blog caliente.

31.12.06

Podem ler isto a ouvir a música de baixo ou em silêncio; também podem não ler, eu não leria

Enforcaram o Saddam, podia ser outro, foi ele, nada a opor, eles são mais, ou são mais fortes, e o Maniche também é forte e é muito rápido a rematar, e está agora no Madrid "colchonero", vem de "colchones", equipam-se nos têxteis, não vão ao Meco sem dar nas vistas, e passa lá um rio perto, em Manzanares, não é o Douro, não é o Duero, nem é o Mississipi, há-de estar a fazer anos que o Missouri fez aquela greve de fome por ter de ser ele, sempre ele, a desaguar no outro, sempre o Missouri a fazer de Sean Penn nos filmes da hidrografia, a desaguar em lugar de se encher no leito com o que desagua, e o Brad Pitt deve ser mais atraente que o Sean Connery mas fora da cama não sei, nunca sei com quem é que as mulheres preferem tomar o pequeno almoço, a grande questão é o dia seguinte, é sempre o dia seguinte, nunca é a noite, que isso da noite, no dia seguinte, são só vésperas, parece que o sino não se cala, sempre a balir trinados fundos, ia quase dizer trundos finados, que nem há isso, foi alguém que morreu, alguém que morreu, morreu o Papa, agora há um hiato, é como cá, há um hiato cá, até há dois, até há mais, mas às vezes duram, os hiatos podem durar pilhas de tempo, pilhas de livros, pilhões de pilhas, empilhar a memória pode ser que a organize, mas como é que se empilha a memória?, de baixo para cima ou de cima para baixo?, e onde é o cimo?, onde é que está o cimo da memória quando começamos a esquecer-nos de coisas e a ter de fazer o circuito da memória mais que duas vezes para decorarmos alguma coisa, senão vai tudo para o "DNA-junk", para a reciclagem do pensamento?, tem uma tampa de lata que faz tão-tão, têm sempre uma tampa de latão, as caixas todas de latão, para fazerem tão-tão, "tão pequena que ela era, metia dó e tive pena, foi só isso" disse ela ainda condoída, a dor conjunta, o conjunto das coisas todas, intersecção de conjuntos, "a secção de intersecção de conjuntos é no piso de baixo" , guincharam de cima, perfeitamente, façam isso com os Doors e com os Beatles e dá zero, não dá nada, a intersecção é a secante da intercepção, tangentes e secantes, um só ponto ou muitos pontos, o Sporting vai a uma pipa de pontos do Porto, mais pontos distava a traineira do porto dela, em metros, isto sempre em metros, os pontos vão agora em metros, foderam-se, menos um, um que se safou, houve um que se safou, um que não se fodeu, não foi o Saddam, que nem merecia safar-se, merecia mais o outro, queres ver, ou eu.

A ver se dá

Esguichos de besugo

Aprendi a pôr aqui vídeos e música.
Está tudo fodido, vai ser uma espécie de vinte-e-cinco-de-abril.

Esperem, vou pôr agora a bolinha ali em cima: dá mais trabalho, mas escuso de substituir "fodido" por "lixado", "quilhado", ou, mesmo, por "uma beca chateado".
Uma beca deve ser, aliás, um bico executado, numa rua sem saída, a um indivíduo que não aprecia isso particularmente, por outro(s) indivíduo(s). Uma beca é, portanto, uma espécie de paneleirice esconsa e desconsoladora. Deve ser.

Eu até vou parar agora um bocadinho para falar sobre isto. Se um dia algum cidadão (que um aldeão não diz estas coisas) me entrar pelo consultório a dizer "ai, dói-me uma beca aqui", apontando dedo sofredor para um quadrante abdominal qualquer, eu vou logo buscar as luvas. Não, não é para me proteger, que se proteja mas é o projecto de "epiceno". Vou buscar as luvas de boxe. Tenho ali uma. Duas. Acho que a cadela ainda não... vou ver. Não, são mesmo duas. Tenho-as ali.

Bom, ainda não fui pôr a bolinha ali em cima mas, até acabar de escrever isto, não me esqueço. Ela lá estará, no fim. Ao alto, altaneira e redonda, como se fora uma lua oca de encarnada.
Ou confiam em mim, ou não. Certo? Perfeitamente.

Bom. Onde íamos?
Ah!
Naquilo de pôr aqui vídeos e músicas. O alonso ensinou-me. Tem de se copiar uma coisa num "site" que se chama "Youtube" o que traduzido deve querer dizer "Tu lembras-te dos Tubes?, eu não, tem piada...", tem de se copiar, dizia eu, umas letras pequeninas, o que se faz carregando em duas teclas ao mesmo tempo e, depois, em modo "edit HTML", que é um código secreto que quer dizer "publica o livrinho de poemetos secantes do Hélder Terêncio Manteigas Lantanídeo", carregar outra vez em duas teclas, sendo que uma delas é diferente da combinação anterior, mas carrega-se nestas duas já no sítio onde se quer que aquilo apareça, que, no caso, é no blogue.

Aprendam, que eu não duro sempre.
E funciona. Parece-me.
Vou fazer isso agora, mas não aqui, não neste escrito, porque já me ensinaram que cada coisa tem o seu lugar.
O problema é que as coisas é que sabem bem disso, dos seus lugares. Não somos nós que sabemos. São elas. Isto dá para quase tudo.

Vou pôr a bolinha, neste. Isso está prometido há já algumas linhas. A seguir, mostro as minhas habilidades.
Não. Mostro aqui uma habilidade, apesar de tudo.
A bolinha, hoje, vai em baixo. No fim.
Aqui:

30.12.06

Pois foi, lola, cá estivemos hoje a falar sobre o Saddam, e tu a praticares artes marciais, ou lá o que era...

Quando um grupo de homens fortes, ou um grupo forte de homens - o que é diferente, embora nenhum dos membros dum grupo assim esteja para pensar nisto - encurrala um homem só, pode fazer-lhe o que quiser.
Pode deitá-lo ao chão com facilidade e dar-lhe pontapés na cara, pode cuspir-lhe coisas amareladas, pode dar-lhe chicotadas pelo corpo todo, pode violar-lhe (*) a irmã, a mãe, a filha ou a mulher e obrigá-lo a assistir, pode obrigá-lo a ajoelhar-se e a pedir perdão, pode tudo.
E pode não fazer nada disso.
Pode, até, não o matar.

(*) Eu sei que o "- lhe" pode estar ali a mais, ao menos do ponto de vista da estrita violação, sei muito bem que quando se viola seja quem for quem fica violado é o violado, mas não é sobre isso que estou a falar. Estou a falar, só, sobre o poder. E do seu exercício, essa ginástica que muscula cada vez menos o carácter dos que se inscrevem no ginásio. Por alguma coisa se inscreveram, eu sei.

Lolita!!!!!

Nós, quais matarruanos, aqui te dedicamos uma musiquita nada natalícia (porque natalícia tu não mereces :p )

Chama-se "sentinel" e queremos com ela significar que estamos vigilantes, hirtos e firmes na guarda deste blog, enquanto tu andas a fazer turismo ...

Bom (é melhor que razoável, vamos indo ... ) Ano!

Besugo e Alonso

29.12.06

Família Adams e Freixo de Espada à Cinta: comportamentos de risco

Vários jornais têm abordado a eventual saída de Carlos Martins do Sporting.
Ora, isto era uma boa notícia, se deixasse de ser uma eventualidade para passar a ser uma certeza.
Mas aquilo anda difícil.
"Que é um talento, e tal e tal; e que está descontente..." - isso nota-se, tem cara de quem anda sempre com o seu pedaço de azia -; e "que pode ir para um clube romeno, embora haja mais clubes interessados" no pequeno génio (consta, até, que há o Benfica à babugem, mas isso não sei, desconheço essa agremiação que dizem que ganhou por 5-3 ao Real Madrid em 1962; não me lembro agora disso, bateu-me aqui uma amnésia relativa, porque a ser verdade eu tinha só um ano, um ano é pouco para a memória); e que "vai fazer muita falta ao Sporting!".

