunda Guerra. Catástrofe ampliada no pós 25-Abril ao estender essa medida "social" ao resto do País. Junte-se ao caldinho a inflacção quase galopante dos anos 70 e 80 e pronto: As casas estão a vir abaixo.

Mas vou, ainda assim, contar uma história, que não é dramática - pelo contrário, chega a ser cómica: recentemente um senhorio e o seu inquilino chegaram a acordo de venda de um apartamento no centro de Lisboa. O preço foi módico, cerca de um terço do valor de mercado da casa. Aqui há dias ligou-me o ex-inquilino (agora novo proprietário) a dizer que tinha ido à Assembleia de Condomínio do prédio e que "assim não podia ser" (sic). É que a prestação mensal do condomínio era mais do que ele antes pagava de renda ... eu apenas lhe respondi (a consolá-lo): não é a prestação do condomínio que é alta. A sua renda é que era incrivelmente baixa. Já agora, agradeça ao seu senhorio o esforço que ele fez em seu favor, porque a prestação do condomínio que ele pagava por essa casa já era mais alta do que a renda que ele recebia há pelo menos dez anos.

Eu já estou acostumado aos relatos destes dramas urbanos sempre feitos apresentando os senhorios como uns bandidos que não recuperam os prédios degradados. Uns especuladores imobliários sem coração. E que querem (como a lolita "en passant" disse) prédios "seguramente mais rentáveis". Todos sabemos que querer isso é pecado ...

Neste caso, a questão nem é de direita nem de esquerda. É um caso de esquizofrenia. Se se for de esquerda defende-se que o Estado exproprie os prédios e assuma como encargo social manter lá o pessoal a pagar nada ou perto de nada (fica sempre bem ser-se benemérito). Se se for de direita defende-se a liberalização das rendas. Neste caso, no entanto, o que se faz não é nem uma coisa nem outra. O Estado está perto de falido e sabe bem que é incapaz de gerir convenientemente o que quer que seja, (os prédios que são seus estão normalmente em estado miserável). E, por isso, deixa a propriedade urbana (e o ónus de a manter) nos particulares, ao mesmo tempo que lhes impõe regras draconianas no que respeita ao rendimento que deles podem obter. É tão fácil lavar as mãos e ser benemérito à conta dos outros ...

PS - Li umas coisas e já percebi que há uma nova blogamemuchista. Bem vinda chabeli.

PS2 - A lolita e o besugo já se começaram a atazanar um ao outro. É bom sinal. Posso voltar.

PS3 - Um esclarecimento: eu não disse que votei a cantar o "the kick inside". Só disse que votei a cantar "como a Kate Bush". Já não me lembro bem, mas acho que na ocasião trauteei o "Lá vamos cantando e rindo".

PS4 - "Bush só Kate" é um lema giro. Se a moda pega, no PS teremos lemas de campanha interna como "Sócrates só o filósofo", "Alegre só o Pateta" ou "Soares só o Mário".

PS5 - E aqui: "besugo só grelhado"; "lolita só ... (ups ... busquei no google e só encontrei poucasvergonhices); "Alonso só o Fernando", "Paco só o de Lucia" ...

PS6 - Já dei a minha contribuição para a silly season, não sei se repararam.

A foto que Cartier-Bresson nunca tirou

Estou aqui para confirmar a afirmação de princípio feita pelo besugo aqui em baixo sobre a beleza que, embora desconhecida, já lá estava. Esclareço que não fui pressionada ou aliciada por qualquer modo a vir aqui, o mais voluntariamente que me é possível, confirmar que Cartier-Bresson nunca soube que a matéria justa e suficiente para a foto mais representativa de toda a sua vasta obra estava escondida, algures na península hispânica. Disfrutemos, assim, deste retalho da tal beleza desconhecida que, estou certa, merecerá a partir de agora a idolatria dos homens e das mulheres lúcidos de... como é que disseste, besugo? Já sei: fino gosto.



Nota: era suposto o besugo também aparecer na foto, mas tinha ido ver a bola.

Antecipem-me as "vacances", já agora!

Eu sei que tinha prometido estar calado, que ia esforçar-me para não dizer barbaridades sobre eles, mas não consigo. Pronto.
Coitados deles, que trabalham tanto e sofrem muito, mas podiam vir espaçados, pronto, não era logo todos juntos, no pico da canícula. Isto é uma injustiça, o que eu vou dizer, eu sei, mas eu ando com o "justiçómetro fundido", por via do "quero sair daqui para fora rapidamente!" que me ecoa nas meninges recozidas.

