O problema de parar para pensar
Vamos fazer um corte longitudinal num serviço de Medicina Interna, em pleno Outono? Querem, ou é mais fácil discutir a América? Aceitem o repto, que no Inverno, com o frio, vai ser ainda pior.Vamos a isso, vá. É um tema de somenos importância, ninguém acredita, mas façam-me a vontade. É só hoje.
Imaginem que têm 60 camas onde estão internados 60 velhos, 60 doentes crónicos que agudizaram (acontece muito aos crónicos) a sua condição de doentes permanentes. Imaginem que, neste corte longitudinal feito a uma sexta-feira (por hipótese), nenhum deles tem condições de ter alta. E que os 3 ou 4 que poderiam ter alta, assim "mais ou menos melhorzitos", não são levados para casa pela família. Acontece, pois. Claro que acontece, a vida é difícil.
Está tudo certo? Não, não está. Cá em baixo, na Urgência, imaginem que estão mais 23 velhos á espera duma vaga. Velhos iguais aos de cima, os que já estão internados. Suponham, por mero absurdo, que metade deles (os de baixo) estão depositados em macas. Porque não há camas. Que vos parece? Que devia haver mais camas? Menos doentes? Mais médicos? Melhores médicos? Melhores doentes? Tudo junto e o Benfica (abrenúncio!), ainda por cima, ser campeão?
As administrações ( e alguns médicos e enfermeiros que se vêm ocupando, durante um ou dois semestres, quase em exclusividade neuronal, a aprender a suprema arte da gestão hospitalar) afirmam que é a demora média elevada dos doentes internados que provoca este caos. "Dêem altas, que há lugar para todos!", costumam afirmar.
Começa aqui, neste lapidar conselho dado por quem sabe, aquilo que intitulo, desde já, como o "curto-circuito dos velhos". É intrigante como os números são engraçados. Servem para tudo, os estúpidos adoram-nos, até porque fazer contas é uma característica elogiável dos "débeis calculadores".
Cada voltinha no "circuito dos velhos" começa na alta hospitalar precoce e termina na readmissão hospitalar rápida. Este circuito é curto, de facto, mas costuma ter várias voltas.
É assim: alta, casa, hoje tossiu mais, não comeu, urgência, já para a urgência!, não, passo antes com ele pelo centro de sáude, ok, fazes bem, passa por lá, levas a carta amarela a dizer "já para a urgência!", urgência, maca, maca, maca, sempre a maca, caralho!, dêem altas lá em cima, isto aqui em baixo está cheio!, ok, já pode subir ao internamento, internamento, que se passa?, nunca mais vai para casa?, olhem lá para baixo, há lá mais, há muitos, são tantos, dêem altas, ok, sais tu e aquele, que já não tosse, alta, casa, hoje tossiu mais...
Ora foda-se.
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