O regresso dos que ficam
O povo tem chovido, copiosamente, numa repartição de Bragança. Deu nas notícias. Para regularizar qualquer coisa que tem a ver com terrenos, parece-me.Eu atraiçoo completamente as minhas excelentes intenções de há um mês atrás, mas não consigo resistir. Algumas reportagens que se baseiam na opinião do povo perante as câmaras de televisão arruinam-me, completamente, qualquer foco de resistência: é que grande parte daquele magote é constituída pelos famigerados avecs-cependant, fauna que, ora me enternece, ora me enerva até ao desespero.
Pelos vistos, aquela infeliz repartição está atolada de povo que (se calhar porque tem de ser, que, às tantas, há prazos para cumprir), a invade torrencialmente. Não interessa nada o que está ali em questão, quero lá saber, é com eles, têm lá assuntos, pronto. E inundam aquilo, um mar de gente. E às tantas deviam ter previsto isso e reforçar o pessoal do atendimento, sei lá. Isto não importa para o caso.
A reportagem privilegiou a opinião de duas avecs. Uma avec, para quem não sabe, é a versão "hard" dum avec. Um avec toda a gente sabe o que é: portanto, é só hiperbolizarem la française préposition, aplicarem-na ao género fêmea e aí têm, uma avec! Voilà, ou então va bon, que é como elas gostam de dizer.
Suponho ser, va bon, uma interjeição que denota aculturação, ou seja, a capacidade do avec (exponenciada na avec) de se moldar, como um pedaço de plasticina mole, a quem lhe dá ordens o ano inteiro, lá na usine.
Como eu dizia, o repórter perguntou a duas avecs o que achavam daquilo tudo. Ambas disseram mais ou menos isto:
- Va bon, é uma pouca vergonha, isto não se percebe, va bon, eu venho dum país em que não é nada assim! É muito meilleur. Va bon?
Falaram, ainda, com uma terceira popular - que ainda não é avec, mas que faz parte dos cinco milhões de portugueses e portuguesas (isto foi ao calhas) que gostariam muito de o ser - que, com menos interjeições, propalou a sensata e difundida opinião, muito pensada, de que "este país, assim, tsc-tsc...".
Eu gosto deles, a sério. Trabalham todo o ano (como nós, va bon...) e, por isso, merecem respeito (como nós, va bon...). E mais o quê? Mais nada.
Apenas mais isto: ninguém explica a estes connards reconvertidos que donde eles vêm não é de lá, é daqui? Que estiveram sempre aqui? Que, raios os partam, nunca daqui sairam de vez absoluta? Que quem nunca partiu não volta? Que, quando pensam que regressam, estão apenas a materializar, ainda por cima reforçados no requinte da sua "finura crítica de bidonville", a sua eterna presença? Alguém lhes ensina que o que os distingue dos outros imbecis que por cá temos (quase todos com ânsias de sair - também ficando...) é, apenas, o seu sotaque bacoco de aculturados menores e a ignorância profunda da sua verdadeira geografia?
Va bon, je me "cale". Passe moi les "batates", Isabelle! E isso "vite"!
<< Home