Votos
Nunca tive jeito para escrever balanços: é um esforço inútil da memória, já está lá tudo, espremê-la para quê?
Já fiz muitos
curricula. Para concursos, progressões na carreira, essas banalidades. Aí, é diferente. Aí, faz-se um
balanço objectivo, dirigido a um objectivo (caramba, que pérola literária aqui depositei!): "eu fiz isto, sei isto, quero aquilo que os senhores, em lhes parecendo bem, me hão-de dar".
Balanços anuais, só porque acaba um ano, são apenas exercícios.
O exercício faz bem, dizem, mas não engraço com este tipo de ginástica.
Não faço balanços, portanto. Mas reconheço os ciclos, os da tradição cristã. São estas as paredes tradicionais que me trancam, sei muito bem que acaba um ano e que começa um novo. Não me calha bem olhar para trás e fazer resumos interpretativos, mas apetecem-me votos. Sim, mesmo antes de Fevereiro. Um voto é um desejo. E um desejo expressa-se (na ausência de "cunhas") a quem pode negá-lo ou concedê-lo.
Aqui fica o meu voto:
"Dois mil e cinco, rapaz: porta-te bem. Sê um bom ano. Se vens aí armado com ideias de ser igual ao dois mil e quatro, ou ainda pior, vai-te já foder."
Chama-se a isto condicionar o voto. A ver se resulta.
Matar a sede com a água certa
Olha, Lolita, escuta bem:
Eu acredito que os ucranianos tenham sede, daquelas sedes ... bolas, isto até parece que estamos a falar do Caldas, do Rato, doutras sedes... eu falo aqui do que tu falavas, de "sêdes", é preciso ser aguadeiro das palavras, às vezes. Mesmo atraiçoando-as na grafia.
Bom, abreviando, acredito que tenhas razão, que eles tenham dessas sedes.
Não acredito é que se dessedentem na
rede de fornecimento de águas e outros líquidos do resto da Europa. Duma Europa civilizada (é isto?) que, como tu defendes, já nem sede tem.
Não é que não sobre água europeia para os ucranianos. Uma Europa Ocidental sem sede deve ter litradas dela (de água sobejante) para distribuir. Pelos ucranianos, então, é logo aos barris. Laranja.
Não acredito é que águas dessas matem a sede. Mesmo a ucranianos sedentos. Que essas águas matem, que acabem por matar, de forma absoluta, ainda admito. Menos que isso, não.
Não, Lolita, isto não é uma questão de sedes. De "sêdes". É uma questão quase ambiental.
O senhor faça favor de fazer o que quiser que eu também farei
Quando foi das eleições no PS (foram eleições, pronto, foram aquelas coisas do costume) eu assisti de longe. Como compete a quem não se filia, porque já nasceu filiado: dispensamos pais adoptivos mas reservamos o direito às simpatias.
Não confio em Sócrates. Foi o único dos candidatos ao "nirvana do PS" que não elegeu a "imediata extinção das S.A. nos hospitais" como bandeirola, mesmo que fosse uma bandeirola de canto. Uma coisa óbvia, correcta, límpida, essa extinção. Mas ele, Todo Ele "demasiado Sócrates", debaixo do seu penteado de "britt-pop-grisalho", entendeu emitir mais um "nim", a esse respeito. Preferindo citar alguns livros que leu e fincar as patorras convictas na questão do tratamento de resíduos, coisa que um socialista a sério deveria deixar em aberto para critérios ambientalistas. Como Nobre Guedes (por motivos que se entendem, está a ir embora rapidamente, queima sem peias a terra que deixou por pisar) acabou por fazer.
Co-incinerar por firmeza, apenas por isso, desculpe lá, senhor engenheiro. Isto não é brincar aos "Kens". O senhor vai acabar por passar bem sem mim, mas eu não vou aguentar ajudar a guindá-lo ao patamar donde o senhor quer olhar, sobranceiro, para mim. Ou o senhor extingue as S.A. na Saúde, ou não voto em si.
Sou só eu? O senhor é que, desculpe, é só você.
Ou diz o que eu quero ouvir de si, ou seja feliz sem mim. Nem duvide, sequer, da minha determinação a este respeito.
Massas acríticas
A Ucrânia e a política ucraniana são anacrónicas, do ponto de vista de um europeu. A manifestação dos apoiantes de Iuschenko nas imediações da sede do Governo, eficaz a impedir Ianukovitch de retomar as funções de primeiro ministro, é sintoma de uma nação viva, auto-determinada e auto-mobilizadora, embora (este é o senão) permeável à demagogia política. É, provavelmente, a sedução pela independência e pela democracia que move o povo ucraniano.
Para se ser participante é fundamental saborear-se a sede de mudança. E sede, aqui na nossa confortável e indolente Europa ocidental, é algo que há muito ninguém sabe o que é, porque há muito tempo que ninguém tem sede de coisa nenhuma. Nem sequer nós, os periféricos portugueses, nós que ainda padecemos da hesitante e atordoada macro-estratégia de desenvolvimento do país que há décadas nos perturba os planos. Não há
povo unido, não há
assalariados em luta, não surgem, sequer, dois ou três desempregados reivindicando para que os seus subsídios sejam pagos antes do fim do mês/ano.
Cá, quando algo que prejudica muda, muda apesar do silêncio dos prejudicados. A qualidade da massa crítica da nação portuguesa tem, na verdade, dimensão e profundidade semelhantes às minhas quando visito um blogue escrito em japonês.
A isto, é corrente chamar-se
o mundo civilizado.
"Passarelas"
Os meus dois filhos cantam
isso tão bem que, apenas escutando-os, se percebe como o
Cravo e Canela tem razão: dizer,
de seja o que for, que é "para as crianças e não só", é uma maneira diferente de dizer
que seja o que for é bom.
A menos que decidamos enveredar por graçolas parvas, isto é sempre verdade.
Pequenos ódios passam devagar
A S.A. que me governa tem dificuldades em arranjar (detesto este verbo, "arranjar", mas ele existe) médicos para fazer triagem na urgência.
Triagem, na versão portuguesa (há uma versão de Manchester, inglesa, que consiste
em ser tudo, na mesma, ao monte, mas de forma colorida: isto é, os doentes vão chegando e há uma brigada, que recebeu formação e diploma alusivo, que se limita a colorir as fichas e a dizer, a quem tem de os ver - aos doentes -, a ordem correcta por que tem de os ver - aos doentes), a triagem, na versão portuguesa, dizia eu, é aquela actividade que consiste em avaliar utentes que chegam, em média, de cinco em cinco minutos. Com queixas que variam desde a dor aguda à profunda e crónica agonia. Não é diferente disto, não pensem, é mesmo assim. E são quase todos velhos.
Isto é a teoria dos intermediários, levada ao cabo dos trabalhos da
intermediagem: há os doentes, há os que os vêem e tratam e, depois (ou
pelos entrefolhos) há aquela gente extremamente útil e bem intencionada que ganha a vida
ali pelo meio. Eu penso que se a triagem de Manchester tivesse sido criada no Sudão e se chamasse, por exemplo, triagem de Cartum, teria menos sucesso. Mas não posso provar isto.
Mas é o mesmo com o bacalhau (e com o outro pescado): há quem o pesque, ao bacalhau (e ao outro pescado), quem precise de o comer, ao bacalhau (e ao outro pescado), em cozinhados variados... e montes de gente, pelo meio, a fazer de conta que também pescou o bacalhau (e o outro pescado), encarecendo-o, dificultando-o aos outros, usufruindo-o. No fundo, bem vistas as coisas, a quem serve o bacalhau? E o outro pescado?
Pois. A culpa será, porventura, dos grelos.
Bom, Leonor Beleza é a culpada inicial de tudo isto, por motivos que nenhum médico que não seja oftalmologista ou otorrinolaringologista, ou então
especialista daquelas coisas que são muito importantes para o sistema de saúde, como a medicina nuclear e a investigação da mitocôndria (geralmente, estes médicos trabalham em hospitais universitários e ocupam lugares nos quadros desses hospitais, como se fossem médicos a sério, trabalhando muito pouco naquilo que custa mais, que é ver doentinhos) sabe perfeitamente. Foi ela, Leonor Beleza, que iniciou, com o beneplácito amuado da Ordem, o boicote à formação de médicos. Sobretudo
daqueles que vêem doentes. Foi ela. Hei-de repeti-lo sempre, é a mais pura das verdades, foi ela. Se quiserem, explico isto melhor, um dia. É só pedirem.
Bom, mas isto é tergiversar. Gosto desta palavra, "tergiversar", tinha por força de a meter aqui, a golpes de martelo.
O problema da minha S.A. é que, agora, tem dificuldade em entender como é que um médico com dois anos de formação (enfim, terminado o internato geral, já pode passar receitas) prefere trabalhar num hospital indiferenciado, fazer triagem lá, a vir ufanar-se de labutar no nosso, refastelado na certeza de trabalhar o dobro... ganhando metade. A nossa S.A. tem dificuldades nisto. "O homem deve ser maluco! Então não quer ganhar aqui quinhentos, prefere ganhar mil naquela espelunca?". A nossa S.A. devia demitir-se e ir fazer cursinhos de lavores.
A nossa S.A. não percebeu que tem de pagar mais, e é se quer, para cumprir as suas próprias regras de competitividade. As S.A. criaram
free-lancers e não sabem lidar com eles.
Acabem com elas todas, pelo amor de Deus. Incompetência é mais ou menos isto. É nem sequer perceber, ou, pior ainda, estar a marimbar-se para o entendimento.
Cabeças de lista
Segundo o Público, Matilde Sousa Franco será cabeça de lista do PS em Coimbra. É verdadeiro, o aforismo que diz que nunca é tarde para se começar o que quer que seja, incluindo uma carreira política. Estranho é que comece assim, como uma passagem de testemunho, como uma incógnita herdeira. Sem sequer pôr em causa a nobreza dos fins que a movem, paira-nos, sem querer, a suspeita da rentabilização, pelo aparelho, do drama envolvente. Os eleitores costumam, aliás, devotar toda a sua comoção a estas coisas e, com ela, o seu voto. Como Fehér ou Sérgio Vieira de Mello, Sousa Franco foi um notável que morreu na hora errada, embora só este renda votos à nação. Além de que tudo isto aparenta ser uma espécie de nepotismo
post-mortem. Um peronismo luso.
São estas - e outras - redondilhas que me fazem hesitar e duvidar do voto útil. De que adianta fugir das marés para nos afundarmos nos redemoinhos do rio?
日本のスパイ
Este blogue apareceu ali em baixo, na lista de visitantes, a dar nas vistas pelo título. Carreguei no link e fui, debalde (!), espreitar. Quanta frustração. Consola-me o facto de que o(a?)
らいでん se há-de ter sentido tão assombrado com o português escrito como eu com os caracteres japoneses.
Mas ora, nós sempre temos fotos.
A jorra
Da última vez que estive em Cabo Verde estive no
banlieu da Cidade da Praia, que não é mais do que um imenso deserto de montes vulcânicos. Nas encostas, feitas da lava transformada em pedra, há pequenas grutas onde homens e mulheres escavam a jorra, a pedrinha cinzenta do esboroar do monte. A jorra escorre lenta, dia após dia empurrada pelos homens equilibrados em pedras maiores da encosta em declive, tão inclinada que se tem a certeza de que um dia eles caem com a pedra, que um dia aqueles homens e mulheres se escorrem eles mesmos e que consumirão, de uma vez por todas as outras, a sua vida com a pedrinha cinzenta. E, no entanto, dentro daquela opacidade cinzenta, só os olhares deles ainda brilham.
Talentos de besugo
Um besugo, em se dedicando à faina, até a faina estremece!
A prova?
Bom,
voilà: sem ajuda de ninguém, fazendo uso do fantástico auto-didatismo que me brota das guelras, observei de forma penetrante o "template" deste blogue durante quarenta e sete segundos. Depois, penetrado da luz clara da lucidez, já todo eu iluminado, coloquei alguns livros novos, ali, na estante do lado.
Ah! Talento, pois. Sim, eu sei, eu sei, muito obrigado. Eu sei.
Não foi bem assim mas é assim que eu percebo as coisas
Sou bastante míope, sei isso desde os nove anos. Um mocho antigo, eu.
Um miope vê mal ao longe, ao perto vê bem.
