blog caliente.

30.6.05

Contratos

Quando se celebra um contrato aceitam-se deveres que, em contrapartida, garantem direitos. Um contrato livre tem estes pressupostos, pelo menos. Até à sua cessação, sob pena de haver má fé.
A quem, aos direitos contratados, diz "batatas" (mantendo ou aumentando os deveres), chama-se político, chama-se economista, chama-se governante, chama-se falsário.
Vi disso hoje, chama-se António Costa e é ministro do PP(D).

O mundo pula e avança

O besugo salta sempre que pressente críticas ao partido que ele, apesar dos meus insistentes avisos, sufragou. Salta mais, ainda, se se criticam os políticos do partido que ele sufragou, ainda que, nesse momento, esses não tivesse ido a votos - o que aumenta a propriedade com que salta. Salta, finalmente, ainda mais, se se vê perante uma oportunidade, ainda que longínqua, de poder dizer mal desse nobre cidadão chamado Cavaco Silva (ou Tino de Rans, como prefere chamar-lhe).
Depois, toma a parte pelo todo. Mas que vício! Eu estava longe de enveredar por qualquer generalíssimo ou particularíssimo "está tudo mal". Eu falei (i) do Governo Sócrates e (ii) do Jorge Sampaio. Não está tudo mal. Talvez exprimindo-me menos bem, quis dizer que aquilo tudo é, sobretudo, engraçado. Não digo, não digo, não digo, nem que se matem. Mas já vai tarde, porque tarde percebeu...

Ó besugo: ao menos habitua-te, quando voltares a maldizer o Cavaco Silva, a chamar-lhe Tino, o nosso presidente.

Os enfermeiros da indústria têxtil

Entretanto, Correia de Campos mantém-se igual a si próprio. Os exemplos que hoje deu, envolvendo funcionárias têxteis de 65 anos, é paradigmático: deve haver cerca de seis, assim.
E a penosidade que ele define como "igual para todos", o excelente ministro que eu não queria, excatamente por ser tão excelente, é a prova da sua linearidade rectilínea e global: não se queixem, enfermeiros, porque há quem se queixe mais. E enquanto houver quem se queixe mais, nem que seja só um, as vossas queixas são um pneu queimado no meu imenso deserto de relativização dos queixumes. Se é verdade que quem não chora não mama, ide mamar para o Vale do Ave, onde já pouca gente chora, secas que estão as lágrimas, nessa míngua de H2O e NaCl que os olhos sentem depois de chorar bastante.
Populista era Santana Lopes.
Este é, apenas, brincalhão. Tem o problema de ser levado a sério, isso consegue-se com treino, por várias pessoas.

Nota: Não me foi passada procuração por nenhum sindicato de enfermagem. Nem por nenhuma das seis (?) empregadas da indústria têxtil com mais de sessenta anos que continuam, teimosamente, produtivamente, a tecer.

Chaves

Como é estranho ver a Lolita enveredar pelo generalíssimo "está tudo mal". Há-de ser por preguiça, evidentemente. Ela não leva a mal que eu diga isto, seguramente. Eu acho perfeitamente que o PR não se pronuncie sobre a questão do aborto. Já o disse uma vez.

Portugal é um país povoado por pessoas que não podem discutir nada. Poder, podem, mas fazem da discussão o fim, não o meio. O gosto pela esgrima das palavras é demasiado forte, embora quem dessas esgrimas goste tenha, geralmente, pulsos fininhos. Não, aqui já não é com a Lolita.

Não se pode, por exemplo, discutir a questão do aborto ao mesmo tempo que outra questão qualquer. Não se pode. "Há este problema...". "Não, isso não é prioritário". "Está bem, mas existe o problema...". "Mau, Maria, já não disse que isso é pequenote!?".
O próprio futuro ex-candidato à Presidência da República (refiro-me a Cavaco Silva, que acho parecido, cada vez mais, com o Tino de Rans) assumiu, agora, um discurso de serralharia, em que não alinha duas frases sem introduzir a palavra chave. Qual é ela? "Chave", exactamente. A chave, ele sabe qual é, pelos vistos é só uma. É a chave com os dentes para cima, se a fechadura está para baixo, para a esquerda se a fechadura é para direita, horizontal, é ... é fazer as contas, que são poucas.

Portugal é um país sem soluções porque desiste de si ao menor escolho. Encolhe-se na graçola que identifica o erro mas não se atreve a corrigi-lo. Perante peido, não se evita o cheiro: afirma-se necessária radical mudança de cu. E, porque Portugal não possui massa crítica firme que combata os arautos da desgraça sem ser com piadolas augurando mudanças radicais, em Portugal tudo parece cair antes de, sequer, ter começado a erguer-se. Portugal é, como dizia Eça, um país de amanuenses, com tendências intelectuais que variam entre a tísica hemoptóica e a boçalidade rosada e luzidia dos gordos felizes, apenas, da vinhaça.

29.6.05

Agora é só deixar rolar.

A partir de hoje, quase tudo será dois por cento mais caro (excepto no Pingo Doce, conforme se sabe) e todos os portugueses expressarão, em entrevistas de rua, que não estão de acordo porque está tudo pela hora da morte e isto é sempre a mesma palhaçada, eles são todos iguais e a Super-Liga ainda nem sequer começou para eu ter com que me distrair. Depois é só deixar passar o tempo, que tudo passa, mesmo o que mói, e todos se acomodam (no limite, assim que se inicie a próxima época futebolística).
Entretanto, consciente e estratégico, o Governo Sócrates já tratou de arranjar tema suficientemente polémico e adequado às habituais abordagens demagógicas (parlamentares e não só) para nos fazer esquecer do aumento do IVA e para nos entreter a todos durante uns tempos. Até Jorge Sampaio, num exemplar acto de colaboração institucional, deu uma mãozinha para o cumprimento do plano, afirmando com determinada veemência que não tenciona partilhar com ninguém o que pensa sobre a despenalização do aborto. Nem que chova. Alea jacta est.

28.6.05

Ideologicamente esbatida

A esquerda sempre foi positivista e anti-religiosa (o que nunca a impediu de ser dogmática), libertária e progressista. Era a direita que defendia as tradições e os símbolos nacionais. Era a direita que individualizava, enquanto a esquerda colectivizava.
Entretanto, a esquerda enredou-se em longos combates ideológicos com a direita. A direita, tradicionalmente individualista e economicamente liberal, passou a apoiar uniões em vez de países. Comunidades em vez de nações. À esquerda, nada mais restou senão defender o contrário; precisamente o contrário daquilo que sempre defendeu. E então, subitamente, deparamo-nos todos com uma esquerda que critica e renega o mesmo que dantes defenderia, noutro contexto e noutra circunstância: as pan-integrações, as pan-europas, as pan-qualquer coisa. Agora, a esquerda festeja, em Paris, exactamente as mesmas vitórias que a extrema direita festeja.
Desta vez, a estação não me parece silly: parece-me inquieta. Como se uma tempestade memorável estivesse pronta a explodir.

O défice avulso

E se os doentes que recorrem às consultas e aos serviços de urgência hospitalares fossem obrigados a aviar as suas receitas, onde a prescrição médica seria obrigatoriamente feita por princípio activo, na farmácia do hospital que os serviu? Que teria genéricos e medicamentos de marca (pelo menor preço), afiançados pelo Infarmed, claro. Isso atentaria contra a liberdade? Não atentaria nada. Atentaria contra a liberdade do mercado, quando muito, esse bicho que agora clama auto-regular-se e regular-nos. Como se uma regulação fosse mais legítima que a outra, sobretudo em questões deste jaez, pouco "numéricas" na sua essência.

O certo é que se gastaria menos e, quem não gostasse do sistema poderia, sempre, ir a clínicas ou consultórios privados. Onde seriam feitas prescrições conforme fosse entendido pelo médico e pelo doente, que seriam aviadas onde o doente bem entendesse. Claro, tudo isto sem comparticipação do Estado. Nem sequer nas consultas. Porquê? Não, não me venham com a história de que os cidadãos pagam impostos e portanto podem optar. Isto aqui não é como optar entre Compal e Santal, queridos. Isto é mais sério e sabe menos bem.

E se tudo se passasse da mesma maneira nos Centros de Saúde, com os doentes que lá vão a aviar-se aí mesmo, mediante contratação barata com os hospitais, que lá colocariam os medicamentos prescritos, trazidos da farmácia hospitalar em carrinhas bem ventiladas, conduzidas por funcionários bem dispostos?

Faliriam farmácias? Só se falissem consultórios e clínicas; e se os portugueses, que são ricos, optassem por este sistema miserável que proponho.
Falharia o sistema? Sim, se o minassem. O que seria fácil, claro, minado já ele está, quase só falta pisar metade das minas. Mina-se bem quando se está por dentro e por fora ao mesmo tempo, só por fora é mais arriscado.

Basta pensar nos tipos da Medis, aqueles da publicidade, que perante um caso grave, daqueles que ultrapassam o "tome lá esta receita", o encaminham para onde? Para um hospital, claro. Sem pagar nada ao Estado por isso. E, no entanto, cobram-se. Isto é ilegítimo. Cobram serviços para depois enviar os seus utentes para a coisa pública? Eu sei que os utentes são e pagam a coisa pública: pergunto é para que serve a Medis! E outras! Neste contexto, servem-se. Eu entendo perfeitamente que se sirvam, o prato é fundo. Nada contra eles todos, Medis e quejandos, tudo contra o conceito.

Assim não. É como ser pai e bastardo, ao mesmo tempo, duma dama muito suja.

24.6.05

Antes de fim de semana ...

Acabei de ler um dos textos mais complexos de que tenho memória ter sido publicado neste blog. É um daqueles que lemos na percepção difusa de que quem escreveu estava a pensar alto.

Às vezes escreve-se assim. Não resultam discursos com princípio, meio e fim, mas pedaços e retalhos de um pensamento que vagueia, inteiramente livre.

Ontem revi em casa um filme que me marcou muito novo e que, aliás, incluí nas respostas ao questionário fílmico que por aí andou. Não, não foi o Yentl. Foi o "les uns et les autres". E devo dizer que, vinte e poucos anos depois, continua um filme excepcional.

Como recordarão os restantes velhotes deste blog, bem como os cotas em geral que calha virem lê-lo, esse filme conta-nos a história da vida de uma série de personagens que viveram a IIª Grande Guerra, prosseguindo, nalguns casos, para a história da vida dos seus filhos. Tem um pouco de tudo e termina com um longo bailado, ao som do "Bolero" de Ravel.

Ainda hoje esse final é extraordinário. Não damos pelo tempo a passar, entre o feitiço daquela música e o encanto daquele bailado de um só homem. Vamos vendo, numa cena que dura muitos minutos mas que nunca nos lembramos de cronometrar, boa parte das personagens - ou seus descendentes - que assistem, como nós próprios assistimos, ao espectáculo. Olhamos para cada uma delas e sabemos quem elas são, pelo que passaram e como ali chegaram. E assim ficamos, essencialmente a ver e a pensar, durante muito tempo. Para além mesmo dos créditos finais.

E para que este blog não entre de fim de semana em tom demasiado reflexivo-melancólico, termino com isto: Eu vou descansar dois dias numa pousada ali ao sul, que já ninguém me atura. E como levo mulher e filhos, nem sossegado lá fico. Porque lá me não deixam ficar.

23.6.05

A praia do sossego

José Barroso interveio claramente. Enfim, pelo menos se, como a peça do noticiário da 2 parecia indicar, o nosso antigo Durão falou após o inflamado discurso daquele senhor que falava francês e clamava por uma discussão qualquer. Aquele que interpelou, veementemente, francofonamente, Blair. O Toni.

Disse Barroso, que quase se irrompeu, num inglês que soou tão meloso como o seu português (e isto é mais grave, o homem enjoa sempre, mas a falar português consegue mexer mais com a peristalsis esofágica), que vamos ter de repensar esta questão da Europa (a Europa é uma questão, pelos vistos; não é, e isso já sabíamos, uma resposta) mas, muita atenção, "nem pensar nisso de agora ser um fartar vilanagem, de colocar tudo em causa!".
Barroso, que se anafa diariamente e parece, em cada dia que passa, mais aganado no seu fatinho curto de grosso e nos olhitos semicerrados de cevado, disse qualquer coisa que misturava "valores" e "ambição". Não cito, não estou para me maçar com detalhes de bolota, mas era à volta disto. Eu, isto, sei. É a mistura fina darwiniana. Há quem faça cafés com isto.