O caralho.
Vai fazer falta ao Sporting por alma de quem, o Carlos Martins? Essa espécie de matutino que sai à noite? Vai, mas é o caralho.

Vamos ruminar. Ora, a Roménia é um país que exporta, fundamentalmente, treinadores de futebol com óculos de armação metálica, jogadores que estão quase sempre lesionados (o Hagi tinha uma lesão crónica dentro da caixa córnea, sim, não sabiam?, chamava-se pancadão inenarrável, a sério, não era só o Niculae que padecia dos metatarsianos), mineiros violentos que pontapeiam senhoras nas ruas, populares que assassinam casais ditadores apenas por isso - ditar é pecado, agora: estamos agora no tempo das cópias, não é tempo de ditados; agora quem dita morre, já lá vamos -, vampiros e vendedores de pensos rápidos.

Importa, basicamente, que a Roménia se aperceba da vantagem de importar Carlos Martins. Essa é que é essa.
Eu já escrevi cartas aos vários clubes romenos que há (até ao Politécnica de Timisoara e ao Universidade de Craiova, escrevi mesmo ao Rapid de Bucareste; ao Dínamo não, porque não quero prejudicar os tipos na taça UEFA) a dizer que sim, que levem o Carlos Martins, que ele não só tem um imenso talento como tem uma excelente cara de romeno, sim, que ele tanto podia andar a vender pensos e aromatizadores para viaturas na Circunvalação, como a assassinar ditadores na mó de baixo!

Nisso dos ditadores, extrapolando bastamente, o Carlos Martins é como nós todos.

Mudando de assunto.
Não, não mudando. Parece que vão matar Saddam. Mas não vão: vão é enforcá-lo.
É a pena de morte dos ladrões de cavalos, é a corda ao pescoço de Egas Moniz que sinto a apertar-me o tornozelo? É capaz de ser.

Reparem bem nisto: eu antes queria que o Carlos Martins ficasse no Sporting e fosse sempre titular, do que saber que vão enforcar Saddam e parecer-me que toda a gente acha isso perfeitamente bem, excepto aquelas pessoas que são contra a pena de morte por ideologia básica.
São coisas diferentes. Está bem, eu não suporto a ideia da "pena de morte" - porque as penas deviam ser leves, sempre leves, como as dos passarinhos - mas sei que trato aqui de coisas diferentes.

Não consigo explicar melhor do que isto, ou não estou para aí virado, e já me basta assim. De maneira que o título deste escrito encontra, nesta minha incapacidade, a sua justificação.

E um bom ano para todos.

Mensagem pessoal

É esta, com toda a probabilidade, a última vez que aqui escrevo este ano. Como quase toda a gente, também eu não escapo ao curso sincopado do relógio que nos conta o tempo, e o tempo, para o relógio, recomeça dentro de dois dias. O ano que se segue é sempre um resquício consequente do anterior: fazemos melhor depois do que antes fizémos, combatemos melhor do que antes divergimos, escolhemos mais criteriosamente do que antes nos submetemos ao curso dos outros.

Assim espero que suceda no próximo. A todos, eu e os meus incluídos. Um excelente ano novo, caros leitores, bloggers amigos (*), bloggers desconhecidos, individualidades e público em geral. Cá estaremos, uns dias mais, outros menos, mas siempre camiñando.

(*) Em particular para a ilustre señorita Lolyta.

Frases como sempre imbecis de besugo, mas desta vez em mais pequeno para não maçar o vasto auditório, que se foda, vai um título grande, já compensa

Há a paz e há a paz.
A angústia é o intervalo.

28.12.06

Esguichos de besugo

Na "Revolta dos Pastéis de Nata", na 2, os convidados eram Bruno Nogueira (o único tipo em Portugal que pode ser usado para exemplificar o que é um fuso horário, numa aula de Geografia, desde que se penteie e não se ponha de lado), Valéria (uma brasileira desgostosa por não ser bem uma actriz, mas que queria bastante ser isso e viver bem disso) e Joaquim Monchique (a Amália de Herman José, basicamente; um tipo com as pulseiras da sobrinha, vá).

O programa é bom, vê-se bem. E não deve ficar caro: há ali talento e o talento costuma ser mal pago até se abichanar.

A dada altura, a brasileira - que se nota que anda revoltada com uma coisa qualquer, ou com várias coisas ao mesmo tempo, com ela também, às tantas - afirma que "há, em Portugal, brasileiros a mais".
O apresentador, um "rabo-torto" (*) de boina (acho-lhe piada, a sério), pede-lhe que esmiúce; e ela lá acaba por dizer - por outras palavras - que "há, em Portugal, brasileiros a mais porque os portugueses acham que há, em Portugal, brasileiros a mais". O que ela disse foi mais ou menos isto, quem viu o programa percebe: ela fala como quem se pune, punindo.

Ela tem razão, não a defendendo com a raiva toda.

Portugal, o que tem, é Monchiques a mais. Bastava uma Monchique, a que vem no mapa. Dispensavam-se todas as outras, sobretudo as que vêm com adereços alugados à sorte tonta, personagens de ficção com cheiro - calculo eu.

(*) - Mimo com que os micaelenses acarinham os terceirenses; estes retribuem-lhes, apelidando os "coriscos" (os micaelenses vistos por si, claro está!) de "japoneses".
Palavra de "picaroto" que isto é tudo verdade.

26.12.06

Major Tom to Ground Control:

"I spotted the landing site. ETA at 13:30 GMT, December 30th, 2006

23.12.06

Pronto. Qual é o prémio?


Penso estar a apresentar, aqui, o mais bonito pinheiro de Natal que a blogosfera inteira já terá observado em dias da sua vida. Tardiamente o fiz, lamento(*).
Trata-se de árvore singela, com três anos de idade, resinosa. Altiva no seu porte (embora um bocadinho gorda), e carregadinha de luzes que fazem pisca-pisca. Claro, por azar, o pinheirinho foi apanhado numa fase de apagão no pisca-pisca, de maneira que dá ideia de não estar enfeitado para a quadra. Mas está.
Porque sou avesso a cortar as asas da imaginação de quem observa árvores (costumo ser assim magnânimo, também, com quem observa pássaros, por exemplo), deixo os enfeites à vossa fértil imaginação natalícia.

Acrescento que haviam de o ver, ao pinheiro, carregadinho de geada matinal. Parece que pinga gelo molhado. Mas não tenho tempo, a essa hora, para o fotografar: apenas o invejo por poder ali ficar, sossegadinho, tendo eu de partir, pobre besugo, por essa A-24 acima, na inquietude dos tontos derrapantes sempre derrapando no seu desvario da temente obrigação de derrapar, derrapar sempre, por aí acima, sempre com algum medo no descer.

Se não ganhar este prémio, publicarei um livrinho, a que chamarei "Eu, besugo", onde denunciarei certas e determinadas coisas, nomeadamente certas merendas de chocolatinhos e café colombiano, além de outras histórias sórdidas, que envolvem certos e determinados concorrentes, essa corja gananciosa, e os membros do júri.
É só para estarem à vontade.

Agora a sério: bom Natal para todos. Bom, de calmo. Bom, de bom. Bom daquela religiosidade ao calhas, essa mesmo, a que procura fundamento em documentos diariamente renováveis, que é a única que eu entendo e me faz gostar de pinheirinhos e de gente.

(*) Nota: a Floribella acabou mais tarde, hoje. Hás-de pagá-las, lola!

É esta, a minha árvore de Natal



Ei-la. Pinheiro artificial de elevada qualidade, fácil montagem e manutenção e fagulhas farfalhudas. A árvore está toda enfeitada de azul FCP e o vermelho, claro, é só para disfarçar. Plena, portanto, de Christmas spirit.

