blog caliente.

13.12.04

Histórias de ditadura

O maior mérito (ou o único, se calhar) de "A Casa dos Espíritos" que a sobrinha de Salvador Allende escreveu respeita justamente à crueza realista com que se descreve o golpe de estado conduzido pelo Comandante-em-Chefe daquele e que erradicou, para sempre, a "suave revolução socialista" chilena. Pinochet foi um despudurado intermediário de interesses económicos americanos, instalados ou a instalar no Chile. Circunstância, fundamental, à luz da qual se tem de perceber a barbárie das mortes, dos sequestros e dos torturas que, organizadamente, sancionou e ordenou aos opositores. Um ditador como Pinochet, hipotecado a interesses estrangeiros em troca do bem estar dos seus conterrâneos, é um criminoso político sem perdão. Suficientemente distante daqueles ditadores que se dedicam, teimosamente, a cumprir um sonho que constitui justamente no oposto disto - erradicar o parasitismo, vender apenas pelo preço justo. Pela força, talvez, e sem que o sonho se cumpra, seguramente. Mas a diferença fundamental é límpida.

Não há boas intenções que mereçam perdão quando se inquinam, mas algumas, as que começam por sonhos, são bastante mais legítimas. Pinochet, que vendeu o seu próprio país a interesses injustificáveis, não merece mais perdão do que um criminoso de delito comum. A questão é que a dimensão das vítimas é maior do que os chilenos todos: é a da memória de toda a nação chilena.

View blog authority