Com óculos ou com lentes de contacto (próteses modernas!) um míope vê tão longe como os outros. Com a vantagem de saber que ver bem ao longe pode depender de correcções. Ao perto também pode depender desses artefactos ópticos, mas um míope preocupa-se com isso sempre mais tarde. Não é tarde demais, é mais tarde.
Hoje tirei as lentes de contacto, para descansar as córneas. E recoloquei na fronha os óculos de há dez anos.
Disseram-me que ficava bem de qualquer maneira.
Gosto muito da minha Mãe.
O céu é grande, na barra.
Hoje à tarde estava assim, cor de prata, com o sol, intermitente, a espalhar-se atrás das nuvens.
É impossível ser feliz sozinho
Um Natal no fim cheira tanto a novo ano que acabamos por nos lembrar do que ameaça esgotar-se-nos. E ficamos mais doces, mais ternos, como quem se despedisse para sempre, mesmo sabendo que voltamos já.
É bom saber que os blogues que se lembraram, nos últimos dias, do
blogame mucho são alguns daqueles que nos acostumámos a visitar e a ler, ao longo de quase ano e meio. Concordando, discordando ou apenas sorrindo. Sobretudo lendo.
Se as afinidades entre blogues são feitas, se calhar, mais dos silêncios cúmplices das leituras recíprocas do que das referências expressas, não deixa de ser verdade que " o toque", a carícia dos outros, aconchega. Sabe bem, para quê fingir que somos
secos de fleumáticos quando nos sentimos
latinos de tão gratos? Assumam as culpas, que são todas vossas.
Gostámos de saber que este blogue faz parte da biblioteca do
Francisco, um homem do mundo sem ser só nesta frase; que o
André Abrantes Amaral nos inclui na lista dos blogues que quis visitar durante este ano e que o
Guarda-Factos gostou da tirinha azul
dragão lá de cima. Todas elas referências bonitas, que agradecemos. Pelas mesmas razões (e também por razões diferentes) agradecemos à
Miss Pearls, ao
Paz na Estrada e ao
Toix da
Lusofolia, ao
Portugalidades e ao
Sebentaria.
Sorrimos quando vimos que a
Bomba Inteligente nos deixou uma luzinha pelo Natal, conforme sorrimos ao
Abrangente, ao
Babugem, ao
Eclético, ao
Obstinado, ao
Viva Espanha e ao
Arcabuz, que nos alumiam mais amiúde e atentamente. Todos no mesmo abraço, que estendemos ao
Blasfémias, ao
Ideias Soltas e ao
Cibertúlia: são gostares iguais de coisas diversas.
Ao
Vilacondense e ao
Trenguices (mil raios, não conseguimos dissociar os vilacondenses do boticário poveiro, são amigos forjados nas primeiras guerras de palavras, ainda gatinhávamos nisto, lembram-se?) temos de dar um abraço apertado de guerreiros. Igual ao que deixamos ao
Luís e ao Carlos, eles sabem disso.
Sorver a prosa calorosa do
Ma-Schamba e do
Xicuembo (que ainda não pusemos ali ao lado, vamos pô-lo, a ele e a outros que nos faltam) sabe a terras de longe, noites lindas de verão.
Ler o
Altino, o
Água Lisa, o
Vemos, Ouvimos e Lemos, é sentir prazeres diferentes no mesmo gosto pela escrita que ali quase se toca.
E navegar em paz na lucidez do
Mar Salgado, que às vezes nos entra pelo Douro dentro como a gente nem sequer sonhava que nos pudesse entrar? Coisas bonitas.
São muitos. E são muito bons. E são ainda mais do que os que estão ali, na nossa estante, arrumadinhos para consultar sempre que pudermos. Lembrámo-nos agora destes, de repente, porque foi assim que nos saiu, entre sonhos e rabanadas. Uma pequena mistura de
amigos de todos os dias a que faltam outros tantos. É sempre assim, falta sempre gente. Mesmo em liturgias planeadas. O que não é o caso.
Lolita e
Besugo
O frio
Não conhecia este
blogue, descobri-o há uns minutos atrás e ainda bem que o descobri: a filha deste homem deve chamar-se
Mafaldinha.
Postal de Natal
O Natal é assim, como diz o besugo: reúne-nos, reconcilia-nos. São tontinhos, os lugares comuns de quem, com desinspirada tibieza, ainda cultiva os lamentos gastos sobre o espírito natalício-consumista da civilização ocidental. Ou ressabia em permanência ou tenta esticar-se, em bicos de pés, para alcançar improvável destaque. Ou ambas, até porque ambas estão geralmente associadas. São aqueles, pobres tontinhos de umbigos autofágicos, que dizem não gostar do Natal no mesmo tom inconsequente com que se diz, na pré-adolescência borbulhenta, que se quer ser
cantor de variedades.
A véspera de Natal torna tudo mais bonito. A noite é mais longa e mais protectora - é mais noite. Gosto de olhar a árvore enfeitada, de me lembrar dos meus natais mágicos de quando era miúda, de contar aos pequeninos histórias sobre as músicas de Natal com que embalamos a noite. E gosto dos sorrisos, de toda a gente junta, dos olhares brilhantes. O Natal é assim por isto tudo. Não preciso de me juntar a ele, o Natal está comigo desde que me lembro de existir.
Noto que a blogosfera anda entretida a atribuir galardões. Sem especificar (que não consigo) só digo que gosto de andar por aqui. Por todos aqueles blogues de que gosto, por todos os que não conheço e devia conhecer e até por aqueles que nem uma coisa nem outra. Destacar uns seria deixar de fora outros, ainda que seja justo de acordo com a nossa subjectiva intenção. Mas é, sobretudo, inútil, porque as hierarquias só se fazem quando se impõem por si mesmas. Feliz Natal a todos.
Espelhos
Gosto do Natal. De festas de passagem de ano. De aniversários. Com família, com amigos, eu ali também. Eu sei que aquilo depois acaba mas, enquanto dura, gosto.
Sei que o meu Natal, o Natal da maior parte das pessoas,
não é todos os dias. Muito menos
quando um Homem quiser. Dizer isto é bacoco, são dois chavões que só fazem sentido durante os três minutos que dura uma cançoneta alusiva, daquelas que se vendem bem. O Homem encarrega-se de o desmentir sempre que pode, todos os dias. Ou seja, quase sempre.
Tenho razão. Basta dizer que "todos os dias", ou seja, "sempre", é, quase sempre (desculpem a repetição, mas há preposições que predispoem ao eco), uma chatice do caraças. Ninguém gosta do mesmo todos os dias. Nem sequer gostamos dos dias todos: é parvo afirmarmos que temos de gostar dos dias todos, até porque muitos dias, dias demais, são autênticos cilícios, não passam dum
projecto de esquecimento.
O meu Natal, o Natal da maioria das pessoas que o celebram, é um esbracejar de afogado que se adia na calma dum boiar de descanso, uma trégua bonançosa em mar revolto. Uma pausa de reunião, em lugar de ser uma pausa apressada na "sucessão de reuniões de todos os dias". Nas reuniões de todos os dias não há Natal nenhum. Detestamos pelo menos metade das pessoas com quem nos reunimos, nutrindo incómoda indiferença por quase toda a outra metade. Não é verdade? No Natal não.
O Natal é uma das datas que nos recordam os ciclos do tempo. O tempo é circular, o tempo são voltas e voltas à volta do mesmo, não é
uma linha com princípio meio e fim: o nosso tempo é um cilindro, não é uma linha, é um cilindro, um rolo compressor com rodelas de bem estar, ali pelo meio. Rodelas que nos reaproximam de nós e dos outros, se deixarmos.
Precisamos de marcos, de marcas, cada vez mais, para balizar o nosso tempo com alguns pingos de felicidade.
O que é a felicidade? Não sei, mas cuido que não deve ser uma doença. Nunca a vi descrita em nenhum dos meus compêndios.
Mas deve ser uma coisa pequenina e boa que fica bem na cara dos outros. A cara dos outros é o nosso melhor e mais inquebrável espelho.
Feliz Natal e Boa Felicidade. Espalhem por aí alguns pingos dela para ver se ficam ainda mais bonitos no espelho.
Wraggle Taggle Gipsies O
Descobri, num zapping ocasional, que a inicialmente
punk Alison Moyet tinha gravado um CD, do qual ouvi, então, aquela música antiguinha que todos reconhecem, se a ouvirem, chamada "Windmills of your Mind". A Alison, que, passadas duas décadas, continua orgulhosamente balzaquiana, também mantém intacta aquela voz grave com que, há duas décadas atrás, cantava "That ol'devil called love" e "Love letters" enquanto se afastava do movimento punk e corria o risco de se tornar uma proto-Celine Dion. Pior: uma Dulce Pontes britânica. E ela até tinha tudo para ser uma diva da música lírica comparável à inesquecível Bianca Castafiore, mas em (muita) carne e osso. Eram doces e bonitas, essas músicas, ainda hoje gosto.
Bom. No dia seguinte, passei na FNAC e comprei o
Voice que, como de costume, passei a ouvir no carro, durante percursos. Descobri onze músicas, quase todas velhas conhecidas e todas seguramente bem escolhidas. Desde o "Almost Blue" do Costello até "La chanson des vieux amants" do Brel, passando por clássicos como Bizet e Purcell. Incluindo uma música encantada, inebriante, saída da
folk music inglesa, sobre a história de
milady que fugiu atrás da música enfeitiçada dos ciganos porque "
her heart it melted away as snow". A voz da Alison completa tudo: profunda, expressiva, maleável... primorosa. Este está longe de ser um CD de quem já foi. Isto é bom, mesmo que seja inevitavelmente assim quando o que é bom já o era desde sempre.
Outras variações
Como blogger, o Alonso faz lembrar um caixeiro viajante que aparece de rompante em casa de mês a mês. Desta feita, contudo, apareceu sereno e divagante, com humor empenhado em parecer mais velho do que é, embora saiba que importante é "être vieux, sans être adultes", como dizia o Belga. Falou, entre outras coisas, daquele sol que o besugo escolheu para pôr lá em cima.
Há que repor a verdade dos factos. Das tags, do html e dos restantes assuntos triviais ocupei-me eu, já que o besugo afirmava repetidamente que "este template é muito diferente do outro" e que" não percebo nada desta choça, é bem pior do que um ECG visto por um mortal", enquanto fumava o seu displicente cigarro e bebericava o seu ufano uísque. Mas partilhou comigo o pelouro da concepção gráfica (?): as cores, os quadradinhos, a foto do
arco-íris rocócó, esta de sua exclusiva autoria (a busca, claro) e que vai passar a ficar lá em cima. São dois contra uma, e ambos estão, além do mais, imbuídos do espírito do Advento. E eu também gosto, pronto. Assim até fica
hodiernaço, não te parece, Alonso?
Assinalo, ainda, uma outra alteração, mais realista do que indignada, que fiz naquele texto que está aqui do lado direito e que, como diz o Alonso, ninguém imagina quem escreveu. E o besugo, lembro, não sabe mexer no template.
Esguichos de besugo
1 - O alonso reapareceu, o que me alegrou o nevoeiro. Veio entre o terno e o acutilante, a ternura das pistas de carrinhos entremeada com a verrina do costume. Fico sempre contente quando leio amigos. Deteve-se em considerações geográficas que não corrigem, contudo, o texto que apareceu ali ao lado: quem escreveu aquilo falava de toda a panóplia da realização vegetal, da raiz ao fruto. No caso da Estremadura, penso eu, o desgraçado autor referia-se ao fruto, aos frutos, quase um pomar, no caso do alonso.
Que gostas de penedias eu sei, alonso. Aliás isso é notório na tua assiduidade a estes ermos nevoentos. Pega lá névoa e fraguedos, vinhas a descer pelos ombros dos homens abaixo, a ver se ainda te lembras.
2 - Do Guimarães-Sporting falo pouco. Afugentei maus presságios, é certo, mas é preciso afugentar mais alguma coisa. Reparei que parte dos adeptos do Vitória de Guimarães, alguns daqueles que se sentam na bancada central, presumivelmente sócios, tomam o tipo de atitudes que se prevêem no seu aspecto grunho. Não jogámos bem, mas ganhámos. Não digo mais nada.
3 - Vou ter de descansar, a minha vida não é esta, embora esta seja uma das partes dela que melhor me sabe e mais bem me faz. Prometo vir expressar, amanhã ou depois, a vontade que já hoje sinto de dar um abraço natalício à blogosfera toda. À que está ali ao lado, nas "páginas amarelas", à outra toda.
Sinto-me assim chocho.
