blog caliente.

3.6.05

Oh, dear ...

A lolita e eu andávamos de tréguas feitas há tanto tempo que até já me tinha esquecido do apuro com que se manifesta a sua veia sibilina. Lá se dignou implicar comigo desta vez, com propósitos só seus e cuja verdadeira origem não há comum mortal que consiga sondar. Pode-se, quanto muito, desconfiar que a lolita sabe que eu sou facilmente provocável e que sabe que, quando ligar o computador esta noite, já cá tem resposta.

Por momentos pensei "esnobá-la" como diriam os nossos "irmões" de além Atlântico. Mas depois pensei melhor e, como não sou pessoa de defraudar as legítimas expectativas de tão acutilante e encantadora senhora, decidi responder às suas "breves notas".

Como se verá, a lolita acerta umas, falha outras, mas isso é o que menos importa. Por facilidade de explanação e leitura (sim, que eu sei que, tirando eu, os restantes quatro leitores deste blogue sofrem de muita indolência), cito cada "breve nota" antes de escrever o que sobre ela se me oferece dizer.

E assim, aqui vão as minhas apreciações sobre tais "notas":

a) Que o Alonso é um conformista: gosta de ser português porque não é de outra nacionalidade.

Absolutamente certo: Se o Alonso fosse filho de outras pessoas traria nele o sangue de outras pessoas.Se o Alonso tivesse tido outros filhos amaria desses e não os que tem, que nesse caso - aliás - não teria.

O Alonso faz parte de muita coisa que não escolheu mas que determina com grande vigor o que ele é, o que pensa, como discute, como se relaciona, como olha os outros, a mundivisão que tem. Chama-se a isso civilização e, salvo erro, tem na origem remota qualquer coisa a ver com conceitos religiosos de origem judaica, conceitos filosóficos e políticos de origem grega, conceitos jurídicos e políticos de origem romana.

Estabelecido que o Alonso foi criado neste caldo e que é a ele - não a outro - que pertence, acresce ainda que o Alonso pertence - e também não escolheu - a uma área geográfica determinada que, situada dentro da parte do planeta cujos habitantes partilham com ele as mesmas raízes civilizacionais, tem no entanto uma história própria, uma língua própria, uma cultura própria, defeitos e virtudes próprios e muitas mais dimensões que, na pequenez humana de cada um dos seus habitantes, a torna distinta das que lhe são vizinhas e aparentadas.

O Alonso, também nesta pertença se sente bem. Por isso é, de facto, conformista. Com gosto.



b) Que o Alonso é um passadista: emociona-se mais facilmente com o quadro de uma nau portuguesa do que, por exemplo, com o futurismo quase obsceno da Casa da Música.

Absolutamente errado: O Alonso não se emociona com construções, sejam elas a Casa da Música, a Torre dos Clérigos, a Ponte Salazar (eheh), a Vasco da Gama, o CCB ou o Castelo de Guimarães. Já se emocionava se visse um quadro pintado pelo Dali (depois de morto) a retratar a almoçarada do Michel por ocasião da inauguração da Vasco da Gama, patrocinada pelo Fairy e pelo Guiness Book of Records, se nesse quadro se conseguisse capturar devidamente o espírito folgazão dos portugueses e o amor que os mesmos dedicam à gastronomia industrial. Em suma, o Alonso é um amante da arte pictórico-trágica que tenha por objecto compatriotas seus.


c) Que o Alonso é tribal: sente-se marinheiro, quando vê marinheiros. O Alonso não é por si, só é enquanto parte de uma colectividade (o que é comum naqueles que simpatizam com as ideologias totalitárias).

Parcialmente correcto e (logo) parcialmente errado: O Alonso não se sente marinheiro quando vê marinheiros. Mas o Alonso é tribal. Porque, mesmo não sendo marinheiro, tem ou sente algo que o liga aos marinheiros daquela nau. Depois, sendo verdade que o Alonso é parte de uma colectividade, já não é verdade que ele não se veja a si próprio como uma entidade distinta. E é a perfeita interiorização dessa dupla realidade que não permite ao Alonso ou a quem pensa como ele ter a menor simpatia por ideologias totalitárias. A necessidade humana de manter referências sociais e grupais não é colectivista. É uma questão de bom senso e é até, provavelmente, a melhor maneira de impedir a diluição da personalidade própria num colectivo apenas ideológico, nada concreto, absolutamente abstracto e finalmente mecânico, que despreza cada um dos seus indivíduos em favor de um bem comum impessoal e, no limite da sua lógica, assassino.

d )Que o Alonso, sendo tribal, também é snob. Não só não se imagina "caixeirinha" do Pingo Doce como trata de lhes dar lições de estratificação social para iniciados.

