Inquisidores, mas pequeninos.
Eu ainda ontem falei aqui de absurdos. Do taxista que metia, se mandasse, todos os advogados na cadeia. Através de silogismos primários, intoxicados de notícias indutoras de comportamentos prevaricadores, o taxista lá se confortava no pensamento, redentor, de que o mal do mundo tem explicação e, mais do que isso, tem responsáveis: os advogados.Este raciocínio, linear e generalizador, é com frequência catalisador das lamentáveis manifestações espontâneas de crucificação. A via sacra, repetida até ao infinito, inspira os sentimentos mais bestiais dos homens. É, por exemplo, com este enquadramento, rasteirinho e falho de qualquer reflexão humanista (ou de qualquer outra natureza), que já todos ouvimos alguém discutir a pena de morte através da raiva, insana e infra-racional, que devotaria ao agressor de um ente querido. Ninguém pode dizer que nunca usou a sua ira contra alguém que é, apenas, o portador da má nova ou a visão devastadora, em forma humana, de um irremediável final infeliz que nos atormenta, tanto que se nos impõe sublimar em supostos culpados de pequenos ou grandes pormenores que, gostaríamos nós, fizessem a diferença. Apenas porque se quer muito que assim seja: que a explicação dos males que nos assaltam tenha forma de gente, a quem possamos acusar de erro.
A esta obtusa mundividência junta-se, geralmente, o fenómeno do colectivo. A aparente solidariedade (que só surge contra alguém, nunca a favor) através da qual se arbitram os culpados. E os culpados, para quem culpa, são parte integrante de uma amálgama disforme que se polvilha, às cegas, de acusações invariavelmente aleivosas.
Este homem, a quem se respeita a dor da maleita que o aflige sem sequer precisarmos de saber do que se trata, esqueceu-se da diferença, profunda, entre um desabafo e uma acusação. Os desabafos fazem-se com quem privamos. Nunca em público, nunca num blogue. Ao fazê-lo em público, sem se retractar a seguir, não desabafou. Acusou aleivosamente. Não há dor, por mais dilacerante que seja, que se sobreponha à indiferente maldade com que se acusa, em tiroteio alucinado, uma classe inteira. Uma comunidade inteira.
Nenhum dos acusados, que ele nem sequer conhece, espera desculpas, acho eu. Antes esperaria, suponho, que ainda surgisse a dignidade de reconhecer a medida exacta do injusto, nem que seja para que todos os justos fiquem de fora do desabafo. Impolutos, como lhes é devido e merecido.
Mas há pior, há bem pior e mais lamentável. Há o coro de carpideiras que o acompanha naquela insana acusação, manifestando apoio, babando perante o circo a arder, fervilhando por histórias de culpa de que não sabem e de culpados que nunca se defenderam ou, mais do que isso, que nunca olharam nos olhos. São os grupelhos de inquisidores, clamando por castigos sanguinários, corajosos só enquanto grupelhos. Nunca quando sós, momento em que, frustres, se reduzem a pequenas abjecções não-pensantes. Não exagero: são pessoas que nunca pensaram, verdadeiramente, sobre coisa nenhuma. Em caso inverso, acusariam da mesmíssima forma o agora acusador, apenas pelo mórbido gosto da acusação. Sobre isto, basta percorrer os comentários.
Choca-me, isto. Horroriza-me. O mais indesmentível culpado não merece passar pela indignidade de acusações absurdas lançadas por massas acríticas de gente malévola. Muito menos uma classe inteira. E muito menos cada um dos membros de uma classe inteira. Defendam-se, como fez o besugo. Como faria qualquer pessoa que se ressente e, sobretudo, que nada deve. Eu faria o mesmo.
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