Paragem
Peço desculpa, mas este há-de ser um escrito denunciadamente piegas. Há uma música, de que intrigantemente me lembro muitas vezes, chamada
Gente Humilde, uma das mais bonitas de quase todo o repertório bonito do Chico Buarque. Hoje, em fila contínua e quase parada, reparei numa mulher sentada no banco da paragem do autocarro que olhava ao longe, para detrás de mim, a ver se via o desejado transporte, o autocarro que a levaria de onde estava até não se sabe onde, cumprindo contínuas rotinas diárias de uma vida plena de rituais difíceis que ela tornou fáceis, com o tempo. É feita disto, a vida dela, de correr atrás de tudo para que lhe calhe este pouco que nunca veio, simplesmente, parar-lhe às mãos. Eu sei que imagino, apenas, as coisas que vi no olhar ansioso com que procurava que o autocarro aparecesse, visível, lá no fundo da imensa fila de carros.
Porque parece/Que acontece de repente/Feito um desejo de eu viver/Sem me notar. Hoje veio-me outra vez isto à memória.
Quem é que é da Estremadura?
Topa-se logo que foi o besugo que escreveu o "textozito" de apresentação dos bloguistas desta tasca. Tem aquele escrever "poético" tão característico dele, misturado com uma sofredora "lagartice" (igualmente característica), invocada a final.
Por outro lado, diz que há por aqui alguém da Estremadura, no que desconfio referir-se (venenosamente) a mim, que nessa província vivo e trabalho, mas à qual não pertenço.
Sim, que isto de pertencer tem que se lhe diga. E eu sei a que pertenço e onde me sinto em casa: Em terras de pinheiros e granito, com frio e montanhas, estradas que sobem e estradas que descem. E pontes no fundo das que descem, e pontes no princípio das que sobem. É aí que eu pertenço.
Feito este intróito, cabe cumprimentar a lolita pela mudança de aparência no blog. Está mais amplo e mais claro. E cumprimentar o besugo pelo sol que aqui deixou. Gosto mais dele que do paraíso tropical que encima este blog. Mais inocente, talvez mesmo infantil, mas é mais "caliente".
No mais, cá venho contrito reconhecer que tenho tido pouca intervenção, mas não pouca leitura. O besugo anda de tal modo entretido a apoucar o Portas de todas as maneiras que consegue imaginar - e consegue imaginar muitas - que a mim deixa apenas o entretenimento de o ler. Às vezes tenho saudades dos tempos (sim, porque eu sou velho) em que também vivia com intensidade os meus amores e ódios políticos. Se eu ainda fosse assim, garanto que vos brindava com a minha imaginação - menos fértil que a do besugo, há que reconhecê-lo - no "linchamento em prosa" dos políticos de que não gosto.
O problema é que já poucas coisas me interessam, já poucas têm para mim sabor, textura, densidade, beleza ou fealdade. E, especialmente no que respeita à política, disso me distancio com crescente indiferença. Em poucos políticos confio (como o besugo confia no Ferro) e em nenhum dos actuais me revejo ao ponto de o considerar o "porta-estandarte" político daquilo em que acredito.
Aliás, em que é que se pode acreditar verdadeiramente? Creio que só num determinado conjunto de valores, e no benefício que pode advir da sua aplicação prática. E coerente. Tudo coisas de que a política hodierna - intrinsecamente calculista, medrosa e pensada em função dos calendários eleitorais e da satisfação possível das clientelas e poderes difusos - se alheou.
E, assim, vivemos os últimos tempos com PMs do calibre do Guterres, do Barroso e do Lopes. Hodiernos mais hodiernos é difícil. E assim viveremos os próximos tempos também, estou certo.
Acho que esta prosa está tão fúnebre que páro por aqui, publico isto e vou ver outra vez o fantástico sol com que o besugo nos prendou.
Mas antes ...
Post Scriptum (estilo Monty Python) - "E agora, algo completamente diferente": o meu filho fez anos e dei-lhe uma prenda egoísta (porque foi para ele e para mim, uma das prendas que eu desejei em miúdo e que nunca recebi). Uma pista de carrinhos. Da NINCO que, garantiu-me o homem da loja, é melhor que a Scalextric. Temo-nos divertido com ela. Bem mais do que a ver notícias na televisão (calculo eu, porque esse electrodoméstico tem basicamente funcionado para ver filmes e jogar).
Post Post Scriptum - Sim, porque eu sou velho, mas também não sou. Às vezes.
Post Post Post Scriptum - A ver se amanhã passo na loja para saber o preço das peças necessárias a fazer duas chicanes, daquelas apertadinhas. Aposto dobro contra singelo que, com chicanes, "dou" dois segundos por volta ao rapaz ...
Post Post Post Post Scriptum - Agora sim, vou ver o sol ...
Prevenção
Tenho um pressentimento que me arrepia. Enfim, vou tendo vários presságios, todos os dias, mas hoje conto este. A ver se afasto o mau agoiro. Que é este, conto já a seguir.
Palpita-me que, ainda esta noite, aqui venho despejar
bile descodificada, à conta do Guimarães-Sporting. É que há uma vaga, enevoada e permanente aura de desgraça pairando
por cima da cabeça de José Peseiro (e, já agora,
por dentro da caixa craniana de - pelo menos - metade dos jogadores do meu clube) que me faz andar num desconsolo. Quando ando assim tanto me pode dar para o amuo como para o vitupério. Sou, mais ou menos, para onde me dá.
Mas, agora a sério, o Sporting anda assim uma coisa tipo "acertem-me que eu caio". Não anda? "Acertem-me que eu caio"é o pior dos desafios que se pode fazer seja a quem for, caramba! Os outros só não nos acertam se não puderem, quanto mais com estes trejeitos tremelicantes a "pedi-las"!
Eu gostava de lhes transmitir isto, aos atletas. O meu desconsolo e o resto. E de lhes dizer, ainda, simpaticamente: "ó cambada de
sofisticações futebolísticas cansadas, olhai que o jogo é para ganhar, deixai-vos dos esoterismos do costume e ganhai, mas é!".
Claro que o Custódio podia fazer o favor de proferir isto, lá na palestra. Como? Interrompia as tácticas do Peseiro, aquelas tácticas em que o nosso meio-campo fica todo "enrodilhado" no Tinga e nos outros vagarosos que por lá há. Não era? Podia, o Custódio podia, mesmo que fosse por outras palavras.
Mas o pobre do Custódio ainda não adquiriu o estatuto (ou o peso) do Rochemback, nem a personalidade (histrionico-deficitária) do Beto. Por isso não pode dar grandes palpites. Também por isso, se calhar, é que ainda joga a bola.
Mau presságio. Colerético profiláctico, já. E, mesmo assim, não sei.
O ocaso do absurdo
As melhores prendas inúteis compram-se nos supermercados pequenos: chocolates, vinhos, whisky com rótulo dourado, naperons laváveis, sortido de bolachas Triunfo. Sem grandes demoras, sem grandes multidões. E têm, até, empregadas habilidosas que fazem os embrulhos com papéis diferentes para distintos destinatários. Um homem, que comprou duas garrafas de whisky, queria-as embrulhadas num papel vermelho, decorado com desenhos de meninos vestidos de anjos. Não pôde.
Aquele papel, não. Whisky com meninos não liga: ordens superiores. O que é isto? Isto também é ditadura. Ou uma bizarria que ameaça tornar-se corrente.
A cinemática dos outros
Há umas semanas atrás pus aqui o retrato duma estrada que subia. Fui eu que tirei o retrato, mas não subi a estrada, fiquei ali a olhar para a boniteza dela. Não a subi, não fosse ela ser ainda mais íngreme depois da curva. Estava bem assim.
A estrada era esta:
Hoje deu-me para vos mostrar uma estrada que desce. Também fiquei ali a vê-la descer sozinha, bonita de sombria, não fosse encontrar-me ainda mais na sombra depois da curva.
A outra estrada, a que desce, é esta:
Não sabiam que há estradas que só sobem e estradas que só descem? Se não sabem, senhores, é porque estão sempre a bulir, sempre a mexer, sempre a percorrer estradas, para cima, para baixo. Assim nunca havemos de nos entender. Se nos pomos, só porque podemos, a percorrer todos os caminhos, acaba por nos parecer que fazemos parte deles. E não fazemos.
Qual a vantagem de provar que se pode subir e descer a mesma estrada? Já se sabe isso, pode-se quase tudo.
Prefiro estar ali a olhar, ver que uma sobe, que outra desce, vê-las subir até onde consigo, vê-las descer até onde posso. Deixá-las ir. Que as que sobem são sempre mais claras, é verdade. E as que descem mais sombrias, isso vê-se.
Eu não quero é misturar estradas só por ser curioso demais. Deixá-las ir não é uma desistência, é só decidir ficar, não ir com elas.
Tenho saudades do dia em que tirei ambos os retratos. Foi no mesmo dia e tenho saudades porque estava sol e porque foi um dia bom, mesmo não me tendo aventurado para lá das curvas da minha vista de homem parado ali.
Sol de brincar
Fizeste um bom trabalho, lolita. Renovar é preciso e, na minha opinião, renovaste muito bem. Ficou bonito de simples. Vamos a ver o que dizem os outros, que aparecem tão pouco que corremos o risco de nem darem pela mudança: é preciso conhecer muito bem seja o que for para lhe notar diferenças.
De facto, uma vez sem exemplo(!), tinhas razão: um
blog caliente não precisa de demasiado
"calor no template". Precisa que ele apareça no que se vai escrevendo. Tinhas razão. Segura lá a palmatória que a minha mão culpada segue em tempo oportuno.
De qualquer forma, enfiado que estou no nevoeiro há mais de um mês, tens de me desculpar a fraqueza de ter botado, ali em cima, um sol infantil de colorido.
"Vem este besugo gabar a simplicidade, essas coisas, e pespega-me ali uma espécie de arco-íris rococó!?" - estou mesmo a ouvir-te, lolita. Isto explica-se, vai já na linha de baixo.
É que hoje, véspera de segunda-feira, antecâmara duma semana que prevejo embrulhada em cinza nevoenta, não sou capaz de mais calor que aquilo. E o sol, como sabes, já quase nem me lembro como é.
Variações
Nos últimos dias, tenho-me sentido um bocadinho esmagada pelo tempo. No entremeio dos inevitáveis jantares/almoços/representações de Natal, dediquei-me também a alterar o lay-out disto. Uma refrescadela motivadora para o novo ciclo anual, por assim dizer. O empenho foi compensador: com as páginas de ajuda do blogger mais o providencial sistema de ensaio e erro (preview/clear) da página dos templates, lá chegámos a bom porto. O blogue passou a ser assim, como está agora, e eu confesso, imodestamente talvez, que gosto mais. Como também gostava do anterior. Como espero vir a gostar, quando tornarmos a mudar, que é de mudanças voluntárias que quase sempre se alcançam bons rumos.
Ontem vi metade de "O pianista", que deu à noite, salvo erro, na TVI. Só metade. Perturba-me, para além do suportável, aquela história real de insanidade humana sinistramente organizada para incutir crescente terror, que dramatizava episódios de alegria em forma de tragédia, que feriu de morte a alma de quem dela foi vítima e de quem acordou tarde para saber que foi agressor. Bem gostava, como o besugo, de distinguir dali o Mal contra o Bem, ou vice-versa. Como diz a dada altura, no filme, um dos perdedores, no seio daquela profunda amoralidade
não há Deus. Que é o mesmo que dizer que não há Bem, que não há Mal. Que não há redenção, que não há castigo. No intervalo, desisti de ver o intolerável. Mais me perturba, ainda assim, o imaginável.
Visitei, entretanto, a meia dúzia de blogues que leio sempre que posso. Deparei-me com um
prémio honroso que nos foi atribuído por aquele que é, provavelmente, o blogger com o
maior mau (portanto péssimo) feitio de toda a blogosfera nacional. Obrigada,
Altino. Este prémio vindo de si vale muito, que eu leio-o sempre; às vezes percebo, outras vezes subscrevo.
O Binário de Schindler
Penso que o que mais os impressionou foi verem a crueza da morte sem efeitos especiais. E que se pode morrer de forma simples.
Quando
Amon, o Bom, matou pelas costas (e à distância) o rapaz que lhe tinha maltratado a sela do cavalo, depois de ter tentado perdoá-lo, como lhe tinha ensinado Schindler, os meus filhos abanaram.