Absolutamente certo: O Alonso não se imagina de caixeirinha, embora já tenha sido caixeirinho no arraial da paróquia. É curioso é que não lhe passou pela cabeça "despachar" os trocos para cima de nenhum pândego. Mas isso, se calhar, deve ser porque o Alonso é snob e não gosta de mexer em moedas pequenas.

Quanto a lições de estratificação social, o Alonso está sempre pronto a dá-las. Sobretudo àqueles que pensam, por qualquer motivo, que são superiores ou que podem abusar da circunstância em que se encontram, ou do balcão atrás do qual enfadados nos olham. E não é preciso muito, para pôr essas pessoas "no seu devido lugar". Nem é preciso falar alto, rudemente ou tentar nivelar por eles. Basta manter a calma, ser persistente e preciso nos termos. Coisas que o Alonso, felizmente para ele, não tem dificuldade em aplicar. O Alonso é, reitera-se, um snob.


e) Que o Alonso é um utente típico: reclama sempre, ainda que por falta de assunto (que interessam as trinta moedas?) e acredita na materialização do princípio "o cliente tem sempre razão", ainda que isso se concretize através de pequenas batalhas verbais com caixeirinhas do Pingo Doce, para quem dar trinta moedas de troco consistia num acto de gestão racional tão importante como tratar com cortesia clientes que fazem valer o direito, inalienável, a escolher a forma como recebem o troco.

Absolutamente errado: o Alonso não é um "utente", realidade ontológica que o seu snobismo lhe impede. O Alonso é sempre um Cliente. Paga a quem quer para ser servido por quem quer. E se não é servido como entende que deve sê-lo, não reclama, mas dificilmente volta. O que não significa, obviamente, que o Alonso nunca mais volte ao Pingo Doce. Significa apenas que não aceita - e não aceitar não significa reclamar - pacotes de moedas de um cêntimo. O Alonso, no caso concreto, apenas reclamaria se a caixeirinha ultrapassasse o nível de falta de senso que já revelou. Mas não reclamaria à caixeirinha, que o não entenderia. O Alonso, snob como é, acha-se muitas vezes incompreendido por caixeirinhas jovenzitas que querem é despachar moedas antes de fechar a caixa.

f) Que o Alonso é forreta: um utente normal não quereria saber das trinta moedas para nada e oferecê-las-ia à "caixeirinha".

Absolutamente certo: bem feitas as contas, trinta cêntimos dão para comprar 6 pastilhas elásticas, o que vai dar muito jeito ao Alonso quando este amanhã de manhã fôr ao café com a criançada. A snobeira do Alonso não lhe impede manter um certo sentido prático da vida.

g) Que o Alonso é um perigoso instigador à revolta, para não dizer um chantagista (anónimo, o que aumenta a censurabilidade do comportamento - aposto que não disse a ninguém quem é nem que profissão exerce) insidioso, capaz de aproveitar os podres da indolência (!) para pôr uma repartição de finanças a despachar mais e melhor num dia do que a Direcção-Geral de Contribuições e Impostos num ano inteiro.

Absolutamente errado: o Alonso não instiga à revolta e não faz chantagens. Limita-se, ante podres indolências, a indolentemente pedir a certificação por escrito das mesmas. Que dá no mesmo, claro. Mas sem revoltas, que não é preciso. Sem levantar a voz, que é desagradável. Manifestando um compreensivo sorriso ante as dificuldades inerentes ao "sistema informático que não permite" e o "chefe que está num curso de formação hoje e amanhã". E, na verdade, o Alonso não invoca quem é nem que profissão exerce. Aliás, se o Alonso fosse desses, não estaria naquele momento pacatamente à espera que chegasse a sua vez de ser atendido e teria, como outros fazem, sacado da cédula e exigido atendimento imediato.

h) Para finalizar: lembro que o "culto do favorzinho", tão eternamente português, nasceu bem antes de nascer a democracia lusitana. Quem sabe se Alcácer-Quibir não terá surgido de um qualquer tráfico de influências.

Pois: o D. Sebastião queria ir cortar sobreiros ao Norte de África mas a Al-Quercus saiu-lhe ao caminho.

PS - Ao Poeira Cósmica (como é curioso que em inglês isto se diga "Stardust". Lembrou-me de repente o David Bowie e outros tempos): Voltas-me aqui a lembrar o Artur Agostinho, a génese do teu sportinguismo e outras que tais e eu respondo-te com a conversa das namoradas actuais e antigas. Nota que, de um ponto de vista metafórico, a imagem é excelente.

PPS - Bom fim de semana.

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