Mal, ou - ao menos - mais ou menos, este lugar continua-se
Ela caiu há dez dias, em casa, escorregou-se nela e bateu com a cabeça no chão e desmaiou, susto grande. Acordou no hospital e, da queda propriamente dita, nada resultou de nefasto: cabeça limpa.
Tinha era o que tinha, conhecia-a há vinte meses e, já por esse tempo, tinha o que tinha, chegou-me à minha vida numa rampa inclinada da vida dela, ladeira descida com travões a fundo mas sem ABS.
Equiparam-na de pijama bonito, na enfermaria. Ela mais amarela e mais inchada, por dentro dela e do pijama, do que há quinze dias.
"Vais-te...".
Foi-se.
Hoje morreu. Ia dizer "morreu-me", mas já não. Aprendo tarde, mas ainda aprendo.
Ela morreu, sim.
E morreu-lhes a eles, ao homem e aos três filhos, que lhe abraçaram o corpo e lhe beijaram a face como se as lágrimas do fim fossem loção que oleasse despedidas.
A mim, não. A mim não me morreu.
Limita-te, besugo, para já, a acompanhar as rampas inclinadas dos outros. Aprende: tu só acompanhas.
Até sentires que começas a descer a tua - olha, pode ser de repente, besugo, pode ser como foi com o Rui, o teu colega que foi hoje a enterrar, podes até nem dar muita fé da rampa, da ladeira, besugo lorpa.
E, quando isso te chegar a ti, que tenhas alguém que te chore em cima uma loção qualquer de adeus.
Um unguento quase líquido que comova, ao menos, quem estiver ali de bata branca - fardamento nobre da pobreza -, se calhar ser o caso, a acompanhar, calado, quem estiver, se vieres a ter essa sorte por destino, a ungir-te.
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