Na boca, nos olhos quase xantelásmicos, na papada, nos ombros, no parlamento inteiro de Durão, pressente-se uma mistura rançosa de quem pede Grande Guerra. Se vai ser Mundial ou só Civil, veremos. Depende de como os deixarmos mexer na Europa, deixá-la assim ou tentar uni-la pelos "valores ambiciosos". Mas será Grande. E nós vamos deixar, que deixar é nossa sina.

Barroso é, na minha opinião, um homem ridículo. Os homens espertos e (mais ou menos) poderosos podem ser tão ridículos como os outros todos. Isto confere-lhes adicional potencial de mofa? Não. E de respeito acrescido? Também não. É uma referência, de passagem, de besugo em trânsito.

Em África, em Angola, morre-se de paludismos, cancros e cirroses. Como cá, como em toda a parte, mas em condições inomináveis, de calores húmidos de insectos moles. A morte de todas as fomes.
Enfermeiros a dar à bomba, águas salobras, fomes que deviam matar-nos a todos de vergonha, tudo colorido em reportagens que, depois de mostrarem a "fealdade feia" da pobreza total, nos mostram a "mesquinhez giraça" da pobreza global: uma miúda de trancinhas estrogénicas a dizer que não tem onde se divertir. Vai, Nokkia! Ou vai lá tu, Sony! Dai-lhe um telemóvel, à miúda! Dai-lhe uma rede, um pacote de SMS, a miúda quer diversão, é dar-lha.
Contraponto mal feito, os valores e a mais-valia. O mais valia calarem-se a ficar cada vez mais ensurdecedor.

Um tipo com ar de lunático, noutro trabalho avulso, refere (sobre Guantanamo) que pode haver médicos a traçar planos de interrogatório, como fazia a PIDE. Como sempre se fez e como se fará sempre, onde houver homens com poder de prender, interrogar e seviciar outros. Isto é grave? É. Se for verdade, é. Mas é assim. Não é grave por ser assim, é grave por ser sempre assim e por ir ser sempre assim. É a gravidade inevitável da inevitabilidade. Lei de besugo.

O mundo é muito grande, mas não é grande coisa. Hoje, até por coisas que soube ontem e que não vêm ao caso, são íntimas, são coisas que não sendo nossas são de gente tão nossa que a gente as sente nas carnes, hoje, dizia eu, pensei um cisco na gente que se mata. Admirei-me. Profunda angústia teológica, esta angústia da decisão apenas auto-flageladora. Que faz com que quem se mata com raiva dos outros, por raiva dos outros, por raiva de si e dos outros, por raiva dos outros por si, decida, quase sempre, fazê-lo (matar-se) sossegadamente.

Leio mal, sei pouco, mas afigura-se-me isto mais certeiro do que trovoada em Maio: cada vez mais, um dia atrás do outro, quem decidir matar-se, vai levar consigo quem resolver que não quer que cá fique, contente da sua falta. Será o liberalismo levado ao extremo. Como já se faz, um bocadinho, no mundo árabe: o exercício da última liberdade pode ser extremamente lixado, fora dos tais valores antigos que, hoje, nestes tempos modernos, parecem quase incompatíveis com a ambição.
Ambição de quê? Isso não sei. A ambição tornou-se mais do que um substantivo comum, passou a ser um verbo conjugado na primeira pessoa, não sei se só no singular, mas sempre na primeira pessoa.

Responde, Nokkia. Tu também, Toshiba. E tu, Gatesworld of magic! Ambição de quê? Para quê? Por quem? Para quem? Só para quem se masturba nos contrastes, para quem legitima na miséria dos outros o seu sucesso? Porque "não foram capazes, pobres diabos?".
Não, vocês preparam-se é para mostrar isso, cada vez mais, em directo. Se for possível. Não é, rapaziada? Não é?
É.
Boas vendas, malta.

Eu vou descansar dois dias, num mar ali ao norte, que já nem eu me aturo. E se morrer no mar foi ele que me levou, deixai-me estar lá sossegado, mais besugo menos besugo, mais vale no mar que num prato ladeiro.

Ainda estamos quase todos.

Menos, agora, entre outros, o Zé Torcato.
Um ano juntos em Ponta Delgada, em 1989, no começo da vida, para quê? Para saber agora, hoje mesmo, tarde demais para seja o que for, que o Torcato já não opera mais ninguém.
Soube aqui.

Leiam os comentários , a merda dos comentários, e percebam duma vez: há-de haver, tem de haver, forçosamente, quem cale esta gente que não sabe de nada mas fala sempre como se soubesse de tudo.
Acabem com os comentários duma vez. Quase 80% deles são cagadelas de moscas em linho puro e limpo, fresco, sem mácula.
Raios te fodam, Zé.
Eu nem sei se o Goulart, a Graça, a Anabela, o Humberto, o Américo, o Paz, o Fifer, a Ana e a Cristina, os outros todos, já sabem. Saberão? Como falo com eles, eu que já não lhes sei o paradeiro, a mais de metade?

O défice: o que aconteceria se Portugal fosse um país da América Latina?

Eu lembro-me da Argentina a saque, há três anos atrás.
É por isso que se criou o sítio do sim. Como na frase: "sim, o euro salvou-nos da miséria".

22.6.05

Aposto que o próximo há-de ser sobre lavores.

Aqui estou eu, a responder a mais um questionário tão bizarro como inconsequente.
Antes de mais, um esclarecimento impõe-se: o Tomás mente e sabe disso. Eu não lhe disse rigorosamente nada sobre as taras cinéfilas do besugo. Só lhe contei da colecção de recortes de jornal com os momentos mais marcantes da carreira da Dulce Pontes, que o besugo guarda carinhosamente no pechiché. O resto, enfim, ele extrapolou...

Ora então vejamos.

1. (Alguns) melhores filmes dos últimos anos:
Sem perceber muito bem a razão de ser do critério "últimos anos" e, mais do que isso, o que se entende por "últimos anos" (que, do ponto de vista da história do planeta, podem corresponder a toda a história da humanidade), ei-los: Mystic River e Million Dollar Baby. Quase todos os filmes dos irmãos Cohen (mesmo o mais antigo de todos, um filme pouco conhecido chamado Blood Simple). Cinema Paraíso, Ondas de Paixão, Hable con Ella, Gato Preto, Gato Branco, Magnolia. O Quarto do Filho. E o Shrek, pois. E os Incríveis. E o Armaggedeon. O Pânico no Túnel (com o inefável Stallone). E alguns thrillers cujo nome não me lembro agora.
Mas isto limita-me a escolha. Há muitos mais filmes que são os "melhores filmes" mas não são dos "últimos anos".

2. Filme da vida:
Paris, Texas? Talvez. Amor de Perdição? Também. Sempre é mais respeitável do que gostar do Michael Douglas...

3. Actores com pujança:
Com pujança ou sem ela. Bons actores? O Xon, sempre. Não esse, o Connery, claro. Marlon Brando. Paul Newman. Depardieu. Daniel Day-Lewis. Jeremy Irons. Clint Eastwood. Morgan Freeman. Tim Robbins. Jack Nicholson. Steve MacQueen. James Stewart. Laurence Olivier (que era britânico, o que, contrariamente ao que se pensa, já não sucedia com Marie Quant que, nascida em Paris perto do Café Procope, cedo emigrou para Picadilly, onde passou a ser conhecida por simplesmente Mary). Richard Gere, mas este mais dentro do género. E Javier Bardem, claro.

4. Actrizes de mão cheia:
Vivian Leigh. Anne Bancroft. Shirley MacLaine. Lauren Bacall. Ingrid Bergman. Maggie Smith. Susan Sarandon. Frances MacDormand. Carmen Maura. Todas falecidas, velhinhas ou hispânicas, lamento.
Atrizes bonitas, vivas e talvez talentosas? Meg Ryan, Julia Roberts, Jaqueline Bisset, Julianne Moore, Emanuelle Beárt, Fanny Ardant. Note-se: nenhuma delas é Stone.

5. O meu musical:
Grease, claro! Música no Coração já não é um filme, é uma forma de aculturação.
Já a participação masculina deste blogue afirma ter gostado do Yentl, o que me espanta (não percebo como se pode gostar de um filme cujo título se pronuncia como um soluço... isto já para não falar da Barbara Streisand, a proto-Dulce Pontes).

6. Realizadores com R grande:
Os Cohen. Nanni Moretti (o Quarto do Filho é imperdível). Kusturica. Hitchcock. Eastwood. Almodovar. Billy Wilder. Robert Altman. E... Manoel de Oliveira!

7. Passo este testemunho a:
Dragoscópio (ou também já respondeu a este?), Miss Pearls (para sorrir) e João Tunes (a ver se já lhe passou o amuo).

Quantas cãs terias agora tu, rapaz?

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Tu, Ricardo, não é que tivesses mãos muito diferentes das minhas. Mas tinhas qualquer coisa nos olhos que tornava tudo mais fresco, mais simples, mais bonito.
Ia ser bom falar contigo destas merdas todas que chateiam, mas já não se pode.
Não me lembrei de ti só agora, acredita. Apenas te escrevi mais tarde o telegrama de ontem.

Há miúdos?

Venho do Coliseu, que estava repleto da burguesia típica do mês de Junho, que é tão mês como o de Janeiro com a diferença de que as noites são mais quentes, em que os filhos já estão em férias e em que a Partimpim vem ao Porto, o que motiva uma adesão mais massificada das famílias portuenses do que se não fosse em mês de festa popular.
A artista entrou no palco conforme saiu: caiu do tecto e para lá se içou, no final. O Partimpim é música só para miúdos, sabe-se. É muito conhecido, também se sabe, rapidamente se tornou música de maiorias, o que lhe retira a dimensão elitista. Há quem não se desse ao trabalho de falar no Partimpim, quanto mais de o ir ver, por essa exclusiva razão.
Sopa, bailarinas, lagartas, sagitários, Maomé quando era criança. E Vinicius, também. A dada altura, a Calcanhoto perguntou para a plateia se havia miúdos. Há? Há! Mesmo? Sim. Todos os adultos responderam. A Calcanhoto não sabia, ou não imaginava, que todos os adultos responderiam. Einstein, Nietzsche, Saddam Hussein e, pasme-se, até Georg Steiner, o pensador hermético, todos eles já foram crianças. Imagine-se eu.
Bom. Cantei baixinho todas as sopas, bailarinas e lagartas do Partimpim e não quero, sequer, que me tornem a falar na péssima acústica do Coliseu.

Mãos

Hoje falaram-me três vezes em morrer e eu neguei três vezes. Como se tivesse nas minhas mãos, à semelhança doutras vezes em que tive, ou nos pareceu que sim, a todos os que queríamos que eu tivesse, mais um adiamento qualquer. Uma fresquinha.
Hoje nem fui Pedro, sequer. Nem um galo cantou, sequer ao longe, no braseiro húmido do ar do Douro.
Hoje não fui nada. Fui só o que tenho nas mãos, quase sempre: nada e um suor antigo que me trai e me agacha.

21.6.05

Esguichos de besugo

1 - Sacana. Percebeu logo tudo. Contou, é claro, com a ajuda da lolita, mas com isso também eu já contava, enfim, que a lolita anda a soldo do imperialismo desde que foi ao lançamento do livro do Francisco. "Longe de Manaus", disse ela. Obrigadinho, isso até eu sei, o caraças do lançamento a que ela foi decorreu no Porto, fica perto de Manaus como o caraças!
Enfim, admito: não consigo ver filmes em que não compreenda, de esguicho (enfim, em cinco minutos, no máximo), quais são os bons e quais são os maus. Se entrar o Penn, está claro, decido logo. O Penn até pode fazer de Jesus Cristo que eu torço logo pelo Herodes. Mas nem sempre entra, o talentoso palhaço, e assim torna-se mais difícil.
Já no caso dos livros, enfim, me enfronho mais. Por exemplo: não fui eu que disse (e ai da lolita se vier aqui desmentir-me, essa mentirosa que deve estar agora a aturar a cantora dos cinco relógios, valha-nos Deus e Santa Pimpinela!) que não percebia o pensamento de Georg Steiner. Eu sei quem foi que disse, mas não digo quem foi. A menos que me paguem, evidentemente, que eu também tenho de ganhar a vida nem que seja a vendê-la.
(Tenho aqui trinta e sete viaturas da Matchbox para a troca, ó cinéfilo de araque; sim, uma delas é um Alfa Romeo Giulia GT, vermelho, conheces? Ah! Na Corgi não há, pois é, que pena tão grande! Passa por cá).

2 - Grande banho de bola que a Argentina deu hoje à Alemanha. Aquilo, a Argentina, hoje, até parecia o Sporting, mesmo na posse de bola, no número de cantos, nos ataques, nessas trivialidades. E no resultado final também parecia, lá empatámos outra vez, raios partam isto tudo. Já não ganha uma equipa que eu apoie até ao paroxismo desde o último Brasil-México!