Tinham acreditado que é a mesma coisa "
ser filho da puta mas gostar de coisas bonitas" e
"gostar de coisas bonitas mas ser filho da puta". Perceberam a conversa de Schindler com Stern, lembram-se?
Depois, aprenderam que pode não haver regras de conduta que nos salvem do mal: Helen, a bela judia que foi escolhida pelo tarado e cirrótico Amon para o servir, disse-o. "Sei que vou morrer, porque ele mata sem critério". Isto é um intróito para o resto da questão, porque um dia os meus filhos hão-de perguntar-se: "Calma aí, qual é a diferença entre matar sem critério e matar com critério, a não ser permitir nortear o caminho triste de quem corre risco acrescido de ser morto, com ou sem critério, por quem dita as regras?".
Faz-lhes bem. O bem é uma coisa altamente variável, sobretudo para os filhos da puta que vivem baseados na cómoda e inteligente relatividade, mas eu quero que os meus filhos esqueçam a relatividade quando se trata de valores absolutos. É o caso do direito à vida de quem não quer morrer, um sistema binário, no limite: sim ou não.
Uma questão de livre arbítrio que, desculpem, não se aplica a questões fetais. Não me deturpem. Não tem, sequer, comparação. Trata-se aqui do direito à vida de quem não quer morrer, trata-se aqui de martírios. O verdadeiro martírio é o sofrimento da inteligência, da identidade. E isto precisa de ser dito, que é para acabar de vez com mariquices e não misturarmos questões; quando não, qualquer conversa fica uma açorda de sotainas.
50+1
A coligação condicional constitui o plano A. Cuidadoso e prevenido que é (nunca fiando!), Paulo Portas tratou já de preparar o Plano B, tentando vender a ideia de que o partido político que obtenha mais votos num sufrágio não será, necessariamente, aquele que será chamado a formar governo. Isto porque tudo depende da estabilidade da maioria. Maiorias relativas são menos estáveis do que maiorias absolutas, ainda que sejam formadas a partir de partidos não ganhadores de eleições e com coligações condicionais ou ad-hoc.
Acompanham-no, nesta ideia peregrina, eméritos jurisconstitucionalistas que hoje se pronunciaram no sentido da amplitude implícita da constituição dos poderes do Presidente da República quando está em causa a estabilidade das maiorias. Os sufrágios são, afinal, meras aproximações da vontade popular que, ainda que dela resulte a estatística rigorosa de uma maioria relativa, tem mero valor de parecer - ou de sondagem. A constituição é, afinal, um documento fluído, mais interpretativo do que expresso, que serve conjunturas políticas ao invés de serem estas a ajustar-se àquela.
Percebe-se como é imatura a democracia portuguesa quando se confunde governabilidade com maiorias estáveis, coincidindo estas com maiorias de cinquenta e um. Quando é preciso reinterpretar a constituição para encontrar soluções preventivas de instabilidades governativas futuras e condicionais.
Numa perspectiva optimista, o exercício do direito de voto passará a ser uma das formas possíveis de escolher governos.
Como evoluiu, a democracia portuguesa.
Silêncio, tiroleses.
Isto pode fazer-se sempre que se queira: a Judite de Sousa entrevista um tipo qualquer que a gente não grama e, zás, tiramos o som ao televisor. Ficamos a olhar durante cinco minutos para aquilo e é muito divertido.
Hoje foi Paulo Portas. O
irmão careca do careca assumido.
Sem som, o cabelo à
Vítor Hugo/Nuno Melo/Diogo Feyo/outro que não me lembro agora, fica mais solto. Mais "estou cheio de
Linic". Sempre comprido, o cabelame, tapando as orelhas e arrebitando ligeiramente na zona que antecede os pavilhões auriculares. Descendo, descarado, pelas traseiras do colarinho da camisa.
No caso de Portas, que tem uma testa que se prolonga, despudorada de rugosa, bem para lá da articulação fronto-parietal (ou seja, está sempre com aquele ar de quem usa capachinho...), o efeito é hilariante.
Ele meneia-se. Ele sorri só com a boca. Ele gesticula, de mãozitas arredias, espasmódicas. Ele agarra-se conforme pode à imagem que pensa que tem. Corto-lhe o som e ei-lo reduzido à imagem que tem, não à que pensa.
Há muitas coisas engraçadas neste mundo: o Benfica, o Ferreira Torres, o senhor dom Duarte, a família toda daquela senhora que se despia para dar as
nutícias, a Ordem dos Médicos e as Ordens em geral, o Bush, o eventual talento do Beckham, quase todos os processos de beatificação, o fervor com que cantamos "A Portuguesa" no estrangeiro ou em campos de futebol, a Edite Estrela, aquele deputado do PSD de óculos que parece um extra-terrestre, os publicitários (mesmo os que se lavam)... há muitas coisas.
Esta é, apenas, mais uma delas: desligar o som enquanto palra um daqueles projectos do (seu) futuro, um daqueles que se julga um "comunicador", é um excelente passatempo. É que se lhe vai (ao comunicador) a comunicação verbal de chicaneiro pelo provocado silêncio abaixo; vai-se-lhe o carisma (do comunicador) por entre os angustiados esgares de inteligência muda; fenece-se-lhe a credibilidade toda (de comunicador) na falência surda do pequeno facto que aponta em surdina, apontado em surdina como se fosse grande e sonoro.
Neste particular, bom, é caso para dizer que
se lhe fenece ainda mais a credibilidade já de si fenecida, porque um pequeno facto, dito por boca fugidia de "odeleriú" e apontado por dedinho de "outro odeleriú" em riste, fenece mesmo que o escutemos.
Digo eu, que acredito no potencial enzimático de certo tipo de detergentes. O "Odeleriú Máquina", por exemplo.
As virtudes dos jograis
Que má vontade a tua, besugo.
Eu acho que o
pré(?) pós(?)-acordo apresenta enormes vantagens. Repara:
É bom para quem, no exercício do
reflectido direito de voto, votar no PSD ou no PP, porque sabe antecipadamente que a coligação é uma possibilidade. Ao votar num dos dois partidos, escolhe a coligação e escolhe, também, a não coligação. Ao votar em Santana ou em Portas, saboreia-se o
thrill do mistério, o tremor da fortuna. Assim como quando se joga na lotaria, ou, melhor ainda, como se votar fosse como praticar rappel. Convenhamos que isto imprime às eleições um colorido inovador...
E lembra-te: quando o Zé Manel se coligou com o Portas, não cuidaram de informar antecipadamente os eleitores, o que não é correcto; as pessoas votaram, então, sem poder experimentar esse gozo do tiro aos pratos.
É bom porque quem é PSD e não gosta do Paulo Portas se decidirá a não votar no PSD - e, claro, muito menos no PP.
É bom porque alguma pouca muita gente (não esqueçamos que é um partido
muito pequenino) que vota habitualmente no PP e não gosta do Santana Lopes se decidirá a não votar no PP.
Tenhamos em conta, ainda, os casos em que a possibilidade de coligação é irrelevante: os daqueles eleitores que votam habitualmente no PSD e não gostam de Santana Lopes. Não votarão PSD e, como Santana Lopes pode vir a coligar-se com o PP, não votarão no PP.
Mutatis mutandis para os eleitores do PP que não gostam de Paulo Portas (embora esta possibilidade me pareça menos viável, tendo em conta que o partido é
pequenino; tão
pequenino, que não tem oposição interna).
Tudo isto parece favorecer, visivelmente, a vitória do PS. Quem sabe, até, tornar real a miragem da maioria absoluta!
Devias agradecer aos senhores, besugo.
Avisos à navegação. Enfim, pequeninos.
O PS pensa melhor, porque é mais calmo. Espero eu. Mas supondo que não é? Que decide inventar? Bom, aí, cuidado.
Não havendo Ferro, a quem eu emprestaria dois carros, há agora apenas Sócrates. Dava-lhe boleia. Mais nada, para já.
Já se ouviram e leram muitas críticas a Sócrates. Que cita muito, que é um Santana à esquerda (pouco), que
"é mais do mesmo".
Não acredito muito nisso tudo. Não quero acreditar. Mas estou atento, a ver.
Agora, digo apenas isto: Sócrates e a sua equipa não me consomem o pobre votinho pueril assim, de mão beijada. Têm de me explicar muito bem se estabelecem com o BE (ou com o PC, ou mesmo com o MRPP!) uma aliança prévia, tendente a formar um governo-misto, ou se, bem ao contrário, consideram a hipótese de, com estes ou com outros partidos, encontrar entendimentos parlamentares que viabilizem os seus projectos. Projectos que quero conhecer, está claro, antes de votar.
Um acordo parlamentar é de homem. Contratos condicionais para "eventualmente" governar(como o que fizeram o careca e o pulhazito) cheira um bocado a casa de putas. "Se nos souber bem a ambos, fica-lhe de borla! E a mim, também, calha bem! Iac!".
Que vem a ser isto? Goofies, agora?
Isto é de aldeão, se quiserem. Mas eu quero saber, de aldeã sabedoria certa, se votar no PS, para além de me não devolver o Ferro, ainda me garante o fedorento ferro de poder ter de aturar ministros cocós de partidos cacás. Eu concebo deputados cocós a dizerem-me que sim, que me viabilizam (gosto desta). Ministros cacás a tentarem convencer-me de que votei neles, quando não votei, é que não quero.
Ana Drago devia ler outras coisas, Fazenda tem de aprender a não levar baile de Nunos Melos em debates tão fatelas que até lá estava o Relvas (mas alguém de juízo deixava aquele Vítor Hugo da política liberal e o "Miguel Risinhos" babujarem metade do que babujaram sem lhes desfechar, com parcimoniosa veemência, as evidentes contradições na pequena e frondosa fronha?), Rosas tem de cortar a verborreica trunfa... É toda uma aprendizagem.
Parto do princípio, já que se fala de partículas neutras, que não me fazem a desfeita de dar ao A.J.Seguro mais poder que o que já tem: o de falar, com as mãozitas cruzadas, em debates na TV. Mais que isto seria inaceitável para mim, mesmo com tudo bem definido, logo de início.
É que vos garanto que telefonava ao Jerónimo, de vez absoluta! E começava a militância por baixo, como controleiro de mim! Os senhores tenham consideração por quem se sente incomodado.
Jograis
Com este acordo de p... enfim, desculpem, com este acordo de cavalheiros de excelente consciência cívica, consegue-se o seguinte: um eleitor que vote no PSD pode estar a votar um bocadinho no PP. E um desgraçado qualquer que ponha uma cruzinha no PP, lá no seu imaculado boletim, pode, eventualmente, estar a votar um bocadinho no PSD.
Tudo isto depende, evidentemente, do resultado final. Qualquer um destes eleitores poderá, eventualmente, estar a votar na coligação do futuro poder. Mas também poderá estar a votar no futuro coro das lamúrias que cantará, a duas vozes, em estreia absoluta, no caso de levarem ambos o desejável "pinhão", o refrão do "vai-te embora, melga".
Ou seja: um eleitor de qualquer um destes partidos pode estar a votar em ambos, caso ganhem, ou em nenhum, caso lerpem largueiro.
São tão engraçados, às vezes, os jograis.
O acordo pós-condicional
Santana Lopes e Paulo Portas lembram dois náufragos, perdidos no meio de um imenso mar sem qualquer porto de abrigo, que mutuamente se prometem ajuda se aparecer um terceiro náufrago que os queira afogar. Sem esquecer que, se se salvarem dessa tentativa de afogamento, afogar-se-ão um ao outro assim que um deles encontre uma qualquer ilhota.
Singing (down) the mud
- Os senhores sempre vão a votos?
- Vamos, claro, tá parvo?
- Mas vão juntos ou separados?
- Odeleriú!
- Refere-se ao Tirol?
- Não.
- Bom, mas sempre vão juntos?
- Não, vamos separados. Aumenta-nos a possibilidade de mostrar às putas quem são os verdadeiros "canhões". Mas se ganharmos, juntamo-nos para governar. Logo juntinhos, tungas, odeleriú, eu tenho experiência de ficar sério quando me torço de riso.
- E se perderem?
- Tá parvo?
- Desculpe, eu reformulo: se, por um estranho e meramente especulativo acaso, perdessem?
- Quem?
- Os senhores...
-Tá parvo? Se formos separados você nunca poderá dizer que ambos perdemos. Alguém poderá perder, mas nunca ambos!
- Desculpe, mas não é bem assim...
