Pensando em simetrias
Não sei ao certo a razão que levou os populares a vaiar o Rui Rio nas suas visitas de compasso aos bairros sociais do Porto. Provavelmente, muito provavelmente, tudo não passa de mais uma expressão inconsequente da populaça, que só se faz ouvir sempre que se depara com uma oportunidade para reconstituir um auto de fé, ainda que improvisado e que, por isso mesmo, nunca é ouvida e é sempre desconsiderada, excepto no momento crucial do nobre exercício do direito ao voto, de que a populaça pouco ou nada sabe porque é que é nobre ou porque é que é cívico.
Rui Rio há-de ter passado um mau bocado, que isto não é normal neste país. Nem tolerável em lado nenhum, que a populaça, naqueles preparos, é feia em qualquer país do mundo. Ninguém lhe viu, contudo, a expressão da indignação, justa, perante a barbárie da antítese da liberdade de expressão. O que se viu foi um político em campanha. Aproveitou, como pôde e até esgotar o tempo de antena, todo o evento contra a oposição (que, de resto, nem parece beliscá-lo, ao que rezam as sondagens) e quase parecia satisfeito com este insólito que, apesar de difícil de engolir, lhe pode trazer vantagens estratégico-eleitorais. Insinuou sem pudor, sem classe e, pior do que isso, sem sensatez. No mesmo limiar (baixo) da (i)moralidade da populaça que o vaiou e que, sem nobreza e sem civismo, lhe serviu, afinal, de espelho.
Balneário (espécie de sítio para nudezes fugazes)
O Liedson não joga amanhã, contra os suecos. Porque vociferou, ao ser substituído no jogo com o Setúbal, contra o treinador. Há quem me garanta que tirá-lo da equipa é uma estupidez, que deveria ser-lhe aplicada, ao invés, uma multa, uma sanção pecuniária, "que é no pecúnio que lhes dói".
Não concordo: se vociferou (depende sempre de Peseiro ter querido ver o seu vociferar ou não, parece que viu, que quis ver, portanto viu, nada a acrescentar) não joga. Isto é simples.
Não é no pecúnio que dói mais, mesmo entre "Liedsons". É na "dispensa de serviços". Comigo seria, pelo menos.
Acho bem que não jogue, nem que sejamos eliminados e se possa argumentar, depois, que foi pela sua falta em campo que perdemos. Entendem? Espero que sim, que entendam, até ele (o Liedson) entenderá, se não for mais burro do que parece: Peseiro pode ser criticado e achincalhado visto daqui. Dali de baixo, pelo Liedson, não.
Além disso, foi o "cromo" do Liedson que falhou o penalty defendido pelo guarda-redes mais "esquisito" de Portugal, o Tábuas. Eu sei, um penalty falha qualquer um, mas qualquer um deve remeter-se à humildade mais silenciosa que puder, depois de semelhante falhanço.
Em resumo: eu não orientaria o Sporting como Peseiro orienta, mas Peseiro também não trataria dum edema do pulmão como eu trato.
Na dúvida, não joga. Acho bem. Mais duas de Lasix, senhor Peseiro?
Ground control to major Tom
Caro Rodrigo Adão da Fonseca: acabo de ler o seu
irado manifesto contra "
um tal de Paulo Querido" (olhe o "de" a mais, que o "de" não se usa aqui no português de Portugal; isso é influência do multiculturalismo liberal?) e admirei-me. Admirei-o, também. Há notória coragem, na sua atitude temerária de auto-proclamação. Eu li-o com toda a boa vontade de que me pude munir e descobri, afinal, nas suas palavras excessivas, um manifesto marcadamente liberal, livre de qualquer tipo de autoritarismo, indutor e promotor da mais límpida liberdade de expressão. Todos os artefactos (sitemeter, links em abundância, comentadores residentes, comentadores eventuais, spam, clubes de fãs e mesmo os comentadores que não comentam, porque o silêncio também é significante) comprovam a evidência incontornável: vós sois um blogue de referência. A prova decisiva, se preciso fosse, dessa imensa notoriedade são os satélites. Para quem ainda não sabia, há, efectivamente, quem gravite em torno do sol. E não são só planetas.
Nós, aqui da terra, saudámo-lo, ó Rá...F.
P.S. Deixei-lhe um link (mais um) lá em cima, para pôr no mealheiro.
Ordinary people
Ordinary é uma palavra traiçoeira, quando vertida.
Não quer dizer "ordinária/o", não quer dizer "vulgar". Quer dizer todo um presente do indicativo do verbo "eu". É um verbo, "eu". É como "nós", "nós" é um verbo. Pelo menos conjuga-se. Vamo-lo conjugando conforme podemos.
Não.
Ordinary também não quer dizer "vulgar".
É engraçado. Nós, portugueses, cismamos que a palavra "saudade" é só nossa, da lusofonia, da luso-alma. E não é. Os franceses têm o "chagrin", que é a nossa saudade, mais coisa menos coisa. E há mais exemplos, mas não tenho tempo agora.
Ordinary é uma espécie de saudade, do ponto de vista do dicionário: dá para tudo, mas não pode dar para achincalhar com sinónimos rápidos.
A lolita escreveu sobre o sistema métrico do sofrimento, quase desiludidamente. E definiu a unidade de medida: somos nós, no fundo. Por isso escreveu naquele tom desiludido de quem quereria, sempre, um sofrimento grandioso. Significativo de si, de nós, isto.
Não é possível, é empresa demasiado escarpada, um monte grande. E a lolita, que é uma mulher de carácter, sabe muito bem que o sofrimento é banal, é "ordinary". As pessoas que sofrem é que não. E por isso é que
ordinary, aplicado a pessoas, não quer dizer senão ... saudade.
Sort of. E aplicado a tudo o resto pode ser "vulgar", mesmo.
Se a lolita, que conheço bem, pensar nas pessoas que sofrem e que ela conhece (e ela conhece as pessoas e o seu sofrimento) verá que se encontra muito mais bem rodeada, no seu dia-a-dia, do que ela cuida estar. E, acima de tudo, muito mais "cuidadora" do que se cuida.
Mas isto é ela a querer mimos. E merece-os, que ela tende sempre a medir-se por baixo (o Porto perdeu, e tal... aligeiremos...), querida amiga tontinha, inteligente e íntegra como mais ninguém.
Memórias
É incómodo viver diariamente, várias horas por dia, com gente regular, que não sofre pelo menos à vista, mas que estou convencida que não sofre, porque mesmo quando tem de sofrer sofre apenas a sua miséria, tornando-a mais pequena do que deveria ser; que não sofre à escala do mundo, à dimensão da sua história, que não sofre pelo que foi e pelo que ainda podia ser, sofre apenas por acabar, quando acaba, e que deveria, antes, sofrer por querer correr contra o tempo antes que este lhe falte. Não vejo diariamente, ou sequer esporadicamente, gente a sofrer. Resigno-me à convivência com gente regular, que todos os dias se mostra igual ao dia anterior, que olha da mesma maneira, que fala todos os dias sobre tudo o que falou nos dias anteriores, a quem não encontro um indício de dor nos olhos que mostre, nem que fosse por um segundo, que são capazes de sentir, em todos os dias que eu as vi, em todos os anos que viveram, o brilho de um instante de vida.
Uma questão de decibéis (e do número de altifalantes)
Atacou de novo.
Diz ele, desta vez, que "quando muita gente berra contra pouca gente, é evidente que quem tem razão é quem berra em maioria".
E diz, ainda, que se o corporativismo for muito unido e berrar em uníssono, que vivam as corporações (suponho que, também , as de bombeiros). Mas que se forem só duas ou três corporações a berrar, mais vale calarem-se. Isto porque, conforme se infere do seu postulado inicial ("quando muita gente berra contra pouca gente, é evidente que quem tem razão é quem berra em maioria"), "se forem poucos a berrar é porque são parvinhos, sobretudo porque são poucos".
É extraordinário que seja mais ou menos isto que ele diz e saia, mesmo assim, em letra de forma.
Ao menos diverte.
João Ratão
Não sou oncologista médico. Longe disso. Sou apenas um especialista de medicina interna com experiência em clínica oncológica, um internista que já viu e tratou (tratar não é curar, eu sei) alguns milhares de cancros.
Não me levem a mal não ser o que não sou. Bem vêem, não consegui estar, quando devia, 18 meses longe de casa para fazer aquilo que se chamava, na altura "ciclo de estudos especiais em oncologia". O que faria de mim o que não sou. Agora já não há. Mas fui trabalhando e adquirindo saber na "marcenaria local".
Nem toda a gente gosta da emergência médica, eu próprio já gostei e agora já não gosto, não consigo, não é comigo, é tudo muito rápido e definitivo e eu, em se tratando de coisas definitivas, preciso de mais tempo para pensar do que carecia antes. Fui antes por aqui.
Não duvidem: eu sou o que sou e sou o melhor que posso; e, sendo pouco, tenho o respeito e a amizade de algumas pessoas que são oncologistas a sério e que me protestam esse respeito e essa amizade repetidamente, mesmo sendo só o que sou.
Isto de se ser o que se é, é inevitável. E iniludível. Mas se merecer algum respeito dos que respeitamos passa a ser, também, uma espécie de certificado. Um diploma do coração, que nos credita e acredita, mesmo que não tenha o valor indiscutido do "papel passado".
Olhos
Como será quando o corpo fraqueja? O mundo ao alcance do olhar, do sonho, do futuro muito próximo, uma música a puxar-nos para o fim, entreabrimos os olhos para olhar, talvez pela última vez, os olhares amados, fecham-se os olhos, guardam-se no fundo do olhar os olhares amados, e fim.
A Carminho
Quando lhe fiz quimioterapia adjuvante, há 3 anos, ela só tinha 23 anos e era douda. Pensou que tinha ficado curada e eu também pensei que sim.