Inquéritos

O besugo, em dia de delírio, passou a meio mundo o testemunho do inquérito para que foi convidado. E até, o que penso que não era suposto, o passou "intra-blog". Seja, eu respondo. Em delírio também. Aliás ecléctico. Assim:

1. (Alguns) melhores filmes dos últimos anos:
A Irmandade do Anel; As Duas Torres; O Regresso do Rei; Os Incríveis

2. Filme da vida:
Les Uns et Les Autres, Ran e Blade Runner, todos "ex aequo"

3. Actores com pujança:
James Mason

4. Actrizes de mão cheia:
Jodie Foster

5. O meu musical:
Yentl

6. Realizadores com R grande:
Hitchcok; Kurosawa

7. Passo este testemunho a:
aos mesmos que o besugo, menos eu própio.

Tiago Monteiro

Desculpem lá a investida - neste blog - de um post sobre uma modalidade desportiva que não é o execrável futebol profissional, mais a sua corja de dirigentes, árbitros, jogadores e claques (por enquanto poupo os adeptos, em atenção ao besugo).

Acontece que um compatriota nosso (sim, eu sei, isso para as mentes iluminadas deste blog não conta nada) lá conseguiu ter um bom resultado com o chasso que tem vindo a arrastar nos circuitos da F1 desde o início da temporada.

Dir-se-á que isso só aconteceu porque 90% do pelotão abandonou a corrida. É certo. Mas aqueles com quem o Tiago Monteiro costuma discutir lugares (o colega de equipa e os pilotos dos Minardi) estavam lá, e ele foi o primeiro de entre eles.

Ainda não sei se ele é um talento natural, como o Lamy é. Com aquele carro é dificil sabê-lo. Mas que gostei de ver a alegria dele no fim do GP dos USA, lá isso gostei.

20.6.05

Vinganças

Estás feito. Vais aprender, como aprenderam vários árbitros que prejudicaram o Sporting nos últimos vinte lustros, que não se corrige um erro com outro erro. Por outro lado, admitindo que és ainda mais maquiavélico do que a blogosfera supunha (excepto eu, que eu topo-te) e que te limitas a envenenar-me "o presentinho" (és menino para isso, és...), vais levar com duas respostas para cada pergunta. Uma delas é a resposta que eu daria se não percebesse pêvas de cinema. A outra, é a resposta que o cinema me daria se não percebesse pêvas de mim. Nos casos em que eu der três respostas é só porque já se me acabaram as férias e uma mistura ruinosa das outras duas..

1. (Alguns) melhores filmes dos últimos anos:
a) Mar Adentro, Má Educação, Million dollar baby, Sideways.
b) Todos aqueles em que entrou a Chloe Sevigny, independentemente da cor do coelho e, mesmo, de serem mais antigos que a ourivesaria.
2. Filme da vida:
a) Armageddon; qualquer filme em que eu ache que podia ser o herói, mesmo a Golpada e a Lista de Schindler; e aqueles do Bruce Willis, os que dão no Natal.
b) Qualquer um dos realizados por Manoel de Oliveira mas, fundamentalmente, aqueles em que o Vincent Gallo, o Sean Penn e o Brad Pitt contracenam com aquela gaja das olheiras fundas, a Benícia de la Tora.
3. Actores com pujança:
a) Paul Newman e Gérard Depardieu. Vá lá, Clint Eastwood e Sean Connery, pronto. Michael Douglas só para enervar a lolita. De Niro. Pacino. OK, Hoffman. Não digo mais.
b) Chloe Sevigny, Kerry Fox, Maruschka Detmers e Carole Laure, por ordem alfabética.
4. Actrizes de mão cheia:
a) Sharon Stone e aquela boa, a Sharon Stone. E a Meg Stone. E a Julia Stone. E a Kim Stone.
b) Demi Moore e Sharon Stone
c) Isabelle Adjani e Isabelle Hupert. E Sharon Stone. E Elizabeth Stone. E a Sofia Loren-Stone. E a Victoria Principal. Está bem, já agora condescendo: eventualmente, aquela actriz portuguesa que parece sempre que está a convalescer duma tuberculose, a que contracena com a Teresa Guilherme e a Rita Salema e a outra, a que entrou depois, naquele teatrinho giro.
5. O meu musical:
a) Jesus Christ Superstar; Tommy; Godspell.
b) A laranja mecânica (não era um musical mas é o caraças!).
6. Realizadores com R grande:
a) Kubrick, Stone, Spike Lee, Coppola, Almodovar (por acaso, olha...), Amenabar.
b) Manoel de Oliveira, João Botelho e Leonor Pinhão, Gallo e Xon Penn (mas estes dois é a brincar, sobretudo um com o outro).
7. Passo este testemunho a:
a) lolita, alonso, Dupont, Rititi, Bomba Inteligente, Altino, Mac Guffin, Pacheco Pereira, Joana Amaral Dias e Vital Moreira. E isto é para já.
b) Francis Obikwelu e António Vitorino.

A Zita, coitada, sabe muito bem do que eu estou a falar.

Isto não espanta. Que o besugo é um anarco-totalitarista já todos sabíamos, que ele trai-se demasiadas vezes - ver, por todas, as suas opiniões sobre os sufrágios populares, sobre o dever de pagar impostos e sobre as crónicas do Luis Delgado; que o Alonso é um totalitarista conservador também já todos sabíamos, inevitavelmente traído sempre que defende Paulo Portas apesar de, António Ferro porém, Bento XVI pá frente e Salazar...sempre.

Eis-me, pois, aqui, sofrendo na carne e na alma a opressão totalitarista micro-sistémica. Cometendo, a cada passo, pretenso delito de opinião e lutando arduamente por fazer ouvir a minha voz mais alto do que o oportunismo ideológico de dois tratantes que constituem a participação masculina deste blogue (dizem eles, enfim; tratar-se-á, como nos carecas do Martim Moniz, de uma manifestação de "orgulho macho"?) e que sonham, um dia, pela via da subversão dos valores da democracia, tomar as rédeas da gestão (tantas vezes difícil... só nós, participação feminina, é que sabemos...) deste espaço de opinião ainda pluralista e ainda democrático*.

Ignorarei, assim, pseudo-comunicados, sejam primeiros ou segundos, que mais não são do que tentativas de golpes palacianos condenados ao mais absoluto insucesso. Eu não tenho culpa que tenham acabado os amendoins e os tremoços - comam as cascas, ora. Pintem bigodes às Ginas e lábios vermelhos ao Flash Gordon. Substituam o Sonic pelo Digimon Esmeralda. Discutam as possibilidades do ressurgimento do comunismo ou o futuro da Igreja no contexto da mundialização. Joguem a bisca, sei lá. Mas comportem-se! Provando que conseguem portar-se medianamente bem durante três dias, até vos presenteio com um Caprisone para cada um.

Acrescento, finalmente, que não me parece bem que andem a apagar blogues da lista de links. Fico a aguardar, A.S.A.P., explicações sobre tão censurável comportamento**.

*Simplificando: invejosos do caraças, é o que vocês são.

** Se ao menos vos tivesse dado para apagar aquelas insuportáveis bolinhas pretas...

Segundo Comunicado

Reunida em nova sessão plenária do seu comité central, a participação masculina do blogamemucho, tendo em consideração os factos mais recentes e designadamente:

1 - Que os dentes do Francisco, aliás poucos, já se encontram todos devidamente apodrecidos;

2 - Que os tremoços e amendoins acabaram, atenta a escassez da produção provocada pelas ignóbeis manobras especulativas do grande capital em prejuízo do povo;

3 - Que as Ginas, não obstante o carácter eminentemente burguês da sua iconografia, contêm em si elementos revolucionários e conducentes à desconstrução dos mitos e preconceitos da burguesia capitalista, bem como à definitiva libertação das mulheres dos atilhos comportamentais que as impedem de alcançar a efectiva igualdade com os seus parceiros.

4 - Que as revistas do Flash Gordon, não obstante oriundas da capital do imperialismo capitalista, resultam do trabalho e esforço dos trabalhadores desse País, a quem incindíveis laços de solidariedade e compreensão proletárianos unem;

5 - Que o Game Boy Advance, por sua vez oriundo de um País lacaio do imperialismo, é e deve ser considerado uma arma nas mãos dos trabalhadores, que conduzem o Sonic na senda da libertação das forças do mal e - dessa forma poderosamente metafórica - disciplinam a sua mente e a preparam para o esforço revolucionário que os conduzirá à libertação do jugo opressor a que estão sujeitos.

6 - Que a camarada lolita - membro ímpar (e ÚNICO) e portanto líder incontestada da célula feminina do blogamemucho se encontra sujeita recentemente a uma infame campanha de bajulação, desenvolvida e prosseguida na comunicação social (e não só) pelas forças reaccionárias, de tal modo que, pela primeira vez na longa e gloriosa história do blogamemucho, foram reveladas regras e hábitos internos da organização e, concretamente, das reuniões do Comité Central.

7 - Que a camarada lolita, não obstante a sua natural e feminina fraqueza ante a investida da reacção, merece que consideremos todo o seu passado de luta e sacrifício em prol da revolução proletária, de que foi bom exemplo o desassombro com que defendeu, perante a blogoburguesia, o camarada Fidel num momento de queda (aliás fabricada pelas televisões ao serviço do capital, porque o Camarada Fidel não tropeça, nem muito menos cai)

DELIBEROU, POR UNANIMIDADE:

1 - Arranjar outra fotografia do Francisco, de preferência mais novo e com mais dentes, para substituir a anterior lá no esconso da sala de reuniões.

2 - Comprar passas nas cooperativas agrícolas, decretar boicote revolucionário aos amendoins e estabelecer uma moratória quanto aos tremoços.

3 - Realizar uma campanha de esclarecimento dirigida ao povo, especialmente aos operários e camponeses, explicando que a compra de Ginas não constitui qualquer perigo - pelo contrário - para os seus ímpetos verdadeiramente revolucionários.

4 - Enviar um comunicado sigiloso à célula irmã na Comissão de Trabalhadores da Marvel Comics sugerindo que o Flash Gordon passe a usar barba e camuflado.

5 - Idem, a propósito do Sonic, à célula irmã na SEGA Electronics, Co.

6 - Convocar a camarada lolita para uma reunião na ponta do molhe da barra do Porto, para que, olhando para os peixes submetidos ao jugo da pressão das águas e para os mexilhões a sofrer quando o mar bate na rocha construída pela burguesia, compreenda a vacuidade dos elogios da reacção.

7 - Depois da reunião, e em face do seu resultado, adoptar uma das seguintes resoluções: a) apagar a camarada lolita da história do blogamemucho; b)nomear a camarada lolita mártir da luta do proletariado e recomendar a colocação da sua efígie em todas as sedes do blogamemucho; c) enviar a camarada lolita para Cuba, a fim de que lá frequente, em clínica psiquiátrica apropriada, curso de reeducação revolucionária.

19.6.05

Trigo limpo

"Quando não se pode ter orgulho de nada e se culpabilizam terceiros pelos nossos males, tem-se orgulho em "ser branco", "negro", "gay", "nazi" ou "comunista". É o que sobra aos destituídos totais. (...). No entanto, o que esses imbecis ainda não entenderam é que eles nem sequer tiveram responsabilidades em serem brancos, negros, gays, nazis ou comunistas. São só brancos, negros ou gays por acaso, nazis ou comunistas por debilidade mental. Têm, de facto, muito pouco de que se orgulhar."

Que o acaso determina a cor da pele, mais coisa menos coisa, já sabíamos. Que o acaso determina opções sexuais, ficámos agora a saber. Aliás, pelo teor da conversa, percebemos que LR cuida ter sido bafejado ( ou prejudicado, sabemos lá), nesse particular, apenas pela fortuna. Seja qual for a tendência de LR sabemos, desde já, isto: foi por acaso.
Quanto às ideologias, percebemos que LR já decidiu que nazis e comunistas são débeis mentais. Aos liberais não se referiu, mas há-de ter sido, eventualmente, por acaso. Não há-de ter sido por... enfim, por modéstia.

Eu sei, não lia. Eu sei.

"Os portugueses querem soluções à medida, melhorar as suas vidas, ver o país crescer e andar para a frente, e ninguém, em boa verdade, pode garantir que isso vai acontecer, e que daqui a uns anos está tudo melhor."