Nota: Ainda não vi o arbustozeco mirrado a que o besugo chama "a minha árvore de Natal", mas é de admitir que esteja decorado com motivos "floribella".

22.12.06

Dos pinheiros

Caro Luís:

Queremos participar.
Aprendemos de pequeninos que querer é poder, excepto se o nosso querer depender apenas do poder dos outros: nesse caso, quando queremos, estrebuchamos.
Ou pedimos.

E que pedimos nós? O seguinte:
Como não pudemos ainda fotografar as nossas árvores, por motivos que lhe garantimos serem apreciáveis e merecedores da sua consideração, pedimos que o prazo seja alargado, no nosso caso, até às 23h de amanhã, 22 de Dezembro. Não vamos poder fazer isso durante a tarde, caramba! Tenha lá paciência!

Certos de que, nunca lhe tendo pedido nada - mas tendo recebido de si, já, tanto -, o nosso pedido lhe merecerá tanta consideração como se já lhe tivéssemos pedido muito - e recebido um pífaro -, ficamos crentes no seguinte:

1 - O Luís considerará o nosso pedido.
2 - O Luís decidirá.
3 - Seja como for, publicaremos os pinheiros no blogame mucho.

Segue e-mail suplicante, a cargo da lolita, que nunca suplicou nada - a ver se ela me lê e faz, desta vez, uma vez sem exemplo, o que eu lhe digo.

Um abraço.

Lolita e besugo

21.12.06

Principezinhos

Dias sem fôlego, uns atrás dos outros. A noite caiu precoce, com a memória de um roupão branco num corpinho descalço, solto em gargalhadas enquanto corria no corredor do palácio onde, pela primeira vez, ouviu falar da D. Maria I, a Piedosa que, (poucos) anos depois, viria a entrar na sua exaustiva galeria de dinastias.

19.12.06

o pequeno conto do peito



Ainda não sou de repetir mecanicamente as coisas, nem a minha antiga relação com o movimento circular do tempo me impõe que as repita assim, só tique-taque: cada dia nosso é novo, por muito triste e velho que nos chegue ao contador.
Repito-as, às coisas, portanto, apenas porque quero: não porque elas se me imponham à lalia.

Todos os Natais me vêm trazer a casa, ou então levam-mas ao consultório, coisas bonitas. São coisas simples, geralmente; às vezes livros, que eu também tenho doentes que me lêem - mas são sempre muito bonitas.

Estou a escrever isto, confesso, com uma impressão no peito; mas é coisa pequena, uma daquelas pequenas dores que sabemos que não nos vão matar. Não passa daquela nossa pequena dor de inúteis que nos agarramos à nossa pequena utilidade utilitária e nos comovemos com ela, como se ela valesse alguma coisa fora do nosso próprio peito, ou como se ela ganhasse algum sentido ou valor especial no peito dos outros, só por também a termos, também a sentirmos, adoçada.

Daqui, donde vos conto isto, à minha volta, espalhados conforme me foram chegando, tenho quase uma centena de embrulhinhos e doutras coisas que me deram.
São oferendas lindas de doentes meus, doentes minhas, gente que não me pertence e a quem nada devo, creio eu - para isto fazer sentido, e eu quero que faça -, senão este pequeno conto tosco, em que lhes agradeço, de forma mais silenciosa do que se fosse segredada, terem de mim ideia de ser eu um amigo que está sempre que pode, um homem fraco que, sendo de longe, tenta estar sempre por perto e, em não estando, possivelmente, foi porque não pôde, mesmo que - se calhar - tivesse podido: há purgatórios tardios, certeiros, duradouros, autênticos limbos da memória, que nos sussurram muitas vezes que "se calhar, tinhas podido".

Tenho, à minha volta, o presépio pobre que consigo ter, não tenho outro.
Nem este tenho. Nem sequer este, que me deram, é meu. Só é meu porque aqui está e mo trouxeram.

17.12.06



Eu hoje acordei assim... (*)

Quer dizer, hoje não, parece-me; mas há dias que sim...

(*) Com a devida vénia - e a mais indecorosa desfaçatez, até porque se podemos usar um título bom e que vem a propósito, lá porque tem "copyright", e tal, para quê espremer as meninges, sujeitos a que não nos saia delas nada de jeitoso?

Pelos bons costumes

Tomei uma resolução.
Sim, foi depois de reler umas coisas que rabisquei ontem à noite.
É que pode calhar virem aqui ler pessoas com outra educação e, assim, evita-se que tenham surpresas desagradáveis.
A partir de agora, a menos que me esqueça, farei anteceder certas e determinadas coisas que me saiam do bestunto ignóbil deste singelo e redondinho símbolo:

Assim, pelo menos, já ninguém vai lá ao engano.
Isto tem efeitos retroactivos, claro. Alguns. Dois, vá.

besugo e o mundo da bola

Estou hoje, finalmente, em condições de analisar o perfil psicossomático do jogador da bola que responde pelo nome de Carlos Bueno.

Trata-se dum bom jogador.
Dentro do género.
Isto não é mau, escutem: "dentro do género" nem sempre é pejorativo.
Neste caso não é.
O gajo é um bocadinho desaparafusado e custa-lhe marcar golos.
De resto tudo bem.

esguichos de besugo

Outra coisa: o Sporting não jogou nada hoje; e já não joga a ponta dum corno há vários meses. Isto é verdade.
Hoje, o Paulo Bento emitiu um sinal para a administração. Disse assim, mais ou menos, sem falar: "Olhai, eu tenho aqui dois pseudo números dez, que são o maluco do Martins e o alternativo do Pipi. Deixei-os na bancada, com serenidade" - reparem que o Paulo Bento tem à mão o seu dicionariozinho de sinónimos - ", e joguei, no meio campo, com um trinco, um chileno raçudo, um garrano trota-mundos e um leão pequenino e um bocadinho burro da mioleira. Reparem que cheguei a meter o Abel e tudo. Ganhámos, mas jogámos à Feirense. Era só isto"

O Dr. Soares Franco, que é um dos tipos que gosta de mandar o sol deitar-se cedo, parece que percebeu que o Paulo Bento quer o Balakov e já está ao telefone para a Suíça.

esguichos de besugo



Mais paneleiros são os gajos da hora económica.
A darem ordens ao sol para se por cedinho, em voz fininha, os económicos, os ecónomos do economato ecuménico do caralho que os foda a todos!
Quando está sol, e de inverno é raro, é para durar!

Eu prefiro levantar-me ainda de noite que deitar-me quase de dia.

esguichos de besugo



Se eu mandasse, sol que se pusesse antes das sete e meia era imediatamente demitido do seu sistema solar e transformado em satélite da grande puta que o pariu.

Mas não mando. Não mando nada. De maneira que o sol que aí vamos tendo, esse bacoco, até se põe mais cedo do que isso, ainda antes da hora da merenda, sem vergonha nenhuma de andar a reboque da hora económica e dos minutos dos rotos.
O grande paneleiro.

16.12.06

"Foi o pior golo da minha vida."

Foi um daqueles desconfortos irritados, provocado pelo vandalismo anónimo de que todos temos um dia de ser forçosamente vítimas e desolador por todas as razões possíveis, incluindo pela frustração dos planos já delineados; que por acaso hoje estava sol e frio, um daqueles dias de Inverno em que ninguém se importa tanto de sentir frio porque está sol. Até pelo vidro partido, felizmente não chovia. Pesarosos, cancelamos a ida, muito negociada, ao Mac Donald's, depois de nos inteirarmos de que um vidro lateral de uma carrinha, mesmo pequeno, não há em stock assim, do pé para a mão; mas que, felizmente, há sucedâneos em acrílico, já mais "encontráveis". O rapaz a quem cabia substituir cacos por acrílicos prendeu-nos a atenção: que estranho, no meio do Porto, em reduto portista, dar com alguém que, por sorte do destino, tinha a fisionomia exacta de um benfiquista famoso - aquele que abalou de malinhas feitas para o futebol italiano, supõe-se que em busca de glória e riqueza, e que, incansável, conta diariamente aos portugueses que quando meteu um golo ao Benfica se sentiu uma meretriz. Isto apesar de só regressar ao clube de tanto o enche de júbilo uma década (ou mais?...) depois, assim que se deu conta de que as tais glórias e riquezas já bastavam e que podia, enfim, dar início ao show do estoicismo de um emigrante de luxo (show esse que, convém não esquecer, também lhe rende mais uns trocados de riqueza).