Agora sabemos ambos que não ficou. Tem 26 anos incompletos e um filho. Continua amalucada e tem o mal a doer-lhe, desta vez nas costelas. Tem de fazer, outra vez, aquelas drogas que lhe causam nojo. E já me disse: não quero, vá-se foder, não quero!
Ela, enquanto fez a quimioterapia adjuvante, aproveitou a queda do cabelo (morena maluca) para ver como ficava loira: e comprou, evidentemente, peruca amarela. Deitou-a fora depois, não gostou, livrou-se dela. Libertou-se da náusea química libertando-se da física e artificial pelagem.
Assim se tivesse libertado da maleita, mas Deus não é justo com ninguém (que Deus é a justiça...) e não tolera brincalhões. Deus parece levar-se tão a sério que insiste em levar a si as criancinhas, o que é profundamente criticável e injusto. E inevitável, tanto quanto se entende desta pequena teologia da miséria.
Amanhã, quando lhe disser que vai voltar ao purgatório da alopécia, paliativa desta vez, há-de dizer-me, vinte vezes, aos berros, que não quer, que não vai, que me vá foder. Depois, há-de entrar na casa de banho do pessoal (fez sempre isso, nunca foi à dos doentes) e fechar a porta, deixando-me no consultório a ouvir-lhe o choro de ranhosa. Há-de sair, depois, mais composta, barafustando ainda, já mais baixinho, perguntando-me quando é que começamos.
Há-de ver-me sempre como o filho da puta que lhe dá as más novas e o tipo tolerável e tolerante e sacana que lhe acaricia o filho como se em cada carícia lhe disséssemos adeus, ambos, a ela.
O homem já não a quer, deixou-a ainda antes da peruca loira. Os tesões são difíceis em altura de sofrimento e toda a gente sofre um bocadinho, todos os dias, dispensando ao drama explicações adicionais. É só a vida.
Porque é que Manuel Alegre seria um bom presidente (versão soft).
Soares entaramela as palavras, está cansado, meteu-se num enorme sarilho e isso já se lhe nota na expressão. Agastado pela agenda pesada, irritado por causa de Alegre. É semelhante a uma corista de casino reformada a entediar todos sobre os feitos passados e que tarda a saber que já não encanta. Cavaco é uma espécie de céu cinzento, um chapéu infindável de nuvens económico-financeiras. Praticamente o mesmo que ter uma calculadora (honesta) como presidente (o que lhe dá, sobre os outros, a vantagem de se entender bem com o Bush).
O que é que se espera de um presidente da república, num regime semi-presidencialista, a meio caminho entre o corta-fitas e o empata-governações? Que seja como um tio entradote, bem apessoado e bem informado, daqueles que ninguém se envergonha de apresentar ao namorado ou aos amigos.
Icterus "desvirgulatum": opus ensemble
Do fundo dos lençóis brancos e lavados ela sorriu amarela no sorriso e na tez bonita e eu perguntei-lhe o que pensava do doutor Cordeiro e do ministro Campos e do doutor Nunes e dos outros doutores todos que abundamos e ela não respondeu e perguntou-me se eu também queria saber o que ela pensava de mim e eu disse que não sabia se queria.
E ela continuou a sorrir com aquele ar quase voluntariamente irónico e amarelo que exibem quase todas as pessoas muito novas que vão morrer e ainda não sabem ou que já sabem mas como sabem que nós também sabemos e não lhes dizemos que também sabemos fazemos todos este jogo das escondidas em que são elas à nossa procura e nós à procura delas como se estivéssemos todos escondidos ou a esconder alguma coisa quando a verdade é que estamos apenas muito tristes por não sabermos jogar este jogo nem outro qualquer e por isso é que os doutores ganham muito dinheiro e nós não nos importamos porque só estamos preocupados connosco e já é muito doloroso assim e ficamos tristes por ambas as coisas e porque sentimos que há qualquer coisa que está mal muito para além do mal de cada um mas cada um de nós sabe muito bem qual de nós é que está mais fodido e é quase sempre o que sorri mais calmamente e é mais bonito apesar de tudo.
Orgulho e Preconceito
o orgulho - o outro Alonso, o Fernando, é campeão. Não é por sermos homónimos, mas achei muito bem. E já achava, quando escolhi ser Alonso neste blog.
o preconceito - À conta de um dos meus desabafos sobre o casamento e divórcio civil dos homossexuais, a que o besugo deu resposta, a lolita caiu-lhe em cima com a mesma violência com que o Katrina se abateu sobre Nova Orleães. Acusando-o, mais ou menos directamente, de homofobia e também, de recusar aos casais inférteis, que não queiram adoptar crianças, legitimidade para discutir a problemática da adopção por homossexuais.
Por momentos, apeteceu-me fazer coro com a lolita e dizer, com o sotaque mais lisboeta que arranjasse: "córror, besugo, o menino não passa de um homofóbico-infertilofóbico intolerante, é superdiscriminativo o que acabou de dizer!".
Ainda por cima porque bem me lembro de ser vítima do mesmo género de intolerâncias nas discussões do aborto. Género "És homem, não tens legitimidade para discutir o assunto"; ou "a não ser que me digas que adoptas todas as crianças não desejadas que vão parar aos orfanatos, não tens legitimidade para discutir o assunto".
Mas depois pensei ... sim eu faço isso de vez em quando ... que o ataque da lolita era perverso. Porque na verdade o besugo (que entretanto já está nesta altura a meter água, tal como Nova Orleães) admitiu que epidermicamente, e sem necessidade de grandes elaborações intelectuais, lhe não agrada a adopção por homossexuais. Ora isto não é homofobia, por mais politicamente incorrecto que seja. Por outro lado, e a propósito de casais inferteis que não adoptam mas opinam sobre a adopção dos outros, o besugo mais não disse deles que não seja o que o povo português, no seu bom senso milenar e a propósito deste tipo de coisas, costuma dizer mais ou menos assim: "Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz!"
(isto sou eu a tentar remendar os diques, mas se o Rita chega, não há remendo que aguente ...)
Dito isto, duas notas, uma sobre matéria pública, outra nem tanto:
a) o Manuel Alegre lá disse que era candidato. Acho bem, sem cuidar de saber se isso aumenta ou diminui as hipóteses de o Cavaco ganhar as eleições. Como nota humorística fica registada a posição do BE sobre "a confusão que paira no PS". Nada mal, vindo do BE, quando vimos o Fernando Rosas no lançamento da candidatura do Soares e a Joana Amaral Dias como mandatária de juventude do dito. Mas isto digo eu, que se calhar não percebo bem as especificidades da esquerda em geral e do BE em particular.
b) uma "tasca" virtual de que fui frequentador assíduo há uns anos foi, se bem percebi, mais uma vez vítima de ataque, mas agora perpetrado por um ou vários dos seus actuais frequentadores. Um ou vários cretinos, portanto. Não sei muitos detalhes, nem tenho maneira de saber mais do que o que escrevi porque o meu amigo que gere tal tasca é um dos contactos que perdi no décimo terceiro roubo/perda de telemóvel de que fui vítima nos últimos anos. Mas sei que vai fechar, daqui a poucos dias (no final deste mês). Achei que os meus colegas de blog - caso não o saibam já - gostariam de saber disto.
O prurido do apito
Se a Procuradoria Geral da República quis ter o cuidado de não confundir o agendamento judicial com o político, seria imprudente permitir que a acusação fosse deduzida agora, antes das eleições. Mas anunciar
agora que só
depois se deduzirá a acusação não é imprudente: é hilariante.
Impressões sem provas (como quase sempre)
A candidatura de Manuel Alegre, dependendo de algumas coisas pequenas, pode ser boa para o resultado eleitoral do PS nas eleições presidenciais.
Independentemente disso, é boa para Portugal. Não sei, até, se me importa muito, neste momento, se é boa para o PS: sei que Manuel Alegre é o primeiro candidato presidencial, desde que me lembro, que conta - mesmo sem o apoio explícito de nenhum aparelho partidário- para "as contas". E que este singelo facto me agrada.
Vai obrigar Soares (e o PS) a dialogar com a "esquerda": a menos que sejam lorpas, não lhes resta alternativa, não mais colherá o cinzento discurso "do centrismo". Diminuirá o eleitorado "flutuante". E fixará (a menos que Soares e o PS decidam fugir para a frente, como fazem os tontos, fraca viagem) o eleitorado socialista, que se reverá, quase sem dúvida, numa das duas candidaturas do partido. Sócrates já foi, hoje, do ponto de vista estratégico, imprudente. Já veio dizer que o candidato do PS é Soares, duma forma completamente imbele. A estratégia correcta seria esta:
apoiamos Soares, escolhemos este, mas Alegre é dos nossos. A campanha de Soares não pode hostilizar Alegre. Seria estúpido e pouco congregador.
Fora deste cenário ambivalente, um bocadinho torpe, um pouco manipulador, mas muito simples, o PS corre o risco de sofrer uma derrota eleitoral cataclísmica. Isto se Cavaco se candidatar, o que me parece improvável, desculpem, porque ele sabe que é inevitável, neste contexto - e recuso-me a acreditar que o PS e o resto da esquerda o desaproveitem-, a derrota.
Manuel Alegre acaba de prestar ao PS mais um excelente serviço. Tenho a certeza de que ele sabe disso, embora acredite que duvide da capacidade do partido para o entender. Até ver, com toda a razão: não se percebe quem aconselha Sócrates, às tantas ninguém. Ou, então, Sócrates quer mesmo perder as eleições presidenciais, também já me ocorreu, mas não disfarça bem...
Epílogo
Viram? Agora amuou. Manda os foguetes e depois não quer apanhar as canas.
Passa depressa, a dor no pé... e, enfim, podes sempre usar uma muleta até passar.
Eu gostei foi de ler sobre a
ciência do invertido. E sobre a ciência do divertido (olá besugo).
Reconheço
Reconheço isto:
1 - Isto não é, de facto, como jogar o King. Pega lá as "duas últimas".