Aproveito para informar Luís Delgado do seguinte:
1 - Não quero soluções à medida. À medida, o que quero, são sapatos. Para não andar tolhido, de 43 para cima. Se faz favor, biqueira larga.
2 - Não quero melhorar a minha vida. Ou por outra, quero: mas entre melhorar a minha vida e o senhor apanhar uma camada de chatos, juro-lhe que, por mim, o senhor coçava-se todo uma eternidade inteira!
3 - Eu não quero ver o país crescer (ainda rebentava!) nem ir para a frente. Já a si, e aos duzentos e sessenta e oito mil, setecentos e sessenta e nove portugueses que usam essa expressão do "ir prá frente", gostava era de os ver ir para a frente empurrados pela tora dum zulu discípulo de Príapo!
4 - Nessas condições talvez estivesse tudo melhor, daqui a uns anos, mas também não garanto. Olhando assim para vós eu acho que ficáveis por aí aos "uis", em lugar de marchar, marchar.

O meu amigo Quintino morreu-me nos Açores e lá ficou, em campa rasa

Mantorras, Hilário, Eusébio, Faustino, Manaca, Joana, Reinaldo, Dilma, Jacinto João, Jordão, Coluna, Freitas, Naide, Éden, Paíto, Miguel, Quintino, Naíma, Jamal, Narana Coissoró... Estais aí? Mesmo os já mortos? Então ouvi-me:

Andam aí brancos perigosos, amigos. Tenhamos todos algum cuidado com os tesões de mijo dos brancos perigosos: enquanto não se murcham em urinazinhas suaves, como todos os tesões de mijo de todos os perigosos de todas as cores, os tesões de mijo dos brancos perigosos parecem tesões a sério. E podem, mesmo, penetrar orifícios que estejam mais oleados pelo surro do medo, da culpa, ou da permissividade. Muito cuidado com isso. É complicado.

Diálogos com Francis

- Sinto orgulho em ser branco.
- Porquê?
- Porque se fosse preto também sentia orgulho em ser preto.
- Compreendi-te. "Orgulho em ser" é uma coisa "que também se sente mesmo quando não fizemos nada para ser o que somos". Não achas que há qualquer coisa de parvo, nisso?
- Esqueces-te da História, tu. Há um historial de brancura, há um historial de negritude. Que cada um se orgulhe da sua História, Obikwelu.

Se o governo Sócrates fosse um bom governo...

... não permitia a manifestação dos brancos orgulhosos ou, em alternativa, aprovaria por decreto que as manifs de exaltação do orgulho da raça se passassem a designar por "festa da sardinha assada com pimentos e broa". Promovia a integração social dos imigrantes à custa de metade da verba do orçamento de Estado que anualmente se destina à Região Autónoma da Madeira. Impunha ao inenarrável líder da Frente Nacional a prestação de serviço cívico como tripulante de um dos submarinos em segunda mão da marinha portuguesa. Manuel Monteiro, esse seria beneficiado com um regime de excepção: podia falar publicamente sobre o que quisesse, mesmo que não fosse sobre os direitos dos taxistas. Façamos-lhe justiça: ele tem o mérito de, pelo menos, fazer-nos sorrir.

Mostraram-me a música do Antony.

Hope there's someone
Who'll set my heart free
Nice to hold when I'm tired

Há um americano chamado Antony que faz parte de uma banda chamada Antony and the Johnsons e de quem agora conheço um CD chamado I'm a bird now. O Antony é o exemplo perfeito de que há pormenores que não interessam, sobretudo se comparados com aquilo que verdadeiramente importa, pelo menos no que respeita ao Antony: a sua música. Diz o Georg Steiner (sim, aquele cuja citação é o subtítulo do Aviz) que que passamos os dias a reciclar velhas ideias, velhas palavras e... velhas músicas; pelo menos diz que o leu e o percebeu (ao que sei, há quem não o entenda). A ser assim, o Steiner enganou-se. Ainda é possível fazer descobertas, sublimes descobertas. E há pormenores (outros) já mais relevantes: o Antony canta com Boy George, Lou Reed e Rufus Wainright. E com mais uns quantos, menos conhecidos - igualmente pormenores, porém igualmente relevantes. Assombra-nos sempre, esta mania de olhar mais para o que é famoso do que para o que ainda não é ou que nunca chegará a ser. Mas, enfim, andar atento há-de ser o suficiente para não nos deixarmos aprisionar pelo glittering dos famosos.
Para mim, pelo menos para mim, o Antony ainda não é famoso.

17.6.05

Pedido

Para acabar com o obituário recente, mantendo-me nos estritos limites do respeito que qualquer obituário me merece, refiro-me a Eugénio de Andrade para dizer o seguinte, às tantas por não saber dizer mais nada:

1 - Tive sempre a execrável tendência para considerar a poesia despida e um bocadinho estéril, quase seca, quando não se faz vestir de música.
2 - No entanto, cedo admiti, à força de levar na cabeça a este respeito, que esta minha execrável tendência não deixará de ser isso mesmo, com toda a certeza: execrável.
3 - Mesmo assim, feita a penitência, será que alguém me poderia enviar, nem que fosse por e-mail, por lutador de sumo (é uma possibilidade, é uma possibilidade), mesmo por favor, um "wmp" (é assim?), um qualquer coisa que desse aqui, no meu computador, daquela bela canção em que a Simone diz o belíssimo "Adeus"?

É que não tenho. E agradecia.

Official notice

Perante a perplexidade da camarada Lolita, que parece não ter percebido o comunicado, resta-nos tentar traduzi-lo para o inglês, língua pátria dos documentos oficiais, via google. E esperar que ela, assim vertido, o perceba.

Claro, o título também está em inglês, isto é para os senhores entenderem.
Bom.

The masculine participation of the blogame mucho (link fabuloso, uses to advantage), congregated in plenary assembly of central its comité, decided, for acclamation, nominated, the following one:
1 - To give the congratulations to the Aviz.
2 - To place a photograph of the Francisco Jose Viegas, "to smile to the Francisco", in the wall more esconsa of our dark conference room.
3 - To play to the arrows. Being that to make right in a tooth of the Francisco he gives right to scratch out it with a black penxs of felt, as he was pôdre.
4 - To make a pause to gargalhar, always that some of the members of comité central to finish "to apodrecer", of this form soez, a tooth to the Francisco.
5 - After all, not to give the congratulations to the Aviz, was what it lacked, who is not felt is not son of good people.
6 - Seen the things well, to give the congratulations to the Aviz, soon, for this time it passes.
7 - Lolita, already p'ra house!
8 - Malta, we traímos ourselves.

Embezerradamente and already in the clandestinidade,

comité central.

Já agora, quando acabares esse exercício de "por um lado sim, por outro não, mas, pelo sim pelo não, disparo" com a Fátima Felgueiras, vê se fazes um linque para o Mala Pata, aquele das "mamas por cima" e do "ela pode", que estou a ficar cheio de ter de ir lá "à volta", sim?

Nota da assessoria de imprensa. Aliás, duas.

Regresso para, em nome do Comité Central do blogamemucho, pedir desculpas à amável audiência por aquele insólito interlúdio do besugo. Sabemos que a esbórnia habitual das reuniões da participação masculina do Comité Central é privada e, como tal, deverá manter-se privada.
Voltarão, assim, em boa ordem, os meus caros amigos que constituem a participação masculina do Comité Central, aos seus tremoços, amendoins e colecções de Ginas e do Flash Gordon, sob pena de serem impedidos de jogar o Sonic Advance 3 para Game Boy nas reuniões (do Comité Central, pois está claro) até ao próximo aumento da taxa do IVA (o que, numa perspectiva teleológica, vos tornará fervorosos defensores da reforma do aposentado Ministro Campos e Cunha).

Nota: consegui escrever Comité Central quatro vezes sem me rir...

Importas-te de repetir?

Comité Central, besugo? Comité Central, aqui, no blogamemucho?
Valha-te Santo António. Isso já não se encontra nem em Vladisvostok...

16.6.05

Comunicado

A participação masculina do blogame mucho (link fabuloso, aproveitem), reunida em plenário do seu comité central, decidiu, por aclamação, nomeadamente, o seguinte:

1 - Dar os parabéns ao Aviz.
2 - Colocar uma fotografia do Francisco José Viegas, "a sorrir à Francisco", na parede mais esconsa da nossa escura sala de reuniões.
3 - Jogar às setas. Sendo que acertar num dente do Francisco dá direito a riscá-lo com uma caneta de feltro preta, como se estivesse pôdre.
4 - Fazer uma pausa para gargalhar, sempre que algum dos membros do comité central acabar de "apodrecer", desta forma soez, um dente ao Francisco.
5 - Afinal, não dar os parabéns ao Aviz, era o que faltava, quem não se sente não é filho de boa gente.
6 - Bem vistas as coisas, dar os parabéns ao Aviz, pronto, por esta vez passa.
7 - Lolita, já p'ra casa!
8 - Malta, traímo-nos.

Embezerradamente e já na clandestinidade,

O comité central.

Cobóiadas

Eu prego muito sobre a igualdade de tratamento de sexos, mas no pressuposto de que a igualdade de tratamento de sexos não seja uma questão feminista. Fiz-me entender? Enfim, basta dar um exemplo. Há escroques na política? Pois há. A Fátima Felgueiras, contumaz até à raiz da mise-en-plis, prepara-se para regressar à terra mãe aproveitando-se de uma lei, bizarra, que concede imunidade aos candidatos a cargos autárquicos.
Note-se, a Fátima Felgueiras é mulher. O que é positivamente aterrador é que ela fez muito mais pela igualdade de tratamento do que as Sónias Fertuzinhos deste país todas juntas, incluindo as suas mães e avós. Sem reivindicação de quotas e sem apelo à igualdade.
A Fátima é, ao que tudo indica, uma pistoleira. Tão pistoleira que não precisa de tratamentos de favor. Isto é, sem mais, a verdadeira e genuína emancipação feminina!
Fiz-me entender, agora?

O aniversário do Aviz

Cada blogue e cada blogger constrói, ao sabor da vontade e das empatias, o seu grupo, mais ou menos restrito, de blogues favoritos. Ao Aviz, descobrimo-lo assim que nasceu o blogamemucho. Não se trata de concordar sempre, porque só quase sempre se concorda; nem de encontrar sempre no Aviz os temas de que mais nos apetece saber. Trata-se de se ser sempre bem recebido. Suavemente e com um sorriso à Francisco, que o Francisco pressente-se bem no que escreve.
Parabéns.

P.S. A participação feminina do blogamemucho agradece, muito honrada, esta referência.

Prosa

- O senhor quer lutar pelas suas convicções, não é assim? Hum...
- Bom ... eu, de facto, queria...
- E quais são elas, as suas convicções? Não sabe dizer assim de repente, pois. Ora bem.
Tem aqui um impresso com várias perguntas, a que responderá com uma cruzinha. Ou põe uma cruzinha no "sim" ou põe uma cruzinha no "não". Não, não pode deixar nenhuma em branco.
Reparará que as últimas perguntas estão apresentadas sob o título "futurologia previsível". Ou seja, nessas questões, em que se limitará a colocar a cruzinha no "sim" ou no "não", conforme terá feito, já, nas outras, terá de deixar bem claro quais serão, na sua perspectiva, as consequências da sua luta pelas suas convicções. Mais que isso, será obrigado a prever as consequências, para si e para os vindouros, das suas convicções. Nem são só as consequências da sua luta, repare (aliás o senhor tem cara de quem gosta de andar à bulha, faço-lhe notar isto com alguma consternação e veemência amigável), que importa dissecar: é a conveniência das suas convicções em termos futuros e, mais que isso, vistas do futuro. Ora aí está.
Temos de determinar aqui, agora e já, se elas são boas ou, como quase sempre acontece, más. Como sabe, as convicções têm de mostrar validade histórica, intelectual, mesmo astrológica, logo à partida. Percebe? Senão, não vale a pena perdermos tempo!
Não diga, em nenhuma ocasião, que não sabe, que não pode saber, que "isso só se pode saber depois". Não me venha com isso. A vida não é feita de experimentação. A vida é feita de contemplação embevecida e muitas chatices, nós não queremos mais chatices, queremos, em contrapartida, muita contemplação.
Que crenças, senhor? Que vem a ser isso de crenças?! Crenças é em Nosso Senhor! Não desconverse.
Se não souber responder a alguma das questões, não lhe resta outra alternativa senão desistir. Não, eu já lhe expliquei que não pode responder, em questão nenhuma, "talvez, isso veríamos depois...". Não pusemos lá nenhuma cruzinha para isso, é desnecessário. O senhor limitar-se-á, pois, ao formulário. Ele foi estudado por pessoas que prevêem tudo. Perfeitamente, vejo no seu carregar de cenho que duvida: talvez não prevejam tudo, mas contam com os vindouros para lhes colmatar as falhas, nos casos não previstos. Haverá sempre muitos formulários, portanto não pense, sequer, em adiar a questão.
Ainda quer lutar?
- Eu... não sei. Pensando bem, não. Sei lá, um dia demonstra-se que eu estava enganado, mostra-se mesmo que persisti no engano, depois morro velho (ou novo, concedo) e um filho meu atreve-se a chorar-me. Que lhe acontece?
- Nada. Um filho pode chorar o pai, se for baixinho.
- E se for um amigo? Ou uma amiga?
- Um só? Uma só?
- Enfim, vários...
- Quem são esses filhos da puta? Tem aqui um formulário, este novo, que lhe pus agora debaixo dos cornos, onde escreverá, imediatamente, os nomes, as moradas, o grupo sanguíneo e o potencial de procriação de todos eles! Ande, escreva, seu boi, antes que me chateie!!

