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23.2.05

No interior

Três anos de miséria é muito tempo. Tempo demais, para quem tem de se reabituar a viver sem o ganha-pão que, em terra pobre, é quase uma dádiva. E os donos das fábricas, sabedores da ingénua ignorância dos que lá trabalhavam, espetam a facada de súbito, no momento em que já tudo é irreversível. A fábrica vai fechar.

Um deles tinha 28 anos quando foi despedido. Tem mulher e um filho e desde há três anos que perdeu o gosto pelos prazeres do café e dos bailes. E o dinheiro, claro está, para se dedicar a eles. Hoje tem trinta e muito poucos anos mas, na face sulcada e nos olhos desiludidos, envelheceu mais de vinte, na canseira de procurar trabalho, na dor de não encontrar rumo.

São milhares de pessoas ou milhares de famílias atiradas para a miséria maior ainda do que a de viver em terra infértil, onde nem escavando encontram pão. E que encobrem a fome portas adentro, com a dignidade envergonhada de quem foi desapossado de tudo. Até do seu próprio futuro.

Quem viu o telejornal da TVI, viu-lhes os olhos silenciosos. Há portugueses diferentes daqueles que todos nos habituámos a qualificar, genericamente, de indigentes voluntários, que sonham em depender de tudo e de todos porque nós (os outros) temos o dever de lhe providenciar o pão. Mas há gente diferente. Há gente esquecida, acossada pelo medo de ter fome, que se torna presa fácil de negreiros. Até que caem nas mãos sujas destes, que lhes matam o sonho de uma vida pequena e que os marcam até à descendência.
A fábrica fecha e os filhos perdem-se no mundo. Falido o sonho, a vida deles repete-se na vida dos pais.

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