15.12.06

Desgostos de besugo

Bolas, estou de acordo com um advogado. Vou purgar-me já.
Eu consigo perceber que se possa dizer, disto, que "o que os advogados querem, esses artistas, é não perder clientes; e apenas por isso se erguem, por bastonário intermédio, contra a directriz do governo PS -Prafrentex, olha logo esses gajos, os advogados!".

Há parolos em todo o lado e eu, sendo um deles, eis-me aqui.

Mas ele tem razão. Desprezo a razão pura, a que vem das ilhargas da fome e da loucura fanada - que é donde vinha a razão de alguns filósofos muito queridos de quem tem hemorróidas assanhadas. É do domínio público, aliás, que há quem suspeite ser o cerebro um órgão autónomo, do ponto de vista funcional, da tripa cagueira, dos corpos cavernosos e, mesmo, do grelo; grelo é aquilo que fica na borda de cima do sítio que sabeis, isto quem vem da cicatrícula umbilical, em linha recta descendente, com vagares.

E não o é. A autonomia do cérebro é desmentida pelas metástases cerebrais e por alguma encomendas que vou lendo aí. As autonomias, outrossim, aplicam-se a ilhas e a outras adjacências assim, não a órgãos interdependentes.

Mas ele, dizia eu, Rogério Alves, que vamos agora voltar ao que importa aqui, tem a razão dos que, podendo sempre ser interesseiros e interessados, como podemos ser todos nós - ou, pelo menos, eu: eu, isso, sei que posso, já enrolei até corda de cânhamo à roda da pescoceira e tudo, à conta deste meu defeito de carácter que me transforma no Trancão da personalidade, nem o temperamento me safa disso -, vertem razões que, uma vez vertidas, valem só por si e por si só.

E esta razão que ele diz, esta assim, "está a confundir-se agora a circunstância de se perder uma acção com litigância de má-fé: perder não significa que não se tenha razão e que se tenha feito uso indevido de meios processuais.", é uma razão que respeito e acho razoável; e, acima de tudo, doutrinária.
Devia sê-lo. Doutrinas de besugo desgostoso. E devia sê-lo para tudo.
Isso já é mais difícil, sobretudo por causa dos hooligans caseiros, habitualmente pagos em palmadinhas nas costas e em roteiros gastronómicos predispondo ao hooliganismo. E assim sucessivamente: hooliganismo, palmadinhas nas costas, afagos de nalguedos e salta a paparoca , já de sabe, por roteiro.
Roteiro há-de vir de roto. Nas não garanto, nem isto de agora nem mais nada.

14.12.06

Isso é que eras lindo...

do sossego

- Tens uma boa explicação?
- Não, mas tenho uma excelente desculpa.
- Então guarda-a bem. Pode fazer-te falta.

13.12.06

Prejuízos. Sim, escrito assim.

Tenho reparado que o livro "Eu, Carolina", publicado recentemente, incomoda bastantes pessoas.
Essas pessoas referem-se ao livrinho de várias formas, sendo que uma das mais suaves é apelidá-lo de "dejecto". Essas pessoas manifestam, também, uma indómita vontade de não ler o livro. Por ser "um dejecto".
Donde se retira que não o leram, nunca leram sequer nada da autora - que nada terá escrito ou mandado escrever, antes, em letra redonda - mas já o classificaram.

Isto é interessante

Não me custa nada acreditar que o livro seja, de facto, uma paupérrima obra literária, quer do ponto de vista da construção frásica, quer na óptica dos pragmáticos apreciadores de conteúdo. Já li laureados que me causaram tédio e sono, o que aproveito para agradecer, sobretudo o sono, de maneira que não espero de Carolina Salgado, como escritora, mais do que de, digamos, José Mourinho ou Lazlo Boloni.

E acrescento que admito perfeitamente julgamentos apriorísticos: são tão humanos, estes juízos feitos todos de intestino, que todos nos reconhecemos neles. Com alguma vergonha, nos casos melhores.

No caso vertente, contudo, por muito mau que o livro seja, e eu não o li, não é a ele que muitas pessoas excitadas chamam "dejecto": reparem que essas pessoas nem o leram, ao pobre livrinho, são peremptórias nessa afirmação.
Não. Chamam "dejecto" (esperando consenso alargado, ou silêncio envergonhado, de quem escuta), portanto, por exclusão de partes, a Carolina Salgado. De facto, é isso que fazem.

Ora isto poderia dever-se ao facto de a senhora ter um aspecto repelente, de pessoa mal lavada. Mas, por acaso, não tem. É uma senhora relativamente bem parecida e com ar de quem pratica a sua higiene corporal diária de forma não menos esmerada do que qualquer das esposas modelo de Portugal. Portanto, por aí, não vamos lá: se não vou lá eu, os senhores muito menos.

Ora, como o facto de Carolina Salgado ter trabalhado numa casa de alterne não é motivo para ser apelidada de "monturo" (se é, informai-me, para eu saber da massa de que sois feitos e aferir a bitola segundo a qual vos lerei e escutarei, a partir desse momento informativo), também o termo "dejecto" não há-de dever-se, pressinto, a essa antiga actividade curricular da confessa autora do livro.

E sobra pouco, sobretudo para quem não leu o livro, para o classificar dessa forma "presumptiva e presunçosa".
Pode haver quem diga "ah! não gosto da capa!".
É pouco: havia uma edição dos "Cus de Judas", do Círculo de Leitores, que mostrava um bom traseiro moreno na capa e, aqui entre nós, esse traseiro atraiçoava a obra, porque nos levava a pensar que aquilo não era sobre o onanismo do autor, Lobo Antunes - o que não é médico, nem mais nada que ele assuma, assim de repente - , e que poderia ser, isso sim, uma excelente coisa sobre o nosso.

Pode haver quem se cuspinhe todo dizendo "ah! ela escreveu porque quer batatinhas e vingança!". Já se viu disto bastas vezes, em colunas de jornais, em textos longos de escorrência visceral didáctica, em romances e em crónicas do quotidiano.
Não colhe. Ou seja, mesmo que mais nada a mova senão a vingança e a fome de tubérculos, o facto é que ela escreveu o que escreveu, ou ditou o que está lá escrito. Seja o que for que a moveu a escrever ou a ditar, seja qual for a torpe mola que a fez dizer o que disse, o facto é este: ela disse, e o que ela disse, uma vez dito, vale por si.

E fora isto, resta o quê?

Sobra portismo hiperbolizado, Pinto-da-Costismo em exagero, grunhismo militante, desespero tonto e desajustado, medo, as farroncas de Manuel Serrão e do Massada no Porto-Canal, o Vítor Baía, o senhor Reinaldo e o Emplastro. E o que mais resta.

Mesmo Miguel Sousa Tavares, que é um tipo escorreito (embora tenha a mania do deserto) se passou da cabeça.
Então Pinto da Costa deve demitir-se agora, porque acusado de algumas coisas em livro assinado? E não devia antes, quando foi constituído arguido no processo dos apitos comprados, ou lá o que é? Logo agora, por causa duma espécie de "dejecto" que Sousa Tavares nem sequer leu, é que devia demitir-se? "ah!, porque prejudicou o FCP permitindo estas suspeitas!"? Então e antes disso, aquilo de ser arguido e, por conseguinte, suspeitado ainda mais? Isso merece-lhe outra medida, outra rasa?