Espero que isto consiga provar, ao menos, que nem sou dado a "arroubos de poesia" nem "me levo demasiado a sério".
E se alguém se atrever a dizer que isto é um fraco exercício de presunção, de má fé e de manipulação, tenho aqui também um formulariozinho que enviarei ao domicílio, com gosto, veiculado por lutador de sumo...

"Independentemente das convicções por que se luta, é meritório fazê-lo. Ainda por cima quando isso exige sacrifício. Porque nos prendem, porque nos privam, porque, ainda por cima, nos batem [...] É, também, admirável possuir a coragem mental e física de resistir, sem ceder, a quem nos quer vergar. [...] Lutar assim, resistir assim, é lutar bem. Não é lutar mal."


Concordo com tudo o que acima transcrevi. Excepto com o primeiro parágrafo. O que faz toda a diferença.

PS - Era tão bom que a biografia do Hitler terminasse com a morte dele na prisão, de preferência com uma cacholada de um guarda prisional bêbedo. E, preferentemente também, antes de ter ditado ao Hess o " A minha luta".

PPS - Assim, e se o "independentemente das convicções" é para levar a sério, o Adolfito seria hoje, quanto muito, recordado como um (bom) lutador contra o período negro (para os alemães) da República de Weimar.

PPPS - Mas isto é se o "independentemente das convicções" é mesmo para levar a sério.

PPPS - Porque, vindo de quem vem, afigura-se-me provável tratar-se apenas de um arroubo poético.

PPPPS - Ou então, um excerto que deve ser lido assim "Independentemente das convicções, no caso de se tratar de comunistas".

Recuos

Está a custar-me perceber a política de contratações do Sporting. Já no ano passado me custou.
Isto pode dever-se, apenas, à minha estupidez. Mas também pode dever-se ao facto de a política de contratações do Sporting ser incompreensível, mesmo, "tout-court". Sobretudo se analisada sob o prisma de quem pensa que o Sporting é um clube de futebol. Às tantas, já não é um clube, nem de futebol nem de nada, mas se for esse o caso digam-me, por favor. Sim?
Se me disserem que já não é e mo provarem, também me calo sobre isto.

15.6.05

Desassombros

Mesmo tendo percebido a ironia, que não vinha difícil, insisto nisto:

1 - Meter Cunhal no mesmo saco de Hitler, Pol Pot, Mao e Estaline é descabido. A menos que Cunhal lá caiba naquela pequena secção, talvez uma pochette, reservada "aos que não chegaram a ser, mas foi porque não os deixaram, por conseguinte, tungas!". Ora, isto carece de prova. E, se calhar, ainda bem que carece. Mas carece.
2 - Independentemente das convicções por que se luta, é meritório fazê-lo. Ainda por cima quando isso exige sacrifício. Porque nos prendem, porque nos privam, porque, ainda por cima, nos batem. Deve ser fodido, embora menos, admito, se não for connosco.
3 - É, também, admirável possuir a coragem mental e física de resistir, sem ceder, a quem nos quer vergar. Eu acho admirável, isso. Não é a única coisa importante do mundo, mas negar-lhe importância é um bocadinho de cagão. Não é?
4 - Lutar assim, resistir assim, é lutar bem. Não é lutar mal.

Tudo o resto é outra conversa, embora envolva o mesmo homem (Cunhal, "o Álvaro") e seja, claro, muito importante.
As conversas globais, de "vamos agora olhar para o homem todo", evidentemente que desmitificam, que desconstroem. São muito raros (eu não conheço nenhum, nem lembrando-me de Cristo) os casos em que a imagem "toda" dum homem, qualquer que ele seja, assim dissecada, consegue, sequer, estar ao nível duma qualquer dimensão admirável que um homem (qualquer um) possa ter. Levada ao extremo, esta "desconstrução" leva-nos a não poder admirar ninguém. Olha o Vinicius, que era bom, mas era bêbado; o Antero, que era luminoso mas apagou a luz com um balázio; o Barbosa, que joga bem, mas é tão lento...
Eu saltei, aqui, mil e dezasseis exemplos. Bati, provavelmente, o record mundial do salto de exemplos, abdicando da medalha por já não ter peito para mais nenhuma, por ter sido um salto fácil e, sobretudo, por tédio.

Que diabo, Carlos: eu também leio Pacheco Pereira. E não tenciono aumentar o meu saco de santinhos, garanto, muito menos com Álvaro Cunhal. Que ficaria, nesse saco, pelo menos tão mal colocado como no outro em que o Carlos o meteu.

De mim, não tenho ideia de ser "estrutural e notoriamente" nobre (embora confesse admirá-la, à nobreza, onde a vejo), nem um intrépido lutador. Mas lá vou andando. Cuido que o Carlos há-de fazer o mesmo. Em nenhuma ocasião, por outro lado, afirmei, do Carlos, ser um "caso perdido", "um medroso", ou "um merdoso". Nem mesmo um "carapau de corrida". O Carlos é que falou nisso, deixando-me um bocadinho perplexo. Mas durou pouco tempo, este meu estado bovino de perplexidade. Durou os poucos segundos em que pensei que o Carlos se questionava, se duvidava, se embebia numa crise qualquer de auto-estima. Olha, logo o Carlos.

Quanto à ironia, eu percebi-a. Não vinha difícil, a ironia do Carlos, como já disse; vinha, até, grossa. Divertida, curtita e grossita, a ironiazita. Quando alguém nos diz "olhe, não perca tempo comigo, sim?" soa-nos um bocado a "olhe, faça o favor de desandar que eu, para si, parece-me que já dei". Não soa? Pois soa. E, estando embora no seu pleníssimo direito, o Carlos foi desagradável.

Faltava, ainda, no final, aquele pormenorzinho do "desassombro". Era necessário o recurso a mais uma das múltiplas variantes do nosso léxico só para ser, uma vez mais, um pedacito rude e "sacatrapo"? Pelos vistos, era. E o Carlos decide, soberanamente, das suas necessidades.
Perfeitamente, eu "desassombro-o", Carlos. Sem problema nenhum. Fique sossegadamente bem a esse respeito, homem.

Mellos

- Onde ides?
- À manifestação "pretos para casa"! Não vens connosco?
- Não trouxe as botas Doc Martens e, além disso, combinei ver um filme em casa, com a Maria.
- Isso quer dizer que não vens connosco?
- Quer.
- Mulato da merda.

santos populares

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Há quem se importe e há quem não se importe. Não há razão para se subdividir esta dicotomia, que é simples e não impõe penas: nem a uns, nem a outros. É uma classificação não destinada a linchamentos nem a foguetórios.
A senhora do piercing no nariz, que é a face marcante e marcada mais visível do Centro de Saúde de Odivelas, importa-se há muitos anos. E tem as ideias claras sobre qual é o seu papel. E sobre o seu estatuto. Quase os confunde, a mulher. A confusão entre o estatuto e o papel é um exercício difícil, por muitos motivos, mas quando se consegue é bom de ver. E de saber que há.

No meu hospital, houve (e há) um projecto de cuidados paliativos domiciliários. Eu limitei-me a apoiá-lo, nem sequer lhe estou na génese, estou à vontade, portanto. Eu aqui, e o projecto na gaveta, ambos à vontade e sossegados.

Não avançou. Feneceu cedo. Dois médicos foram a Odivelas, para ver como era e para se constituirem como ponte entre hospital e centros de saúde. O projecto foi escrito, apresentado. Havia enfermeiros interessados e empenhados, também.
Os tarados do "Saúde século 21" apoiaram e deram, mesmo, viatura. Vermelha.

Hoje, anda a viatura a levar e a trazer processos clínicos, entre pavilhões. O que é bom, escusam os mensageiros de andar a pé, havendo viatura. Roubada e envergonhada, tão rubra está, a viatura espera pelo seu destino como nós esperamos por Godot: com uma indiferença fúnebre entre festas juninas.

14.6.05

Operações simples

Caro alonso:

Se Salazar pensava, como eu penso, que o povo português, em podendo votar, vota sempre contra si (povo) e a favor daqueles que, naquele domingo especial - e em alguns outros domingos, perfeitamente, outros domingos em que também tira o carro da garagem - lhe parecem o paradigma da interpernetração classista*, então sim. Produzi um pensamento salazarista, dos melhores que já li, nesse caso, passe a imodéstia. Merecendo, por conseguinte, queda de cadeira, hematoma extradural consequente, além de avaria absoluta da aparelhagem de trépanos** em todo e qualquer hospital público. Mesmo privado.

* Interpenetração classista é uma variante política do "direito de pernada", que me coíbo de explicar aqui por motivos de ainda não passar da meia-noite.
** É só fazer um buraco na caixa córnea. Pode ser feito, e já foi muitas vezes, com uma ponta de sílex.

Os resíduos da cintura industrial

Num país em que tudo é tão morno, ninguém acredita que os fedelhos que se dizem racistas se tenham tornado racistas por trauma profundo, causado por arrastões ou arrastinhos de bairro. Também ninguém acredita que num país, como este, que se arrasta ao sabor do tempo, esses mesmos fedelhos sejam, afinal, ideólogos da pureza da raça, defensores convictos da eugenia purificadora ou, até, seguidores fervorosos do Mein Kampf, cujos princípios desenvolveram em inspiradas teses de investigação académica.

Neste país morno também há desses fedelhos, que serão sempre fedelhos irredutíveis, na puberdade como na andropausa. Ninguém percebe ao que vêm nem ninguém se interessa por aquilo que querem. Nem eles próprios, subprodutos de vivências frustrantes em que o Clerasil marcou tanta presença que, com o tempo, se lhes implantou nas massas cinzentas, já de si pouco estruturadas. Dizem-se xenófobos com a mesma convicção com que que afirmam que a SIC Radical é bués e sentem-se corajosos por conseguir dizer, em frente a uma câmara de televisão, que os pretos devem voltar para a terra deles. Com um pormenor, afinal, definidor: não mostram a belíssima fuça.

São feios, têm mau ar, são muito feios. Na alma, então, são inomináveis.

1975

Têm hoje 30 anos as pessoas que nasceram no ano em que o Cunhal esteve à beira de conseguir o que sempre quiz. E em que o Vasco Gonçalves foi Primeiro Ministro.

Morreram 30 anos depois. Menos felizes do que se tivessem implantado a "República Popular de Portugal", como era seu confesso desejo.

Respeito a morte de ambos como respeito a de qualquer outra pessoa. Reconheço - a um e a outro - qualidades.

Mas não faço deles mais do que candidatos a ditadores que, felizmente, perderam.

PS - O "Bem visto", do besugo e, sobretudo, o seu último parágrafo, constitui o pedaço de prosa mais salazarista que alguma vez foi escrito neste blog. Note-se que não fui eu que o escrevi.

Pinchos

- OK, o gajo esteve preso, bateram-lhe, foi corajoso, aguentou-se. Grande coisa, vista daqui. E depois?
- E depois o quê?
- Depois? Depois o gajo, logo que pôde, quis o poder! Ora! O biltre!
- Não quis sempre?
- Não sei, mas sei que quando pôde querer, quis.
- Eu acho que ele quis sempre, mesmo quando não podia querer.
- Então ainda é pior!
- Pois é, está bem, pronto. Mas lutou e pagou pelo que queria. Quando podia querer e mesmo antes disso, não?
- Paz à sua alma, "mainada". Sacana! Eu cuspo-lhe daqui!
- Vê lá, não saltes muito...

Ó Álvaro, lutaste mas foi mal....

Álvaro Cunhal lutou pela «sua» ideia de liberdade e pelo «seu» modelo democrático.

Pois foi. Admito que um dia o senhor fará o mesmo pela sua ideia e pelos seus modelos, seja do que for. Pode não conseguir mais nada, senhor, mas conseguirá, ao menos, isto: quando o senhor morrer, eu, que tenciono sobreviver-lhe, não me limitarei a desejar-lhe paz à alma, como se fosse um exorcismo. Direi que foi admirável.
Por enquanto, desculpe lá, mas não.

