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22.12.04

Espelhos

Gosto do Natal. De festas de passagem de ano. De aniversários. Com família, com amigos, eu ali também. Eu sei que aquilo depois acaba mas, enquanto dura, gosto.

Sei que o meu Natal, o Natal da maior parte das pessoas, não é todos os dias. Muito menos quando um Homem quiser. Dizer isto é bacoco, são dois chavões que só fazem sentido durante os três minutos que dura uma cançoneta alusiva, daquelas que se vendem bem. O Homem encarrega-se de o desmentir sempre que pode, todos os dias. Ou seja, quase sempre.

Tenho razão. Basta dizer que "todos os dias", ou seja, "sempre", é, quase sempre (desculpem a repetição, mas há preposições que predispoem ao eco), uma chatice do caraças. Ninguém gosta do mesmo todos os dias. Nem sequer gostamos dos dias todos: é parvo afirmarmos que temos de gostar dos dias todos, até porque muitos dias, dias demais, são autênticos cilícios, não passam dum projecto de esquecimento.

O meu Natal, o Natal da maioria das pessoas que o celebram, é um esbracejar de afogado que se adia na calma dum boiar de descanso, uma trégua bonançosa em mar revolto. Uma pausa de reunião, em lugar de ser uma pausa apressada na "sucessão de reuniões de todos os dias". Nas reuniões de todos os dias não há Natal nenhum. Detestamos pelo menos metade das pessoas com quem nos reunimos, nutrindo incómoda indiferença por quase toda a outra metade. Não é verdade? No Natal não.

O Natal é uma das datas que nos recordam os ciclos do tempo. O tempo é circular, o tempo são voltas e voltas à volta do mesmo, não é uma linha com princípio meio e fim: o nosso tempo é um cilindro, não é uma linha, é um cilindro, um rolo compressor com rodelas de bem estar, ali pelo meio. Rodelas que nos reaproximam de nós e dos outros, se deixarmos.
Precisamos de marcos, de marcas, cada vez mais, para balizar o nosso tempo com alguns pingos de felicidade.

O que é a felicidade? Não sei, mas cuido que não deve ser uma doença. Nunca a vi descrita em nenhum dos meus compêndios.
Mas deve ser uma coisa pequenina e boa que fica bem na cara dos outros. A cara dos outros é o nosso melhor e mais inquebrável espelho.

Feliz Natal e Boa Felicidade. Espalhem por aí alguns pingos dela para ver se ficam ainda mais bonitos no espelho.

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