Parece-me evidente, aliás, que o velho Pinto da Costa não devia demitir-se.
Nem agora, nem na outra altura, Sousa Tavares que me desculpe, que ele nem aprecia blogues, muito menos anónimos (mas eu a ele - como a toda a gente que me manifeste necessidade ou ira imensa - identifico-me, se for preciso, sem problema nenhum, "às ordens!").
Mas sustento que ninguém tem o dever moral de se demitir só por ser suspeitado. Pode fazê-lo, se se chatear de ser suspeito; mas dever, assim no sentido mais bonito que o "dever" encerra, lá isso, não deve.
Sobretudo se não deve, nem teme.

Não. Isto aqui há outra coisa. Pequena ou grande, há-a. Ou, em não a havendo, parece cada vez mais que a há.
E se grande parte daquilo que a senhora disse ou ditou fosse verdade? Ou mesmo uma parte pequena? Tirando aquilo dos detalhes sobre gasearias e afins, que eu isso dispenso bem, os senhores também, que cada um sabe de si e de seus ventos e narinas.

Não sei. Mas deviam ver isso bastante bem.

Desembrulhos

Logo tu, ó Fidelíssima, vens com teorias de males absolutos´! Agora, não só me surpreendeste como verdadeiramente espantaste.

Enfim ... fica-te bem ser espantosa, que é aliás atributo de muito poucas pessoas neste mundo. Pelo menos, para mim.

Mas deixemos de lado os piropos, mais ou menos bem e mais ou menos mal intencionados, e desembrulhemos o teu embrulho:

1 - Defender que não há diferença entre ditaudras sanguinárias e as que o não são, é uma falácia perigosa. De quem discute "de sofá".

2 - E é esquecer para onde fugiram muitos refugiados de ditaduras sanguinárias, num tempo de ditadura (se é que se lhe pode chamar isso, mas adiante ...) cá no burgo. Foi para cá.

3 - É achar que Pol Pot e Gorbatchov são iguais.

4 - É achar que o Hitler e o Fidel são iguais.

5 - É achar que a morte, programada, de milhões, é igual à morte do Humberto Delgado (que não é sequer certo ter sido programada).

6 - É ver o "Killing Fields" e achar que aquele filme podia ser feito em Portugal, sobre portugueses.

7 - É de tanto querer ser Deus, (que, caso exista, e de acordo com a doutrina cristã, condena da mesma maneira um assassino de um e um assassino de muitos) falhar miseravelmente a capacidade de julgar na Terra.

8 - É errado. Profundamente errado. Podes catalogar todos os regimes não democráticos sob o título "DITADURAS". O que não podes dizer é que são todas iguais.

Topas? Ou é preciso mostrar-te desenhos de valas comuns e crematórios para explicar melhor?

12.12.06

Ditaduras light: isso existe?

Embora não tendo o Alonso explicado ao certo em que parte disto é que eu o surpreendi, devo dizer que eu, pelo contrário, me vou habituando quer aos fetiches ditatoriais quer às precipitações hermenêuticas do Alonso.

Ao que parece, também ele partilha desse sentimento de perda, como se o último acto torpe de Pinochet fosse o de morrer sem se submeter ao julgamento (esta é a parte é que o Alonso fala de "ter pena da morte de um ditador"). Para além disso, mistura o que eu disse com ou que eu não disse, sendo certo que o que eu disse foi que a única fatia de humanidade em relação à qual é compreensível que lamente (e que lhe doa) o crime sem castigo é a que integra aqueles que são vítimas directas ou indirectas do agressor. Disse, também, que duvido e que me espanto de quem assistiu aos quinze anos do "consulado" sem que o "consulado" o tivesse sequer, beliscado (e provavelmente nenhuma palha tivesse mexido para que o consulado cessasse) e que agora, do alto do seu confortável sofá, bate a mão no peito, reclamando da tal morte súbita e inoportuna, ah! miserável morte, que furtou Pinochet ao julgamento dos justos, que em geral são aqueles que criteriosamente definem em que partes do mundo é mais censurável a violação dos direitos humanos (exemplo: Cuba) e aquelas em que "não é bem assim como se conta" (exemplo: faixa de Gaza).

Não te identificas com as mortes e com os desaparecimentos da responsabilidade do Pinochet? Claro que não, Alonso, nem tu nem eu nem ninguém que se condoa com o sofrimento alheio. Mas deixa-me que te diga uma coisa que tu sabes tão bem como eu: a violência e a opressão não se medem. São males absolutos: se existem, mesmo que mais "civilizados" ou menos numerosos, são moralmente condenáveis "tout court". Sem atenuantes. Isto para falar nos regimes "ao contrário" dos que são "à espanhola". Topas?

Sempre quero ver como desembrulhas isto.

É talvez uma surpresa

Mas, lolita, como agora me surpreendeste, deixa-me que te diga o seguinte, que admito te possa surpreender:

a) Não acho que seja mero desejo de vingança ter pena da morte de um ditador, porque se queria fazê-lo enfrentar, em vida, aquilo que fez enquanto foi isso mesmo ... ditador;

b) Assim, não só compreendo, como simpatizo com todos aqueles que, com razões próprias de dor, sentem haver injustiça nesta morte sem julgamento no mundo dos vivos;

c) Cá se fazem, cá se pagam, ou devem pagar, parece-me certo;

d) Do Pinochet, tenho poucas opiniões seguras. Que o Chile lhe deve muito de bem, não tenho dúvida; que é um "case study" de ditadura latino-americana transformada em democracia "por dentro", também não tenho (diga-se o que se disse sobre se ele pensava ou não ganhar o referendo, fez - ao submeter-se a votos, o que nem o Fidel tem coragem de fazer); que transformou o Chile, economicamente, num oásis daquele continente, parece-me certo; que isso permitiu - ainda sob o poder dele - uma sociedade aberta, culta e com classe média, também (e só isso permitiu a democratização da mesma, o que uma sociedade de ricos e pobres não permitiria)

mas ...

e) Foi violento, sobretudo no início do seu "consulado". Morreu gente, muita gente. Foi à espanhola - ao contrário do nosso Salazar, espécie de "case study" também, mas por outras razões.

f) e com isso eu não me identifico, nem pactuo. E, mesmo não esperando que o Pinochet, tão longe de politicamente aceitável hoje, tivesse um julgamento político tão impessoal e imparcial como será o julgamento histórico a que te referes, preferia que tivesse sido julgado.

11.12.06

Paixões além da morte

Ser familiar de alguém que sofreu ou morreu por crime infame (ou mesmo de alguém que, sendo infame, sofreu ou morreu por obra de causas justas), confere-lhe uma espécie de imunidade moral justificada pela mágoa da perda. Percebe-se, e justifica-se, por isso, a exigência de punição, do castigo e, claro, da vingança, paixão tão profundamente humana como embaraçosa para quem se sabe humano - infelizmente desbaratada por quem vive sem qualidade (vide o caso Carolina Salgado) e cultiva esse bas-fond existencial.

A punição da maldade humana, se executada pela via institucional, é devida sobretudo como apaziguamento da dor dos destinatários involuntários dessa maldade. Como castigo e redenção colectiva, aparenta-se mais com uma pena de Talião ou com um juízo quase divino sobre a maldade alheia, que não é nem melhor nem pior do que a de quem julga (ou julga poder julgar).

É quase unânime (quase, porque se sabe de quem lhe chore a morte) que Pinochet deveria ter sido julgado pela morte e desaparecimento de milhares de pessoas. Deveria, enquanto foi vivo. Há, porém, quem lamente que a sua morte se tenha antecipado ao julgamento dos homens, como se se reivindicasse a necessidade de que se mantivesse vivo apenas para ser castigado. Se a vingança está no limiar mais baixo das paixões humanas, bate no fundo quando se lamenta a morte de um ditador por morrer sem castigo.