É assim (sotaque vagamente "tante vache de Cascaux"):
"- Eles já andam aí, os "avecs". Os "didonques". Os "cependantes". Os "vacances". Andam, que eu bem os vejo a engrossar as filas que se formam, todos os dias, na estrada de Santa Marta, aquela estrada cheia de curvas e de traços contínuos, só para me prejudicarem nas minhas ânsias de pontualidade! Não tenho ânsias dessas? Pois não, têm eles, os gajos das "voitures", não querem lá ver!" (*)

Isto que eu disse é horrível. Eu acho que Deus quer testar-me, é o que é. E cada vez mais receio ir parar, sem remédio, a qualquer sítio desagradável, do purgatório para baixo.




(*) Ici, le bésugue essaye de se citer, en utilisant l'italique. Même en cette phrase, le "sacane".

Antecipem-me as férias, eu estou a avisar!

Fiquei enternecido ao ler o que a Lolita escreveu ali abaixo. O reconhecimento conforta e amacia. Passo a citar:

"Cartier-Bresson registava o exacto segundo em que o acontecimento se eternizava. A realidade transformada em arte e, portanto, em beleza genuína. Que, afinal, já lá estava."

Ao contrário do que a Lolita parece pensar, Cartier-Bresson não teve a felicidade de me fotografar. Mas percebo perfeitamente o motivo que a leva a enganar-se assim...

Mãe, olha outra mulher lúcida e de fino gosto, como tu!

O Sporting

O Sporting tem-me agradado, nestes jogos de preparação. A miudagem tem estado bem, empenhada. Creio que vamos ter um modelo de jogo diferente, mais consistente, menos dependente de genialidades ocasionais. Isto sou eu a crer, evidentemente.
Se vai dar para ganhar alguma coisa, no fim? Ó senhores, eu sei lá se vai! Crer é poder? Ai não é assim que se escreve? Então, às tantas, não vai dar, pronto. E, vai daí, às tantas vai, eu sei lá!

A verdade, mesmo, é que eu não sei. O que vos garante que, sem sombra de dúvida, não sou a Maya, nem o Professor Alexandrino, nem aquele dos olhos pequeninos que é casado com Helena Vieira, a cantora lírica. Nem mesmo Cavaco Silva, esse guru da dicção personalizada.

Ó senhores, a sério, não olhem assim para mim, com esses olhos de enfado, que eu ando cansado e isto tudo é só para falar da pré-época!

O filósofo

De fotografia, percebo muito pouco. Apenas o suficiente para, raras vezes e quando me empenho, registar longinquamente aquilo que Henri Cartier-Bresson dizia ser essencial na fotografia: que os fotografados se revejam na foto. De modo que, sabendo da sua morte hoje na TSF e sabendo, também, que Cartier-Bresson foi sócio de Robert Capa, de quem o besugo falou aqui há uns tempos, tratei de procurar no google a saber da sua obra, de que há abundante informação. Descobri uma infinidade de fotografias, todas carismáticas, sedutoras, extractos perfeitos de histórias reais, como se pudéssemos adivinhar-lhes o passado e o futuro. Cartier-Bresson registava o exacto segundo em que o acontecimento se eternizava. A realidade transformada em arte e, portanto, em beleza genuína. Que, afinal, já lá estava.

4.8.04

Senhorias e cansaços

Ó MacGuffin: você desculpe, que isto é fraca polémica e tem interesse reduzidíssimo, mas tenho de lhe lembrar que o episódio pueril a que você alude não tinha nada a ver com facto de me ter chamado besugo. Se se recorda, você chamou-me, sim, "sr. besugo" . E, no contexto da conversa que mantive com o nosso amigo MEM, foi inevitável que me lembrasse disso e que o mencionasse: vieram à baila as "senhorias" utilizadas quase como se fossem preliminares de "lá vai tungas!".
A correcção impõe-se-me, por dispicienda que pareça, para situar as coisas no seu devido ponto. Porque, como diria a Lolita, isto vai uma tórrida silly season... e vão-me tardando as férias. Caramba, esturrica-se aqui de calor e o merecido descanso dos outros cai-nos no lombo com uma força que nem a Nelly Furtado saberia cantar!

O MEM não me explica nada.

Caro Médico Explica,

As obsessões não são mais do que dedicações desarvoradas. E ao senhor, que parece ser um médico dedicado, eu peço que se recomponha. Não vou sequer dizer, como a mim me diz, que não percebeu o que eu disse, não vou dizer que, por isso, continua a falhar o alvo, não vou dizer que quebrou a tal "ética blogosférica" que tanto preza ao lançar mão de expedientes menos próprios para me responder, não vou sequer, dizer que o senhor não me respondeu, não contrapôs o que eu disse, não debateu coisa nenhuma, não explicou o que diz pretender explicar aos que “nada sabem de medicina”. É importante, para si, estar coberto de razão? Percebo, todos temos as nossas fraquezas. Tentei, no segundo post em que falei no assunto, iniciar um debate mais cortês e, sobretudo, mais profícuo sobre o tema “cuidados paliativos”. Lamento não ter conseguido. O seu melhor registo é, se calhar, o da discussão (autista?) das suas nobres e pertinentes questões éticas. Por isso, façamos de conta que o senhor (você, tu, o senhor doutor, como queira, nunca pretendi outra coisa senão designá-lo), não escreveu nada daquilo que me dirigiu, porque eu continuo, ainda assim, a acreditar nas suas boas intenções.