Bem visto

Bem visto, de facto. A escumalha que aí anda foi a que o povo escolheu, em detrimento de Cunhais e outros tipos assim, tontos e bonitos. Foi a Zita que disse que Cunhal era bonito, entendamo-nos. Não fui eu.
Faltou-lhe acrescentar, apenas, que é de entre a escumalha que se apresenta a votos, da escumalha organizada por voracidades e lascívias, que o povo escolhe. Nem sequer é de entre a escumalha toda, senhor primeiro ministro. É só dessa.
E, sabemos todos, o povo escolhe sempre mal. Não sei se por definição se, porventura, por ventura nossa.

(Este texto saiu aqui porque a revista "Sábado" o recusou. A revista "Sábado" é, até por isto, sábia e lisinha nas páginas; nada de relevo dali sai que não saísse, com vantagem, de víscera mais peristáltica. Um domingo, uma segunda-feira, mesmo uma terça de finados: tudo lisinho).

A cabeça do epidídimo

Eu não pedi luto nacional nenhum, faço só o meu. Embora o partilhe, ao meu luto. Mas isso é porque, não fora eu um besugo, seria uma poveira a carpir camisolas grossas, bordadas, molhadas e afogadas em marés de traição. Seria, talvez, uma traineira à deriva, já tombada.
Fico um bocadinho triste por o senhor ter dito isto.

Desculpe, o senhor pode dizer o que quiser. Posso eu dizer que não gostei? Posso dizer que o valor maior que Cunhal nos legou foi a coragem, os colhões? Muito obrigado.

Um café com o Pedro Barbosa

"Já me custa, cada vez mais me custa, sair rapidamente dum drible, dum trocar de pés. Agora por pés, sempre te digo: mais depressa troco os meus, agora, que os de um defesa puto, rápido e atento. É a vida.
Tenho talento? Eu sei, amigo. Olhos também? Pois. Mas esta lentidão, a minha lendária e falsa lentidão, tornou-se, com o tempo, verdadeira. Ainda conduzo a bola com os dois pés e sei fazer-lhe coisas, à bola, que pouca gente sabe. Faço-as é mais devagarinho, sem rompantes que levantam bancadas de gente de costas para o jogo. Ainda não me adivinham o gesto, os putos, mas já se me antecipam quando o faço. Porque o faço cada vez mais devagar.
Nunca fui disputado por clubes europeus de topo. Não sou, sequer, um tipo belo. Dizes-me que sou bonito a jogar e eu acredito. Já me vi, gravações dos filhos. Mas isso consola-me de quê? Duma guia de marcha que não pedi? Eu sei que tu querias que eu ficasse, mas quem és tu? Um tipo como eu, a ficar cada vez mais lento? Como é que sais dum drible? Deixas, cada vez mais, a bola para trás, não é? Já ouviste risos nas bancadas? Pois. Já te custa, cada vez mais te custa. Eu sei o que isso é. Vamos ali conversar, num sítio onde não haja Mourinhos, onde o sucesso seja um pormenor e não uma filosofia. Tomamos um café. Pagas tu, que eu estava muito bem até tu chegares."

Planos B

O que é lixado é perceber que hoje, na 1, o programa "Prós e Contras" ia ser sobre incêndios. E que só deixou de ser por causa dum incêndio maior. Não é assim?
É.
São as prioridades da morte? Mentira, são as da vida. A morte é só um caixilho, uma moldura. Um epitáfio. A obra ao centro, o resto é, se for, design.

Em havendo um grande fogaréu, arderia tudo, mesmo a obra, mas isso é outra conversa.
Eu, se mandasse (nunca mandarei, não, calai-vos, escusais de pedir!), vendia um submarino para comprar cinco helicópteros. Mesmo seis, dependendo do periscópio. Seis daqueles helicópteros que não dependessem das condições atmosféricas para decolar, para voar, para apagar fogos e para aterrar. Há desses? Não há?

Então posso, finalmente, falar do Pedro Barbosa.

Um dia, gostar-se-á a sério dos poetas.

Os poetas nem sempre se reconhecem pelo olhar, o que faz com que nem sempre se reconheçam os poetas. Eu via-o com frequência, passeando-se sem rumo pelas palmeiras; às vezes, tomava café na mesa ao lado, silencioso, imprescrutável.
Percebia-se, porém, o olhar. Um dia, antes de fraquejar à doença, vi-lhe aquele olhar na rua, o olhar de quem podia, simplesmente, estar a desenhar mentalmente estas palavras: "as palavras que te envio são interditas/até, meu amor, pelo halo das searas/se alguma regressasse, nem já reconhecia/o teu nome nas suas curvas claras".

Boa, pá!

O Joselito voltou e, logo que voltou, morreu-lhe um amigo. Eu sei que o Joselito bebeu dali, daquele velho talentoso e agreste, as gotas que pôde. O Joselito não sabe que eu sei, mas eu até sei que lhe serviu de anfitrião, a Eugénio. Conforme serviria de hospedeiro a Camilo, se pudesse.

Bem vistas as coisas, se bem o conheço, morreram-lhe três amigos, ao Joselito. Ele é que só fala do que conheceu melhor.
E eu? Eu, nem isso.

Lá de longe

Eram oito da manhã quando hoje liguei o carro e soube da morte de um homem orgulhoso, com cuja vida se escreveu uma boa parte da nossa história e que, nos últimos anos da sua vida, se deixou abandonar por quase todos. Nunca se saberá se se deixou abandonar por sua vontade. Com o tempo, todos passaram a dedicar-lhe a curiosidade que se dedica a um homem insólito, inimitável de tenacidade, que escrevia com sentimento e desenhava por vício de criação.
Cunhal é história nossa, é história tão pura e tão farta que nos toca no fundo. Que ninguém fale em consensos: odeie Cunhal, quem sempre o odiou. A sua morte há-de sentir-se, espero eu, como se sentiu a sua vida. Sobretudo, como ele a sentiu.

Pequenos Vagabundos

Toda a gente sabe que morreram, no espaço curto de um fim-de-semana prolongado, três homens marcantes. E marcados. Como se se pudesse ser marcante doutra forma, não é?

Morreu mais gente, entretanto. A Luísa, cujos pais vão chorar eternamente. O Adolfo, cujos filhos guardarão as cinzas, num relicário.
Mas há quem morra para toda a gente. Geralmente porque viveu para toda a gente e por toda a gente. Eu sei, poupem-me, eu sei, isto é redutor. Mas menos que algumas "purgas" aleivosas que li por aí. Feitios.

Não se vive para ninguém, nem por ninguém. Morre-se quando tem de se morrer e nem sempre é espectacular.
Mas há pessoas que, ao menos, mesmo tendo vivido juntas parte do seu tempo, podiam morrer separadas. Para a gente poder sofrer as perdas uma a uma, sem misturar lágrimas.

Claro que há quem não misture nada. Muito menos se a mistura puder parecer "coisa de simples".

E saem coisas destas, dignas dum Jardim qualquer: "Eu, sobre isso, sou coerente: não gostava dele, continuo a não gostar". Isto é gastar em vão uma das mais importantes dimensões do homem: a coerência.
A coerência não se gasta assim. A hora da morte é tempo de parcialidades, de alegrias ou tristezas. Não é tempo de indiferenças, de equidistâncias. Nunca é tempo disso, aliás, se querem que vos diga.

Mas também há aquela história da rã (ou do sapo) que queria ser boi. Ainda hoje se chora, em alguns charcos, essa rã. Ou esse sapo. Mas em muito poucos.
Chorar em charcos é como rir em soalhos de teca: ecoam sempre pouco, ecoam de menos, sejam choros, sejam risos. Deve ser, apenas, uma questão de acústica.

13.6.05

Companheiro Vasco, que até o Herman te sente um bocadinho dele, hem?

Bom, sendo assim, perco a pouca vergonha que tenho.

Não nos referimos, aqui, a Vasco Gonçalves. Meteu-se o fim-de-semana, enfim...
Ganhou fama de maluco no país em que, mais facilmente, se ganham famas. De ensandecimento, então, basta desafinar e é logo: "ganda trengo!".
Atreveu-se, entre outras coisas que se atreveu, a pedir trabalho aos portugueses, num fim-de-semana antigo qualquer. Limpar estátuas, essas baboseiras torpes de "irmos lá todos". Ainda nem sequer havia telemóveis, "pá malta combinar!".
Na altura achei bem. E ia, estava de saída. Mas não me deixaram. E eu não fui, era puto, não fui.
Há sempre uma coisa qualquer que faz as pessoas diferentes, pode até ser a marca do carro.

Mas eu acho que o que nos faz diferentes, muitas vezes, é ir. E eu não fui. Não sei se para não ser diferente (de quem, de quê?) se por ser fim-de-semana. E isto é que me fode.

até amanhã, Eugénio

Eugénio de Andrade é, provavelmente, o maior poeta português vivo. O homem com que se vestia a sua poesia morreu hoje.
Os denominadores comuns à sua poesia são, quase sempre, a sua mãe, por quem o poeta é um apaixonado, contra o próprio pai, que rejeita, corporizando o sortilégio edipiano que o acompanhou toda a vida.
Eugénio de Andrade é um depurador da palavra, e um inimigo nato da adjectivação, utilizando sempre a matéria substantiva das coisas com todo o seu peso. Vejam-se por exemplo os títulos dos seus livros –“as mãos e os frutos”, “rente ao chão”, ou “o sal da língua”, entre outros.
Poeta do mundo, de uma geração literária marcante do século XX, a dos anos 40/50, amigo pessoal de Sofia de Melo Breyner Andresen, de José Régio, ou de Jorge de Sena, depois da sua reforma profissional, entrega a sua vida à poesia e à tradução de clássicos gregos, sendo o único tradutor ibérico de Safo, a maior poetiza grega de sempre, iniciando a sua fase de maior intensidade de publicação, sobretudo depois de o município portuense lhe ter doado o edifício onde vive hoje e onde se encontra a Fundação Eugénio de Andrade, no Porto.
Eugénio de Andrade, diz quem o conhece bem, era um homem de feitio difícil, às vezes intolerável, que contrasta em tudo com a leveza das palavras de um homem apaixonado por gatos e por tílias, e capaz de conversar horas a fio com uma chávena de chá, a sua bebida preferida, enquanto espera pela visita dos amigos, a quem poderia facilmente telefonar, de qualquer distância, convidando para “uma chávena de conversa”.
A sua formação musical clássica é de extrema exigência, de tal forma que quando ouvia os programa de antena 2 da RDP, se detectava alguma gaffe, telefonava de imediato a corrigir o apresentador.
A música das suas palavras vem também da música clássica, sobretudo piano, que ouve ininterruptamente.
A comunicação social foi sempre o seu inimigo número um, detestando exposições e multidões, preferindo o recolhimento do seu quarto virado para a barra da foz do Douro. Esse rio por quem Eugénio se apaixonou e que subiu de barco, pela primeira vez, no ano 2000, para participar na colectânea de poesia “Douro, um percurso de segredos”, juntamente com mais sete poetas e quatro fotógrafos, e, quando se encontrou com Torga no monte S. Leonardo, interrompeu o silêncio dos seus companheiros com a seguinte expressão: «É em sítios como este que percebemos a verdadeira dimensão da nossa pequenez.».
Se é verdade que as mãos e os frutos da sua poesia não serão mais colhidos pelos poetas mortos, não é menos verdade que os poetas vivos semearão flores e colherão abraços. As tílias e os gatos é que perderam as palavras, e as mães perderam um sacerdote com o Hábito bordado de sílabas essenciais.
Resta-nos reler o mestre que conversava comigo chávenas de chá adoçadas com conselhos de palavras únicas. Até amanhã, Eugénio.

Cada vez menos

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"Quando se tem um ideal o mundo é grande em qualquer parte".

Sei que vou chorar baixinho, durante algum tempo ainda. Não é por ele ter morrido, é por ter vivido comigo durante quase trinta anos, enfeitando-me os sonhos de poder vir a ser, também, um dia, um bravo.
Eu sei, há respostas jocosas para tudo. É por isso que isto não é uma pergunta, não carece de réplica. É uma tristeza miúda de ficar mais só.
Não é, sequer, por ele ter morrido, eu sei que se vive na memória, embora não seja a mesma coisa. Sei que ele poderia enfeitar-me os sonhos, da mesma maneira. Mas isso era se eu tivesse, ainda, grandes sonhos de catraio. Daqueles em que eu entrava sempre, cerrando fileiras com os meus heróis, por uma coisa qualquer. Eu, desses, já tenho poucos. Cada vez menos.