2 - Se te acertei um tiro no mimoso pezinho, foi sem querer:
3 - Dou sangue. Mas tu não és obrigada a dar, reli a Constituição e tudo. Eu asseguro a cobertura das tuas hemorragias e tu podes entreter-te a discutir a tua legitimidade para não dar sangue, enquanto eu te transfundo.
Bom, isto hoje vai lindo.
Isto hoje parece um viveiro de ostras. Ele é só pérolas. Atentem nesta:
"Mas eu digo é isto: está legitimado mais do que moralmente, está legitimado pela Constituição! Eu é que acho bizarro, estranho e egoísta. Mas legítimo, claro. Vão em paz, no que depender de mim, egoístas legitimados. Fui claro?"Claro que foste claro. Está legitimado por todos os lados menos por um. Uma espécie de península banhada pelo besugo a meter água à fartazana. Ó besugo: isto não é como jogar o king. Deixa-te lá de jogos de palavras e acaba airosamente enquanto é tempo, dizendo mais ou menos isto:
dei um valente tiro no pé, reconheço.
A propósito: tu dás sangue?
Faltava a do sangue...
Bolas. Vamos a ver se sou mais claro.
Tu, lolita, dizes que eu digo isto:
“um casal (lembro, heterossexual e infértil) não está moralmente legitimado para protestar ou discutir a adopção por casais homossexuais”.
Mas eu digo é isto: está legitimado mais do que moralmente, está legitimado pela Constituição! Eu é que acho bizarro, estranho e egoísta. Mas legítimo, claro. Vão em paz, no que depender de mim, egoístas legitimados. Fui claro?
É claro que se pode discutir tudo.
Eu adoro discutir.
Mas enquanto os “problemas que nos preocupam a todos” forem equacionados na sua vertente dúplice, no excelente estilo “calma aí: eu não contribuo para a resolução, embora pudesse, mas eis-me aqui a contrariar esta outra peregrina hipótese
solucionática, porque posso, porque quero, porque tenho esse direito!”, enquanto for assim, cumprem-se os preceitos constitucionais e não há atropelo ao livre arbítrio. O que é bom e a gente dorme descansadamente com os nossos gatinhos. Sem resolver nada.
Preconizo, mesmo, que se diga isso às criancinhas: “meu pequeno amigo, minha querida amiga: ides ficar aqui, ainda, neste excelente asilo, nesta acolhedora instituição, porque nós ainda estamos a discutir as discussões. Ficai calmos e confiai: há imensa gente a pensar em vós e por vós”.
Quanto à tua história do sangue: felizmente vivemos num país em que, quem não dá sangue, pode recebê-lo, se dele precisar. Sabes porquê? Porque o dão outros, por ele.
Continuo, eu também, lolita?
Fui ler sobre sociopatologia.
Enquanto isso, o besugo veio aqui e falou do Torres. Muito bem. Depois tentou explicar-se sobre a tese do egoísmo dos infertéis. Espalhou-se tanto e ao comprido que me obriga a interromper a aturada investigação que iniciei sobre a
ciência do invertido de que Keppe é a estrela mais cintilante (dou explicações, cinco euros por hora ou fracção).
O besugo explica agora mais um corolário do seu plano eugénico para recolocar a discussão da adopção por homossexuais de onde ela nunca devia ter saído. E afirma que um casal (lembro, heterossexual e infértil) não está moralmente legitimado para protestar ou discutir a adopção por casais homossexuais. Sistematizando: porque mostrou egoísmo e indiferença perante os orfãos (pré-juízo da inteira responsabilidade do besugo, recordo), perde o mandato para a censura da adopção por casais homossexuais (aliás, sociopatas).
Isto é mais ou menos assim: eu não dou sangue. Como não dou sangue, sou egoísta. Se não dou sangue e sou egoísta, não tenho qualquer legitimidade para discutir a municipalização dos centros de saúde.
Continuo, besugo?
Olha, agora vem a patroa com as opressões!
Está um homem a escrever (embora mal) sobre causas nobres e memórias, depara-se-lhe um "esguicho de lolita". Pois bem, isto desmonta-se depressa.
1 - Sobe a homofobia: eu não sou homofóbico. Já escrevi, aí para baixo, que sou, bem ao contrário, "paneleirofóbico". O que é bem diferente. Também sou "aerofóbico", como sabes, não consigo fazer nada em relação a isto, é uma coisa que é irracional, paciência. Até me lembro de ter dito, grosso modo, que a maior parte dos homens que acho uns grandes panascas são, quase de certeza - pelo menos gostam de o alardear -, heterossexuais. Ora vai ler.
Admiti, apenas (e até reconheci, contrito, que isto possa ser um atavismo), que me é mais cómodo e me parece mais natural que uma criança se desenvolva sob o olhar atento dum pai e duma mãe, naturais ou adoptivos, do que sob a tutela de dois progenitores do mesmo sexo. Só isso.
2 - Não preconizo que "os casais heterossexuais e inférteis serão egoístas se não adoptarem". Questiono-me é sobre isto: se a sua "tão grande vontade de ter filhos" (e desculpa mais este atavismo, mas eu penso que "uma grande vontade de ter filhos" inclui, em postas grandes, a vontade de criar, de educar, de ver crescer) passa, apenas, pela certeza absoluta de que o rebento, ainda que por meios laboratoriais, resultou de "ejaculação do macho e ovulação da fêmea", ou seja, "anda cá que és mesmo meu", então, nesse caso, se não há aqui egoísmo (e eu acho que há, embora nunca tenha afirmado que o egoísmo não é um direito, reparaste?), há, pelo menos, isto: ao menos, perante a perspectiva duma eventual adopção de crianças sem família por casais de homossexuais, não se revoltem, não protestem, fiquem caladinhos com o seu direito a ter dois pesos e duas medidas, a querer sol na eira e chuva no nabal.
3 - Já sei: o livre arbítrio. "Nós não podemos ter filhos e queríamos. Mas não queremos adoptar, o que é direito nosso!". Perfeitamente. Também é direito meu achar, um bocadinho apenas, isto: "Ora, nesse caso, ainda bem que não podeis: é que, desculpai lá, eu não acho que queirais mesmo".
Pronto, chama-me o que quiseres, lolita, mas é assim. Rapidamente, é assim.
Ah! E não me venhas com o gozo da sociopatologia, que eu não disse o que tu tentas pôr-me na boca. Eu disse que, disso, não entendo mais que um cisco. Um cisco dá, apenas, para irritar um olho. Não dá para muito mais. Topas, blogger oprimida?
Homens simples que se apagam
Vi a parte final do Real Madrid com o Bilbau e, logo a seguir, entrou-me o Torres pela casa dentro.
Falo do José Torres, do Torres, do "Bom Gigante". Apareceu-me ali engelhado num sofá, doente, e eu não sabia de nada.
Vim para aqui e fui ao
google. Se teclarem José Torres e procurarem imagens, ele não aparece. Há-de haver, mas pesquisando só por "José Torres" não há. Típico dele, nunca foi vedeta.
Mas
aparece aqui, o artigo é do Correio da Manhã e é de Maio. De há 4 meses!
Não é por sabermos das coisas mais tarde que nos magoam menos.
O Torres, o homem comprido e simples que passeava na Póvoa, descontraidamente, no tempo escasso em que treinou o Varzim, o tranquilo gigante que comia gelados no "Bianca Neve", ali debaixo do prédio da antiga Sopete, o homem que foi um dos mais belos símbolos do Benfica e da Selecção Nacional, o seleccionador que foi gozado antes de Saltillo porque pedia
que o deixassem sonhar, e que foi gozado depois de Saltillo porque há homens tão simples e afáveis que apetece sempre culpar de tudo, porque estão ali à mão, aconteça o que acontecer (são a antítese postural e filosófica dos "Josés Mourinhos" e há modas e tempos para tudo, não digo mais nada para não me acusarem de ser "anti-fashion"), o José Torres parece que já não sabe quem é, nem quem foi.
Mas eu sei. Eu lembro-me. Era miúdo, mas lembro-me muito bem.
Não sei se o Benfica já fez, ou se tenciona fazer, alguma coisa por ele, ou pela família que sofre com ele. Nem me interessa, que José Torres não é só do Benfica, é de Portugal, é uma das memórias dos
magriços, de quando eu tinha 5 anos.
Os senhores não sei. Às tantas já sabiam e eu é que venho atrasado, como de costume. Eu vou mandar um e-mail à Federação Portuguesa de Futebol perguntando por ele e pedindo resposta breve.
Ao leitor atento: um desabafo de uma blogger oprimida.
É sempre isto. A lolita é autoritária, a lolita manda, a lolita explora, a lolita isto e aquilo... olha que caraças!
Está mais do que na hora de repor a verdade dos factos. A verdade é que eu, neste blogue, sou a única que trabalho. Ele é os links, o template, os contactos com a imprensa, o catering, o Círculo de Leitores, tudo eu, tudo eu! Enquanto isso, o besugo passeia-se em diletâncias, debitando as suas verdades (ele é um confesso admirador da Simone) e vociferando sempre que alguém se atreve a discutir temas que são tabu no universo besugal, de que são exemplos as "regalias
vs falta de produtividade dos funcionários públicos", "o corporativismo e a medicina", "frangos de Ricardo" e,
last but not the least, "Leonor Beleza: uma perspectiva lírica, através da obra de Cesário Verde".
Um dos mais recentes esguichos de besugo (onde ele, de resto, aflorou o tema Leonor & Cesário) contém uma verdadeira pérola que não há-de ter escapado ao leitor atento. E reza assim:
"Mas custa-me mais saber de crianças sem família, tendo conhecimento de casais (homem-mulher) que, não podendo ter filhos, querendo tê-los, gastando-se inutilmente (há casos desses, infelizmente para eles e para todos nós) em tentativas infrutíferas de fertilizações "alternativas", não se dispõem a adoptar por motivos egoístas, que contrariam a própria essência da sua vontade de ser pais." O negrito é da minha responsabilidade. Isto, conforme sabe o leitor atento, foi escrito como contributo para a discussão sobre a adopção por casais homossexuais. Não vale, sequer, a pena discutir a vaga homofobia (mas, ainda assim, homofobia) do besugo, confessada aliás à cautela, como que libertadora para a bomba que a seguir largou. O pensamento besugal preconiza, com efeito, que os casais heterossexuais e inférteis serão egoístas se não adoptarem. Que se lixe o direito a escolher e a planear a família, a autodeterminação dos indíviduos, de que decorre a dos casais, a das nações, a de toda a espécie! Será egoísta quem, achando-se biologicamente impedido de procriar, não adopte. E pronto. Palavra de besugo!
