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23.11.04

Critérios

Do que me mostraram, hoje, de Canas de Senhorim, retenho a imagem duma senhora obesa e descomposta, efectuando trajecto meteórico entre uma inicial e resoluta postura de lutadora de sumo, toda ali fantástica de cu no chão, e uma subsequente atitude de quase desfalecimento, aos ais de profunda abafação, enquanto a levavam dali para outro sítio qualquer. Provavelmente para o Hospital, onde terá sido, conforme o seu estado de espírito (leia-se "estado de nervos"), muito bem ou muito mal atendida. Isto tudo passando por uns breves intantes de histeria, em que berrou bastante.

Do povo eu não entendo, porque não existe. Ou por outra, existe. Mas renega-se. Basta ver um eleitor, daqueles convictamente desgraçados todos os dias, do CDS-PP (ou do PSD, ou mesmo do PS), a ir votar: desce a calçada, rumo à urna, como se fosse rei do mundo. Naquele dia, geralmente um domingo pedindo fatinho de lustrina, depois duma campanha eleitoral em que lhe pareceu que os líderes dos partidos que escolheu "porque sim" falaram sempre "directamente com ele, tão a ver?" , o eleitor como que se "lordifica". Podem crer que esta palavra, "lordifica", não existe. Mas eleitores assim, há-os. E às súcias.
Não há nada como ganhar 750 euros mensais e votar à rica, não é? Pois é, eu sei. Eu vejo-os aí, vejo-os e oiço-os; e alguns costumam chamar-me nomes feios, porque voto em partidos ( e pensamentos) que eles, se fossem eu, renegariam ainda mais do que, naquele dia especial (dia de urnas, dia dos verdadeiros fiéis defuntos), já renegam. Isto é uma coisa do camandro, tudo somado, senhores.

Gosto do povo... enfim, gosto dos povos. São vários e tontinhos, como diria Salazar, não isento (pelo menos) desta razão. Outras não tinha.

Santana Lopes não está, também, descontente com o povo. Admite, mesmo, "não lhe apetecer mudá-lo". Isto é bom para o povo (que evita, assim, mudar, essa maçada) e para Santana Lopes (que o povo podia dizer a Santana Lopes que se mudasse mas era ele, que o povo atura tudo menos que lhe digam que "se cagan en él, mismo que se caguen mismo").

Isto é simples, mas ao mesmo tempo complicado. Quase dou razão ao Alonso quando afirma que o mundo anda perigoso.

Por exemplo, resulta perigoso verificar que consigo escrever, com naturalidade e sem grande empenho, no registo intelectual do cronista Vasco Pulido Valente, que é um bom escritor. Pelo menos de crónicas é, sim. Eu escrevo outras coisas também, claro, eu sei, obrigado. Pessoalmente, prefiro-o a João Pereira Coutinho, que também é um bom cronista. Mas até isto é estranho: quando não está a tentar fazer uma mistura quase homogénea entre o Portas e o MEC dos tempos do velho Independente (ou seja, uma espécie de Constança Cunha e Sá), ele consegue escrever crónicas devastadoras de certeiras sobre Sean Penn ou, até, sobre Manoel de Oliveira! Eu leio e digo: "olha, eu já escrevi mais ou menos isto e ninguém me ligou pêvas!".

A minha questão é, já que brincamos, que não me ligam, bolas. Uma mistura melhorada, mesmo do ponto de vista osteo-muscular, de VPV e JPC, não colhe! Em Portugal, não colhe! Isto aguenta-se?
E porquê, perguntarão os meus dezasseis leitores? Por que não colhe? Porque, ao invés, colhem Santanas, Portas e Albertos Joões? Não. Seus tontinhos. Eu explico.

É por causa daquilo que eu comecei a dizer ali em cima: o povo, os vários povos portugueses (que são vários, eles variam, mas depende muito do que se pensa sobre variedades), pensam quase sempre assim: "eu ganho 750 euros e vejo-me grego para pagar o caralho da prestação do Daewoo em segunda mão, mas hoje, que é dia de ir a votos, prefiro parecer, só hoje, raios me partam, que sou um deles, um deles, caralho, um deles!, a mandar com eles todos dali do palanque abaixo".

O segredo é este.

Fica a gente sem paciência, hesitando entre ser verdadeiramente povo (e ter de cortar linhas de comboio, invadir Kiev, achar que Castelo Branco não tem um ar assim tão panasca, que ginjas e Benfica é que está a dar, ser tolerado por Santana Lopes...) ou cometer povicídio. Há disto?

Aguardo definição de critérios, pelo conselho de administração. Se quiserem, demito-me.

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