A fotografia foi tirada do Abrupto, peço desculpa. Eu não tinha nenhuma e pareceu-me justo e natural, por todos os motivos, ir pedi-la . E continuar a passar por , sem pedir mais nada. Só ler.

Nunca me tinham cancelado um concerto.

O Elvis Costello não veio. Abandonou-nos por razões logísticas à porta do Coliseu, onde não há-de ter querido tocar para meia sala vazia; nunca saberá se tocaria, afinal, para meia sala cheia.

Com isso o fim de semana acabou mais cedo. Mas a noite não, porque, felizmente, há luar. Não tenho culpa que o Sttau Monteiro tenha pensado o mesmo.

10.6.05

Ora então até já, lolita

Sei que estamos atrasados, o que te deve estar a causar profundo alívio e inestimável paz. Que, em breve, findará. Porque vai aqui uma lufa-lufa de malas e outros precisos que não te augura nada de bom.
Seja como for há, no Alto Douro, sempre, coisas a tratar, sobretudo quando o deixamos por mais de 24 horas. O Alto Douro não se deixa assim, sozinho, desamparado. Muito menos quando se sabe que, mais dia menos dia, as águas límpidas que por cá se deixam no Douro-Alto havemos de as ver passar, já poluídas de urbanidade, debaixo da tua janela. Há, quase, às águas, que lhes pedir desculpa...

Bom, serve esta, além de ser para te irritar (que tu és portuguesa, evidentemente), para uma encomenda.
O (escasso) tempo que te estou a dar de folga há-de servir para fazeres qualquer coisa de útil. No caso de já teres acabado de passar a roupinha toda, vais à FNAC (acho que também há, aí, no Porto) e compras isto:

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Podes oferecer-mo ou, caso te encontres penetrada do teu costumeiro mau feitio, fazer o habitual: "nhanhanhanhanha-nha, tu não teeee-ens!"
No caso de fazeres o costume, copiarei o Francisco , à minha maneira: "um ladrão, o que é?".

P.S: Não, não cantarei, desta vez, a minha versão "self-translated" do "My Way". Ide rir-vos do ... Frank!

Excerto de um inquérito realizado em Aveiro

- Boa tarde. Posso pedir-lhe que responda a um inquérito?
- Não sei. Se for rápido, talvez. Isso dos inquéritos irrita-me.
- É precisamente sobre a irritação. O senhor irrita-se com quê?
- Com muitas coisas, eu sei lá! Dê-me exemplos!
- Beatas e papéis no chão? Cuspir para o ar? Cocós de cão no passeio?
- Isso tudo! Irrita-me isso tudo! Pergunte mais!
- Ser ultrapassado numa fila de trânsito?
- Ah, como isso me irrita! Mais, quero mais!
- Acalme-se, por favor. O senhor parece-me irritado...
- Que conversa é essa? Você está a irritar-me!
- Bom... nesse caso, as minhas desculpas. Para acabar, pode dar-me um exemplo de qualquer coisa que não o irrite?
- Sei lá. Assim de repente... dê-me um exemplo.
- Cavaco Silva?
- Esse...hum... não. Eu irrito-me mais é com o padreco do Freitas. Mas tenho um amigo meu que se irrita muito com o Cavaco e outro que se irrita com o Paulo Portas. Quer que chame algum deles?

Não, é que isto preocupa.

Se Mourinho não tivesse sido campeão com o Chelsea seria menos bom treinador?
Seria igualmente arrogante mas com menos desculpa?
Se, para o ano, não for campeão com o Chelsea deve regressar ao Porto? Ou ao Benfica?
E qual o papel de Jesualdo Ferreira em tudo isto?

Se responder acertadamente a estas questões (soluções no próximo número) vá pensando na próxima, que dará direito a uma viagem para duas pessoas (independentemente do sexo) a uma capital da União Europeia (provavelmente a Madrid, que este blogue não é subsidiado).
E a questão é esta: levará Trapattoni consigo, para Itália (ou mesmo para a Coreia) o protótipo de português irritado que dá pelo nome de Álvaro Magalhães? Justifique a sua resposta utilizando versos da autoria do vocalista dos UHF ou, em alternativa, sete frases do Tino de Rans. Neste último caso têm de ser seguidas.

Por falar nisso:

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Não. Não tem nada a ver. Esqueçam.

Mais uma vez em primeiro!

Eu bem sei que o estudo foi realizado pelas Selecções do Reader's Digest mas, que diabo: é um estudo.
E diz isto: os portugueses são o povo mais irritado da Europa.

Eu já calculava que sim. Um português consegue, nas condições ideais de pressão e temperatura, sentir-se irritado com a sua própria existência. O que o português domina é uma arte antiga que consiste em fazer de conta que está irritado com outras pessoas para a sua própria existência lhe parecer mais suportável. E quem elege o português para alvo da sua irritação? Exactamente: quase sempre um compatriota.

Ser compatriota de alguém significa, geralmente, mesmo em alguns dicionários, que se partilha com alguém uma coisa que se chama Pátria.
Em Portugal não. Os portugueses, a não ser em relação a certas pessoas que veneram (geralmente já falecidas, retiradas de funções após jubileu, ou, em alternativa, residindo no estrangeiro, "onde são os maiores, senão não estavam lá, ok?!"), consideram os seus compatriotas uma espécie de peçonhentos com quem partilham a ralação de estarem vivos, ainda por cima em prédios de paredes de estuque, "que se ouve tudo!". Não são bem compatriotas: são uma espécie de "compartilhotas".

A coisa que mais irrita os portugueses não é nenhuma das que estão no estudo das vetustas Selecções.
Desenganem-se.
É uma coisa indefinida que, em termos topográficos, há-de ficar sempre algures entre um centro comercial, uma tasca, uma nau que só navega na memória e um espelho acusador.

9.6.05

ainda vivo

Olá!
Lembram-se daquele rapazinho que convidaram para estas discussões aqui há uns tempos. Sou eu e estou vivo! (por enquanto…)
A verdade é que a porra das contas mensais obrigam-me a escrever noutros sítios e a ter falta de tempo para o blogamemucho. Realmente já passou muito tempo, mas julgo que agora podemos continuar com as “Farpas” necessárias ao bom funcionamento dos fígados mal tratados dos portugueses. Passou por este tempo tanta coisa: Morreu um papa e elegeram outro quase morto; a melhor equipa de futebol de Portugal perdeu tudo o que tinha para ganhar (viva o Sporting, porra!); o governo português vai enfiar-nos impostos até ao nariz; a França e a Holanda votaram “NÃO” , e bem, ao nado morto da constituição europeia que nos reduz à condição de “sopeiras” a servir à mesa dos alemães e dos Ingleses…; o Freitas continua a dar que falar e o Paquiderme da Madeira voltou a arrotar em público… só que desta vez saiu merda! (como jornalista que sou, estou a preparar-lhe uma cartinha especial de corrida que depois publicarei aqui)

Muito bem, vou recomeçar o nosso “diálogo” na esperança de que o besugo e a lolita deitem as cabecinhas de fora das suas janelas fronteiriças.

8.6.05

Trabalhemos mais e blá, blá, blá...

A história tem mostrado que é cíclica: a um período de desafogo sucede-se sempre um período de recessão, cuja dimensão mais preocupante é a da recessão ideológica.
Há exemplos disso: este, um auto-proclamado político mediático que incessantemente se põe em bicos de pés, debitando banalidades só comparáveis às crónicas do ilustre Luis Delgado como quem revela o verbo divino.
É espantosamente autista na escolha dos meios e na consequente percepção dos insucessos. Pergunto-me se ele saberá, no fundo de si, que ele é, afinal, o próprio exemplo da conjuntura preocupante que tão afanosamente censura.
Ideologicamente, Manuel Monteiro é um recessivo. Eu não lhe emprestava carro nenhum; aposto que se desvalorizava.

Sobre dores

"A única dor suportável é a dor dos outros".
Durante muitos anos ou mesmo séculos, não foi dada devida atenção ao problema da dor pelos profissionais de saúde. No que respeita à formação, quer pré quer pós-graduada, a dor não tinha praticamente relevância; era considerada, tradicionalmente, um sintoma difícil de tratar, envolvendo em alguns casos, medicamentos sujeitos a restrições legais, como os opióides, aos quais foram atribuídos riscos, nomeadamente depressão respiratória e dependência, muito superiores ao risco real. Por outro lado, a sua importância enquanto factor de morbilidade só recentemente foi reconhecida. Do doente esperava-se que tolerasse a dor e que, simultaneamente, não lhe desse muito relevo em termos de queixas. Daqui resultaram práticas diversas, como, por exemplo, a analgesia em SOS no pós-operatório, a desvalorização sistemática da dor no velho e na criança, as doses sub-terapêuticas, diria mesmo homeopáticas, de analgésicos, sobretudo nos doentes poli-traumatizados e oncológicos.
Esta realidade prolongou-se, nomeadamente na Europa Ocidental, em função, entre outros, de conceitos oriundos da filosofia judaico-cristã, que atribuíam à dor um carácter potencialmente libertador; aliás, este conceito traduz-se por frases tão usadas como "a dor santifica a alma", "o que arde cura", "sofrer na terra para ter um lugar no Céu".


Isto pode ser lido, no seu contexto, aqui. E, consolidando o assunto, agora abordando os mitos da morfina, aqui. A autora (o nome está nos artigos) é daquelas pessoas que, se outras qualidades não possuísse (e possui, se possui!), seria credora, ao menos, destas: é dedicada e experiente. Eu sei o que estou a dizer.

Vem isto a propósito deste texto em que se aborda, mais ou menos, o mesmo tema. Mais ou menos este: "o que é legítimo e defensável quando se trata de aliviar a dor?". Isto remete-nos para todos os sofrimentos, não é?
É um tema recorrente, causando-nos sempre imensa urticária imediata porque, de facto, caímos sempre no mesmo: a única dor suportável é a dor dos outros.
Talvez devêssemos ouvir mais vezes Sérgio Godinho. As palavras, mesmo. Ainda ontem me vieram à memória, aquilo da "corda do outro me prender o pé".

Acrescento que o Dronabinol, que ainda não tem genérico disponível, está aprovado como anti-emético e estimulante do apetite em doentes sujeitos a programas de quimioterapia nos EUA e no Canadá. Evidentemente, nos doentes cuja emese se revele resistente aos fármacos considerados de primeira linha.
Ah! Já me esquecia: é o Delta-9-tetrahidrocannabinol. Isso mesmo, talvez pudesse ser fumado, não sei. A virtude parece estar lá, mesmo assim. Como na morfina está.

É preciso, de facto, ir falando nas coisas importantes. Nem que seja pelo meio das outras que também são, admito. Os senhores entendem isto melhor se eu disser assim: nem sequer 1/100.000 de nós terá, em vida, um Ferrari belo de "rampante"; ou um tratado sobre economia publicado e, ainda menos, discutido; ou o reconhecimento (sincero) de mais de cinquenta pessoas pelo nosso valor.

Já dores...

Parabéns, B.

Parabéns, rapaz: nove anos! Estás a ficar crescidote.

Pensa nisto: estava calor há nove anos, esteve calor hoje. Mas tu só te lembras do calor de hoje, não é?
Vai dar um beijo à tua Mãe, anda, mexe-te.

7.6.05

Moem mas não matam

Juro que não tinha lido o Evaristo quando me passou a neura e resolvi que não havia motivo nenhum para acabar com um dos meus mais inofensivos prazeres: escrever no blogame mucho. É só aqui que escrevo. Aqui e em inúmeros diários clínicos de doentes que tento tratar o melhor que posso. Para quem gosta de escrever, seria castigo grande. Para os senhores talvez não, admito perfeitamente.

Passada a raiva (antiga, esta raiva, que me faz lembrar sempre Leonor Beleza, mais alguns episódios que me aconteceram sempre que havia noticiários em que ela surgia, severa, a colar mais algumas etiquetas de esterco nos médicos todos) percebi duas coisas: que a raiva me passa cada vez mais facilmente e que tende a ser cada vez mais justa, à medida que se encurta na sua duração.

Nem sequer falo mais do incidente. Antigo, ainda por cima. Eu é que só vi anteontem.
Não quero mal a ninguém. Muito sinceramente, quero que o autor do escrito que me irritou, independentemente de se arrepender ou não do que escreveu, esteja bem e feliz. Mas, ainda assim, andor.

Agradeço à Lolita, que nem sequer precisa da minha gratidão, porque me conhece, é minha amiga, somos amigos. Ela já tinha, mesmo, lido sem me ter contado, para eu não ficar conforme acabei por ficar. Ainda por cima numa altura em que (se alguém soubesse a luta que isto tem sido, nas últimas semanas, conforme ela sabe! se bem que eu tenho desabafado aqui, acho que se pode desabafar, tem graça...) aquilo me cairia na sede como fel. Colocou a questão com a calma e o sossegado carinho que sabia que me faria bem. E fez.