- É, é. Se perdermos (aquela coisa de o PS poder ter maioria absoluta, de qualquer maneira, é uma chatice!) quem perde é o Santana e os laranjas. Nós sempre fomos pequeninos. Valorizamos é muito o nosso domiciliário tesão.
- Isso é redutor. É um tesãozito...
- É o caraças. Vais ver, cromo. Olha logo tesões, comigo!
- Mas não lhe parece mal este prévio e condicional acordo de putas?
- Não. Tá parvo? A Cinha não tem nada a ver com isto! Eu não o entendo, francamente!...
Odeleriú.
Campos de terra batida
Já não me lembro de me dar
uma coisa destas há algum tempo. Mas a verdade é que percebo o Altino, deu-lhe agora, está dorido.
Aviso já que não gosto de ver o Benfica a levar quatro de ninguém, nem o Porto a levar quatro de ninguém. Só do Sporting, mas vejo poucas vezes. Valha a verdade.
Hoje permito-me consolar o Altino, que, aliás, já se recompôs: chama-nos
"outros" , associa a derrota do Benfica à génese dum sismo e, bem ao seu jeito, recomeçou a manifestar enervamento perante aquilo a que chama "esquerda lacoste" (quando é que aprendes que as "lacoste" com melhor relação qualidade/preço se compram na feira, ó vilanovense dum raio?).
Consolo-o assim:
"Olha, Altino, tu deixa estar o Toni e o Humberto a jogar golfe e a comentar jogos, tu precisavas era dum Chalana novo. O resto podias deixar ficar conforme está, cheirava-te mal na mesma, mas havias de ver como com jogadores da bola a sério o teu Benfica jogava bonito e bem".
Tens aí o Peres, o Jordão e o Fraguito? Dá cá também. Não és a única pessoa com problemas, sabias?
Mudar
Lembro-me bem de quando tinha catorze, quinze anos. A voz a mudar, o corpo a esticar sem jeito, tentando boiar desajeitadamente nas águas rápidas e sempre meio turvas da indefinição do que por aí me viria. Um tempo bonito e cheio de temores, pelo mesmíssimo motivo. Que eu agora sei mas, naquela altura, não sabia: há uma certa beleza no medo, na ignorância de nós e do nosso lugar. Um temor que nos empurra para a boa cisma, para o recolhimento ocasional, que nos sossega o ímpeto de partir tudo e ficar ali a ver o que acontece depois. Porque nos parece, nessa altura, que o mundo existe sem nós e nós sem ele. É tudo visto de dentro como se fosse tudo lá fora, connosco não é quase nada.
Foi no tempo em que toda a gente que calhava aborrecer-se comigo, fosse pelo que fosse, me chamava caixa-de-óculos. Eu sofria com isso, era uma marreca que eu não me lembrava de ter até que ma lançavam ao lombo desprevenido. Lembro-me que sentia aquilo como uma traição, porque era sempre pelas costas (quando eu não contava) que me dizam o labéu. Vista daqui, a explicação é fácil: os outros tendem a ofender-nos quando nos pressentem um bocadinho de felicidade e era, precisamente, nessas alturas em que baixava a guarda por estar contente, que me faziam pagar o crime da minha calma e irritante alegria.
Também devo ter feito crueldades semelhantes, lembro-me de chamar "manco" ao C., por qualquer coisa que lhe vi luzir nos olhos e me fez lembrar, de repente, da perna que não tinha.
Crescemos com isto e por isto. E porque tem de ser.
O meu filho mais velho já fez quinze anos e andava desconsolado com a minha escolha. Ninguém se lembra disso, mas eu contei aqui. Quando começou o 10º ano empurrei-o para onde pensei que se sentiria melhor: para a área das ciências e da tecnologia. Eu gosto destas coisas das ciências e o meu gosto por elas nunca me impediu de gostar, também, das outras. Acreditei sempre na matéria enquanto fui, sempre, tentando olhar para além dela, enquanto lhe mexia. No meu hospital empurro macas com doentes em cima, observo-os e mexo-lhes com a calma e o respeito que os outros sempre me mereceram, faço de maqueiro e de médico com o mesmo jovial cansaço, porque quase nunca páro enquanto mexo.
Bom, nem sempre és assim, caixa-de-óculos, admite! Admito.
O meu filho mais velho pediu para mudar e já mudou. Para a área das ciências sociais. Anda agora dividido entre o que ganhou (estuda coisas de que gosta mais) e o que perdeu (os amigos da antiga turma). E outra coisa, que tenho de lhe explicar muito bem, um dia destes, naqueles dias entre o Natal e o Ano Novo: ele pensa que me perdeu um bocadinho, que me desiludiu por não querer, com a força toda, o que eu lhe queria. Pensa, querido filho, eu vejo-lho nos olhos, que me falhou.
Nunca deixem um filho de quinze anos, os senhores são quase todos mais novos do que eu, oiçam-me agora um bocadinho, nunca deixem um filho de quinze anos pensar assim durante muito tempo. Mas aprendam também: deixem-no pensar assim, ao menos, durante um bocadinho. Para ter tempo de aprender que mudar a vida custa sempre alguma coisa. Custa,pelo menos, aquilo que deixamos quando nos vamos embora.
Histórias de ditadura
O maior mérito (ou o único, se calhar) de "A Casa dos Espíritos" que a sobrinha de Salvador Allende escreveu respeita justamente à crueza realista com que se descreve o golpe de estado conduzido pelo
Comandante-em-Chefe daquele e que erradicou, para sempre, a "suave revolução socialista" chilena. Pinochet foi um despudurado intermediário de interesses económicos americanos, instalados ou a instalar no Chile. Circunstância, fundamental, à luz da qual se tem de perceber a barbárie das mortes, dos sequestros e dos torturas que, organizadamente, sancionou e ordenou aos opositores. Um ditador como Pinochet, hipotecado a interesses estrangeiros em troca do bem estar dos seus conterrâneos, é um criminoso político sem perdão. Suficientemente distante daqueles ditadores que se dedicam, teimosamente, a cumprir um sonho que constitui justamente no oposto disto - erradicar o parasitismo, vender apenas pelo preço justo. Pela força, talvez, e sem que o sonho se cumpra, seguramente. Mas a diferença fundamental é límpida.
Não há boas intenções que mereçam perdão quando se inquinam, mas algumas, as que começam por sonhos, são bastante mais legítimas. Pinochet, que vendeu o seu próprio país a interesses injustificáveis, não merece mais perdão do que um criminoso de delito comum. A questão é que a dimensão das vítimas é maior do que os chilenos todos: é a da memória de toda a nação chilena.
Necrologia suave
Gosto mais de reler Eça que de reler Camilo mas acho que emprestava, mais depressa, o meu carro a Camilo.
Eça tinha uma verve fácil, encantadora, grácil e saltitante. Era um polemista brilhante, um cronista quase irritante, de tão agudo. Um talento à solta, como se estivesse sempre fora de si.
Camilo era um homem corajoso e bravo, dono da sua calma tendência para o cacete desfechado em alheia cornadura. Um homem mais completo. Mas matou-se, mesmo sabendo mais palavras do dicionário para demonstrar a diferença entre ambos.
Admito que há uma coragem diferente em cada homem. Morrer dum cirro no estômago ( e Eça sabia que o tinha, criou personagens com cirros em todos os seus livros) é diferente de morrer por auto-determinação, com um tiro na têmpora. Há quem não suporte viver amputado de coisa nenhuma. E há quem se deixe morrer sem ligar muito a isso de morrer.
Eu aqui divido-me, mas sintetizo a minha dúvida numa projecção singela: deviam estar vivos os dois para haver mais livros bons que se pudessem ler.
Admito que me perguntem: por que raio emprestavas tu mais depressa o carro a um homem que se matou do que a um homem que se morreu?
A resposta é simples: o meu carro é de gama média, o tipo de carro que se empresta sem pensar muito. O meu carro é como eu, como os meus gostos e desgostos: fui eu que o escolhi, sou eu que os escolho. Quando posso.
Zahoviques
Parece que o governo veio dizer que já não brinca, não quer brincar mais.
Deram ao governo a oportunidade de vir dizer isto, agora aguentem-se. Eu não ligo. Olhem, façam as coisas bem.
Eu já disse, logo da primeira vez: por muito que nos custe, há gente que devemos deixar queimar até ao fim. Deram-lhes uma oportunidade de sair do fogo, eles saltaram, conforme estão ávidos de saltar lá para dentro outra vez. Pobres tontos ávidos, a avidez e a tonteria nem precisam de catalisadores para se coligarem em nojentinhas moléculas de "faz de conta que libertamos energia, uns ATPs que sejam". Isto é só para quem sabe o que é um radical ATP, quem não sabe nem sequer devia discutir o diâmetro da própria glande, quanto mais fosse o que fosse.
O discurso científico pressupõe o conhecimento das letras. O contrário só é verdadeiro se estivermos magnificamente magnânimos. Siga a marinha.
Não ligo a isto. Ou, por outra: tenho de ligar, mas sei perfeitamente como é, o que os move, o que os paralisa. Aos
"santanaeportasequetais". Não são nenhuns comboios, ao menos, daqueles que a gente quer parar e não consegue. Percebe-se ali a fragilidade testicular da locomotiva e do vagão da frente que estão completamente murchos de
"nem sei como hei-de disfarçar" . Vagão está bem escrito, nem sequer é por aí que se fecha S. Bento e arredores, ó Félix! O Félix é um amigo que eu tenho.
Isto está metafórico, estou novamente sofrível de barroco.
Bom. Isto é que é importante. Empatar com o Braga, para um sportinguista que viu o jogo, permite dois discursos.
Discurso 1 -
"O homem da bandeira não viu, ou viu mal, "até se percebe que percebeu que viu mal", anulou-nos um golo limpo, bolas! Roubalheira não foi, coitado, calha assim às vezes, jogámos muito mais e não ganhámos, acontece, vamos ser campeões na mesma, porque coisas destas acontecem apenas de vez em quando".
Discurso 2 -
"Filhos da puta, ladrões!!!!"
Juro que prefiro o primeiro.
Mas, o importante, o importante mesmo, agora que empatámos com os bi-benfiquistas, é que o governote empenhadito, em vez de se manter nos limites que lhe disseram para manter (foi mais ou menos isto:
"vai-te embora, azar, mas por enquanto aguenta a maré, que é tua mais que nobre obrigação!"), se demite.
"Ai não nos querem, ai mandam-nos embora? Pois nós é que, agora, já não queremos mais!"
Vai, Zahovic!!! Isto é chicana de putedo, cada vez mais. Cruza bem, esloveno.
Escritas livres
O besugo deixou ali em baixo um desafio temático: falar de Eça e de Camilo. Eu sei que o besugo gosta bem mais de Eça do que de Camilo, ao ponto de, de quando em quando, tentar diminuir a obra deste (isto também é um desafio, besugo...). De mim, eu sei que ainda me lembro de ter ido ver o filme do Manoel enquanto lia o "Amor de Perdição", era eu catraia, e de ter gostado
muito do filme (pasma, besugo!), como gostei
muito do livro... e são tão parecidos, um com o outro. Mas não pretendo falar do Manoel (isso seria o terceiro desafio, mais difícil, mais belicoso...).
Qualquer português que tenha passado pela sua formação secundária com atenção, ao menos, mediana se lembra de ter estudado Eça e Camilo. Vasculhava-se "Os Maias" a fundo; estudavam-se as correntes românticas da arte através do "Amor de Perdição". A menos que, por estímulo extra-escolar, se tivesse antes disso tomado contacto com qualquer um deles, é na adolescência, momento propenso a excessos emotivos, que se conhece Carlos da Maia e Maria Eduarda, Simão e Teresa. Como se se tratasse de camadas crescentes de motivada compreensão, é só mais tarde que aprende com eles, mas é então que nos marcam. A partir daí, lê-se e relê-se Eça ou Camilo com gratificada vontade de ler a nossa
boa história e de revisitar a primeira vez que os lemos.
De Lobo Antunes li, em tempos idos, quase tudo o que, na época, já tinha escrito, embalada em parte pela vontade, em parte por simples gregarismo (muita gente lia, na época). A dada altura, apercebi-me de que quase tudo era recorrente: os temas, a forma, os lamentos, as acusações; e pu-lo de parte. Leio-o, agora, de vez em quando, apenas nas suas crónicas. Lembro-me, particularmente, de uma em que descreveu uma visita ao Eugénio de Andrade doente. Egocêntrica, a descrição, da previsão da morte e da dor da morte. Ainda assim, ou por causa disso mesmo, bonita.