Não sei se sabem, mas este axioma pertence a um sistema epistemológico mais vasto, de inspiração colectivista, através do qual o besugo ordena a realidade. Conjugando o sonho colectivista com o autoritarismo marxista que sempre o apaixonou, faltava só a pitada do juízo moral. Eizia.
Por via interpretativa - e o besugo, honesto homem de bem que é e se preza ser, não me desmentirá - extrai-se, ainda, uma outra lei fundamental da sociopatologia (que há-de ser a ciência que estuda os comportamentos desviantes em comparação com os comportamentos normais - portanto a ciência que estuda, também, o fenómeno da homofobia): a de que o egoísmo dos casais infertéis é a pecha que impede ainda a erradicação, para todo o sempre, dessa ideia peregrina da adopção pelos sociopatas homossexuais. Ou seja: se todos fizessem o seu dever. E mainada!
Outras questões se levantariam, outras reflexões seriam possíveis. Cada posta de besugo é um imenso manjar, acolitada de batatinhas e molho abundante. Tu desculpa, besugo, mas sabes que a minha profunda consciência humanista me impede de calar a voz perante o autoritarismo e a intolerância. E sabes que só não aceitei ser Alta Comissária para as Minorias Étnicas porque pagavam mal. Mas eu calo-me, pronto. Vou, entretanto, ler um pouco sobre sociopatologia para me inteirar dessa matéria que adivinho apaixonante e já volto.
(besugo: tu não mintas, olha-me bem nos olhos e não mintas: não era isto?)
Façam telemóveis com correntes e aloquetes, sim?
Pelas minhas contas já gamaram dezoito telemóveis ao Alonso. E ele fica sempre sem os contactos dos amigos, sinal inequívoco de que não mantém uma lista actualizada (um "back-up" em papel) com os referidos contactos. Isto traduz duas coisas: há imensos ratoneiros e o Alonso, para além de guiar mal karts, não é um homem previdente.
Saudando o seu regresso às lides (o Alonso ainda não disse"bom fim de semana", o que significa que poderemos contar com ele até sexta-feira, espero eu) não consigo evitar dizer-lhe isto, sobre os homossexuais e sobre Lilliput:
Eu bem te entendo:
façam lá o que quiserem, casem-se e descasem-se pelo civil - o estado - mas não os deixemos adoptar crianças.
Estou de acordo. Atavicamente, sem outra justificação que não seja o "uso e o costume", sem saber de sociologia e de sociopatologia mais que um cisco. Parece-me estranho. Não fui educado assim, custa-me aceitar isso. Admito este ferrete que me apoucará.
Mas custa-me mais saber de crianças sem família, tendo conhecimento de casais (homem-mulher) que, não podendo ter filhos, querendo tê-los, gastando-se inutilmente (há casos desses, infelizmente para eles e para todos nós) em tentativas infrutíferas de fertilizações "alternativas", não se dispõem a adoptar por motivos egoístas, que contrariam a própria essência da sua vontade de ser pais.
Prefiro, por motivos que aceito sejam discutíveis - mas de que não consigo abdicar - que uma criança tenha um pai e uma mãe (mesmo que adoptivos). Admito, por outro lado, que entre não ter pai nem mãe presentes, porque se revelam "objectores de consciência" neste particular, possa ser vantajoso para a criança ter dois pais (ou duas mães), ainda que "com sexualidade alternativa", sobre este negrume "de não ter ninguém".
Gostava de te ler sobre isto, alonso.
Sobre Soares e Cavaco, como sabes, não falo. Não ligo à política. Falo nestas coisas "lilliputtianas" aqui porque a lolita me paga 5 euros por texto. Ela acha que este blogue deve ter um gajo chato, eis-me! Claro que, desses 5 euros pagos à peça, ela recupera uma pipa de massa nos impostos, ao abrigo da lei do mecenato.
Cavaco foi um bom governante, sem dúvida, dizes tu; apoiou, mesmo, uma ministra que iniciou a delapidação do SNS, ao cercear a formação de médicos baseada em contas que deve ter feito de cabeça. O que, no caso dela, é como se me pedissem a mim para recitar Cesário Verde de memória.
Ora diz lá, amigo, sobre isto, qualquer coisa. E lá terei de te telefonar, evidentemente: só que, a julgar pela tua "estória", me atenderá um alemão qualquer. A quem perguntarei por ti, obviamente: "Ó Fritz, seu larápio, seu Ferreira Torres em versão bávara: passa-me ao Alonso e é já!"
Um abraço.
A consciência de si (dele)
Acho que sei o que o Alonso veio aqui fazer hoje: veio desabafar. Mergulhado numa decisiva crise existencial típica de um processo de viragem ideológica, acha-se, porém, na fase preliminar da negação da verdade que, impiedosa, lhe vem invadindo o espírito. Tomou, já, consciência de que o mundo está às avessas: lamenta-se por Manuel Monteiro ser de direita e por Manuel Alegre ser de esquerda.
Quando evoluir mais neste processo iterativo, renegará o seu passado político, censurará, com fervor, a política externa norte-americana e penitenciar-se-á por, durante tanto tempo, se ter desperdiçado em tentativas de desmoralização dos pretéritos regimes comunistas de leste. Tornar-se-á um profundo conhecedor da obra musical da Brigada Vitor Jara e, se ainda for a tempo, votará na Carmelinda Pereira para a presidência.
Em Lilliput
Se a relativização das coisas vale de alguma coisa, então há razões para nos sentirmos menos inquietos. Nos Estados Unidos há o Bush, o Katrina e o (possível) Rita, já para não falar na Rice, na Pamela Anderson ou em casos bem mais bizarros. Tudo em grande, tudo pujante, tudo à escala planetária. Aqui temos Felgueiras, Valentins, Isaltinos. Poderzinhos. Temos presidenciais putativos e até temos Carrilhos e Santanas. Felizmente, aqui é tudo pequenino. Até os populares aclamando a pistoleira são pequeninos. Animem-se.
paneleirices ...
Quer-me cá parecer que neste blog se anda a dedicar muito tempo e massa cinzenta à problemática das orientações sexuais "alternativas", sua catalogação e etiquetagem, bem assim às reacções que tal problemática provoca nos mnais diversos estratos da sociedade.
Tirando isso, fico a saber que já devia ter ligado ao besugo há que tempos e que a lolita não me liga nenhuma. É a vida.
Antes de mais, quero dizer que na semana em que fui de castigo para o Algarve quer-me parecer que um Fritz qualquer me fanou o telemóvel. Espero que lá na Deutschland dele lhe sirva de muito. Mas voltei a ficar sem a porra dos contactos telefónicos dos meius amigos, a quem peço o obséquio duma chamadita. É chato, mas da última vez que tentei pelos meus meios descobrir um telefone fui parar à casa errada e fiz figura de tonto.
Não é que o não seja, mas já agora dispenso demonstrá-lo a desconhecidos.
Adiante ... ou para trás, regressando ao tema em título. Eu cá não sei nada disso de catalogações de maricas. Eles e elas existem e não sou eu que lhes vou negar o direito de se-comerem-se com pessoas do mesmo sexo. Cá para mim, estejam à vontade. Escusam é de me chatear a mona por causa disso. Eu também não os chateio por gostar de mulheres, e não ando por aí a defender que a consagração legal do dever de fidelidade no casamento constitui uma agressão do Estado à autodeterminação sexual dos cidadãos e das cidadãs "matrimoniados".
Eu sei ... eu sei ... não tem nada a ver. Mas se esgaravatarem bem no que escrevi, talvez encontrem "qualquer coisa" que tem a ver ... quiçá(?).
Assim, acho o seguinte: os/as gajos/as que se ...... como e com quem quiserem! Eles e os heterossexuais também, que também são gente! E, no que respeita especificamente aos homossexuais, até podem casar (de qualquer maneira é pelo Estado, o que é que vale isso se se descontar a papelada que fica assinada e os emolumentos que ficam pagos? Alguém me diz?). E podem também divorciar-se! (leia-se aqui novamente o parêntesis anterior).
Na verdade, acho uma chinesice que a lei não lhes permita esses pequenos luxos. É só com eles, nem sequer envolve o problema da eventual afectação por terceiros (como seria o caso no que respeita à adopção).
Isto, está claro, no que respeita ao Estado, que deve ser por definição um "albergue espanhol" nestas questões. No que respeita a cada um de nós, é mais "cada um sabe de si e de como reage perante uma pessoa ou um par de pessoas que aconteceu ou escolheu ser homossexual". E nisso, como em tudo o que envolve relações humanas, não há respostas unívocas.
Dito isto, passemos com brevidade por um outro assunto que tem provocado alguma prosa: O Soares e o Cavaco.
Do Soares pouco tenho a dizer. Nunca gostei do tipo.
Do Cavaco, também pouco tenho a dizer. Nunca gostei do tipo.
Mas há diferenças: Um foi uma nódoa governativa, sendo no entanto mestre no jogo da política. Como PR deve ser bom para fazer mais umas jantaradas no Aviz e umas presidências abertas. O outro foi o melhor governante desta desgraçada 3ª República (o que não é dizer muito, considerando o nível médio das alimárias que nos governaram de 74 até hoje), mas é uma nódoa no que respeita ao jogo da política. Como o PR não governa, não sei o que que para lá iria fazer.
Dou-lhes 50%-50%. A ambos. E não sei se votarei.