Ao Evaristo, por fazer o favor de encontrar nas minhas palavras de indignação algum motivo de respeito. O Evaristo deve acreditar, como eu acredito, que quando um homem se indigna pode não ter razão, mas lá há-de ter as suas razões. E se tenta explicá-las, chamando-se besugo ou assinando com seis nomes, não devemos mofá-lo. Devemos ouvi-lo. Se se explica, disse eu! E isso soube-me muito bem.

"A corda do outro prende-me no pé". Era assim, no original, a cantiga do Sérgio Godinho.
Desculpem os palavrões que fui vertendo, mas quem cresceu com esta certeza e tenta fazer dela o seu lema tende, de vez em quando, a ficar fodido.

Já passou.

Também estava muito calor, há nove anos atrás.

Lembro-me bem: estava tanto calor como hoje.
Farei por tornar todos os aniversários memoráveis. Todos, mas especialmente os aniversários dos primeiros nove anos.
Parabéns, meu pequenino.

Charutos e subtilezas

Não me faz nenhuma confusão a existência de vozes dissonantes num governo. Num qualquer. Ainda menos se forem provenientes de personalidades que nada têm que ver com as estruturas partidárias que suportam o governo, seja ele qual for. Doutro modo, lá teríamos de redefinir "independências", e eu não quero isso. Nem me parece que seja preciso, espero.

Admito, evidentemente, que cada País deve, em questões fundamentais (e são quase todas, hoje em dia), ter uma posição oficial coerente. E Portugal, ou seja, o governo português, tem sido oficialmente coerente no que se refere ao Tratado Constitucional Europeu. O governo acha "que sim".
Os portugueses não sei. Eu próprio, que agora escrevo estas linhas, me reservo o direito e o dever de melhor me informar, para melhor ajudar a decidir quando a isso for chamado.
Agora, o que não admito é não ser chamado.
E acrescento: a não ser chamado em Outubro, que não o seja, ao menos, pelos motivos de Freitas (percebe-se que o raciocínio dele é mais ou menos este:"não é preciso mais nada, basta isto para se perceber que vamos ter de repensar, discutir e mudar algumas coisas") que pelos do Reino Unido (e quejandos), que se limitam a deixar-nos bem claro que adiam referendos porque lhes palpita que vão perdê-los. Mas concordo, mais que isso, quero, que se vá lá dizer. Tem de ser. A menos que fosse pelas razões de Freitas, tem de ser.

Ainda bem que o governo (qualquer um) tem vozes discordantes no seu seio, seja em relação ao que for, calhou agora ser isto. Se a uma voz discordante corresponder um pensamento discordante, oiça-se o pensamento em lugar de condenar a voz, só por ser dissonante. Um governo tem de ser uno, mas não unânime. Discutem-se pensamentos, não vozes. E as solidariedades não são incompatíveis com a discordância pontual.

Isto para mim é muito claro: dum governante do meu País eu espero, sempre, sentido de Estado.
E espero, também, pensamento independente. Alguém concebe um ministro do Estado, mesmo um pai de família, qualquer mulher, qualquer homem, a menos que aceite diminuir-se na sua dimensão, sem pensamento próprio? Eu concebo, mas sugiro que se passem a regar esses espécimes como se faz às couves.

Se o pensamento dum ministro coincidir com o do líder, perfeitamente. Se não coincidir, prefiro sabê-lo pelo próprio (como aconteceu com Freitas do Amaral, que expressou o que pensa, ao mesmo tempo que reafirma a sua lealdade em relação ao grupo - "vai haver referendo"), que sabê-lo pelo líder, ao demiti-lo (ao dissonante) por não ser carneiro, ou mesmo pelo "discordante", ao demitir-se de ministro por ser, afinal, pessoa.

Não se demita. Eles que o demitam. Vitorino, o homem que já gerou, só no último ano, mais ruído de fundo na política portuguesa que dezassete Ferraris a acelerar ao mesmo tempo em Maranello, que o demita. Ele, sim, ele, que agora, finalmente, parece tão preocupado com ruídos de fundo na política que até dá exemplos que envolvem o basquetebol! Logo ele que, com Marques Mendes, se imagina mais facilmente a discutir "boliche".

Goste-se ou não de Freitas, que me merece vários respeitos (um deles o de ter sido abandonado pelo partidos que queriam elegê-lo, logo que falharam, assumindo Freitas o falhanço e o seu pagamento; outro, mais antigo, o de ter fundado um partido de direita numa altura em que Durão Barroso nem sequer sonhava com o Parlamento Europeu; outro, ainda, o de lhe reconhecer honestidade intelectual mais relevante do que encontro em outros "ícones" da nossa modernidade), o que ele fez foi isto: ele disse "eu penso assim, mas far-se-á conforme está previsto, independentemente do que eu penso".
E ambas as coisas são muito importantes. Ambas.

Que o trabalho duma equipa nunca se sinta atraiçoado por uma finta dum Figo ou dum Ronaldo. Nem por um "charuto" do Petit. Mesmo que não dêem lance de golo, saibamos manter os momentos de criatividade. A finta é um complemento do jogo de equipa, o "charuto" também, desde que a bola caminhe para a baliza certa. Pensando melhor, mesmo que saia auto-golo.

Inquisidores, mas pequeninos.

Eu ainda ontem falei aqui de absurdos. Do taxista que metia, se mandasse, todos os advogados na cadeia. Através de silogismos primários, intoxicados de notícias indutoras de comportamentos prevaricadores, o taxista lá se confortava no pensamento, redentor, de que o mal do mundo tem explicação e, mais do que isso, tem responsáveis: os advogados.

Este raciocínio, linear e generalizador, é com frequência catalisador das lamentáveis manifestações espontâneas de crucificação. A via sacra, repetida até ao infinito, inspira os sentimentos mais bestiais dos homens. É, por exemplo, com este enquadramento, rasteirinho e falho de qualquer reflexão humanista (ou de qualquer outra natureza), que já todos ouvimos alguém discutir a pena de morte através da raiva, insana e infra-racional, que devotaria ao agressor de um ente querido. Ninguém pode dizer que nunca usou a sua ira contra alguém que é, apenas, o portador da má nova ou a visão devastadora, em forma humana, de um irremediável final infeliz que nos atormenta, tanto que se nos impõe sublimar em supostos culpados de pequenos ou grandes pormenores que, gostaríamos nós, fizessem a diferença. Apenas porque se quer muito que assim seja: que a explicação dos males que nos assaltam tenha forma de gente, a quem possamos acusar de erro.

A esta obtusa mundividência junta-se, geralmente, o fenómeno do colectivo. A aparente solidariedade (que só surge contra alguém, nunca a favor) através da qual se arbitram os culpados. E os culpados, para quem culpa, são parte integrante de uma amálgama disforme que se polvilha, às cegas, de acusações invariavelmente aleivosas.

Este homem, a quem se respeita a dor da maleita que o aflige sem sequer precisarmos de saber do que se trata, esqueceu-se da diferença, profunda, entre um desabafo e uma acusação. Os desabafos fazem-se com quem privamos. Nunca em público, nunca num blogue. Ao fazê-lo em público, sem se retractar a seguir, não desabafou. Acusou aleivosamente. Não há dor, por mais dilacerante que seja, que se sobreponha à indiferente maldade com que se acusa, em tiroteio alucinado, uma classe inteira. Uma comunidade inteira.

Nenhum dos acusados, que ele nem sequer conhece, espera desculpas, acho eu. Antes esperaria, suponho, que ainda surgisse a dignidade de reconhecer a medida exacta do injusto, nem que seja para que todos os justos fiquem de fora do desabafo. Impolutos, como lhes é devido e merecido.

Mas há pior, há bem pior e mais lamentável. Há o coro de carpideiras que o acompanha naquela insana acusação, manifestando apoio, babando perante o circo a arder, fervilhando por histórias de culpa de que não sabem e de culpados que nunca se defenderam ou, mais do que isso, que nunca olharam nos olhos. São os grupelhos de inquisidores, clamando por castigos sanguinários, corajosos só enquanto grupelhos. Nunca quando sós, momento em que, frustres, se reduzem a pequenas abjecções não-pensantes. Não exagero: são pessoas que nunca pensaram, verdadeiramente, sobre coisa nenhuma. Em caso inverso, acusariam da mesmíssima forma o agora acusador, apenas pelo mórbido gosto da acusação. Sobre isto, basta percorrer os comentários.

Choca-me, isto. Horroriza-me. O mais indesmentível culpado não merece passar pela indignidade de acusações absurdas lançadas por massas acríticas de gente malévola. Muito menos uma classe inteira. E muito menos cada um dos membros de uma classe inteira. Defendam-se, como fez o besugo. Como faria qualquer pessoa que se ressente e, sobretudo, que nada deve. Eu faria o mesmo.

6.6.05

meuzzz amigozzzzz

Valha-me Santo Agostinho*, não sei se é do calor, mas por aqui os ânimos andam assim um bocadinho exaltados. Parece-me não haber nexexidade dixo. Até porque os escritores deste blog - mesmo os não snobs - dominam com particular maestria o extenso e rico vocabulário da língua portuguesa.

Assim, sugiro que, no livro de estilo do blog (perdi-o entretanto, mas tenho uma ideia do que dele consta) passe a constar expressamente a obrigação de utilizar o verbo "copular" (e só este) não só nas discussões sobre as causas do aborto clandestino, como em quaisquer outras; "verga", quando nos referirmos à indústria de cestaria; "poia" quando o tema verse sub-produtos orgânicos; igual obrigação deverá ocorrer no que respeita à utilização da palavra "concubina", bem assim das palavras "bastardo" e "bastardia"** quando o tema for a desagregação moral na sociedade.




*cujo primeiro nome nunca se me alembra, rais parta os Agostinhos.

** não, eu não sou o AJJ. Nem madeirense sou, verga!

Às tantas é mesmo desta que deixo esta pequena aventura

Via Casa em Construção tomei conhecimento deste desabafo duma pessoa que sofre, pelos vistos. Uma pessoa que sofre pode desabafar, mas não pode esperar grande merda quando desabafa ofendendo sem explicar o critério, e de forma global, todo um grupo profissional.
Como sou médico e trabalho no SNS e, além disso, fico fodido quando me chamam cabrão e outras coisas semelhantes, nem que seja por mera generalização, o que me apetece dizer é que não desejo ao filho da puta que me insultou nada de mal, que espero que se cure da maleita que arranjou, preferencialmente no caralho do país que ele quiser, e que regresse fino e capaz de uma de duas coisas: de repetir o que disse, que eu fodo-lhe os cornos, marco-lhe encontro para isso onde ele desejar, ou de pedir desculpa por ter sido capaz de se reduzir à condição de canalha quando sofre, insultando a esmo. Bastará retirar do seu sofrimento, da sua revolta (que nem sei se é genuína, pode ser que até seja), o tom globalizante. Só isso. Faria toda a diferença.

Até prova em contrário, peço desculpa mas mereces apenas um puta que te pariu, andor, e já agora, com a informação de que disponho, ó sofrido generalizador de culpas (que foi a informação que tu te limitaste a fornecer), sempre te digo que um grande cabrão hás-de ser tu. E filho da puta também, até por inerência..
Vai para o caralho, pela sombra.

Na caixa de comentários da criatura dorida, uma manada (com raras excepções) deixou sua credível poia, também. Idêntico rumo lhes desejo. Um caralho à escolha. Eu sei, isto não é simpático, mas também não me parece que se possa estar doutra maneira depois de ler aquilo.

E vem dizer-me o João que retira o "link" porque aquela merda acabou! Homem: retire pelos motivos certos, você não é médico? Retire porque o tipo o ofendeu, merda! Deixe-se de achar que vestir uma bata o torna maricas e contido; ofendem-no, responda-lhes à letra! Ou sente alguma vergonha do que anda a fazer? Se não sente, diga alto! Bolas! Você é tão capaz de errar, de se enganar, de falhar, como eu. Como toda a gente. Mas não pode ser a consciência dessa possibilidade de podermos errar, que nos faz sofrer todos os dias, até porque nos pode morrer alguém (e morrer-nos alguém é tão doloroso que até me mete nojo que haja quem duvide da nossa dor!), não pode ser essa consciência da nossa falibilidade, dizia eu, a levar-nos a emprestar credibilidade, pela contenção verbal, a desaforos imerecidos.

Eu nem me devia meter nestas merdas, para começar. Mas pronto, já está, fica. Não tenho muito jeito para arranjar amigos, inimigos não sei, espero que também não. A intenção não era essa.

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