Mais continuarei, por aqui, e sempre que me dirigir a si, a referenciá-lo a preto, sempre a preto. É que eu, às vezes, aborreço-me; mas não foi o caso.

3.8.04

Paliar

1 - Os cuidados paliativos, entendidos como excelente prática, fazem parte do Plano Oncológico Nacional 2000-2005. Isto saiu no Diário da República, que é onde saem as coisas todas, as que se cumprem e as que não se cumprem. Mas saíu. Eu li. Muita gente leu. Mas não se cumpre. Será, talvez, caro.

2 - Pela mesma altura, foi proposta uma coisa chamada Rede de Referenciação Oncológica, que definia "portas de entrada", competências, ligações: pretendia agilizar toda a "gincana sofredora" do doente oncológico, estabelecendo com clareza as competências de cada instituição e o papel que se esperaria de cada uma nesta "guerra" pelos doentes com cancro. Uma guerra que é feita de muitas batalhas, que têm vindo a ser travadas de forma isolada, avulsa, plenas de voluntarismo (razão da Lolita) e de demissões (razão do Colega e... da Lolita). As demissões não são dos IPO, que seria de nós sem os IPO, senhores(!), as demissões são colectivas e começam, como começam todas as demissões, nos "poupadores de dinheiro" e nos "cuidados primários" (que são primários, muitas vezes, no sentido de primitivos).

3 - Nós, cidadãos médicos, temos montanhas de razões para existirmos: como cidadãos, adeptos de clubes (eu sou do Sporting), pais, filhos, consumidores, consumidos... assumimos um ror de plenitudes existenciais. Contudo, como médicos-apenas, só existimos utilmente porque há doentes para tratarmos. Sem doentes, como médicos, somos duma inutilidade semelhante à duma mosca num prato de sopa. Eu, pelo menos, gosto de sopas limpinhas e boas, sem corpos estranhos lá dentro.
E devemos participar no debate público da saúde como técnicos, como cidadãos, como conhecedores, como cientistas... como mais que prováveis doentes, utentes, o raio que quiserem. Faz-nos parte da essência, da nossa irónica essência, de todos os homens e de todas as mulheres, semear para colher. Que semeemos bem para colhermos, em seu tempo, boa "novidade". Não podemos é participar na discussão como "enfadados dum sistema que é a nossa razão de existir". Eu, não sei se já disse isto, separava muito bem as águas do público e do privado, isto era limpinho!

4 - Da amigável discussão que se iniciou (tarde cheguei... se calhar já acabou; espero que não, tenho 8 anos de experiência em oncologia médica e gostaria de participar) entre a Lolita e o MEM, o que me chama a atenção, desde logo, é o seguinte: bom sinal, haver discussão entre gente separada por pouca coisa... se calhar, apenas, pelo gosto que põe na discussão do que lhe interessa discutir. A separação que une, não acham?

Acabei de ler a resposta do Colega à Lolita. Antes tinha lido a da Lolita ao Colega.
Não me parece que haja, em nenhuma delas, vestígios de desrespeito ou de falta de simpatia. A senhoria que a Lolita usa, quando a usa, é sempre respeitosa. O respeito deixou de ser reverencial quando se percebeu que o respeito é outra coisa. O mesmo não se passa noutros sítios? É verdade, referi isso mesmo quando, um dia, um blogue excelente (como excelente é o seu) se referiu a mim, besugo ligeirote, dessa maneira. São tiques que aqui não temos, asseguro. Até sorrimos deles.

