Tentativa de clarificação (que título rasca, bolas)
Admito que não sinto orgulho especial em ser português. Não foi uma coisa que eu escolhesse, que dependesse do meu mérito ou da minha negligência. Olho, portanto, para esse facto (eu sou, de facto, português) como olho para todas as inevitabilidades. E como acho que a emoção dum russo emocionado é, em regra, semelhante à emoção dum turco emocionado (se não na sua expressão, pelo menos na sua amplitude subjectiva), percebi cedo que as emoções sentidas com as gestas heróicas do passado antigo (tanto são do passado antigo que nem há fotografias, quanto mais vídeos, só pinturas) são meramente anedóticas, no sentido anglo-saxónico e científico do termo.Já as emoções do presente e do futuro me interessam mais. Sempre de olho no passado, mas com a emoção guiada como se fosse um carro de tracção à frente. Desconfio, aliás, da tracção às quatro rodas. Admito sempre duas rodas indolentes, se forem as traseiras, num veículo motorizado eficaz. Sim, já se percebeu que não gosto de carros alemães, pronto.
Concretizo, para melhor afeiçoar o lombo à acutilância do Alonso: vou ao Museu da Marinha e, de forma reprovável, fico impávido perante bandeira lusa em barco naufragado, ali pintado em tela. Faz-me o mesmo efeito que ir ao Prado e ver uma nau espanhola da Invencível Armada a dirigir-se, impetuosa, ao fundo do oceano, após competente rombo no casco. Esta discussão, tida com um espanhol, levar-nos-á longe. Ele, o castelhano, a insistir que nos enfiaram cá três reis na virilha indolente. Nós a clamarmos, como sempre, "Aljubarrota e S. Jorge". Ficamos na mesma, cada um na sua, porque o passado antigo, o passado que não se viveu, discutido nesta base emocional, é como dirimir com a namorada actual as virtudes da anterior: sai sempre merda. E, ainda por cima, a namorada anterior viveu-se, por muito que a gente diga que não....
Quero com isto dizer que não se escolhe o passado antigo, constata-se simplesmente que ele foi assim. Não entremos na discussão estéril sobre "se se aprende com ele, com o passado antigo", porque é evidente que sim, embora essa aprendizagem não nos exima, nunca, de repetir erros e acertos. Evidentemente, pintados de fresco.
O que eu quis dizer, e não devo ter conseguido, é que não me orgulhando de ser português, porque não fiz nada para o ser (nem tentei impedi-lo, ainda por cima), não me sinto envergonhado de o ser, por outro lado. Não quereria ser letão, britânico, francês ou montenegrino. Por motivos variáveis? Não, só um: isto da nacionalidade que se tem é tão arbitrário como marcante. Eu não era, eu não pedi para ser, mas agora sou.
E já que sou, sou. E serei. E a minha bandeira, a que me emociona, é a que se hasteia agora e a que se hasteará amanhã, enquanto eu for capaz de a ver e, sobretudo, de saber que ela está lá. As mais antigas já tiveram quem se emocionasse por elas e não vale a pena desfraldá-las agora: não resolve nada e estão, seguramente, em mau estado.
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