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7.8.04

A importância da resposta

Uma e meia da tarde, num Cartório Notarial do Porto. Há uns dois ou três anos que não entrava num Cartório Notarial. Desde então, modificaram o lay-out com posters daqueles que explicam ao utente que ele é muito importante, que ali não se fuma e que o estabelecimento tem livro de reclamações, mais a pintura nova e os espelhos debaixo do balcão que permitem, enquanto se espera - sentada nas cadeirinhas, aquelas cadeirinhas de armação metálica com assento e encosto preto, tão na onda "Phillipe Stark" - observar os pés, as sandálias, enfim, a postura até à cintura (como fico eu de pernas cruzadas?) enquanto se espera a vez. Quando essa lúdica actividade me esgotou o interesse, pus-me atenta ao atendimento. Uma funcionária atendia. Outra, sentada na secretária com expressão entre o enfadado e o indolente, foi abordada por um senhor velhinho, o segundo dos utentes do Cartório (eu era a terceira) que lhe pediu que o atendesse, ao que ela respondeu, com um risinho, "lamento, mas estou na minha hora de almoço", que logo a seguir o velhinho comentou, veladamente, com um "ahhh, bom...", como se pensasse que, se estava na hora do almoço, porque é que não saía dali, que se fosse com ele não passava naquele purgatório mais do que o tempo estritamente necessário. Eu pensei o mesmo.

A outra funcionária, a tal que atendia, analisava uma minuta de procuração e perguntou, a dada altura, ao casalinho que a trouxe se lhe tinham dado a minuta ou se tinham sido eles próprios a preparar. Percebi, depois, que aquilo era um ritual iniciático e que a resposta a essa pergunta determinava o futuro do utente. "Não, deram-nos assim, tal como está", respondeu o rapaz. Ainda assim, a funcionária continuava com dúvidas, ao ponto de chamar a Ajudante (do Notário, note-se, portanto mais poderosa e sabedora do que a outra) que, depois de ler displicentemente o documento, iniciou-se na sua sapiente abordagem crítica, ditando alterações, complementos e cortes. O casal de utentes, inseguro, atreveu-se a perguntar se, com tanta mudança, não ia levar uma procuração diferente da que queria - eu a adivinhar que provocariam a ira da senhora. Acertei. Tratou de virar-lhes as costas, não sem antes lhes comunicar que não faria qualquer alteração na procuração. Ao passar perto de mim, ouvi-a segredar à funcionária-que-estava-na-hora-do-almoço que a tal procuração tinha sido feita por um advogado e por uma juiz (os dois, em consórcio, pensei eu?...). Ora, sempre os mesmos, sabem sempre tudo.

Ao senhor velhinho correu tudo bem. Não sabia ao certo o que queria e, portanto, respondeu acertadamente à tal pergunta. As funcionárias explicaram-lhe tudo e saiu satisfeito e com a papelada no bolso. Chegada a minha vez - eu também queria uma procuração -, imitei o senhor velhinho e, apesar de levar minuta, deixei-me levar pelos avisados conselhos das senhoras e nunca pronunciei a palavra "advogado(a)". Estive para dizer que era juiz, a ver a reacção. Mas tinha pressa.

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