blog caliente.

16.6.05

Prosa

- O senhor quer lutar pelas suas convicções, não é assim? Hum...
- Bom ... eu, de facto, queria...
- E quais são elas, as suas convicções? Não sabe dizer assim de repente, pois. Ora bem.
Tem aqui um impresso com várias perguntas, a que responderá com uma cruzinha. Ou põe uma cruzinha no "sim" ou põe uma cruzinha no "não". Não, não pode deixar nenhuma em branco.
Reparará que as últimas perguntas estão apresentadas sob o título "futurologia previsível". Ou seja, nessas questões, em que se limitará a colocar a cruzinha no "sim" ou no "não", conforme terá feito, já, nas outras, terá de deixar bem claro quais serão, na sua perspectiva, as consequências da sua luta pelas suas convicções. Mais que isso, será obrigado a prever as consequências, para si e para os vindouros, das suas convicções. Nem são só as consequências da sua luta, repare (aliás o senhor tem cara de quem gosta de andar à bulha, faço-lhe notar isto com alguma consternação e veemência amigável), que importa dissecar: é a conveniência das suas convicções em termos futuros e, mais que isso, vistas do futuro. Ora aí está.
Temos de determinar aqui, agora e já, se elas são boas ou, como quase sempre acontece, más. Como sabe, as convicções têm de mostrar validade histórica, intelectual, mesmo astrológica, logo à partida. Percebe? Senão, não vale a pena perdermos tempo!
Não diga, em nenhuma ocasião, que não sabe, que não pode saber, que "isso só se pode saber depois". Não me venha com isso. A vida não é feita de experimentação. A vida é feita de contemplação embevecida e muitas chatices, nós não queremos mais chatices, queremos, em contrapartida, muita contemplação.
Que crenças, senhor? Que vem a ser isso de crenças?! Crenças é em Nosso Senhor! Não desconverse.
Se não souber responder a alguma das questões, não lhe resta outra alternativa senão desistir. Não, eu já lhe expliquei que não pode responder, em questão nenhuma, "talvez, isso veríamos depois...". Não pusemos lá nenhuma cruzinha para isso, é desnecessário. O senhor limitar-se-á, pois, ao formulário. Ele foi estudado por pessoas que prevêem tudo. Perfeitamente, vejo no seu carregar de cenho que duvida: talvez não prevejam tudo, mas contam com os vindouros para lhes colmatar as falhas, nos casos não previstos. Haverá sempre muitos formulários, portanto não pense, sequer, em adiar a questão.
Ainda quer lutar?
- Eu... não sei. Pensando bem, não. Sei lá, um dia demonstra-se que eu estava enganado, mostra-se mesmo que persisti no engano, depois morro velho (ou novo, concedo) e um filho meu atreve-se a chorar-me. Que lhe acontece?
- Nada. Um filho pode chorar o pai, se for baixinho.
- E se for um amigo? Ou uma amiga?
- Um só? Uma só?
- Enfim, vários...
- Quem são esses filhos da puta? Tem aqui um formulário, este novo, que lhe pus agora debaixo dos cornos, onde escreverá, imediatamente, os nomes, as moradas, o grupo sanguíneo e o potencial de procriação de todos eles! Ande, escreva, seu boi, antes que me chateie!!

Espero que isto consiga provar, ao menos, que nem sou dado a "arroubos de poesia" nem "me levo demasiado a sério".
E se alguém se atrever a dizer que isto é um fraco exercício de presunção, de má fé e de manipulação, tenho aqui também um formulariozinho que enviarei ao domicílio, com gosto, veiculado por lutador de sumo...

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