No entanto, foi a ele que a morte o fez finar-se. Não me admiraria que, com o tempo, aqueles que reclamam da morte que o furtou à justiça dos homens lhe viessem a reconhecer, afinal, obra meritória para além dos chilenos que lhe morreram às mãos. Já estes, com o tempo, engrossarão as monstruosas estatísticas dos seculares crimes da humanidade - o que equivale a dizer que ninguém saberá quem foram.

Não me misturem as coisas com livrinhos

Por um daqueles acasos que sucedem (ou seja, fui lá e não me lembro porquê, ou não quero contar) eu já fui ao "Calor da Noite".

Jantava-se, lá. O trivial.

Na noite em que lá fui, jantei um bife com batatas fritas que estava bastante bom. O ovo estava, contudo, um bocado recozido. A cerveja estava boa, não gosto muito de cerveja, digamos que devia estar como de costume e que, erro meu, me faço acompanhar mal, muitíssimas vezes: ao jantar, seja o que for que se coma, ou se bebe água ou vinho. Cerveja é o "panaché" dos grunhos, "panaché" é a cerveja dos idiotas.
Ao fundo da sala, que era sobre o comprido, andavam uns senhores de fato a dançar com raparigas da minha idade, da minha idade na altura, tudo no maior respeito, visto daqui.

Tanto que pagámos a conta (éramos os cinco do costume, os cinco depois da urgência de "ser enfim médico, pá!"), e saímos sem bulício, saciados da fome que nos levara ali.

Quem ficou, ficou. Eu não fiquei, nem quero saber. Porque não fiquei. Ficaste tu? É lá contigo. Eu não fiquei.
Nem havia bola nesse dia, de maneira que misturas é, hoje como há vinte anos, quase como mistelas de "panachés": panasquices de babados sobre as mamas doutros.

10.12.06

Escrevei, mas é.

A questão nem sequer é o que eu penso sobre o assunto: é o que os meus filhos pensam sobre ele.
O assunto é o Gato Fedorento.

Eles andam a fazer uma espécie de magazine (diz que é) e os meus filhos dizem que eles estão a perder a piada, excepto o RAP quando faz de parolo (também diz que é).

Aquilo não vale nada. Párem lá com isso. A sério. Só há uma piada que resulta, em televisão, quando dois dos membros dum elenco de quatro artistas que fazem uma espécie de programa parecem escriturários desadaptados e aderentes ao Simplex, e outro não vê a ponta dum corno sem óculos, que é o quarto ter de fazer de benfiquista parolo, ou de caçador, ou de parvo com lampejos (o que vai dar no mesmo, embora raramente, porque o gajo é repetitivo mas pouco).

É pífio. Párem lá com essa merda, vão à vossa vida.
Alguns de vós deveis ter emprego, vede lá isso.
Por vossa causa - e para permitir aos meus rebentos extrairem da vossa última aparição televisiva esta espécie de conclusões - não vi os últimos minutos do Paris, a jogar com aquela outra equipa francesa que mete nojo.

9.12.06

Pois, é aquilo de cachemira, boa seda...

"60% dos homens no centro financeiro de Mumbai possuem pénis aproximadamente 2,4 centímetros menores do que o tamanho para o qual os preservativos são fabricados.
Para outros 30%, a diferença foi de pelo menos 5 centímetros."


Mumbai é na Índia.
Acho que o Paquistão não publicou, nem publicará, os resultados do estudo deles.

Mas os Indianos são bravos. O artigo sobre o estudo - que, recorde-se, também parece ter incidido apenas sobre monhés que trabalham em centros financeiros, o que poderá condicionar os resultados - termina afirmando, desassombradamente, que muitos homens na Índia, que possui umas das maiores taxas de HIV positivo do mundo, são muito tímidos para pedir preservativos.
«Precisamos de mais máquinas que vendam preservativos de diferentes tamanhos, de modo que as pessoas possam escolher uma camisinha confiantes que ela é moldada de acordo com as suas necessidades», cito.

Pois. É isso mesmo. Tamanhos diferentes.
Imagino uma maquineta mais ou menos com estas opções:
1 - "menos 2,4"
2 - "menos 5"
3 - "menos ainda do que isso"
4 - "para que quer você esta merda, afinal?".

Tudo escrito em indiano, claro.

8.12.06

Convidem o Rio para presidente dos Passarinhos da Ribeira (mas tem de ser honorário)

Excelente, o contributo de Rui Rio para a clarificação de uma questão epistemológica desde sempre controversa: as relações da política com o futebol (e vice-versa, claro). Com apreciável determinação, o presidente da câmara defendeu, com firmeza, algo de verdadeiramente inovador: a separação entre a política e o futebol.

Aproveitou, também, dentro do mesmo espírito separatista, para declarar que "não seria deputado se fosse presidente da Liga de Clubes". Isto porque toda a gente sabe que as dangereuse liaisons da política e do futebol só acontecem porque há espertinhos que acumulam cargos. Se não fosse isso, estava evidentemente tudo no sítio. A política e o futebol tão estanques como as duas Coreias.

E quem não merca é um "mercão"!

- Meu comandante, meu comandante, vêm aí os índios!
- Quanto medem, vistos daí?
- Daqui?
- Sim, nosso cabo!! Daí!
- Bom, medem dois centímetros...
- Então não disparem. Observem atentamente.

- Meu comandante, meu comandante, vêm aí os índios!
- E quanto medem agora, vistos daí?
- Daqui?
- Sim, nosso cabo, daí... Havia de ser donde?
- Bom, daqui... hum... cerca de trinta centímetros...
- Então não disparem e continuem a observar.

- Meu comandante, meu comand...
- Já sei, nosso cabo, já sei, foda-se, vêm aí os índios. E que mais?
- E que mais? É que, enfim, já medem quase metro e meio, meu comandante!
- Então, fogo!
- Fogo?
- Sim, caralho, fogo! Disparem! Fuzilem essa chusma! Já!
- Meu comandante, mas nós vimo-los crescer...

Anedota antiga

Sempre em movimento. E mais um alertazinho...

Isto é muito importante. Façam o favor de ler.

Penso que também não se devia poder ir votar levando crianças pela mão. Pronto, pela mão, ainda vá, mas ao colo, não. Muito menos de chupeta. As crianças.

E quando for do referendo sobre a eutanásia (que talvez só ocorra depois do mandato presidencial do hiato que agora aí anda, mas se lhe pedirem muito, ele pensa e depois diz que sim, olha logo o hiato!), nada de tetraplégicos tristes a votarem! Só paraplégicos contentes a jogarem basquetebol! Sim?
OK. Muito bem. Assim, sim.

Chega cheio: de Europa?, cheio.

Ségolène Royal promete (ler aqui), se for eleita presidente, fazer da França "uma das locomotivas da Europa" e assumir a "responsabilidade histórica dos socialistas" de dar respostas claras "às desordens do mundo".

Donde se depreende que esta gente pensa que é tudo, mais ou menos, à base de caminhos de ferro; e que, a haver locomotivas, a França será só uma - penso que Portugal será outra, mas não se sabe ainda; e que as desordens do mundo precisam de respostas claras, que serão dadas, evidentemente, pelas locomotivas. Que têm responsabilidade histórica.
Que o digam os índios americanos.

Por falar em americanos, esteve lá um. Um democrata. Um democrata americano é a coisa mais parecida com um socialista que se consegue arranjar na América? Deve ser, embora continue a ser muito mais parecido, em regra, com um republicano americano do que com outra merda qualquer.
Sócrates, contudo, protestou-lhe amizade e um regozijo qualquer que lhe apeteceu protestar-lhe; e é sabido que também há quem encontre na ideação de José Sócrates semelhanças com determinado conjunto de valores e de práticas que, segundo me asseguram, são uma espécie de socialismo. Se estivermos um bocadinho entusiasmados.

