Sobre dores
"A única dor suportável é a dor dos outros".
Durante muitos anos ou mesmo séculos, não foi dada devida atenção ao problema da dor pelos profissionais de saúde. No que respeita à formação, quer pré quer pós-graduada, a dor não tinha praticamente relevância; era considerada, tradicionalmente, um sintoma difícil de tratar, envolvendo em alguns casos, medicamentos sujeitos a restrições legais, como os opióides, aos quais foram atribuídos riscos, nomeadamente depressão respiratória e dependência, muito superiores ao risco real. Por outro lado, a sua importância enquanto factor de morbilidade só recentemente foi reconhecida. Do doente esperava-se que tolerasse a dor e que, simultaneamente, não lhe desse muito relevo em termos de queixas. Daqui resultaram práticas diversas, como, por exemplo, a analgesia em SOS no pós-operatório, a desvalorização sistemática da dor no velho e na criança, as doses sub-terapêuticas, diria mesmo homeopáticas, de analgésicos, sobretudo nos doentes poli-traumatizados e oncológicos.
Esta realidade prolongou-se, nomeadamente na Europa Ocidental, em função, entre outros, de conceitos oriundos da filosofia judaico-cristã, que atribuíam à dor um carácter potencialmente libertador; aliás, este conceito traduz-se por frases tão usadas como "a dor santifica a alma", "o que arde cura", "sofrer na terra para ter um lugar no Céu".
Isto pode ser lido, no seu contexto, aqui. E, consolidando o assunto, agora abordando os mitos da morfina, aqui. A autora (o nome está nos artigos) é daquelas pessoas que, se outras qualidades não possuísse (e possui, se possui!), seria credora, ao menos, destas: é dedicada e experiente. Eu sei o que estou a dizer.
Vem isto a propósito deste texto em que se aborda, mais ou menos, o mesmo tema. Mais ou menos este: "o que é legítimo e defensável quando se trata de aliviar a dor?". Isto remete-nos para todos os sofrimentos, não é?
É um tema recorrente, causando-nos sempre imensa urticária imediata porque, de facto, caímos sempre no mesmo: a única dor suportável é a dor dos outros.
Talvez devêssemos ouvir mais vezes Sérgio Godinho. As palavras, mesmo. Ainda ontem me vieram à memória, aquilo da "corda do outro me prender o pé".
Acrescento que o Dronabinol, que ainda não tem genérico disponível, está aprovado como anti-emético e estimulante do apetite em doentes sujeitos a programas de quimioterapia nos EUA e no Canadá. Evidentemente, nos doentes cuja emese se revele resistente aos fármacos considerados de primeira linha.
Ah! Já me esquecia: é o Delta-9-tetrahidrocannabinol. Isso mesmo, talvez pudesse ser fumado, não sei. A virtude parece estar lá, mesmo assim. Como na morfina está.
É preciso, de facto, ir falando nas coisas importantes. Nem que seja pelo meio das outras que também são, admito. Os senhores entendem isto melhor se eu disser assim: nem sequer 1/100.000 de nós terá, em vida, um Ferrari belo de "rampante"; ou um tratado sobre economia publicado e, ainda menos, discutido; ou o reconhecimento (sincero) de mais de cinquenta pessoas pelo nosso valor.
Já dores...
Durante muitos anos ou mesmo séculos, não foi dada devida atenção ao problema da dor pelos profissionais de saúde. No que respeita à formação, quer pré quer pós-graduada, a dor não tinha praticamente relevância; era considerada, tradicionalmente, um sintoma difícil de tratar, envolvendo em alguns casos, medicamentos sujeitos a restrições legais, como os opióides, aos quais foram atribuídos riscos, nomeadamente depressão respiratória e dependência, muito superiores ao risco real. Por outro lado, a sua importância enquanto factor de morbilidade só recentemente foi reconhecida. Do doente esperava-se que tolerasse a dor e que, simultaneamente, não lhe desse muito relevo em termos de queixas. Daqui resultaram práticas diversas, como, por exemplo, a analgesia em SOS no pós-operatório, a desvalorização sistemática da dor no velho e na criança, as doses sub-terapêuticas, diria mesmo homeopáticas, de analgésicos, sobretudo nos doentes poli-traumatizados e oncológicos.
Esta realidade prolongou-se, nomeadamente na Europa Ocidental, em função, entre outros, de conceitos oriundos da filosofia judaico-cristã, que atribuíam à dor um carácter potencialmente libertador; aliás, este conceito traduz-se por frases tão usadas como "a dor santifica a alma", "o que arde cura", "sofrer na terra para ter um lugar no Céu".
Isto pode ser lido, no seu contexto, aqui. E, consolidando o assunto, agora abordando os mitos da morfina, aqui. A autora (o nome está nos artigos) é daquelas pessoas que, se outras qualidades não possuísse (e possui, se possui!), seria credora, ao menos, destas: é dedicada e experiente. Eu sei o que estou a dizer.
Vem isto a propósito deste texto em que se aborda, mais ou menos, o mesmo tema. Mais ou menos este: "o que é legítimo e defensável quando se trata de aliviar a dor?". Isto remete-nos para todos os sofrimentos, não é?
É um tema recorrente, causando-nos sempre imensa urticária imediata porque, de facto, caímos sempre no mesmo: a única dor suportável é a dor dos outros.
Talvez devêssemos ouvir mais vezes Sérgio Godinho. As palavras, mesmo. Ainda ontem me vieram à memória, aquilo da "corda do outro me prender o pé".
Acrescento que o Dronabinol, que ainda não tem genérico disponível, está aprovado como anti-emético e estimulante do apetite em doentes sujeitos a programas de quimioterapia nos EUA e no Canadá. Evidentemente, nos doentes cuja emese se revele resistente aos fármacos considerados de primeira linha.
Ah! Já me esquecia: é o Delta-9-tetrahidrocannabinol. Isso mesmo, talvez pudesse ser fumado, não sei. A virtude parece estar lá, mesmo assim. Como na morfina está.
É preciso, de facto, ir falando nas coisas importantes. Nem que seja pelo meio das outras que também são, admito. Os senhores entendem isto melhor se eu disser assim: nem sequer 1/100.000 de nós terá, em vida, um Ferrari belo de "rampante"; ou um tratado sobre economia publicado e, ainda menos, discutido; ou o reconhecimento (sincero) de mais de cinquenta pessoas pelo nosso valor.
Já dores...
<< Home