Quanto a Saramago: gostei de "O Ano da Morte de Ricardo Reis", li sem desagrado a "Jangada de Pedra". Quando me dispus a ler "A Caverna", não passei das primeiras páginas. Desmotivou-me o tom seco, compassado, falho de pessoalização. Quanto aos dois
ensaios, nem o prefácio lhes li. E Saramago, ele próprio, está longe de ser o mobilizador de mudanças que ele julga ser: a importância que se auto-atribui perturba-lhe fortemente a capacidade de influenciar.
Faltam-lhe "causas", a ambos. Faltam "causas" ao mundo, hoje. Causas colectivas, coesas, agregadas. Situamo-nos, na história, numa espécie de epílogo do pensamento, onde todos os tumultos já se foram, em que as causas já se experimentaram e, por vitória ou por derrota, já se extinguiram. Escreve-se demais sobre a perturbadora ausência de futuro onde se possa situar a crença. O mundo está demasiado inventado.
Além disso, não passava pela cabeça a Eça ou a Camilo, enquanto escreviam, imaginar se as suas obras viriam a ser, enquanto vivos ou depois de falecidos, best-sellers ou trampolins para
Nobéis. Eça e Camilo escreveram sem saber e sem cuidar de saber se outros gostariam do que eles escreveram. Criaram livremente, sem constrangimentos ou apesar deles. Era outro, o contexto histórico: o privado era mais significante do que o público.
Lobo Antunes e Saramago escrevem ostensivamente sobre si, ainda que o assunto lhes seja alheio. Escrevem como quem diz "aqui vai mais uma obra-prima e fui eu que escrevi, eu que, embora ainda esteja vivo, já sei que tenho lugar prometido na história da literatura". Nem Eça nem Camilo algum dia experimentaram, nem sequer longinquamente, a sensação de escrever para massas. E nunca sentiram o "arrepio da fama".
Não me esqueço, porém, de que o passado nos parece sempre mais pacífico - e portanto mais fácil de compreender - do que o que o presente. Se me lembrar, e podendo, volto a falar nisto daqui a umas décadas. Se não for antes.
Os polícias e os ladrões
O Governo anunciou há pouco que vai demitir-se na próxima segunda-feira. Os repórteres já estão a postos junto aos partidos, prontinhos a entrar no ar para todos sabermos as reacções.
Do PS: (o empregado de mesa albicastrense)
O Dr. José Sócrates manda dizer que ainda está a acabar o bacalhau à narcisa e que não quer ser incomodado.
Do PSD: (a empregada de limpeza, levantando os olhos da Lux)
O Dr. Miguel Relvas foi ao Colombo fazer umas compras com a esposa mas disse que ainda vinha por aqui, os senhores esperem um bocadinho que ele desde ontem que anda a dizer que o partido vai fazer um comunicado à imprensa.
Do PP: (o porteiro, que estava a ouvir o relato do Sporting-Braga)
O Dr. Paulo Portas saiu agora de São Bento, ainda está a caminho daqui e esse assunto é só com ele.
Do BE: (Miguel Portas, lúcido, do tipo "nós topamos sempre onde eles querem chegar" enquanto abana a cabeça em tom desaprovador)
Ora, ora. Um golpe de teatro, evidentemente. Não mudou nada, é claro que este governo de gestão já ia ser um governo de gestão. Agora não me ocorre mais nada, mas o Francisco deve estar a chegar e ele tem mais jeito do que eu para estas frases demag... enfim, inteligentes. A Ana Drago até tem um bloquinho
(acabem lá com os risinhos, OK?) onde aponta tudo o que ele diz.
Do PCP: (Jerónimo de Sousa sério, circunspecto, carregadinho de luta sindicalista e exibindo a garra habitual a quem lidera um partido jovem e com irrecusável potencial de crescimento)
É uma clara tentativa de vitimização. Há que redobrar a vigilância democrática para que, durante o governo de gestão, que é só de gestão, nunca é demais recordar, não haja abusos. Com o Eng. Guterres foi uma trapalhada, ainda me lembro. Proletários de todo mundo, uni-vos!
Ao que se sabe, no final do discurso os ministros sairam todos juntos para jantar. Com excepção do próprio Santana Lopes, que se desculpou invocando ter sido convidado para o jantar de apresentação do movimento "Cinha Jardim volta pá Quinta".
Bom, sempre é melhor que discutir o Melo e o Fazenda...
Camilo e Eça. Era preciso discorrer sobre esta parceria de (quase) antagonistas. Seria um bom tema para a blogosfera que gosta de ambos. Eu gosto. Mais de Eça, essa permanente virtude de saltitar.
Viveram no mesmo tempo, separados por vírgulas pequenas.
Não há nem mais um assim. Como eles foram. Os meus netos me corrigirão, se for o caso.
Os outros do seu tempo foram excelentes imitações dos dois. Claro, Antero, o austero e relampejantemente casto Antero, era diferente. Ramalho? Um diletante. Tão de bem com o poder como Eça. Menos brilhante.
Não: Eça, pedindo tenças enquanto emprestava brilho às suas ideias com as palavras, Camilo pedindo paz enquanto raivosamente se cegava, quase só há os dois.
Há, claro, hoje, Lobo Antunes. Mas arrasta muito as palavras enquanto fala e parece que está constantemente hesitante entre a masturbação e a abstinência compulsiva. "Quero orgias, bastas orgias, mas cada vez posso menos isso". Alguém que o ature.
Saramago? Escreve bem, inventou mesmo regras. Um Nobel.
A que horas joga o Sporting?
Camilo e Eça. Quem quer falar sobre esses dois admiráveis cadáveres? Eu aprendo muito e rapidamente.
Caminhando em terreno plano
Umas linhas (as últimas, isto já cansa) sobre o famigerado assunto "Fidel Castro".
1. Eu,
aqui, qualifiquei o João Tunes de panfletário. Na altura, só o fiz com a intenção de o provocar amigavelmente. Agora penso que se calhar é mais assim do que pensava: basta ler
isto para se perceber a opinião épico-narcisista que o João Tunes tem sobre a sua pessoa, sobre o seu passado, sobre as suas lutas.
2. Eu,
aqui, qualifiquei o João Tunes e eu própria de "bloggers anónimos".
João Tunes avança e protesta, indignado. Ele percebeu, ora se não percebeu, que eu queria dizer que nós (eu e ele, ou eu, pelo menos) convivemos aqui na blogosfera com bloggers famosos, com... celebridades. Lamentavelmente ou não, eu também percebi onde ele quis chegar. Bem sabendo que era disso que eu falava, ainda assim aproveitou a deixa para mais um
take sobre o auto-elogio da "
total disclosure". Para o bom do João Tunes, pespegar com o seu nome de baptismo e permitir comentários num blogue constitui a vanguarda da ética comunicacional. Isto é torpe, mas não é por isto, que isto é só engraçado.
3. No que toca, em particular, a Fidel: João Tunes nunca percebeu ou nunca se dispôs a perceber que eu nunca quis convencê-lo de coisa nenhuma. Já ele quis, com todas as armas que possui, convencer a mim e a quem o lê. Como sempre sucede, o fel vem de quem ataca, não de quem falou primeiro. Recordo-me, com um sorriso, da expressão "Está tudo grosso...", com que João Tunes comentou a minha opinião sobre Fidel. E está tudo dito.
4. O João Tunes deixa-se, com frequência, embrenhar num espiral argumentativo tão absorvente que se esquece de um dado fundamental: é que o nosso - parco - conhecimento mútuo se esgota aqui, na blogosfera. Não me interessam, por isso, as suas virtudes, muito menos se descritas por ele próprio. O auto-elogio não abona nada a quem o faz; isso é evidente mas nem sempre presente. Mas o importante, o fundamental, que eu gostaria que o João Tunes não esquecesse, é apenas isto: não nos conhecemos, a não ser daqui e daquilo que escrevemos. Isso impõe os limites, naturais, da contenção sobre... a
disclosure, exactamente!
5. Terminando: olhe a azia. Um dia desses fica a falar sozinho, embora com uma vantagem assinalável: passará a saber, aí com toda a certeza, quem é o autor das tais confusões que o atormentam.
Faço votos de muitos sucessos.
O meu Pai
Fez setenta e dois anos ontem.
Oito de Dezembro, este vai frio.
Brindámos com o vinho generoso do tio Manuel.
Que vai fazer, em breve, se conseguir, oitenta e sete.
Benditos entradotes que nos alumiam o caminho.
Quando temos vista.
Caspas
Fui
ler: a caspa caía na quieta melancolia (azul lelé) dos sorrisos amarelos:
um su!!!
Olhem pedaços:
"Que Soares está entradote, não apenas pelos seus oitenta anos, mas sobretudo porque acha que vai viver o suficiente para vigiar o jovem Sócrates quando este for primeiro ministro dum governo de maioria absoluta do PS".
Eu presumo que lhe chamam entradote (pelos oitenta anos era imbecil que fosse, isso é tão evidente!) sobretudo por se atrever a achar que vai viver mais tempo. Dizer isto é caspa torpe, mas pronto, foi o que disseram. Ou publicaram. É que do resto, goste-se ou não, não há a menor dúvida. Mas enfim, entende-se: o PP cuida-se, desde que lhe disseram "vinde cá, então, gosmas!", indispensável à governação. Eu conheci um tonto que se julgava o príncipe Carlos, enfim, o PP tem ideia que é uma espécie de Zahovic: indispensável ao Benfica. É lá com ele. Com o Zahovic.
"Que o retrato do país é a festa de anos de Mário Soares e o interrogatório a Pinto da Costa, sobretudo porque estavam lá populares
".
Esta entende-se mal, porque se depreende que os "populares" dão uma má imagem do país. Isso toda a gente sabe, excepto os populares, mas não esperava uma tão severa auto-crítica: que diabo, arruinam assim, levianamente, a reputação da outra metade da razão de ser do Caldas!?
A outra metade é o partido, esse quebrado....
"Que dizer gajo cinco vezes na mesma entrevista não é finesse. Se fossem só três ou quatro vezes, escapava. Assim, logo cinco, desculpem, não é finesse. É por isto que o país não vai para a frente!".
Isto é digno dum tonto. É caspa grossa.
"Que Mário Soares é uma alimária porque insiste em provocar não sei quem (que, pelos vistos, se sente assaz provocado),
em lugar de mudar de ideias. Que só os burros não mudam de ideias."
Dá vontade de dizer "olhe, minha cara leitora identificada - isto é
buédabem, as ideias valem pela identificação de quem as babuja, pelos vistos - mude lá de ideias à minha frente que é para eu ficar sossegado com a sua
inteligente versatilidade histórica. Isso é um lugar tão comum que até você já vem de lá, certo?
Isto é muito engraçado.
Muito mesmo.
Comentário desportivo pequenino
São doze equipas. ABC-A, ABC-B, Francisco de Holanda-A, Francisco de Holanda-B, Fafe-A, Fafe-B, Fermentões-A, Fermentões-B, Callidas, Ancorensis, Ronfe e... ADG.
O Zé Pedro joga na ADG, que é a única equipa trasmontana no campeonato inter-regional de iniciados de andebol. Não há equipas para se fazer um campeonato, no distrito de Vila Real. É por isso, triste e pobre terra a nossa. Não se pode fazer um campeonato só com o Flaviense, pois não?
A solitária, orgulhosa e pobre ADG compete dignamente com os seus confrades minhotos. Sou disso testemunha. A ADG perde e ganha jogos com as outras equipas. À 12ª jornada, primeira da segunda volta, ganhou 5 jogos e perdeu 7. Sou amigo do treinador mas não lhe dou as tácticas, sei lá eu disso. O mérito é todo deles, sou só pai e adepto.
Hoje, a ADG ganhou ao Francisco de Holanda-B por 27-21. O Desportivo Francisco de Holanda, de Guimarães, é um clube tradicionalmente forte no andebol. Em seniores, faz parte da Divisão de Elite, como o Fafe e o Fermentões. E o Sporting, o Benfica, O S. Bernardo. O ABC, que ficou na Liga, é uma potência nacional, também. Toda a gente sabe.
O que me enche de orgulho é o seguinte: se, nos jogos que faltam, a ADG ganhar às equipas B dos grandes clubes (e hoje ganhou ao Xico de Holanda, bom prenúncio), ao Ronfe fora, ao Ancorensis e ao Callidas em casa... e ao Fermentões-A em casa (fora perdemos por 3 golos, sonhar é possível), a ADG, associação de meritórios carolas que fazem mais pela Associação de Andebol de Vila Real que toda a sua hierarquia (árbitros incluídos), a ADG pode conseguir qualificar-se para o Campeonato Nacional.
