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11.8.04

Salazar, direita, esquerda, Igreja... Oh, Dios!

Li com atenção a extensa dissertação do Alonso sobre o Salazar, a direita, a esquerda, Deus, a Igreja e, finalmente, os padres.

Sobre Salazar: o Alonso reconhece o erro do sistemático "não se discute", o que é pouco. Esquece (embora saiba) que, para além de não discutir e de não fomentar a discussão, Salazar foi bastante mais longe: pura e simplesmente eliminou-a. Dourando-a, através da propaganda (lembras-te do Ferro? Do António? Pois, eu também não, felizmente para nós) e esmagando-a, através da censura aos media, aos artistas, à produção estrangeira, aos políticos, enfim, à subversão. E assim viveu o país durante cinco décadas, mergulhado num obscurantismo cultural hetero-imposto, forçadamente convencido do lema "pobrezinho, mas feliz" que se vendia nos filmes do António Silva (eternizada na canção "que saudades eu já tinha da minha alegre casinha tão modesta como eu", que, curiosamente, se tornou muito mais tarde num "hit" revivalista dos Xutos e Pontapés) e nos serões para trabalhadores das primeiras emissões da RTP.

É sabido que o golpe mais estrutural que pode desferir-se a uma nação consiste em bloquear-lhe o acesso ao conhecimento para, de seguida, matar-lhe a capacidade crítica, a possibilidade de discutir e a de partilhar decisões. Sabe-se, também, que a arte da propaganda se cultiva tanto em países democráticos como em países de regime totalitário, em doses iguais e sabe-se, ainda, que a capacidade e a oportunidade de manipulação da informação é semelhante em ambos os regimes, o que os aproxima perigosamente do ponto de vista dos meios que utilizam para "gerar convicções". Ainda assim, os regimes democráticos asseguram o acesso incondicional à informação, o que, mesmo coexistindo com actos de propaganda nacional mais ou menos subliminar, permite ainda assim aos mais cautelosos duvidar, antes de acreditar. Salazar não permitia nada disto. Sumariamente, tudo se resumia a "ou estás comigo, e bem, ou estás sem mim... e mal". A censura salazarista - na forma propagandística ou inquisitória -, que atingiu o paroxismo na década de cinquenta, é um forte indicador de uma personalidade débil, pusilânime, medrosa. Salazar preferia pôr-se de parte a ter de tomar posição. Preferia amealhar a investir. Preferia calar a discutir. Dificilmente se qualifica um perfil destes como sendo de "superior craveira intelectual", Alonso. E os resultados dessa política de gestão espartana, cinzenta e desinvestidora são evidentes: o atraso sócio-cultural endémico da nação, a que corresponde o reverso e recente parolismo consumista.

Sobre a direita e a esquerda: cada vez mais me parece obsoleta essa discussão. Sempre que lhe falam do Salazar, o Alonso insiste em contrapor a anacrónica evidência histórica (que já discutia quando era mais novo, bolas, este homem muito discute, mesmo quando o comunismo de leste ainda estava de boa saúde) da falência dos regimes comunistas de leste. Concentra-te, Alonso: já toda a gente se convenceu de que faliram (embora alguns tenham demorado mais tempo a convencer-se, é certo, e outros ainda nem sequer o admitem). O fascismo e o comunismo pervertem-se, enquanto ideologias, quando implementados como praxis governativa e, nesse contexto, tornam-se muito, muito parecidos. A discussão relevante, se a queres discutir, situa-se entre regimes totalitários (como o salazarista) vs. regimes democráticos, bem como a correspondente prática na perspectiva do "bem estar" de uma nação: liberdades individuais, ingerência do Estado na economia, livre mercado, protecção social, promoção da educação, etc.. Quanto à direita e à esquerda, para mim que sou equidistante (o que não faz de mim simpatizante do centro), as diferenças esbatem-se gradualmente mais à medida que a defesa de ideologias se substitui pela gestão de poleiros. Este é um tema longo, mas actual.

Sobre Deus, a Igreja e os padres: sou não-praticante, sem dúvida. Às vezes acredito em Deus, no Deus cristão, mas acredito, seguramente mais e mais vezes na humanidade. Quanto a dogmas, estamos conversados. A Igreja é uma empresa (no sentido de "empreendedora"), não é um dogma. Não se acredita na Igreja sem a discutir, como se acredita e se tem fé em Deus, na Santíssima Trindade, no Buda ou nas divindades clássicas. E, como empresa, sustenta-se, também, em propaganda aos fiéis. Termino, por isso, com uma sugestão de leitura, a que chamo, porque o título é longo, o "Legado de Ratzinger". Acrescento que está tão cuidadosamente escrito que me atrevo a dizer que se trata de um texto, enfim, eidético, se é que me faço entender. Ainda bem que, aqui na Ocidental Praia Lusitana, se pode discutir.

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