Para o nosso primeiro-ministro, a quietude é um aborrecimento. Ele tem os olhos de quem padece duma hipercinese qualquer nos globos oculares e, eventualmente, em outros locais que agora não sei dizer e espero não saber nunca. Se a senhora francesa quer locomotivas, ele quer logo "repor a Europa em movimento".

Ora, da última vez que se viu a Europa em grande movimento foi na Grande Guerra, mas ele nada teme disso e, aparentemente, refere-se - nisso de repor a Europa a mexer - ao combate ao desemprego e à precaridade. Para ele, movimento é isso. Ele quer uma Europa que resolva isso. Em movimento. Ele vai estando quieto nisso. Mas em movimento. Ele vai piorando isso. Mas quieto. Em movim... já se percebeu o alcance disto e a graduação do tinto do repasto: um tenente-coronel, no mínimo, esse tintorro.

Sócrates também já fala numa Europa pós-petróleo. Hei-de lembrar-me dele e dela, dessa Europa bela, que "deve falar a uma só voz, mas em todas as suas línguas e em todas as suas almas" (que puta de Babel de putas, essa Europa, hem, ó Ségolène?!), quando for atestar o depósito de gasóleo.

Atestar o depósito da locomotiva, evidentemente.

Verde, claro

Está muita chuva e muito vento, mas não está muito frio.

Não determino, portanto, nenhum alerta colorido. Nem amarelo, nem laranja, nem vermelho.

Pode ser que isto piore.
Pode chover tanto que haja outra cheia, sobretudo se os espanhóis descarregarem a água que lá têm de reserva, só para estas alturas de invernia, para nos punirem em fúrias castelhanas de comportas abertas, vinganças de Aljubarrotas e outras sangueiras velhas.
Pode ser que o vento aumente, de tal maneira que tombem prédios e pinheiros nas cabeças lusas e, mesmo, na minha testeira. E plátanos.
Pode mesmo ser que arrefeça tanto que arrepie os corpos, de tal forma que esse arrepiar motive, por gangrena, amputações de pontas de órgãos.

Nada me demove disto: durmam em paz, sem alerta de cor nenhuma. Por mim, verde. Clarinho.

Quem teima em colorir alertas e em alertar coloridamente, sempre berrando e berrantemente, pretende apenas duas coisas: fazer de pintor berrante e, fundamentalmente, de inocente berrelas. "A mim, que me não culpem de vos não ter alertado! Eu bem vos disse alerta! E de que cor! Em correndo mal, não quero culpas minhas!".

Ora, isso de sermos cobardes profilácticos somos todos, desde sempre, sem necessidade de fingir. E tendemos a sê-lo cada vez mais. E sem ganho nenhum, já agora, além da paz dos podres pacificados no alerta.
Estar sempre a alertar enerva como o caralho os alertados. Apetece-me empalar com uma tora grossa de pau santo o próximo alertador.

Como diria Eça: "Alerta!" - "Muito bem, alerta está!".

Como diria a lolita: descansem bem. A lolita, ao contrário de Murphy (mesmo da Murphy Brown), acha que o que puder correr bem, correrá.

7.12.06

No news is good news

Já não se ouvia falar dela há muito tempo, pelo menos desde que assassinou trechos inteiros da excelente música do Morricone.

Ei-la de volta. Agora, pelos vistos, descobriu que o coração tem três portas.

É isto.

Antes de ler isto, nunca me passaria pela cabeça concluir que a opinião mais desassombrada, equilibrada e inteligente que tenho lido sobre o referendo da IVG é do retórico-mor da blogosfera e da intelligentzia lusa. Neutra, mas afirmada: quem votar em consciência há-de manter sempre as dúvidas de consciência. Deita por terra os argumentos do peregrino direito masculino à procriação - que afinal não passa de reverso do famigerado direito à barriga - e, no fundo, silencia a discussão entre o sim e ou não. Não se perdendo muito, porque entre argumentos gastos e teses jurídicas sobre o enquadramento jurídico-penal do aborto, o debate anda morno.

5.12.06

Chávez, visto ao perto, não é normal.


Ainda assim, gostava de ver os democratas que se inquietam com a vitória de Hugo Chávez e com o espectro das nacionalizações, da institucionalização dos "inimigos do regime" e da proclamação do irónico "eixo do bem" a reconhecer que a popularidade de Chávez se explica, em partes iguais, pelo investimento de biliões de dólares na luta contra a pobreza (medida demagógica, sim, mas eficaz) e pela corrupção imparável dos democratas cristãos e de centro esquerda - os democratas depostos.

Esguichos de besugo

Quando o meu avô morreu eu ainda era mais novo do que o meu filho mais velho é agora.

O meu avô teve uma trombose (ou uma hemorragia cerebral? pois é, não havia ainda TAC, nesse tempo) e, depois de alguns meses em estado de degeneração física progressiva, em casa, montado em cama articulada comprada para o efeito, totalmente dependente de quem dele cuidasse, incapaz de falar e dormindo quase sempre, morreu.

Quando o meu avô sentiu o primeiro bafo frio daquilo que o matou, trombose ou hemorragia, eu ainda andava no liceu. E nem sequer pensava em medicinas. Todos os meus tios médicos me diziam "para isso não vás, rapaz, para isso não, tem juízo!", e eu ponderava, mesmo, agronomias. Era um rural, consoante sou, sabia sachar, parecia-me bem assim.
O meu avô começou a morrer uns dias antes de lhe dar aquilo que o matou. Quando sentiu aquele bafo frio que eu não fui capaz de perceber. Foi no Natal, durou até Junho do ano seguinte. Podem achar que isto é mentira, que é enfeite, que é doudice, mas não é, foi mesmo assim.

Estávamos à mesa da saleta, só ele e eu, ele a falar dos tempos do Brasil e das sacas de café que lhe eram pesadas, do Gago Coutinho e do Sacadura Cabral que viu chegar e que aclamou, era ele novo, e eu estava alapado na modorra de o escutar. Não sei onde estavam as outras pessoas, talvez ainda a jantar, ou na cozinha, ou dispersas pela noite fria.
De repente, ele disse uma ou duas frases sem sentido, antes de se calar. Olhei para ele e estava com um esgar esquisito, como se lhe doesse alguma coisa. Cuidei que fosse na cabeça e disse-lhe "Vozinho!" e ele nada, aquilo durou meio minuto, se tanto, e ele ficou normal, outra vez, ou assim me pareceu.

Não falei disso a ninguém, na altura. Depois, sim. Mas na altura não, cuidei ser aquilo coisa de velhote, coisa que se lhe fora conforme lhe viera.

Quase um mês mais tarde, eu estava nas aulas e chamaram-me, encontraram-no agarrado à porta da cocheira, tombado no terreiro, parecendo já morto. Vi-o e o esgar dele era igual ao que eu já conhecia.
Não estava morto, ainda. Morreu só em Junho, morte de certidão.

Às vezes penso que começou a morrer naquele Natal e que eu, em noite de fé, nem fé dei.

4.12.06

Coisas por que vale a pena esperar



Quase a sair, a colectânea de entrevistas de Carlos Vaz Marques no Pessoal e... Transmissível aos eternos da MPB. O livro traz um CD com "pedaços de conversa memoráveis" e trechos de violão. A algumas das entrevistas, que não ouvi online, encontrei-as aqui: Chico Buarque, Caetano Veloso, Marisa Monte, entre outros.
A sessão de lançamento é amanhã, na FNAC do Chiado. Eu, cá de cima, aguardo para poder comprar o livro (e o CD, que vem dentro).

Natais

O post do besugo, arrevezado como ele, lembrou-me os meus Natais de infância. Ou a infância dos meus Natais.

Foram sempre - e ainda são, mas só nos anos ímpares - passados na Beira Alta, não tão alta como Lamego (que era de onde eu ia), mas alta na mesma.

