Um dia a casa veio abaixo ...
"Eu pago 4 contos de renda, mas moro aqui há mais de 51 anos. A minha sogra veio para cá morar quando tinha 14 anos, morreu com 94 e já morreu há 21 anos." (vi na televisão. Se não era assim, era perto disto)Pois é. Esta senhora acha - como todos os inquilinos de prédios antigos e que pagam insignificâncias para neles morarem - que os senhorios são, por decreto legal, instituições de solidariedade social. Mas os malandros recusam-se a sê-lo. E bem, que isto de ser expropriado do rendimento de uma propriedade sem se ser simultaneamente isento dos encargos que dela advêm não lembra ...
O Estado, nesta coisa dos arrendamentos, quiz sol na eira e chuva no nabal. Ou seja, nacionalizou na prática a propriedade urbana arrendada mas, não tendo dinheiro para a manter, deixou-a na mão dos proprietários. Eles que se amanhassem.
Podia aqui contar dezenas de histórias de senhorios e inquilinos em Lisboa. Mas não há história que revele a dimensão da catástrofe que o bom do Salazar criou em Lisboa (e suponho que no Porto também) ao congelar as rendas no fim da Segunda Guerra. Catástrofe ampliada no pós 25-Abril ao estender essa medida "social" ao resto do País. Junte-se ao caldinho a inflacção quase galopante dos anos 70 e 80 e pronto: As casas estão a vir abaixo.
Mas vou, ainda assim, contar uma história, que não é dramática - pelo contrário, chega a ser cómica: recentemente um senhorio e o seu inquilino chegaram a acordo de venda de um apartamento no centro de Lisboa. O preço foi módico, cerca de um terço do valor de mercado da casa. Aqui há dias ligou-me o ex-inquilino (agora novo proprietário) a dizer que tinha ido à Assembleia de Condomínio do prédio e que "assim não podia ser" (sic). É que a prestação mensal do condomínio era mais do que ele antes pagava de renda ... eu apenas lhe respondi (a consolá-lo): não é a prestação do condomínio que é alta. A sua renda é que era incrivelmente baixa. Já agora, agradeça ao seu senhorio o esforço que ele fez em seu favor, porque a prestação do condomínio que ele pagava por essa casa já era mais alta do que a renda que ele recebia há pelo menos dez anos.
Eu já estou acostumado aos relatos destes dramas urbanos sempre feitos apresentando os senhorios como uns bandidos que não recuperam os prédios degradados. Uns especuladores imobliários sem coração. E que querem (como a lolita "en passant" disse) prédios "seguramente mais rentáveis". Todos sabemos que querer isso é pecado ...
Neste caso, a questão nem é de direita nem de esquerda. É um caso de esquizofrenia. Se se for de esquerda defende-se que o Estado exproprie os prédios e assuma como encargo social manter lá o pessoal a pagar nada ou perto de nada (fica sempre bem ser-se benemérito). Se se for de direita defende-se a liberalização das rendas. Neste caso, no entanto, o que se faz não é nem uma coisa nem outra. O Estado está perto de falido e sabe bem que é incapaz de gerir convenientemente o que quer que seja, (os prédios que são seus estão normalmente em estado miserável). E, por isso, deixa a propriedade urbana (e o ónus de a manter) nos particulares, ao mesmo tempo que lhes impõe regras draconianas no que respeita ao rendimento que deles podem obter. É tão fácil lavar as mãos e ser benemérito à conta dos outros ...
PS - Li umas coisas e já percebi que há uma nova blogamemuchista. Bem vinda chabeli.
PS2 - A lolita e o besugo já se começaram a atazanar um ao outro. É bom sinal. Posso voltar.
PS3 - Um esclarecimento: eu não disse que votei a cantar o "the kick inside". Só disse que votei a cantar "como a Kate Bush". Já não me lembro bem, mas acho que na ocasião trauteei o "Lá vamos cantando e rindo".
PS4 - "Bush só Kate" é um lema giro. Se a moda pega, no PS teremos lemas de campanha interna como "Sócrates só o filósofo", "Alegre só o Pateta" ou "Soares só o Mário".
PS5 - E aqui: "besugo só grelhado"; "lolita só ... (ups ... busquei no google e só encontrei poucasvergonhices); "Alonso só o Fernando", "Paco só o de Lucia" ...
PS6 - Já dei a minha contribuição para a silly season, não sei se repararam.
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