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7.6.05

Charutos e subtilezas

Não me faz nenhuma confusão a existência de vozes dissonantes num governo. Num qualquer. Ainda menos se forem provenientes de personalidades que nada têm que ver com as estruturas partidárias que suportam o governo, seja ele qual for. Doutro modo, lá teríamos de redefinir "independências", e eu não quero isso. Nem me parece que seja preciso, espero.

Admito, evidentemente, que cada País deve, em questões fundamentais (e são quase todas, hoje em dia), ter uma posição oficial coerente. E Portugal, ou seja, o governo português, tem sido oficialmente coerente no que se refere ao Tratado Constitucional Europeu. O governo acha "que sim".
Os portugueses não sei. Eu próprio, que agora escrevo estas linhas, me reservo o direito e o dever de melhor me informar, para melhor ajudar a decidir quando a isso for chamado.
Agora, o que não admito é não ser chamado.
E acrescento: a não ser chamado em Outubro, que não o seja, ao menos, pelos motivos de Freitas (percebe-se que o raciocínio dele é mais ou menos este:"não é preciso mais nada, basta isto para se perceber que vamos ter de repensar, discutir e mudar algumas coisas") que pelos do Reino Unido (e quejandos), que se limitam a deixar-nos bem claro que adiam referendos porque lhes palpita que vão perdê-los. Mas concordo, mais que isso, quero, que se vá lá dizer. Tem de ser. A menos que fosse pelas razões de Freitas, tem de ser.

Ainda bem que o governo (qualquer um) tem vozes discordantes no seu seio, seja em relação ao que for, calhou agora ser isto. Se a uma voz discordante corresponder um pensamento discordante, oiça-se o pensamento em lugar de condenar a voz, só por ser dissonante. Um governo tem de ser uno, mas não unânime. Discutem-se pensamentos, não vozes. E as solidariedades não são incompatíveis com a discordância pontual.

Isto para mim é muito claro: dum governante do meu País eu espero, sempre, sentido de Estado.
E espero, também, pensamento independente. Alguém concebe um ministro do Estado, mesmo um pai de família, qualquer mulher, qualquer homem, a menos que aceite diminuir-se na sua dimensão, sem pensamento próprio? Eu concebo, mas sugiro que se passem a regar esses espécimes como se faz às couves.

Se o pensamento dum ministro coincidir com o do líder, perfeitamente. Se não coincidir, prefiro sabê-lo pelo próprio (como aconteceu com Freitas do Amaral, que expressou o que pensa, ao mesmo tempo que reafirma a sua lealdade em relação ao grupo - "vai haver referendo"), que sabê-lo pelo líder, ao demiti-lo (ao dissonante) por não ser carneiro, ou mesmo pelo "discordante", ao demitir-se de ministro por ser, afinal, pessoa.

Não se demita. Eles que o demitam. Vitorino, o homem que já gerou, só no último ano, mais ruído de fundo na política portuguesa que dezassete Ferraris a acelerar ao mesmo tempo em Maranello, que o demita. Ele, sim, ele, que agora, finalmente, parece tão preocupado com ruídos de fundo na política que até dá exemplos que envolvem o basquetebol! Logo ele que, com Marques Mendes, se imagina mais facilmente a discutir "boliche".

Goste-se ou não de Freitas, que me merece vários respeitos (um deles o de ter sido abandonado pelo partidos que queriam elegê-lo, logo que falharam, assumindo Freitas o falhanço e o seu pagamento; outro, mais antigo, o de ter fundado um partido de direita numa altura em que Durão Barroso nem sequer sonhava com o Parlamento Europeu; outro, ainda, o de lhe reconhecer honestidade intelectual mais relevante do que encontro em outros "ícones" da nossa modernidade), o que ele fez foi isto: ele disse "eu penso assim, mas far-se-á conforme está previsto, independentemente do que eu penso".
E ambas as coisas são muito importantes. Ambas.

Que o trabalho duma equipa nunca se sinta atraiçoado por uma finta dum Figo ou dum Ronaldo. Nem por um "charuto" do Petit. Mesmo que não dêem lance de golo, saibamos manter os momentos de criatividade. A finta é um complemento do jogo de equipa, o "charuto" também, desde que a bola caminhe para a baliza certa. Pensando melhor, mesmo que saia auto-golo.

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