Também a esses Natais iam lisboetas, Tios e primos. E outros, que não eram nem meus tios nem meus primos, mas que eram tios, ou primos, ou avós, dos meus tios e primos.

Guardo desses Natais calorosas recordações. Eram, sobretudo, encontros. O frio, a lareira, a missa do galo (também havia quem fosse e quem não fosse), as prendas, o deitar tarde.

Se calhar também havia conversas tontas, e quem se incomodasse com elas. Mas, se as havia, passava-me ao lado.

Nos meus Natais de hoje, já identifico as conversas tontas. E até me chateio com elas, se além de tontas forem chatas. Mas faço o que posso para que os meus filhos sintam o que eu senti. E levo-os à missa do Galo. Porque o Natal, por mais consumistas que sejamos, perde muito do seu sentido se não for - também - a comemoração do nascimento do "menino Jesus". Do nascimento, todos os anos, de uma promessa de renovação, fundada em amor. De redescobrir inocências que temos até vergonha, quantas vezes, de admitir.

Sem isso, sem algo mais do que as prendas e o (re)encontro familiar, o Natal acaba com uma secura na boca. Foi-se, cumpriu-se. Deitemos ao lixo os papeis de embrulho e arrumemos a casa.

Mais ou menos como os "reveillons" encomendados, cheios de confettis. Em que se convenciona que devemos abrir champagne e mostrar grande contentamento. "Yesss, mudámos de ano! Fantástico !!!"

3.12.06

Esguichos de besugo

Lembro-me dum tempo em que os meus tios de Lisboa vinham por aí acima de primas, passar o Natal.
O meu tio de Lisboa usava gravatas bonitas e gostava de lhes enunciar o preço, à ceia.

A minha tia do Porto também vinha, e vinha de marido - entretanto desfez-se dele, ou ele dela, ou desfez-se o mundo de ambos nessa função interactiva - e, depois, começou a vir de prima, também, e de cada vez que o meu tio de Lisboa iniciava o discurso da carestia da vida, sempre acerca de gravatas ou, mais raramente, de carros bons, ela abespinhava-se e retorquia-lhe coisas de porcelana, peças de cristal austríaco que também adquirira, sabe Deus com que sacrifício, e de quem, coisas provenientes da Vista Alegre e do Tirol.

O meu tio cego, o meu padrinho, que passou a vir de tia e primo e afilhado meu só muito mais tarde, não via mais nada senão o bacalhau e as batatas, e mesmo isso só com as papilas, não se pode ver doutra maneira se se for cego.
O meu outro tio, o mais idoso, o grande tio Zé, o que já morreu, bufava grosso, porque se sabia numa mesa de braço de ferro e era ele, pensava ele, justamente ele, o que era mais forte e poderoso, quem perdia mais naquele jogo desleal, todo feito da intriga das declarações avulsas, brincadeiras de "escondidinhas" apanascadas, coisas de mulheres e de paneleiras adjacências.

Nunca ninguém pensou, ou se pensou não disse, mas acho que ninguém pensou, que o meu Pai, nessas conversas, se morria mais de cada vez, por não ganhar num mês o que bastasse para uma gravata daquelas, para um cristal daqueles, nem em cinco anos para um carro bom, pobre e fraco e lindo Pai, cada vez mais gasto numa luta desigual à mesa da paz.

No fim da ceia, só os de Lisboa e os do Porto não iam à missa do galo. E desdenhavam dos que iam, já de chanatas quentes nas patas rasas de quem fica quente. Sempre quente.
Os que não iam eram os mesmos que, mais tarde, depois de 1974, rezavam o terço no carro, a escutar a Rádio Renascença, ranhando-se com medos duma fuzilaria qualquer que lhes viesse. Nunca veio.

Nunca mais me esquece isto. Lembra-me sempre de Darwin e de meia dúzia de outros répteis que o interpretam mal, bandalhos adaptáveis - sem vergonha - à reptação, porque pensam que é só disso que ali se trata e, por conseguinte, se arrastam o melhor que podem; como quem bailasse.

Esguichos de besugo

Uma flora, para quem não sabe, é um passarinho tonto armado em pardal. Em mais pequeno e dócil.

Uma vez, tinha eu dezasseis anos e a minha avó não sei, sei que morreu o meu avô nesse ano, mas não me lembro que idade tinha a minha avó, nem interessa, a minha avó era quase só a avó dos outros netos todos que ela tinha, morreu de cancro, um cancro velho, uma vez, dizia eu, estavam sete floras pousadas numa roseira grande e velha que a minha avó mandava que uma sopeira também velha cuidasse, aparentemente só para lá pousarem floras. E elas pousavam ali.
Com a minha espingarda de pressão, que era emprestada, matei três floras, com a lentidão inerente a tudo o que é rústico, a espingarda e eu, uma de cada vez, até cairem três; que, depois, o cão comeu, cuspindo penas, o que me enojou de mim e dele. E delas.

Isto tudo antes de eu perceber mais duas coisas: que as quatro floras restantes ali ficariam, tontas, alheadas de quase tudo, como que à espera das minhas chumbadas lorpas, o tempo que eu precisasse - o que me enojou ainda mais de mim e das floras todas; e que somos, quase todos, uma espécie de floras, igualmente armados em pardais, em finos pardais - o que me provocou mais nojo e muito medo, cuido que o nojo do medo.

(Revisto por necessidade minha)

Esguichos de besugo

Ando muito farto de palavras. E de más palavras.
Ando muito farto.
Cheio.

Peso muito.
Demais.
Se isto for só ar - e o ar pesa o que pesa - e eu tiver um pipo, alguém que me esvazie.
Se isto for outra coisa, é porque não é ar.
Será mais sólido.
Tenho medo da solidez. Pois tenho.
Arremessada, pode aleijar.
É como a solidão. Solidão é um sólido grande em estado de fêmea, que vive dentro de geometrias. Não precisa, sequer, de ser arremessada. Já lá está, dentro. Vive nas geometrias e em vez delas, tanta vez.

(Revisto por necessidade minha)

1.12.06

Bom fim-de-semana

É só bola.
Eu sei.

Eles vão estar a ver-vos

Passagens

Não saio muito. Dizem-me que devia sair mais, mas estão sempre a dizer-me que devia muitas outras coisas e eu já compreendi que nem tudo o que me dizem é por minha causa, nem pelo meu bem.

Mas reparei que, quando saio com outras pessoas, nas raras vezes em que o faço, a mistura do grupo assim formado, grande ou pequenino, é uma massa pouco homogénea. Parece-me muitas vezes que as pessoas não saem juntas para estarem juntas, umas com as outras, num sítio qualquer. Cuido que saem para verem e estarem à vista doutras pessoas, que não aquelas com quem sairam.
"Olha ali fulano, olha beltrana", e tudo se resume a decifrar se fulano e beltrana também deram fé de nós.
Isto é parolo, desculpem. Eu acho isto parolo e deprimente e, como acredito que as outras pessoas são inteligentes quando podem, insisto muito na crença de ser a avidez um repelente; não um atractivo.
Não me ligam, acham que exagero, e eu fujo a estes programas semi-catárcticos.

É como se, quando nos convidam para sair, nos fornecessem uma espécie de passe para fazermos parte dum expositor colectivo ocasional. Como se não quisessem estar connosco, de facto, mas pretendessem apenas estar no meio de outros, connosco ao lado. Para uma espécie de interacção com a envolvência, não havendo nenhuma envolvência intestina interactiva.

Tudo me parece decorrer como se fôssemos, quase todos, adereços dum teatrinho chucro de bairro pobre, sempre a olharmos sem vermos, sempre à espera de sermos vistos sem o sermos, não sei muito bem por quem nem para quê. Não sendo sequer notados, nessa dimensão carente da nossa intencional objectividade, a não ser por quem anda ao mesmo.

Hei-de sair pouco, sempre que puder conter-me sem ofender ninguém. Até melhor conselho, ou mais douta jurisprudência, passo.

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