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30.3.05

Falta de luz - 2

Vamos supor que Antero, em vez de pneumonia, padecia de pavorosa coxartrose.
E contratava com Ferreira, ortopedista, colocação de prótese total da anca, a efectuar, tal dia, na Ordem de Tal.

Antero pagará (entenda-se, por Antero, o somatório de Antero e seus abonos), à Ordem de Tal, hotelaria, mais utilização de cama e Bloco, mais material e ambiente climatizado. Pagará a Ferreira e sua equipa o estipulado previamente, por tabela.

E tudo está a correr como se fosse um Douro calmo, entre colinas de vinhedos.

Antero, que estava bem, vendo, até, o noticiário da TVI, fica, de repente, com imensa falta de ar, resfolegando grosso e, florindo o quadro, cuspinhando sangue.
Telefonado Ferreira, este chega. E pressente, com Marta, a anestesista, uma embolia pulmonar. Estava o doente submetido a subcutânea e profiláctica heparina de baixo peso molecular? Estava, sim. Procedimentos correctos, calma.

Que fazer, então, perante Antero assim? Parecendo necessitar, necessitando mesmo (por hipótese não absurda) de cuidados intensivos?
Tem a Ordem de Tal, ao seu dispor, esses meios, para proporcionar ao Antero que alberga? Não. Por acaso dispõe de RMN, mas não é disso que, agora, carece Antero. Carecesse ele disso e far-se-ia uma, que Antero pagaria. Como pagaria Júlio, internado em hospital público, se dela precisasse. Mas não. Antero necessita de cuidados que a Ordem de Tal não lhe pode, agora, depois de ali internado, operado e piorado, proporcionar.

Telefonema rápido para hospital público acende luz a Antero: há vaga.
Antero entra, já ventilado com ambu, após transporte, na pública UCI. Onde, após público e justíssimo tempo e público e merecido dispêndio, de hotelaria e cuidados, recupera. E fica bom.

Quando tem alta, Antero agradece – publicamente - ao público “staff”, convalesce em casa uma semana e, em se sentindo ambulatório, vai à Ordem de Tal pagar a sua conta. A Ordem de Tal, depois do público telefonema de socorro, já se esqueceu do público hospital e, legitimamente, recebe a devida verba. O engraçado é isto: caso a Ordem de Tal recebesse carta discriminada do hospital público, cobrando-lhe serviços prestados a doente seu (da Ordem de Tal) que aí (na Ordem de Tal) piorara, ganiria fortemente. Uivos indignados de Ordem de Tal.

E com razão, evidentemente. Se o público hospital, depois, no apuro das contas, der prejuízo, isso há-de ter sido por causa do habitual desperdício e má gestão crónica da coisa pública. E, claro, por causa dos honorários elevados, que nunca mais há meio de ninguém conter, do “staff” público.
A Ordem de Tal há-de ter, por seu turno, as contas límpidas de quem nada deve. Nem tem a temer.

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