Não tenho recebido cartas, nem e-mails, de doentes oncológicos. Nem de familiares. A credibilidade dum besugo é frágil, merecidamente, aliás. Não me apetece explicar medicina a ninguém, muito menos a intelectuais. Contudo, trato cerca de 200 novos doentes oncológicos por ano. Façam o favor de acreditar que os vou mantendo vivos, aos que consigo, o melhor que posso: por isso, vão-se acumulando na minha consciência e na minha agenda diária de homem e de médico.
E, caro Colega, nunca diga a nenhum familiar de doente nenhum com um cancro gástrico, que tem pouco tempo de vida sem o estadiar: é que se tiver um adenocarcinoma gástrico que seja, suponha, um T2N0M0, Grau 1, isto por exemplo, pode ficar curado, como sabe, só com a gastrectomia. Não facilite com a Lolita, o respeito tem de ser bilateral; e já nem lhe peço, sequer, para não facilitar comigo.
No seu escrito, como calcula, os frasquinhos com pedacinhos de cancro são retórica pouco técnica. Qual era o estadiamento do seu doente? Como fez o estadiamento pré-operatoriamente? Que resultado obteve na TC abdominal que pediu, seguramente, ao seu doente? Donde lhe brotou a sentença sobre os "10 meses de vida"? Eu tenho doentes com cancro gástrico, vivos e bem, ao fim de 18 meses de quimioterapia, sendo estadios IV de início! Não operados, sequer! Não facilitemos nas explicações, para que os intelectuais que se interessam a sério (olhe a Lolita, e há muitos mais) por estas coisas não nos venham sugerir que somos, apenas, manipuladores. É apenas um reparo. Mas você sabe que eu estou coberto de razão: mesmo em Trás-os-Montes há doentes rústicos com internet, que pretendem discutir comigo novidades sobre tratamentos! Lembra-se do caso recente da capecitabina (oral), que um estudo extenso e credível aponta como alternativa vantajosa ao esquema endovenoso da Clínica Mayo (e, mesmo, ao de De Gramont talvez), no cancro colorrectal, em terapêutica adjuvante? Pois é, como sabe, isto não é verdade para aplicar nas primeiras linhas dum carcinoma colorrectal metastático... Mas eles perguntam, legitimamente perguntam.

Há sites na net que recomendam aos médicos: "leia isto antes que o seu doente leia". O mundo está assim, grande mundo, pedindo honestidade a todos para não sucumbirmos todos às mãos "culpadas e acusadoras" uns dos outros.

Eu percebi o que quis dizer quando falou em "perder tempo". Mas eu sou médico, não é comigo que você quer falar disso. Para explicar medicina a não-médicos tem de ser (desculpe a franqueza) mais ... como é que diz a Lolita?... Assertivo! É isso. As pessoas não têm tempo para reparar nas aspas todas em assuntos técnicos.

Tenho genuíno respeito e consideração por si. Acredite, é uma límpida verdade.
Gostaria de manter, pelo menos de tempos a tempos, esta discussão que me fascina sempre e que anda à volta da dúvida eterna sobre "o que andamos aqui a fazer e que caralho vale isso". Não me parece que esta seja uma questão universal na classe médica. Nos meus amigos, nos que eu conheço e admiro, é. Nos outros, não sei. Devia ser. Em si, caro Colega, parece-me profundamente que sim, que é. Admiro-o, também, por isso.

Mesmo que ninguém queira discutir, eu volto ao tema, porque me interessa muito. E desculpem o meu aleivoso calão, é um enfeite rústico da minha torpe natureza duriense.

A propriedade

O ex-ministro da agricultura, Sevinate Pinto, explica hoje no Público aquilo que foi feito em matéria de prevenção de incêndios durante o período a que se poderia chamar "Governo PSD-PP - primeiro acto". A verdade é que gostei. É honesto quanto à descrição daquilo que foi feito e é credível quando, não rejeitando responsabilidades, reequilibra a polémica chamando a atenção para os erros dos proprietários privados de mata com a qual não gastam um tostão em coisa nenhuma. É claro que pode sempre dizer-se que a prevenção dos incêndios é uma questão de interesse público e que o Estado tem, por isso, o dever de promover, subsidiar, obrigar ou, até, penalizar os cidadãos que, não cuidando das suas propriedades, propiciam acidentes ecológicos, ou, em demasiado correntes casos, verdadeiros desastres. O que não afasta o dever de cada um dos cidadãos de evitar, na medida das suas responsabilidades, esses danos naquilo que lhe pertença. Tal como (não) se passa com os prédios, de propriedade privada, com décadas de degradação lenta e que acabam por ruir para que, em seu lugar, nasçam prédios novos - e seguramente mais rentáveis. Eu sei que pareço estar a defender a colectivização dos meios de produção e a nacionalização dos bens: é por aqui que começa Marx. Mas eu não continuo, porque sei que o Estado também não é, em geral, um bom gestor de património. Portanto, ideologias à parte, é, de facto, fácil apontar responsáveis, imputar culpas e exigir mudanças. O besugo disse aqui, há uns dias atrás, que, tal como eu acreditava há um ano atrás, rigorosamente nada tinha sido feito para evitar este ano a mesma catástrofe. Reconheço que não foi tanto assim: fez-se alguma coisa. Muito embora essa alguma coisa tenha sido feita tardiamente (e, portanto, sem efeito útil para este ano) e de forma insuficiente. O ex-ministro convenceu-me disso. Foi claro, justo e honesto. Faça-se justiça.

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