Indolências
Andei a ler o que por aí escreveram os meus colegas sobre a indolência dos funcionários públicos e as virilhas dos utentes. Eu cá acho que os utentes e os funcionários públicos merecem-se todos uns aos outros. Enquanto vigorar o espírito do "Vá lá, faça-me lá o favorzinho ..." do utente e o "Certidões só só daqui a cinco dias úteis, mas seja, vou-lhe tirar já as fotocópias só porque você foi educado" do funcionário, bem podem coçar-se uns aos outros no subentendido desprezo que reciprocamente se nutrem.As coisas são mesmo assim, e uma história já velha que a lolita aqui contou sobre uns desgraçados que queriam ir fazer uma procuração num cartório tem tudo a ver com isto. Nem sei onde encontrá-la mas, para quem tiver paciência, está lá tudo o que eu penso sobre a matéria.
Em qualquer caso, não resisto a contar mais duas histórias, comigo ocorridas nos dois últimos dias e também elas relacionadas com estas matérias:
História 1 - Balcão do Pingo Doce, 20:50 horas (fecha às 21:00). A caixeirinha queria despachar as moedas que acumulara ao longo do dia e sucedia que o troco que tinha que me dar eram 2,30 euros. Saca de uma moeda de dois euros e começa a contar, laboriosamente, TRINTA MOEDAS DE UM CÊNTIMO que se preparava para me dar. Quando lhe disse "Não me vai entregar essas moedas, pois não?", disse-me que lhe dava jeito e continuou a contá-las. Ao que eu lhe disse: "Mas não me dá jeito a mim, por isso, se não se importa, dê-me uma moeda de 10 e uma de 20 cêntimos". Olha para mim furiosa, saca das moedas que eu lhe pedi e responde, com maus modos: "Pois, mas se fosse o Sr. a pagar com estas moedas eu tinha que aceitar, não é?". Ao que eu respondi: "Tinha". E virei costas, pensando que esta rapariga não fazia a menor ideia de como este tipo de comportamento lhe pode custar o emprego. E achei óptimo, apesar de tudo, que ela não fosse funcionária pública, porque se o Pingo Doce por acaso fosse nacionalizado teria seguramente uma carreira promissora, cheia de promoções automáticas e da subserviência de quem se achegasse ao balcão dela. Assim como está, e se não se emendar, arrisca-se a levar muita pancada da vida. O que só lhe fará bem, se com ela aprender alguma coisa.
História 2 - Entro numa repartição de finanças e lá encontro - e cumprimento - uma senhora que conheço, com ar preocupado e obviamente à espera de qualquer coisa. Enquanto aguardo ser atendido chega ao balcão uma funcionária que diz àquela senhora o seguinte: "O sistema não permita a emissão da guia de liquidação do IMT por o artigo ser provisório. Não posso passar guias manuais sem autorização do chefe e ele não está estes dias, por isso não posso fazer nada." Aí a "utente" fica verdadeiramente desesperada, balbucia que a escritura é no dia seguinte e que sem IMT liquidado não a pode fazer, respondendo a funcionária que "lamento, mas não posso fazer nada, são as ordens que tenho. Se tivesse vindo uns dias mais cedo o chefe estava cá e talvez se pudesse resolver o assunto, mas assim não".
Aí a "utente" vira-se para mim e pergunta-me se é possível eu ajudá-la ou fazer
alguma coisa, e eu respondo: "A Sra. funcionária diz que são as ordens que tem e por isso não me parece que possa fazer alguma coisa. Em qualquer caso, e porque vai ter que justificar a impossibilidade de fazer a escritura amanhã, pegue já num papel e dirija um requerimento ao chefe de finanças no sentido de este comprovar que esteve aqui hoje a pedir a liquidação do IMT, que a guia não lhe foi passada nos moldes normais porque o sistema informático não o permite e que, estando ele ausente, a sra. funcionária que a atendeu não pôde fazer uma guia manual. Faça o papel em duplicado e peça à sra. funcionária que carimbe um dos exemplares para que a Sra. o possa exibir na hora em que devia fazer a escritura. Se quiser eu ajudo-a a escrever o requerimento".
Não é preciso explicar o que se passou a seguir, pois não?
É assim, infelizmente. E isto não tem nada que ver com indolência.
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