Sempre vosso,
Alonso.
PS - Se eu fosse de esquerda votava no Alegre. O gajo ao menos acredita no que diz, o que é mais do que se pode dizer do Soares. Como não sou, não votava na mesma, mas isso agora não interessa nada.
PPS - Ah, e mais uma coisa ... eu ao Manuel Monteiro não sei se emprestava o carro, e aliás acho que ele não o aceitava. Mas ao Alegre emprestava de certeza.
A partir de dados transmitidos
- Porque é que veio à manifestação?
- Porque tenho dois filhos e na minha ideia os panel... os homossexuais estão a tomar conta da nossa sociedade. Tá mal!
- A tomar conta?
- Sim! Ele é panel... bich.... homossexuais na televisão, na política, até no futebol! Pedólifos!... Pelófidos!
- Pedófilos?
- Isso! Pedófilos! Praí setenta por cento dos maric...homossexuais são pedófilos! E eu tenho dois filhos, e este país tem de ir pá fr...
- Em que dados se baseia para fazer essa afirmação?
- Li na internet.
- Onde, exactamente?
- Já disse. Na internet.
- Não. Pergunto em que site recolheu esses dados.
- Ah! Isso não sei, mas isso que interessa? Mas eu nunca me lembra, esses pormenores.
Glândulas
Aqueles tipos que põem música nas discotecas e
danceterias chamam-se várias coisas, de Zed Pointer a Bermuda Gin, passando por Jahmal Laevolac. Eventualmente.
Não sei os nomes deles, sei que são uma caganeira. E que, se formassem um sindicato, seria o sindicato dos D.J.
Isto lê-se "didjei".
Eu não sabia, mas aprendi hoje: nunca se pede a um "didjei" para pôr uma música qualquer que nos apeteça ouvir. Um "didjei" é um "criativo", não admite intromissões na sua arte de criar misturas do que os outros já fizeram. Um "didjei" põe aquilo que lhe dá na telha, é um artista do "mix", da miscelânea, do "e o resto que se foda". O "didjei" é uma importante inutilidade. Um "reformatador". Um "re-marceneiro" tosco de madeirame alheio.
Eu não sabia. Pensava que os tipos não tinham essa importância toda, que eram uma espécie de indigentes que se colocavam a botar música porque, desde sempre, desde os bailaricos de liceu, havia sempre aqueles tipos que ficavam de serviço ao gira-discos, porque as gajas não queriam dançar com eles e, já agora, em lugar de irem beber cervejas e emborrachar-se (e, depois, virem estorvar), tornavam-se úteis.
Mas estes têm mais importância. Pelos vistos.
Muitos parabéns. A sério.
Gosto cada vez mais de chulos: sabendo quem são os chulos acabamos por conhecer o putedo todo. De acordo com algumas abróteas que ouvi hoje, conhecer um "didjei" pode ter o mesmo efeito. A maior parte dos gajos e das gajas que vão aos "botequins" não vão para se misturarem nos seus suores e nos seus sorrisos "de quem vai junto". Não. Vão ver e ouvir o "didjei" e cheirar a catinga do "didjei".
O "didjei" é o "vai mas é mudar os discos e fica lá!" do meu tempo. Com uma diferença: em vez de nos deixar esquecermo-nos dele para nos concentrarmos em nós, não admite passar despercebido. Gosta que acreditemos que sem ele não há festa. É um intermediário da sonoridade, mas cuida-se "O SOM".
Não é. É perfeitamente dispensável. Claro, como qualquer intermediário das emoções dos outros, ganirá que não é assim. Olha logo quem, um "mixer de ganidos" a ganir da sua utilidade e do seu talento!
Mas é. É dispensável. Lixeira electrotécnica.
E fará sempre menos falta (e aqui nem sequer admito discussão) que qualquer par de namorados que se beije até à xerostomia, mesmo sem música nenhuma: só com aquele som húmido da saliva mútua enquanto não seca.
Eu vou antes de vapor. Ou, então, fico.
Às vezes ponho-me a cismar "que é feito dos meus sonhos?". E não sei dizer.
Penso, agora, que nunca os devo ter tido. Hei-de ter tido foi cólicas, que já me passaram sem deixar grande impressão na fundura da memória. Questão de gases: sobem, vão-se, adeus.
Histórias pequenas de enquanto andava a aprender (2)
Os internos gerais rodavam, fosse dia ou fosse noite: triagem homens, triagem mulheres, pequena cirurgia, OBS. Era sempre a mesma coisa, a vida é feita de ciclos, de círculos, não sei se já vos tinha explicado: não é feita de pontos.
Bom, na pequena cirurgia é feita disso mesmo, e naquela noite era na pequena cirurgia o meu posto. A cosedura costumava distribuir-se assim: 75% de cabeças, 15% de membros e 10% de outras feridas dispersas pela anatomia topográfica. Chamávamos os cirurgiões o menos possível, porque era suposto aprender fazendo e não vendo os outros a fazer. E por outras coisas.
Cosia a sexta cabeça rasgada (seria?) quando houve burburinho na triagem homens. Não liguei, era afastado. E não era comigo. Passou a ser quando me indicaram para transportar, de ambulância e atropina em seringa, um intoxicado por organofosforados (o protótipo é o 605 - Forte, um pesticida) ao Hospital de Santo António. Precisava de cuidados intensivos, no S. João estava tudo cheio, ala.
Disse que sim e pensei: vou, quando voltar é madrugada alta, acabou-se a noite, vou brilhar no sol.
Era de verão.
Fui. Ir e não ir, chegar e não chegar, explicar e não explicar, voltar e não voltar, eram 4 da manhã. Vinha calmo, mas passou-me. Na sala da pequena cirurgia, uma legião de candidatos a pontos aguardava pelo meu cansaço. "Nenhum filho da puta tratou disto? O Cardoso, onde se meteu?". - "Está para a medicina, numa paragem, há mais de duas horas". "Então foda-se!".
Cosi-os a todos. Como se fossem só um, já para o fim. Já para o fim, aliás, quando eles me pareciam só um, bati com a calote craneana no holofote que me iluminava as cabeças sangrantes, sempre iguais, que
cosipava. Tirei a luva, levei a mão ao cocuruto, e vi lá sangue. E senti um pequeno lanho.
Acabei o que estava a fazer, faltava só o Betadine, a antitetânica e a receita, tirei a luva que faltava e deitei-me na marquesa. De bata.
"Chamem o Cardoso, esse boi, que tem aqui três ou quatro pontos para dar".
E esperei. O Cardoso teve de me despertar para me dar 3 pontos. Pequena pontuação para quem cuidava merecer mais linha.
Histórias pequenas de enquanto andava a aprender (1)
Decidi inaugurar hoje uma rubrica nova, sob o título que já sabem, porque eu pu-lo ali em cima. Isto é para ser uma série, numerada por capítulos, como se faz nos escritos sérios e, mesmo, nos articulados legais.
Se isto se passar como habitualmente, contudo, hei-de esquecer-me rapidamente de "onde é que vai esta merda", que é o que se passa com os "esguichos de besugo", que lhes perdi a conta. OK, estou a armar-me.
Por hoje era isto:
"Era noite de pouca gente e o S.João estava pacífico, à espera da rendição da guarda. Mas nunca se sabia, as noites alongam-se no seu futuro: basta um imprevisto.
Ele entrou, chamei-o, de calças em baixo e pistola na mão. Era impossível não ver o que a descida das calças destapava, era uma coisa vermelha e purulenta. Era forçoso ver a pistola, também. Era preta.
Sentou-se, eu atrás da secretária e do meu medo, ele nervoso e assustador, na sua mobilidade excessiva, na cadeira em frente. Separava-nos um tampo de madeira e a vida inteira, pouca coisa quando há gatilhos metidos ao barulho.
- Que se passa consigo?
- Passa-se isto - apontou a purulência "encarnada". - E não sei se dê um tiro nesta merda se lho dê a si.
Não havia onde me meter. Nem estava lá ninguém. Tive medo. Quando temos medo e não temos para onde fugir, falamos.
- Se eu lhe puser isso bom poupa uma bala. Ou duas...
- Foi aquela puta!
E desatou a chorar. Pousou a pistola na secretária, a noite clareou e percebi que não era preciso chamar a polícia. Que não viria a tempo de nada, de qualquer modo. Excepto do amanhecer, que foi bonito, mesmo sem algemas".
Reading (fica perto de Londres, em subindo o Douro de lá)
A lolita respondeu ao meu teste "à americana" duma forma que pode parecer-vos simpática. Mas não é. O que ela quis insinuar (e é falso) é que sou velho e careca. Senão, por que raio falaria no Sean Connery, que nem fazia parte das hipóteses?
Má, pérfida lolita.
Obrigado.
O conservador
- Não há-de ir pá frente, não há-de, porra!
- De que estás a falar?
- Disto tudo. É só paneleirices progressistas e modernaças! Um dia desses ainda vemos homens vestidos de T-shirt verde alface!
- Percebo. É coisa que tu nunca usarias...
- Para quê mudar? Está-se bem assim!
- Não tens razões para te queixar, portanto...
- Tenho, pois. Párem de empurrar, senão eu desequilibro-me.
Laughing
No meu hospital podem ver-se, semanalmente (pelo menos), carrinhas que transportam alimentos(?) em sacos de plástico, pequenos, e latinhas de "fanta" (é tudo "fanta", se vier em lata é "fanta").
Nas carrinhas, lê-se o nome da actividade a que se dedicam. Presumo que seja isso, pelo menos: "Vending".
Eu pensei logo que eles ganham a vida a pensar que eu me dedico ao "Compring", de maneira que comecei a levar uma marmita com sopa para o hospital.
Chama-se a isto contrariar a paneleiragem que se dedica a ganhar dinheiro como intermediária entre a sua necessidade de "vending" e a minha fome. Só que eu prefiro comprar nabiças e transformá-las em caldo do que "compring" seja o que for a quem "vending". Pelas minhas contas, 15 pratos de sopa (5 marmitas) e 30 copos de água da torneira custam o que custa um "supervending de toucinho manhoso".
