blog caliente.

10.3.05

Estufa fria

A velha tem um cancro da mama, localmente avançado. E tem 89 anos. Mesmo depois de ACX4, o que já foi um risco que assumi de forma alarvemente estúpida, não foi possível fazer uma mastectomia de limpeza.
Porquê? Bom, eu explico. Porque fazer uma mastectomia de limpeza não é o mesmo que limpar a sala, em dia de visitas. Não entendem? Olha, que pena tão grande.

Agora tem um derrame pleural metastático, o que é fodido. Aquilo dá falta de ar. Eu não queria ter um. Um dia que tenha um hei-de vir aqui queixar-me da vida. Vou ter de lhe fazer uma pleurodese, que é uma coisa que me dispenso de vos explicar. Não precisais de agradecer. Eu vou fazer-lha, com bleomicina, é uma técnica que não é difícil, desde que alguém meta um dreno na senhora (eu perdi o treino, desde Gaia, já não arrisco a não ser que "tenha de ser eu a metê-lo por falta de pneumologista").

Sobre o restante, comunico que a velha senhora me afaga o rosto, mesmo quando a mando para casa. A restante família pensa, sequencialmente, que eu devia curá-la, ou, no mínimo, interná-la. A restante família odeia-me.
Há uma crença mais ou menos generalizada na virtude curativa das camas de hospital. Por isso é que a Moura Guedes e outros xarrocos, vez por outra, libertam reportagens sob o título "ela foi ao hospital 657 vezes e morreu, sem sequer a terem internado!". O internamento tem, aparentemente, virtudes curativas.

Vou passar a internar toda a gente. As casas das pessoas são fracas e têm muitas escadas. São os médicos que mandam construir casas assim, antigas e sem elevador. Filhos da puta de bata, haviam de paralisar com dores intensas, estes médicos!

É melhor, além disso, morrer num hospital: escusamos de chamar um tipo qualquer para verificar o óbito, nos hospitais há sempre uma besta qualquer que está de serviço.

Isto vai de ananases. Um calor de estufa. O tecto é, como de costume, de plástico. Pode derreter, no próximo verão. Para já, aguenta-se.

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