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15.6.05

Desassombros

Mesmo tendo percebido a ironia, que não vinha difícil, insisto nisto:

1 - Meter Cunhal no mesmo saco de Hitler, Pol Pot, Mao e Estaline é descabido. A menos que Cunhal lá caiba naquela pequena secção, talvez uma pochette, reservada "aos que não chegaram a ser, mas foi porque não os deixaram, por conseguinte, tungas!". Ora, isto carece de prova. E, se calhar, ainda bem que carece. Mas carece.
2 - Independentemente das convicções por que se luta, é meritório fazê-lo. Ainda por cima quando isso exige sacrifício. Porque nos prendem, porque nos privam, porque, ainda por cima, nos batem. Deve ser fodido, embora menos, admito, se não for connosco.
3 - É, também, admirável possuir a coragem mental e física de resistir, sem ceder, a quem nos quer vergar. Eu acho admirável, isso. Não é a única coisa importante do mundo, mas negar-lhe importância é um bocadinho de cagão. Não é?
4 - Lutar assim, resistir assim, é lutar bem. Não é lutar mal.

Tudo o resto é outra conversa, embora envolva o mesmo homem (Cunhal, "o Álvaro") e seja, claro, muito importante.
As conversas globais, de "vamos agora olhar para o homem todo", evidentemente que desmitificam, que desconstroem. São muito raros (eu não conheço nenhum, nem lembrando-me de Cristo) os casos em que a imagem "toda" dum homem, qualquer que ele seja, assim dissecada, consegue, sequer, estar ao nível duma qualquer dimensão admirável que um homem (qualquer um) possa ter. Levada ao extremo, esta "desconstrução" leva-nos a não poder admirar ninguém. Olha o Vinicius, que era bom, mas era bêbado; o Antero, que era luminoso mas apagou a luz com um balázio; o Barbosa, que joga bem, mas é tão lento...
Eu saltei, aqui, mil e dezasseis exemplos. Bati, provavelmente, o record mundial do salto de exemplos, abdicando da medalha por já não ter peito para mais nenhuma, por ter sido um salto fácil e, sobretudo, por tédio.

Que diabo, Carlos: eu também leio Pacheco Pereira. E não tenciono aumentar o meu saco de santinhos, garanto, muito menos com Álvaro Cunhal. Que ficaria, nesse saco, pelo menos tão mal colocado como no outro em que o Carlos o meteu.

De mim, não tenho ideia de ser "estrutural e notoriamente" nobre (embora confesse admirá-la, à nobreza, onde a vejo), nem um intrépido lutador. Mas lá vou andando. Cuido que o Carlos há-de fazer o mesmo. Em nenhuma ocasião, por outro lado, afirmei, do Carlos, ser um "caso perdido", "um medroso", ou "um merdoso". Nem mesmo um "carapau de corrida". O Carlos é que falou nisso, deixando-me um bocadinho perplexo. Mas durou pouco tempo, este meu estado bovino de perplexidade. Durou os poucos segundos em que pensei que o Carlos se questionava, se duvidava, se embebia numa crise qualquer de auto-estima. Olha, logo o Carlos.

Quanto à ironia, eu percebi-a. Não vinha difícil, a ironia do Carlos, como já disse; vinha, até, grossa. Divertida, curtita e grossita, a ironiazita. Quando alguém nos diz "olhe, não perca tempo comigo, sim?" soa-nos um bocado a "olhe, faça o favor de desandar que eu, para si, parece-me que já dei". Não soa? Pois soa. E, estando embora no seu pleníssimo direito, o Carlos foi desagradável.

Faltava, ainda, no final, aquele pormenorzinho do "desassombro". Era necessário o recurso a mais uma das múltiplas variantes do nosso léxico só para ser, uma vez mais, um pedacito rude e "sacatrapo"? Pelos vistos, era. E o Carlos decide, soberanamente, das suas necessidades.
Perfeitamente, eu "desassombro-o", Carlos. Sem problema nenhum. Fique sossegadamente bem a esse respeito, homem.

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