Por mim, faliam. E iam engrossar o eleitorado do "centro", essas criaturas.
Eu não quero que Portugal
vá pá frente, não sei se já repararam.
Sempre de acordo. Isto é uma sintonia!
Do que a lolita escreveu depreende-se que estamos de acordo. E que, apesar disso, ela gosta de me picar com o espectro de Mário Soares, como eu adoro espicaçá-la com
"o candidato adiado por indecisão", o "
D. Sebastião dos saudosos da palmatória de cinco olhos", que não funcionam se não lhes disserem, com espuma ao canto da boca, "é prali!". São os "do centro", estes. Às vezes também votam por saudades. E, alguns deles, acham que o falecido Variações foi um vulto da cultura, em lugar de ser um barbeiro que cantava e fazia versos, antes de morrer doente, coitado dele que morreu.
Sardinhas, fotografias, panfletos, bandeirinhas. Eu sei disso, ora! Mas pergunto isto: quem se deixa levar por adereços e pequenos peixes assados (bem bons, por sinal, se também houver febras - em vez das sardinhas - e pimentos) merece que se lhe dedique "uma estratégia"?
Não merece nada.
Enfim, merece esta estratégia, a que eu ensino aos "marketeers" de Soares (há cada emprego mais apaneleirado a rimar com
cabeleireer... ): é deixá-los andar e comovê-los na altura certa.
O poder da varinha mágica
Lamento, besugo, mas só estás metade certo. Esse eleitorado é, de facto, aquele que votará no Valentim, no Isaltino e no Avelino, que serão mais do que provavelmente eleitos e que com isso provarão que o caciquismo não só compensa como branqueia a prática de crimes. Mas é, também, aquele que mais se presta a comícios pró-peronistas, a ilusões messiânicas e a sublimações paternalistas. Tens alguma dúvida, besugo, que Cavaco ganhará, se ganhar, por causa do ar bem comportado de empregado do mês? Tens alguma dúvida, besugo, que Soares ganhará, se ganhar, por disfarçar o seu
sacanítico modus faciendi na política com o charme blasé que usa para que todos se convençam de que ele sabe que vai ganhar?
É aí, no mundo da bandeirinha, do panfleto, da varinha mágica e da festa da sardinha que tudo se decide. E de fotos, muitas fotos de candidatos sorridentes em poses de presidente. Não duvides que ainda hás-de ouvir muito(a) eleitor(a) do centro a dizer que "
gosta do Soares como pessoa" para depois, na hora da verdade, votar no Cavaco. Ou até o inverso, dando a vitória a Soares.*
*
Pode suceder um milagre, quem sabe.
Uma coisa a concordar com a lolita. Mas.
Como a lolita há-de ter dado conta, eu afirmei que não existe um eleitorado do centro. Há é um conjunto significativo de pessoas que vota punitivamente, alternativamente, consoante a ressaca e o clima, ou (preferencialmente), ao calhas. Se está no centro não sei. E, a estar, também não se percebe no centro de quê. Andam aí, isso sei.
Tentar cativar o eleitorado do centro é uma tarefa ridícula. Refiro-me a este eleitorado "do centro", o tal que circula entre humores. E refiro-me, claro, às eleições presidenciais.
Eu conheço pessoas que, de manhã, se acordarem ao som duma certa reportagem na TSF, sobre mulheres que se esvaíram em sangue e sepsis por terem abortado em pardieiros, são a favor da interrupção voluntária da gravidez até aos dezoito anos de idade do "feto". Meia hora depois, escutando (e pode ser na mesma estação) uma abencerragem qualquer que relata a triste história dum feto que se cumpriu, chorosamente e contra a vontade dos sacanas dos pais, transformando-se, mais tarde, em génio (mesmo sem turbante), apetece-lhes logo uma manifestação "pela vida", estando elas à frente. E se, à noite, virem um portador de trissomia 21 a espancar um puto loirito, querem matá-lo (ao mongolóide) com requintes. Chorando a seguir, novamente
pró-vida à força toda, se assistirem, antes do soninho reparador, a um programa moderado por uma dessas senhoras e senhores que ganham bom dinheiro para fazerem dos directos informativos um "show formatador de consciências", em que se mostrem mongoloides abraçados a pais e mães que os querem muito.
O eleitorado do "centro" é este. É formatado, formatável, não se conta com ele. Há-de vir, se tiver de vir.
Mas não se pode perder eleitorado de esquerda, se se é de esquerda (nem de direita, se se é de direita) para satisfazer o que quer esta corja de imbecis que, se repararem bem, não sabe o que quer. Quer sol na eira e chuva no nabal, fundamentalmente.
Esta gente realiza-se, fundamentalmente, em meios pequenos, nas eleições autárquicas. Num meio pequeno, o barbeiro, o canalizador, o cura, o advogado, o médico, o empreiteiro e o alfaiate são importantes. Podem ser influentes. Noutro contexto, não.
Repito: falo aqui, agora, de eleições autárquicas. Aqui, é troca directa, os indecisos funcionam melhor. São mais precisos. Pobres políticos de província, que necessitam desta gente para pagar a broa.
Fora deste contexto, é cagar neles: eles que venham, se quiserem. Não se pode perder é a credibilidade, nem vergar a coluna, pelo sufrágio dum milhão de cataventozinhos.
Quanto ao Bloco, lolita, parece-me que exageramos. O Bloco tem eleitorado próprio. Deve ser cerca de metade do que julga que tem. Mas tem.
Mas também te digo, concordando uma vez mais contigo: ter eleitorado fixo é duma cupidez repugnante. Isto não é a Liga de Futebol, é um País que é suposto ter gente a pensar todos os dias.
Por falar nisso, o teu Porto empatou, azar.
Algumas notas sobre eleições, programas e presidentes
Admitamos, como o besugo, que há um conjunto de eleitores, que ele designa por eleitorado do centro, que "não tem ideias, não tem inteligência, não tem motivação". Com isto eu concordo. Há, de facto, muita gente que não tem nenhuma destas características e muita gente, também, que só possui algumas delas. Mas todos eles, titulares de um direito inviolável a sufragar, são bem mais decisivos do que os eleitores disciplinados - aqueles que votam sempre no mesmo partido ou que, em qualquer caso, votam sempre de acordo com a orientação que o partido lhes der - no resultado de uma eleição. É que, quanto a estes eleitores acríticos, são favas contadas. Na prática, são irrelevantes do ponto de vista das previsões das intenções de voto.
Não me parece é que esse eleitorado acéfalo e desmotivado se situe algures no centro, seja o que for que isso signifique, até porque para se saber que se está no centro é imperioso que se saiba quais são os extremos - dado esse que, convenhamos, se torna cada vez mais irrelevante do ponto de vista das ideologias e das convicções. Hoje, muito mais se cultivam personalidades e senadores e já ninguém estranha que as lideranças de esquerda evoluam para lideranças de direita. Lembremo-nos de Garcia Pereira, enaltecendo as qualidades de Freitas do Amaral. E, falindo as ideologias, também se esbatem as convicções. Se exceptuarmos aqueles que, com algum atrevimento, admito, se podem designar por fundamentalistas dos partidos, todos os outros se decidem casuisticamente, ao sabor das influências, das simpatias e das motivações dos homens políticos - e muito pouco dos partidos.
Todos sabemos, por exemplo, que o actual eleitorado do BE é constituído por muita da malta que, há uns anos atrás, votava no MEC. Trata-se daquela franja de eleitores que se sentem atraídos pela política colorida, que discute temas das minorias num tom fracturante, independentemente de se situar à esquerda ou à direita. São eleitores que votarão Soares porque o acham muito jovial para a idade, e que votariam Cavaco se este, um dia, decidisse aparecer na Praia da Rocha com calções de surfista. Ou que votaram, uns no Sócrates, outros no Santana Lopes, pela mesma razão: pelo charme (?) de ambos. Decidem-se, do ponto de vista das escolhas, pelo show-off do candidato e não sabem nem querem saber de programas eleitorais. Este eleitorado, ululante e volátil, também decide eleições - embora só muito raramente se situe ao centro.
Quanto a Soares. Pressente-se o esforço do besugo em torná-lo menos susceptível de desconfiança do que se tem demonstrado e, consequentemente, em torná-lo mais simpático e mais mobilizador do tal eleitorado "acéfalo e desmotivado". Mas há manchas que permanecem, por muitas lavagens que se façam e ainda que se usem branqueadores: o episódio "rasteira ao Alegre " é um exemplo bem ilustrativo. Eu acredito, no entanto, que os eleitores acéfalos e desmotivados se motivem a votar no Soares apenas para que Cavaco Silva (o ícone máximo do cinzentismo) não ganhe. Mas acredito, da mesma forma, que há eleitores mais obstinados e imunes à retórica bacoca, ao penteado trendy ou aos auto-proclamados reservas morais da nação que não querem Cavaco mas que, entre Soares e Cavaco, saltam fora. O besugo é um destes eleitores, parece-me; com a diferença de que previligia a derrota de Cavaco, se ela de si depender.
Isto é uma verdadeira escolha democrática? Não me parece. Esta discussão, feita de sondagens, previsões e dados por confirmar sobre as estratégias de mobilização de uma esquerda unida contra o futuro (quase perfeito) candidato da direita, só demonstra que, nas próximas presidenciais, os portugueses não escolherão um presidente de entre vários possíveis; decidirão, isso sim, se o próximo será Cavaco Silva.
Resposta ao teste
Um dia desses expliquei ao intrigado portista cá de casa que não há ninguém igual a ninguém, que somos todos diferentes até nas axilas. Ele achava que sim, que era possível que duas pessoas fossem exactamente iguais, porque há milhões de pessoas em todo o planeta. Quando percebeu que não, ficou mais sossegado. O que quer dizer que percebeu mesmo.
