blog caliente.

13.12.06

Prejuízos. Sim, escrito assim.

Tenho reparado que o livro "Eu, Carolina", publicado recentemente, incomoda bastantes pessoas.
Essas pessoas referem-se ao livrinho de várias formas, sendo que uma das mais suaves é apelidá-lo de "dejecto". Essas pessoas manifestam, também, uma indómita vontade de não ler o livro. Por ser "um dejecto".
Donde se retira que não o leram, nunca leram sequer nada da autora - que nada terá escrito ou mandado escrever, antes, em letra redonda - mas já o classificaram.

Isto é interessante

Não me custa nada acreditar que o livro seja, de facto, uma paupérrima obra literária, quer do ponto de vista da construção frásica, quer na óptica dos pragmáticos apreciadores de conteúdo. Já li laureados que me causaram tédio e sono, o que aproveito para agradecer, sobretudo o sono, de maneira que não espero de Carolina Salgado, como escritora, mais do que de, digamos, José Mourinho ou Lazlo Boloni.

E acrescento que admito perfeitamente julgamentos apriorísticos: são tão humanos, estes juízos feitos todos de intestino, que todos nos reconhecemos neles. Com alguma vergonha, nos casos melhores.

No caso vertente, contudo, por muito mau que o livro seja, e eu não o li, não é a ele que muitas pessoas excitadas chamam "dejecto": reparem que essas pessoas nem o leram, ao pobre livrinho, são peremptórias nessa afirmação.
Não. Chamam "dejecto" (esperando consenso alargado, ou silêncio envergonhado, de quem escuta), portanto, por exclusão de partes, a Carolina Salgado. De facto, é isso que fazem.

Ora isto poderia dever-se ao facto de a senhora ter um aspecto repelente, de pessoa mal lavada. Mas, por acaso, não tem. É uma senhora relativamente bem parecida e com ar de quem pratica a sua higiene corporal diária de forma não menos esmerada do que qualquer das esposas modelo de Portugal. Portanto, por aí, não vamos lá: se não vou lá eu, os senhores muito menos.

Ora, como o facto de Carolina Salgado ter trabalhado numa casa de alterne não é motivo para ser apelidada de "monturo" (se é, informai-me, para eu saber da massa de que sois feitos e aferir a bitola segundo a qual vos lerei e escutarei, a partir desse momento informativo), também o termo "dejecto" não há-de dever-se, pressinto, a essa antiga actividade curricular da confessa autora do livro.

E sobra pouco, sobretudo para quem não leu o livro, para o classificar dessa forma "presumptiva e presunçosa".
Pode haver quem diga "ah! não gosto da capa!".
É pouco: havia uma edição dos "Cus de Judas", do Círculo de Leitores, que mostrava um bom traseiro moreno na capa e, aqui entre nós, esse traseiro atraiçoava a obra, porque nos levava a pensar que aquilo não era sobre o onanismo do autor, Lobo Antunes - o que não é médico, nem mais nada que ele assuma, assim de repente - , e que poderia ser, isso sim, uma excelente coisa sobre o nosso.

Pode haver quem se cuspinhe todo dizendo "ah! ela escreveu porque quer batatinhas e vingança!". Já se viu disto bastas vezes, em colunas de jornais, em textos longos de escorrência visceral didáctica, em romances e em crónicas do quotidiano.
Não colhe. Ou seja, mesmo que mais nada a mova senão a vingança e a fome de tubérculos, o facto é que ela escreveu o que escreveu, ou ditou o que está lá escrito. Seja o que for que a moveu a escrever ou a ditar, seja qual for a torpe mola que a fez dizer o que disse, o facto é este: ela disse, e o que ela disse, uma vez dito, vale por si.

E fora isto, resta o quê?

Sobra portismo hiperbolizado, Pinto-da-Costismo em exagero, grunhismo militante, desespero tonto e desajustado, medo, as farroncas de Manuel Serrão e do Massada no Porto-Canal, o Vítor Baía, o senhor Reinaldo e o Emplastro. E o que mais resta.

Mesmo Miguel Sousa Tavares, que é um tipo escorreito (embora tenha a mania do deserto) se passou da cabeça.
Então Pinto da Costa deve demitir-se agora, porque acusado de algumas coisas em livro assinado? E não devia antes, quando foi constituído arguido no processo dos apitos comprados, ou lá o que é? Logo agora, por causa duma espécie de "dejecto" que Sousa Tavares nem sequer leu, é que devia demitir-se? "ah!, porque prejudicou o FCP permitindo estas suspeitas!"? Então e antes disso, aquilo de ser arguido e, por conseguinte, suspeitado ainda mais? Isso merece-lhe outra medida, outra rasa?

Parece-me evidente, aliás, que o velho Pinto da Costa não devia demitir-se.
Nem agora, nem na outra altura, Sousa Tavares que me desculpe, que ele nem aprecia blogues, muito menos anónimos (mas eu a ele - como a toda a gente que me manifeste necessidade ou ira imensa - identifico-me, se for preciso, sem problema nenhum, "às ordens!").
Mas sustento que ninguém tem o dever moral de se demitir só por ser suspeitado. Pode fazê-lo, se se chatear de ser suspeito; mas dever, assim no sentido mais bonito que o "dever" encerra, lá isso, não deve.
Sobretudo se não deve, nem teme.

Não. Isto aqui há outra coisa. Pequena ou grande, há-a. Ou, em não a havendo, parece cada vez mais que a há.
E se grande parte daquilo que a senhora disse ou ditou fosse verdade? Ou mesmo uma parte pequena? Tirando aquilo dos detalhes sobre gasearias e afins, que eu isso dispenso bem, os senhores também, que cada um sabe de si e de seus ventos e narinas.

Não sei. Mas deviam ver isso bastante bem.

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