Isto significaria derrotas consecutivas, evidentemente. Mas seria muito bonito. E mesmo justo.
O telejornal é vermelho.
Ontem, o telejornal começou assim que acabou o jogo - mal deu para se ver o Mourinho a fazer a única coisa que o faria sair airosamente de uma das suas raras derrotas. E não me refiro ao jogo, nada disso, refiro-me à soberba com que vinha divinamente convicto de que, no Dragão, eram favas contadas. Confesso que andava há umas semanas a sonhar acordada com a possibilidade de ver, no final do jogo de ontem, o Mourinho a sair cabisbaixo, de dentinhos cerrados a murmurar impropérios ao Porto. Bem sei que isto é hooliganismo do mais genuíno, mas não passa de mera sintomatologia e passa depressa.
Falava eu do telejornal, que começou quase logo a seguir ao apito do árbitro. Nada de flash-interview. O alinhamento omitiu o jogo até ao fim: abriu com o interrogatório ao Pinto da Costa, continuou com a lamacenta política nacional, passou pela Ucrânia e pelos fait-divers correntes, tornou ao Pinto da Costa e só depois, no fim, tornou ao jogo que tinha acabado de transmitir. Em directo, note-se. No ano passado, o país deprimia sempre que o Porto ganhava; este ano, prefere-se arejar o pensamento com coisas menos deprimentes, como sejam a tomada de consciência de que SL ainda é o Primeiro-Ministro (e nem sequer é, ainda, demissionário). O telejornal do regime satisfaz as maiorias. Não são uns milhões, espalhados pelo país e pelo mundo? Pois.
Meu irmão:
A questão das idades pouco importa e ambos sabemos isso. O que importa, e tu também o sabes, é o que vamos fazendo todos os dias. A tarde passada ao sol a conversar, o abraço depois de me dares boas notícias (do nascimento dos meus filhos...), o festejar do campeonato ganho pelo Sporting com o Zé Pedro aos saltos agarrado a ti, o vibrar dos jogos da Selecção ao telefone, o fim de ano alegre que quase sempre passamos juntos, o aperto de mão com que nos despedimos quando estamos juntos... Isso sim é importante e destroi qualquer diferença de idades tornando-nos cada vez mais jovens.
Tempos felizes.
Um abraço para ti mano!
O que terão Cuba e o teatro de revista em comum?
Boa malha,
João Tunes! A analogia aplica-se na perfeição, pelo menos para quem o acompanha na tese da malvadez congénita castrense. Mas eu mantenho: Fidel não há-de ser, acredito eu, assim tão
mau ditador como o pintam. Nem o João Tunes tão panfletário como quer parecer. Nem eu tão teimosa como aparento. Ou o inverso. Feliz ou infelizmente, ambos somos bloggers anónimos (eu, pelo menos, asseguro que sim) e nunca despertaremos nem os ódios civilizacionais que Fidel desperta. Se partíssemos uma perna (vade rectro!) numa queda ninguém se lembraria de nós, por muito fastio que isso nos desse. A não ser os nossos, os do
remanso do lar, que nos acompanham sempre e que confiam em nós, mesmo sem ver. Esses mesmo.
Meu irmão mais novo:
Já passou o dia mas não faz mal. Fazes sempre
menos dez, rapaz do kaneko, sempre
menos dez que eu. Todos os dias.
Há uma ordem natural nas coisas que eu espero que seja respeitada. Sempre, até se apagar de vez a luz do sempre.
Eu sei que isto é discutível e rançoso de piegas, mas que se discuta isto - e tudo - durante muito, muito tempo.
Tempos felizes.
Um abraço.
Uma nota ao Alonso...
... sobre a Celeste Cardona e sobre o Nobre Guedes.
Não interessa aqui esmiuçar o curriculum da senhora. É jurista conceituada na área do direito tributário, eu sei disso. A questão é que ela não se tornou administradora da CGD por causa da sua carreira profissional, mas antes pela sua carreira política. Curta, aliás. E desastrosa. Mais curta do que desastrosa, felizmente.
Quanto a Nobre Guedes, Alonso, nada disso, nada disso. Nem as ligações dele ao ambiente o foram como advogado nem são (apenas) com empresas privadas. Eu um dia desses conto-te (se é que não sabes).
E sabes, isto sabes, tão bem como eu (sabes, pois) que aquele que
é o melhor líder partidário do momento, a miss Portugal da política nacional, o queria propor como Ministro da Justiça ao SL. Não o pôde fazer, porém: a Celeste e o Nobre Guedes não se gramam e ela tinha acabado de sair, e pela porta pequena.
O artista português (palavras para quê?) não podia, pois, afrontá-la. A Nobre Guedes coube, assim, o Ambiente, embora inicialmente sem poiso - o Ministro Beatle chegou primeiro e, à FEC-ML, ocupou as instalações.
Alonso: tu bem podias ter pegado nos temas "CDS-PP" e, deixa ver...
Sendero Luminoso para te lançares no projecto "Evidências (2)". Esse sim, seria interessante...
A questão coimbrã
Foi dia de cansaços, mas amanhã é feriado. E tenho, ainda antes de dar os parabéns ao aniversariante de hoje (o meu irmão stkaneko, evidentemente, que a Lolita já se lembrou do outro festejado mais idoso) de dar satisfações a dois licenciados em Coimbra. Eles merecem.
1 - O
boticário poveiro enervou-se comigo por causa da Académica. Logo ele, logo por causa da Académica!
Eu exagerei, evidentemente, Mário! Foi um esguicho, sem dúvida nenhuma. Como aqueles que tu emites quando pespegas aí no teu blogue umas indecentes fórmulas de compostos tóxicos, a ver se nos humilhas, a nós, pobres curandeiros! Tungas, escusavas disto!
Além disso, não era contigo: tu não és daqueles cromos que se sentem divididos entre dois clubes, entre dois "sins", daqueles que ficam sempre contentes seja qual for o pequeno sim que lhes tocar. Como reparaste, o esguicho veio tocado a vento desse outro lado em que te não revejo, do lado dos
"tanto me faz como me fez, estou sempre contentinho". Quem te vai conhecendo o mau feitio sabe que tu não és dado a esse tipo de idiossincrasias.
Não,
torpe poveiro, não era nada contigo, guarda lá a espingarda de canos serrados para quando voltares a cismar que não receito genéricos (que é uma cisma que te perpassa pela mente sempre que o Sporting ganha; ou seja, frequentemente).
E parabéns pelo Porto, estava a ver que tínhamos de vos gramar na UEFA!
Um abraço.
2 - O
alonso, que também se licenciou em Coimbra, não liga ao futebol. Mas gosta de jogos de estratégia e de política (e, segundo afirma a lolita, tem um
fetiche chocante com regimes comunistas... eu isto não confirmo nem desminto, que não sei).
O que sei é que o Alonso se dedicou a tentar provar que dá no mesmo comparar qualquer dupla, desde que um dos elementos da dita dupla seja um ditador e o outro um político qualquer de que não se goste, seja por que motivo for. Nada mais errado.
Eu tento explicar.
Para começar, o que estava em questão era desmontar a mãe de todas as cabalas ( a chamada "cabalona"), que é
discutir coisas diferentes na mesma discussão, como se não fossem discussões diferentes. Dizer que
fulano é coerente é uma afirmação, uma opinião discutível. Mas discutível na essência, atenção! Ouvir como resposta à malfadada afirmação um comentário do tipo
tá bem, tá bem, mas ele é um ditador impenitente e sacana! é uma tristeza desgraçada, um diálogo de surdos. Corresponde mais ou menos a isto:
- Eu gosto de cães porque acho que são leais.
- Eu gosto mais de gatos porque, às vezes, os cães mordem.
Bolas, que coisa: para começar e acabar logo a seguir, um cão até pode morder porque é leal. Não basta?
Bom.
Quanto ao teu jogo das duplas, alonso, devo dizer que nenhuma dupla
"ditador/um político qualquer" funciona tão bem como a dupla
"um ditador qualquer/Portas" . Isto, por muito que te custe. O Portas é insubstituível quando se querem exemplificar misérias humanas. Devia ser conservado naquele museu da ciência onde se guardam as unidades-padrão, emoldurado em caixilho
azul lelé, subjazendo a um letreiro amarelado onde se leria, em letras progressistas: "
unidade-padrão Caius Detritus, este senhor".
Um abraço.
Oitenta anos é obra.
É notável, a longevidade da actividade política de Mário Soares. É digna de admiração, também, a forma marcante como se tornou um histórico nacional. Lutou incansavelmente pela democracia, fez desta luta a sua missão na causa pública. Participou, de forma insubstituível, no ressurgimento, ainda que brando,
helás!, dos portugueses para o mundo.
Há, de facto, várias razões para que Mário Soares se integre no reduzido grupo de personalidades (com Soares, só me lembro de mais três) que, desde há trinta anos e à custa tanto de erros inesquecíveis como de passos longos, serviram de base tutelar aos itinerários da política. Mas é cedo para ensaios de reabilitação histórica, até porque as pessoas e as figuras políticas nos parecem sempre mais virtuosas quando estão do lado oposto a quem comete os erros. Para já, admiremo-lo por todo o seu curriculum de algumas grandes obras, sem contudo esquecer outras tantas asneiras. Nem do seu culto da arte do lobbying (lobbying topo de gama, bem entendido).
Mário Soares é, hoje, um notável do Ocidente. E, felizmente para ele, suspeito que, depois de tudo, os amigos que lhe ficaram são os que já não precisam dele para coisa nenhuma. E vice-versa.
Evidências(2)
Passando de novo antes de me render por hoje, vi uma evidência em que nunca tinha pensado. E resolvi fazer com ela um exercicio. Encontrar outra evidência. Parece-me um excelente método de achar evidências, este. Vejamos (com a devida vénia ao autor da evidência original):
Lembrei-me de comparar Pinochet com Zapatero.
Por quê? Porque podemos comparar o que quisermos, ora. E comprar o que desejarmos, claro. Bom, comprar é mais o que pudermos que o que quisermos, mas o querer interfere sempre. Isto é engraçado: não compro tudo o que quero mas é raro comprar o que não quero.
Evidentemente que só compro o que posso, mas isso é outra conversa. É como dizer que "Pinochet é coerente", elogiarmos-lhe a coerência e responderem-nos que "Pinochet é tenebroso", sem lhe beliscarem nem de leve a coerência. Pode ser-se tenebroso e coerente? Vamos perguntar ao senhor das trevas, talvez... "Ó diabo! Tu és coerentemente diabólico?". "Nem te respondo! Anda cá que já te acendo!".
É outra conversa, pois.
Por falar em senhor das trevas, dediquemo-nos ao Zapatero, em versão comparativa.
Vejamos:
"Pinochet é um ditador. Zapatero, não".
Pensando melhor, há evidências que não são comparáveis. Fica melhor assim, sem comparações, duas frases avulsas.
"Pinochet é um ditador".
"Zapatero, não!".
Véspera de prazo de contestação é dia de panfletos pequeninos, antecâmara de sonos mal dormidos.
Lolita: se azulas mais o céu vem-te aí um Verão que nem a natureza te agradece. Eu sim, que gosto de sol e de calor. O besugo também, embora seja capaz de afirmar o contrário pelo torpe (e duriense!) prazer de me negar na mais cristalina das minhas evidências.
PS - Fim do exercício. Experimentando com vários nomes de ditadores e de líderes partidários em regimes democráticos de que não gostemos, o resultado fica sempre bonito. Não faz muito sentido, mas fica bonito.
Evidências
Lembrei-me de comparar Fidel com Portas.
Por quê? Porque podemos comparar o que quisermos, ora. E comprar o que desejarmos, claro. Bom, comprar é mais o que pudermos que o que quisermos, mas o querer interfere sempre. Isto é engraçado: não compro tudo o que quero mas é raro comprar o que não quero.
Evidentemente que só compro o que posso, mas isso é outra conversa. É como dizer que "Fidel é coerente", elogiarmos-lhe a coerência e responderem-nos que "Fidel é tenebroso", sem lhe beliscarem nem de leve a coerência. Pode ser-se tenebroso e coerente? Vamos perguntar ao senhor das trevas, talvez... "Ó diabo! Tu és coerentemente diabólico?". "Nem te respondo! Anda cá que já te acendo!".
