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4.11.04

Finais Felizes?

A lolita voltou a um tema que lhe é caro, o da (in)dignidade penal do aborto. Fê-lo na perspectiva, já conhecida, de que o aborto não deveria ter dignidade penal e que é abjecto fazer passar uma mulher - neste caso, adolescente à data do acto - pela humilhação de explicar o que fez e porque o fez em Tribunal.

Eu concordo que estas histórias são tristes, podendo mesmo ser miseráveis. Mas tristezas e misérias é o que mais se vê se se passar um dia num Tribunal Criminal.

Mas não aceito que isso seja argumento válido para retirar censurabilidade penal ao aborto. Se fôssemos por aí, a questão das condições subjectivas de cada um dos que pratica um acto penalmente relevante deixava de importar apenas para a determinação da medida da pena, e seria argumento para despenalizar os actos em si.

Portanto, a questão não é a miséria que pode estar por trás de um acto definido pela lei como criminoso. É se, na verdade, esse acto é ou não, à luz dos conceitos valorativos dominantes na sociedade, suficientemente censurável para que tenha dignidade penal.

E é aqui que reside o busílis. Para alguns (lolita incluída) o aborto não é censurável, ou não o é ao ponto de ser crime. Para outros, é-o.

Assim, EM SI, a situação em causa não é diferente da de uma rapariga de dezassete anos que, num quadro de abandono pelos próximos, de "falta de âncoras" (ouvi há tempos esta expressão e gostei dela), de confusão mental que permita pôr em causa o quadro valorativo dos seus própios comportamentos, cometa qualquer outro tipo de crime.

Em conclusão: se discordamos que certos comportamentos sejam considerados crime, choca-nos que alguém seja julgado por eles. É essa a posição da lolita. Se não discordamos, isso não nos choca, ainda que lamentemos as condições pessoais degradantes da grande maioria dos que são julgados - e muitos deles presos - por quase todos os crimes p. e p. pelo Códgo Penal.

No mais, não faço ideia se a rapariga em causa se encontrava nas condições dos que defendem a despenalização do aborto mitigada (até às 16 semanas, salvo erro, ou até mais tarde (20 ou 24) nos casos especiais aliás já previstos na lei actual. Mas também acho que não deve fazer grande diferença. A ideia que tenho é que os que pensam como a lolita seriam incapazes de defender a ida a julgamento de qualquer mulher que tenha feito aborto, seja lá em que circunstâncias fôr.

Aqui não há finais felizes. O único menos mau era os remédios não terem liquidado um feto. Presumo (apesar do arquivamento "por falta de provas") que liquidaram. Foi menos um a nascer. É assim a vida, é assim a morte.

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