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13.6.05

até amanhã, Eugénio

Eugénio de Andrade é, provavelmente, o maior poeta português vivo. O homem com que se vestia a sua poesia morreu hoje.
Os denominadores comuns à sua poesia são, quase sempre, a sua mãe, por quem o poeta é um apaixonado, contra o próprio pai, que rejeita, corporizando o sortilégio edipiano que o acompanhou toda a vida.
Eugénio de Andrade é um depurador da palavra, e um inimigo nato da adjectivação, utilizando sempre a matéria substantiva das coisas com todo o seu peso. Vejam-se por exemplo os títulos dos seus livros –“as mãos e os frutos”, “rente ao chão”, ou “o sal da língua”, entre outros.
Poeta do mundo, de uma geração literária marcante do século XX, a dos anos 40/50, amigo pessoal de Sofia de Melo Breyner Andresen, de José Régio, ou de Jorge de Sena, depois da sua reforma profissional, entrega a sua vida à poesia e à tradução de clássicos gregos, sendo o único tradutor ibérico de Safo, a maior poetiza grega de sempre, iniciando a sua fase de maior intensidade de publicação, sobretudo depois de o município portuense lhe ter doado o edifício onde vive hoje e onde se encontra a Fundação Eugénio de Andrade, no Porto.
Eugénio de Andrade, diz quem o conhece bem, era um homem de feitio difícil, às vezes intolerável, que contrasta em tudo com a leveza das palavras de um homem apaixonado por gatos e por tílias, e capaz de conversar horas a fio com uma chávena de chá, a sua bebida preferida, enquanto espera pela visita dos amigos, a quem poderia facilmente telefonar, de qualquer distância, convidando para “uma chávena de conversa”.
A sua formação musical clássica é de extrema exigência, de tal forma que quando ouvia os programa de antena 2 da RDP, se detectava alguma gaffe, telefonava de imediato a corrigir o apresentador.
A música das suas palavras vem também da música clássica, sobretudo piano, que ouve ininterruptamente.
A comunicação social foi sempre o seu inimigo número um, detestando exposições e multidões, preferindo o recolhimento do seu quarto virado para a barra da foz do Douro. Esse rio por quem Eugénio se apaixonou e que subiu de barco, pela primeira vez, no ano 2000, para participar na colectânea de poesia “Douro, um percurso de segredos”, juntamente com mais sete poetas e quatro fotógrafos, e, quando se encontrou com Torga no monte S. Leonardo, interrompeu o silêncio dos seus companheiros com a seguinte expressão: «É em sítios como este que percebemos a verdadeira dimensão da nossa pequenez.».
Se é verdade que as mãos e os frutos da sua poesia não serão mais colhidos pelos poetas mortos, não é menos verdade que os poetas vivos semearão flores e colherão abraços. As tílias e os gatos é que perderam as palavras, e as mães perderam um sacerdote com o Hábito bordado de sílabas essenciais.
Resta-nos reler o mestre que conversava comigo chávenas de chá adoçadas com conselhos de palavras únicas. Até amanhã, Eugénio.

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