É outra conversa, pois.
Por falar em senhor das trevas, dediquemo-nos ao Portas, em versão comparativa.
Vejamos:
"Fidel é um ditador. Portas, não".
Pensando melhor, há evidências que não são comparáveis. Fica melhor assim, sem comparações, duas frases avulsas.
"Fidel é um ditador".
"Portas, não!".
Véspera de urgência é dia de panfletos pequeninos, antecâmara de sonos mal dormidos.
Lolita: se azulas mais o céu vem-te aí um Verão que nem a natureza te agradece. Eu sim, que gosto de sol e de calor. O Alonso também, embora seja capaz de afirmar o contrário pelo torpe (e beirão!) prazer de me negar na mais cristalina das minhas evidências.
Campeonatos
Vai um campeonato maluco. Para começar, o Sporting ainda não vai à frente. Pouco falta, é verdade, mas enerva-me esta passividade leonina, esta espécie de "já lá vamos, mas há-de ser devagarinho".
O José Peseiro é um homem irritantemente competente. Consegue tornar difícil o que é fácil, apenas para proporcionar à equipa que treina cada vez maior capacidade de lutar contra a adversidade. Se as chatices não vêm do adversário ele, que é um estratega nato, cria-as.
Ontem fez tudo para apresentar problemas novos aos seus jogadores (e aos adeptos) e posso afirmar que teve sucesso: ganhou o jogo, fez aumentar o léxico vernáculo dos meus filhos (nunca tinham ouvido chamar "alheira" a ninguém) e ofereceu-nos a expulsão de Tinga, o que nesta fase é óptimo, partindo do princípio que Rochemback aproveitará a gripe para perder os dezoito quilos que tem a mais e para começar a jogar à bola. Isto, deu ele grátis aos adeptos. Isto e o amarelo letal ao Custódio. Aos jogadores propriamente ditos, forneceu-lhes um teste decisivo, já não é a primeira vez:
"OK, estamos a ganhar 2-0 à Académica. Agora vão lá para dentro e façam de conta que estamos a ganhar ao Arsenal e borrados de medo. Só para ver...".
E ia-se vendo
.
Fantástica pessoa, este coruchense. Um Hitchcock da bola.
Hoje, Karadas teve uma crise epiléptica na área do Estoril. Não tem tomado a
Hidantina, o norueguês. O personalizado Simão marcou o penalty que dali desabrochou e o Benfica, a jogar com 10 por expulsão do talentoso Manuel Fernandes (o juiz entendeu manter Zahovic para não beneficiar demais os encarnados, como sucederia se tivesse mandando o esloveno fazer as suas abluções mais cedo), o Benfica, dizia eu, lá ganhou.
Isto é bom para toda a gente, até para Peseiro. Embora tenha ar de quem se assusta com uma osga, o homem vem-se revelando amante de
thrillers. Eu percebo-o, no seu raciocínio algo ribatejano:
"Ultrapassamos ambos na próxima jornada, rapazes!".
Para isso era preciso que o Belenenses fizesse o que raramente faz: conseguir jogar com os lampiões sem parecer uma equipa de alternadeiras com os membros inferiores arqueados.
Não falei do Beto. Nem falo. Nem do Polga, no banco. Nem falo.
Note-se que o verbo falar não tem culpa do seu presente do indicativo.
Isto indica cultura e versatilidade. O que é típico de campeões.
Mimos ....
... é o que eu recebo de cada vez que venho a este blogue temperar com algum bom senso e verdades como punhos o que por aqui vou lendo.
o besugo chama-me torpe beirão e diz que eu escrevo o que escrevo porque gosto de o arreliar.
(confirmo tudo, mas não me considero beirão).
A lolita evita qualificar-me, mas lá vai deixando subentendido que eu só escrevi disparates, sabendo que o eram e conseguindo fazê-lo sem me rir.
(confirmo ser capaz de fazer isso, só para arreliar o besugo)
Mas afinal que disse eu capaz de provocar tais afirmações? Isto:
1ª afirmação polémica - o Portas é o melhor líder partidário neste momento.
Ok, parece que não concordam comigo ... então quem será?
- O Sócrates? Acham mesmo? Porquê?
- O Santana? Será este? Surpreender-me-ia que achassem.
- O Jerónimo de Sousa? Só se for melhor na dança ...
- O Louçã? Eu sei que este vos deve ser mais querido, mas ... custa-me a crer.
Na verdade, confesso-me incapaz de adivinhar quem é que consideram melhor líder partidário do que o Portas. Esclareçam-me e, s.f.f., sem muita conversa. Basta que digam: "Eu acho que é o .............., porque ........"
2ª afirmação polémica - O PP não só não pertence ao centrão (o que é evidente e ninguém contestou) como é feito essencialmente de pessoas que não dependem dele nem do Estado.
A este propósito a lolita, além de escrever não sei bem o quê sobre a Atlântida, falou na Celeste Cardona e no L.N.Guedes.
E eu pergunto: São esses dois representativos de quem pertence ao CDS ou, pelo menos, é seu votante? Serem representativos será dizer muito, mas que se enquadram no que eu referi, não tenho dúvidas.
Por isto: Quer um, quer outro, militaram e deram a cara cerca de 20 anos por um partido sem acesso ao poder ou, sequer, a migalhas dele. E construíram o seu indiscutível sucesso profissional (porque são profissionalmente respeitados, como tu lolita provavelmente sabes) sem cargos nem comendas públicas.
A propósito da Celeste Cardona - e porque sei que subjaz à tua questão o facto de ela ter assumido um lugar de administradora na CGD - recordo um momento de particular franqueza de já-não-sei-quem do PS entrevistado a propósito disso. À "pergunta" de um jornalista formulada sensivelmente nestes termos "seria por exemplo impensável que um Banco privado convidasse a Dra. Celeste cardona para a sua administração, não era?", o homem teve o bom senso de responder: "Não seria impensável, porque a Dra. Celeste Cardona é uma pessoa de reconhecido mérito como advogada e como docente universitária, quer no direito público, quer no direito privado. Mas a forma como esta nomeação se processou é que não é transparente e a CGD não é um banco privado". A pergunta a seguir deveria ter sido "mas então como é que o processo de nomeação poderia ser transparente?". Mas não foi feita, o que me deixou pouco esclarecido.
A propósito do Nobre Guedes e das suas supostas ligações "perigosas ad nauseam" com o ambiente, resta dizer que - ao que sei - tais ligações são como Advogado e com empresas privadas. Ou seja, nada que ver com o Estado, mais uma vez. E até é curioso como ele foi acusado de uma coisa e do seu contrário, quando assumiu a pasta (de não saber nada de ambiente; e de saber). Recado ao mundo: se for advogado e quiser ir para o governo, escolha uma pasta de que não tem qualquer experiência no plano profissional. Será incompetente como ministro, mas ao menos não será acusado - ad nauseam - de conhecer o sector porque já patrocinou interesses no mesmo.
Enfim ...
Uma palavra final para falar do Fidel e da estima que por ele nutre a lolita. Eu, por mim, já percebi. É uma questão de anti-americanismo primário.
Eu já fui também anti-qualquer-coisa primário (anti-comunista, mas tenho que escrever isto entre parentesis, senão a lolita diz que é fetiche meu) e sei como é difícil, por vezes, não simpatizarmos com todos aqueles que se opõem ao nosso ódio de estimação.
Os americanos, aliás, cairam nessa tentação várias vezes. Por exemplo, apoiaram o Pinochet e tantos outros basicamente porque eles impediam que os respectivos países resvalassem para o campo de influência do seu inimigo global. Foi uma política cínica, mas foi a que foi. E, para todos os efeitos, nem foi mal sucedida de todo (no que aos interesses dos EUA respeitou, claro)
Para terminar:
Este tema lembrou-me um jogo de computador de há muitos, muitos anos (ainda era a preto e branco e tudo). Chamava-se "Hidden Agenda", e retratava o dia a dia do presidente do governo de um país sul americano à beira do colapso. Esse presidente tinha por missão organizar eleições e governar até esse dia. Na "Agenda" incluiam-se: reuniões com os lideres sindicais (comunistas), com os elementos de uma guerrilha (comunista), com os fazendeiros (latifundiários) e com o exército (muito ligado aos anteriores). Também, reuniões regulares com os embaixadores da URSS e dos EUA (sempre a oferecerem ajuda, económica e militar, para assegurar a "independência" do país).
Nunca consegui chegar a eleições. Ou havia uma revolução comunista (com o apoio da URSS) e eu era morto, ou o exército sublevava-se (com o apoio dos EUA) e eu era morto.
Moral da história: Se se fosse político e se se quisesse ter sucesso num país sul-americano (no tempo da guerra fria) havia que escolher que tipo de ditadura implementar. Ou morrer a tentar organizar eleições.
Quer o Fidel,quer o Pinochet, escolheram. E, bem vistas as coisas, o Pinochet saiu-se melhor. O Chile também. E hoje não há chilenos que queiram ser cubanos. A não ser que sejam doidos, claro está.
Fidel et al.
Fastidioso? Pois.
Já escrevi em três ocasiões diferentes sobre o mesmo tema. Amigos
JPT e
João Tunes, cá vamos nós!
Leio, no
Água Lisa:
Não se pode estimar um ditador e ser-se contra as ditaduras. Uma afirmação com consistência e lógica semelhantes à de uma caucasiana a declarar "apaixonei-me por um nativo da Guiné Conacri, mas sou racista".
Ainda no
Água Lisa:
O problema cubano é a ditadura que oprime os cubanos. O ditador é o infra-problema. Decisivo, como é próprio das ditaduras. Meu caro: deixe-me tentar perceber a sua lógica dedutiva circular. O problema cubano é a ditadura que oprime os cubanos, certo. O ditador é um infra-problema, mas decisivo, como é próprio das ditaduras. O seu problema, João Tunes, é, portanto, o da ditadura cubana. O meu não é nenhum. Deixe-me explicar, antes que me arregale outra vez os olhos de espanto: o meu problema, o assunto em questão, não era a ditadura cubana. Era o
homem Fidel. Quanto a si, vejo que alimenta ódios. Ódios civilizacionais, digamos. Ainda bem que já sei que não gosta das ciências ocultas, João Tunes; assim você já não me parece esotérico.
Quanto ao suplemento do
JPT: lamento (eu também lamento, como se vê) que se tenha enredado irremediavelmente na meta-discussão, agora generalizada, ponto por ponto. A discussão sobre a discussão. Não lhe vi, na sua adenda, qualquer proposta de discussão de ideias, só vi amargo e orgulhoso capricho de ter razão a qualquer custo. A blogosfera é vaidosa, todos sabemos; mas ninguém quer, julgo eu, transformá-la numa fogueira das vaidades.
Desista desse tom acintoso. Deixe de circular em torno de velhos argumentos de onde não se evolui para coisa nenhuma a não ser para alimentar auto-estimas. Parece-lhe que isto é um conselho? Nada disso. O meu espelho, aquele que você diz saber que eu tenho, aconselhou-me a não me defender se não me sinto atacada. E não sinto, de facto. O que vejo, isso sim, é que para si é fundamental defender-se, mesmo quando ninguém o atacou e mesmo que, para tal, seja forçoso atacar. Veja lá onde foi parar a tal desfaçatez. Aí mesmo, desse lado.
Eu falei em Fidel, não discuti vaidades. Nem as vossas, nem as minhas. Querem saber mais? Leiam outra vez o que escrevi, se tiverem paciência e vontade.
A beleza importa?
Conforme se viu do dicionário besuguense, a Ucrânia é um país carismático. Já repararam nas faces de Iuschenko? Têm sulcos, parecidos com os do Zé Pedro dos Xutos e Pontapés, como os de Willem Dafoe, como os de Mickey Rourke depois da cirurgia estética, o vaidosão. O provável fundador da
metrossexuality.
Bom, Iuschenko tem as faces sulcadas, como as que ficam depois das bexigas, e afirma ter sido alvo de um atentado (químico?) dos seus opositores, os pró-Ianukovitch. E tinha, de facto, um aspecto jovem há pouco tempo atrás, eu vi as fotos.
É ou não é um país carismático, a Ucrânia? Até nos métodos. Um adversário feio é um adversário derrotado. Ianukovitch não é bonito, é certo, mas é bem apessoado. Não se sabe, porém, se já recorreu ao lifting facial.