blog caliente.

31.8.04

O barco

A desastrosa patetice que significa a proibição da permanência do barco em águas territoriais portuguesas é tão evidente que não carece de comentários. Não chega, sequer, a ser repressiva: é apenas ridícula. É a forma suprema e mais desejável (porque abrevia a queda) de descredibilização do Portismo à qual me parece que nem quem é favorável à penalização do aborto e a defende de forma séria ficará indiferente.

Quanto ao barco: não me agradam reivindicações, manipulações ou demagogias que incitem ou motivem a prática de um acto tão profundamente íntimo e doloroso. Faz tanto sentido estimular a prática do aborto como defender as mutilações por motivos religiosos. É tão primário e fundamentalista colectivizar e politizar a prática do aborto como impor o uso da burqa. O aborto é matéria estrita de consciência individual, uma daquelas matérias em que o Estado deve manter-se no limiar mínimo da garantia de que, se uma cidadã o pratica, não só não será penalizada como lhe serão asseguradas todas as condições para que o possa praticar em segurança. Não me agradam histerias colectivas em torno de direitos que se exercem individualmente nem grupos feministas a defender causas não feministas.

O que quero dizer com isto é o seguinte: o Portas reagiu como se esperava. Os "radicais chic" de esquerda e os grupelhos feministas exultam e elevam-se em comunicados anti-repressão. Reagiram, também, como se esperava, pois. Reacende-se, uma vez mais, a questão da despenalização do aborto; um ano desses far-se-á um referendo em que toda a gente toma posição e dá a sua opinião sobre se a vizinha do lado tem ou não o direito de ir a uma clínica portuguesa em vez de procurar uma espanhola ou um barco que paira no limite das águas nacionais. Duvidoso é que um dia se perceba de forma definitiva de que, na verdade, não há opinião que legitime o exercício de um direito que só a quem o exerce diz respeito, mesmo que seja para afirmar convictamente que não o quer exercer. O barco, as holandesas cheias de boas intenções, as visitas ao barco, os comentários gastos e obsoletos parecem-me, assim, tão inúteis e bacocos como a proibição do ministro. Muda alguma coisa?

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