Eu já te vi com fúria à De Niro, tristeza de Pacino, profundeza de Bardem, humor de Bruce Willis e pinta de Connery. Na verdade, todos eles são parecidos contigo, mas nenhum é igual a ti.
Respondi?
Baixarias de besugo
A campanha de Mário Soares deve ser feita "à esquerda". Tomem nota, senhores do
marketing socialista.
O eleitorado do centro não existe. É um eleitorado não ideológico. Existe, mas não está ao centro de nada, vagueia, na maior parte do tempo, de forma obtusa. Não tem ideias, não tem inteligência, não tem motivação. Vota contra, apenas. Ou abstém-se, que é uma maneira amuada de mostrar demissão e aborrecimento.
Não é verdade que o eleitorado socialista não vote Soares. Vota, sim. Na primeira e na segunda volta. Mas são 35%, não são mais.
O eleitorado comunista de Jerónimo de Sousa pode dividir-se, na segunda volta, entre a abstenção, a ausência, o voto nulo, o voto em Soares (mais um sapo) e, cerca de 1% deles, no voto em Cavaco. São os punitivos - pessoas que gostam da autoridade como conceito e deus menor, e que são comunistas só por isso - e os tipos que não gostam de Soares, sendo capazes de dormir com mulher feia para não terem de se masturbar.
Metade do eleitorado do Bloco de Esquerda tem os mesmos tiques de metade do eleitorado do CDS-PP: é para onde lhes dá. E a gente sabe que começaram (quase todos) por ler e escrever no Independente, uns contra, outros a favor, fosse do que fosse. Tirando Louçã e mais meia dúzia (espero eu) são rebeldes sem outra causa que não seja o seu protagonismo. E, reconheço, punir Soares pode fornecer protagonismo. Lá em casa, ao jantar, sobretudo. E em alguns programas da SIC, radical ou não.
Posto isto, Cavaco não ganha estas eleições, de forma nenhuma. Sobretudo se Soares se apresentar, como lhe compete, com um discurso de esquerda. Se conseguir convencer o eleitorado disfuncional (os 20% que andam sempre ali à babugem da sua bipolaridade intelectual) de que caga neles, que votem onde quiserem que ele não se importa. O eleitorado flutuante inclui cerca de 75% dos cornos mansos do país, o tipo de indivíduos que, em não lhes ligando, tendem a escrever poemas e a protestar a sua dor em cartas (ou votos) de amor à mulher amada que, assim, tanto os desdenha.
Soares, em sendo esperto, terá de tentar fazer esquecer que sacaneou Alegre (nem que tenha de pedir a Alegre que esqueça mais esta sua travessura de soba) e substituir-se a ele no imaginário de quem acredita, ainda, em alguma coisa. Terá de o ter a seu lado, na campanha. Isto não apoucará Alegre, pelo contrário, será apenas mais um sapo que Alegre, homem vertical, engolirá pelos outros. Era nele que votaria, sem qualquer dúvida, mesmo sabendo que perderia, provavelmente. Alegre iria ter um destempero qualquer que lixaria tudo, como é comum nos homens de bem. Mas eu gosto dele, seria um bom presidente da república. Provavelmente seria um mau ministro das finanças, mas não é isso que está em causa.
Soares tem estas eleições ganhas, embora renhidamente ganhas, se fizer assim. Se resolver fazer-se ao eleitorado do centro (que não existe, como já expliquei) vai perder o eleitorado de esquerda. É esse que tem de conquistar. É esse eleitorado que, a menos que Judas (o dos trinta dinheiros) ande aí á solta, o fará ganhar. Ou perder. Cavaco, na primeira volta (em aparecendo) terá cerca de 40% dos votos. Soares deve dirigir a sua campanha no sentido de não o deixar passar dos 49%, na segunda volta. Terá de fazer como eu digo, sem sombra de dúvida. E andam aí a dizer que um presidente da república não tem de ser humanista, de ter um trajecto humanista, mesmo que se admita que o humanismo, por vezes, descambe em narcisismo. Esta é boa. Tem de ser o quê, então? Um tecnocrata ainda mais narcisista, com menos motivos para se olhar ao espelho, ainda por cima?
Que fique claro, contudo, que Soares é livre de não seguir os meus conselhos. A blogosfera representa cerca de 0,7% dos votos, provavelmente. Pouco me importa se os segue ou não, aos meus conselhos. Não vivo disto, sequer. Eu trabalho.
E não acredito, já agora, que se possa votar em Cavaco ou contra Cavaco. Ele não tem tomates para se candidatar, sequer (e se se candidatar, nesta altura, já se pode dizer que o faz por falta deles, vai dar no mesmo).
O PNR existe mesmo?
Seguindo o critério de distinção proposto pelo besugo, concluir-se-á que a paneleirice é uma característica essencial a quem julga que ter orgulho é sinónimo de boçalidade. Cabem, portanto, neste grupo as criaturas que hoje se encontraram no Parque Eduardo VII para apaziguar as suas dúvidas sobre a própria masculinidade, provando uns aos outros (e ao resto do mundo) que não só não são homossexuais como são muito heterossexuais e que a prova decisiva da profunda macheza é o facto de estarem ali todos para se manifestarem contra os primeiros. Mas, enfim, o mundo está cheio de gente deste baixo calibre, que só age motivada por medo de si, de que os outros pensem mal de si, e que quanto mais se afundam neste medo mais perigo correm de que os outros os rejeitem. Se a humanidade fosse reciclável, assim como uma espécie de reincarnação, este tipo de gente seria desperdício, daquele que se rejeitava imediatamente e que se colocava em aterro próprio para resíduos poluentes - mas, sobretudo, inúteis.
Para que fique mais claro
Esqueci-me das lésbicas: há quem chame às lésbicas "sapatões", coisas assim.
Geralmente, são menos exuberantes, menos ridículas, no seu conjunto, as lésbicas. Ou seja, os homossexuais com fenótipo feminino são
menos paneleiros, passe a simplicidade da asserção.
Os homossexuais, sejam homens ou mulheres, são absolutamente respeitáveis. Chateia-me que se discuta isto, é desonesto.
Já os paneleiros (que são os homossexuais orgulhosos e exibicionistas do seu orgulho) e as "fufas" (que são as homossexuais orgulhosas e exibicionistas do seu orgulho) são pouco respeitáveis. São tão pouco respeitáveis como os grunhos, que são os heterossexuais que também alardeiam orgulho da sua condição. Não faz sentido.
A palavra gay é deplorável, contudo. Mas terem dado o nome de Sá Carneiro a um aeroporto também é e não vi nenhuma manifestação de desagravo na baixa do Porto.
Tortulho e preconceito
1 - Carrilho mexe-se muito, faz demasiados trejeitos. Esganiça-se. Parece-me um mau candidato. Pelo debate que vi (apenas partes) não votava nele, se vivesse em Lisboa. Mas conheço-o mal, pode ser só impressão minha.
Em Carmona também não votava, mas esteve melhor na televisão, pareceu-me. Fundamentalmente, esteve menos histérico. Isto importa pouco, se eu fosse lisboeta residente e votante iria pensar mais nisto e basear-me menos em histerias em "flashes" televisivos. No fundo, não é comigo.
2 - Não me repugna a homossexualidade. Chateiam-me os paneleiros, irritam-me, mas não me enervam os homossexuais, em geral. O meu critério para chamar paneleiro a alguém não se baseia na sua opção sexual mas no seu comportamento "fora da cama". Na rua. Um tipo que diz que é "gay" e sorri orgulhoso, abanando as ancas, não é apenas um homossexual. É, sobretudo, uma aberração. Um paneleiro. Não por ser homossexual, mas por fazer disso uma bandeira galhofeira. Levar na anilha pode ser aceitável, mas não se percebe que provoque orgulho. Pode provocar é gretas.
Um paneleiro é um homossexual tão aberrante como um grunho, sendo que um grunho é (eventualmente) um heterossexual que assume, do ponto de vista absoluto e relativo, os mesmos tiques imbecis dum paneleiro, só que tende a coçar mais as virilhas em público.
Acresce, portanto, que há paneleiros que são grunhos e grunhos que só não são paneleiros porque não calha.
Posto isto, os tipos que andam aí a fazer o esquadrão G parecem-me paneleiros, não sendo importante para mim se são homossexuais ou não. Já o Herman José, independentemente da sua particular realidade, que desconheço, me parece mais um grunho.
Isto também não é muito relevante, mas pronto.
Salt Lake City (ando a melhorar, nisto dos títulos)
- Tu és um génio?
- Eu não... sou um indigente com um par de peúgas e com um gorro.
- Então por que caralho não vais dormir, já que tens um gorro?
- Bom, para começar, os próprios génios também dormem...
- E em que é que isso contraria a minha pergunta?
- Partes sempre do princípio que as minhas respostas contrariam as tuas perguntas. Já reparaste nisso?
- Já. E tu já reparaste que estás a tornar-te uma contrariedade?
- Também já. Mas em que é que isso contraria a minha resposta?
- Não durmas com as peúgas, animal.
Poupar no Betadine
- Tu és um génio?
- Não. Sou uma pequena sereia.
- Ah! Ó pequena sereia, olha, um homem chamou-me nomes feios.
- Fez mal. E tu que fizeste?
- Contei ao meu marido.
- E em que hospital está o teu marido, o outro, ou ambos?
- Eles não são médicos, nem doentes, ora!
- Pois, mas parecem-me material reciclável, sei lá.
Memórias de proboscídeo não residente no Miguel Bombarda
- Tu és um génio?
- Não, sou médico, tenho 26 anos e são quatro da manhã.
- Mas eu não te perguntei as horas. Nem a idade.
- Certo. Que foi, que tens?
- Morderam-me uma mama...
- Quem foi?
- Um senhor.
- Só pode ser um senhor. Só um senhor rasga assim uma mama. Dói-te?
- Não. Só quando amamento.
(Hospital de S.João, 1986)
comantapeltiú?
Quando estiverem na chalaça com uma mulher que use um piercing na língua não se ponham com pensamentos merdosos: a questão é "que coragem ela teve, a senhora, para fazer isto!".
OK? Não é outra!
Que cambada de devassos.
É por estas e por outras que Cavaco Silva (na sua qualidade de académico) e Pacheco Pereira (enquanto observador dos astros e de certas pigmentações visíveis só à lupa) hão-de conseguir expurgar a blogosfera do anonimato. Sim, uma mulher com um piercing na língua há-de ter de deixar o nome, o contacto... o NIB!
O que me chateia mesmo
É que o Beto está a recuperar. Bolas.
Se ele andasse num CAT, estava bem, pronto: retomava a vida activa.
Mas não, ele é defesa central, não se droga, só estava lesionado. E o Peseiro pode achar que recuperar significa "ganhar talento" e botá-lo a jogar. Bolas, outra vez. Vou escrever ao homem de Coruche. A mulher dele resume-lhe as cartas, penso eu.
Cheers
- Tu és um génio?
- Não. Se reparares, isto não é um turbante, cota bochechudo, isto é um boné da Coca Cola...
- Ah! Não faz mal. Diz-me: tendo eu dito que Alegre "é um amigo", achas que me safo?
- Acho que sim. Mas não dependerá disso que disseste.
- Vê-se logo que não és um génio, não passas dum gajo com um boné: sabes que me safo mas não sabes explicar por quê.
- Bom, eu disse que não era um génio...
- Mas usas boné, tira-o, então.
Ocê tem o cromo prateado, och Clara?
Aqui estou, besugo. Com uma pergunta: saberá a Oprah quem é a Clara Ferreira Alves? A hipótese que se me apresenta mais viável é a de que sabe, sim. A Clara está classificada como hispânica setentrional nas bases de dados da produção dos talk-show da preta gorda.
Assim que acabe a próxima crónica, a Clara tenciona deslocar-se à mansão da dita na esperança de que possam trocar cromos do Bush.
Teste à americana (não é testis)
Tu achas-me mais parecido com o Bruce Willis, com o Javier Bardem, com o Pacino ou com aquele gajo das olheiras, o Benício? Ou com o Agassi, enfim.
Não. Não podes responder Sean Penn, nem Julio César. Nem Joaquim de Almeida. Nem nenhum outro, só aqueles que eu disse. Isto é um
teste à americana: se a resposta não estiver contemplada nas hipóteses que seguem a pergunta, o problema é do João Miranda, que ele é que resolve os problemas do mundo. Meu não é, teu também não, tu só respondes.
Vá.
Glu-glu
O fim-de-semana tem outra coisa boa, na blogosfera. Como ninguém anda aqui podem dizer-se coisas parvas. Olhem outra, que vos digo eu:
É difícil escolher entre o pescoço da Clara Ferreira Alves e o pescoço dum perú, mas isso depende da quadra festiva, não é?
Isto é a brincar, pode-se brincar, já se sabe que não há qualquer semelhança entre ambos os pescoços. Não me refiro ao cérebro porque acredito na alma. Uma bala no cérebro é um perigo para a alma, se for um tiro no pescoço já não. No pé não sei.
Digamos que eu sou o cartoonista verbal da lolita. Fraco, mas sou...
- Você é um génio?
- Não. Sou uma simples transeunte. Chamo-me
Clara. Trago uma garrafa na mão mas não saí de dentro dela. Diga.
- Está ali um preto que demaiou e se espuma violentamente...
- Sim, e daí?
- Pode vir ajudar?
- Posso. Poder, posso. Mas já está lá o Oceano? O Eusébio? O irmão do ministro António Costa?
- Ainda não...
- Ah! Boa tarde, então.
A Clara ensina
Fazendo
pendant com o mais recente fétiche do besugo, a Clara Ferreira Alves
debita semanalmente uma crónica no Diário Digital. Esta semana, ambos se entretiveram com os americanos, ele dissertando sobre Clinton e Cavaco (porque este merece), ela apontando o dedo aos negros americanos ricos e remediados que ficaram indiferentes aos outros negros, estes pobres, que já não lhes bastava serem pobres, ainda haviam de levar com um furacão que mostrasse à transparência o quanto eles são pobres.
A Clara, a cronista, abre uma excepção à indiferença dos negros pelo sofrimento dos seus pares (lembro que a Clara está a falar de pretos): Oprah, a preta gorda e milionária dos talk-shows mundialmente conhecidos, é, ao que parece, a negra com maior consciência social de todos os estados norte-americanos. Não sabiam? Pois, mas a Clara sabe e ensina. E ensina, também, que os pretos deviam ser mais solidários com os seus pares, porque afinal são todos pretos. E, ainda, que antes de se criticar os brancos que não ajudaram os pretos todos devíamos preocupar-nos em criticar os pretos que não ajudaram os pretos (excepto a gorda, lembro).
Isto, percebe-se, para nos lembrar a todos que o Bush não é preto. E que, não sendo preto, há-de ser branco, no mundo bicolor da Clarinha. E a Clarinha esqueceu-se de um pormenor, mas eu não admito outra coisa: como Vinicius, Bush há-de ser o branco mais preto dos Estados Unidos.
Weak End (vá, corrige tu, Sexta-Feira!)
Durante os fins-de-semana os blogues não funcionam.
Os blogues que funcionam durante o fim-de-semana pertencem a pessoas disfuncionais que, em vindo do trabalho (ou duma orgia, ou do hipermercado, ou de ouvir a Aida cantada por ciganos), resolvem vir escrever sobre disfunções.
Querem que vos fale sobre a disfunção eréctil?
Lamento, não posso, só falo do que sei.
Sobre isso podem falar com o João Miranda, do Blasfémias. Não é por isso que estão a pensar, eu sei lá disso. Não. É que ele sabe de tudo.
Isto é a brincar. Sou casado, rédea relativamente curta, tenho filhos pequenos, não me deixam sair à noite para muito longe, ainda é verão, o verão é uma espécie de carnaval mais comprido, "ninguém leva a mal", e acaba na mesma em lhe chegando o fim... Tinha um amigo que se chamava Serafim e em casa era conhecido por Fim, mas teve mais irmãos depois dele, apesar disso, e os pais devem ser das pessoas mais incoerentes que há.
Still crazy after all (era só mesmo isto, não era a canção...)
- Tu és um génio?
- Não, eu estava dentro duma garrafa que tu desataste a cuspinhar e a esfregar, mas não sou assim muito esperto...
- Não importa: diz-me se achas que devo dizer-lhes o que já decidi, uma vez que já decidi.
- For Christ´s sake! No! Not here, in London!!
- Claro. Era o que eu pensava. Queres que sorria mais?
- Não, pára, pelo amor de Deus: mesmo quando estás sério se nota bastante...
- E vou ganhar? Não vou? Já houve sondagens...
- Vais, Luís Filipe Vieira, claro que sim.
- Mas eu não me chamo isso...
- Não faz mal, ganhas na mesma, é como tu quiseres, mas tira esse sorriso da cara. Pareces o Marilyn Manson acabado de sair do barbeiro! Olha, eu quero entrar na garrafinha, por favor, ou páras ou eu entro!
O velho, o poeta e o simples
Cavaco Silva é simples, talvez anacrónico. Falta-lhe requinte, ninguém lhe nota as camisas alinhadas - o que deve ser um sinal positivo, porque ao rapaz das ondinhas é isso que mais salta à vista. O certo é que o sofisticado - e, este sim, irrecusavelmente anacrónico - Soares já fez toda a campanha que podia fazer a favor do simples Cavaco. Não basta ter perfil, de facto. Nem mesmo frontaria de fanfarrão.
Poderá o poeta mudar-nos o destino? Eu tenho fezada que sim.
Ninguém sorri assim, mas por outro lado...
Pronto. Parece que o homem já decidiu. Mas ainda não diz. Aparentemente, porque acha que não se deve comunicar este tipo de coisas enquanto se está em Londres. Repetiu isto de estar em Londres umas três vezes, como se dissesse uma coisa profunda e ornamentando-se com um sorriso sardónico, uma espécie de rictus. Um esgar esquisito.
O homem não me parece estar nada bem, mas, valha a verdade, nunca me pareceu.
A esposa, originalmente (e de cor-de-laranja), afirmou que "o que ele decidir está bem decidido". Ou seja, nem ela sabe o que ele já decidiu? Ele não lhe diz, a ela? Por ser em Londres? Que mal tem Londres? Em Paris (ou em Riga) já dizia? Ou é por não ser em Portugal? Quando chegar a Lisboa diz logo, ou o problema deixa de ser Londres e passa a ser outro qualquer?
Hoje por hoje, embora tenha um aspecto
entre o treinador de hóquei em patins e o rato de sacristia sem guito para o barbeiro, Nuno Melo (bem apanhado, lolita) parece-me mais convicto que Cavaco numa data de coisas (o que é divertido, sobretudo quando o promissor e pouco alto tribuno põe aquela cara de puto feioso que foi às bolachas, convencido que ostenta fisonomia severa de estadista).
Os putos
Inquietante, por já parecer eternamente circular. Regressamos à discussão de saber se se despenaliza ou não o aborto, afundados numa obsolescência embaraçosa alimentada por estrategas da demagogia, daqueles que ostentam a sabedoria, que nem sua é, ainda que fosse sabedoria, encavalitada nas ondinhas capilares. Pois, continuamos obsoletos, não porque no resto da Europa já ninguém discute há décadas se se despenaliza o aborto, mas antes porque resistimos, pela indolência e pela inconsciência da cidadania, a discutir o indiscutível, porque ninguém pode discutir o destino a dar à vida de quem já vive e, sobretudo, porque ninguém faz sacrifícios por ninguém, ainda que esse sacrifício pareça nobre aos outros, se não o fizer porque quer, porque convictamente quer. Gerar uma vida, também por respeito à sua criação, é um acto, ainda que não premeditado, de amor por quem gera e por quem nasce; nunca será, nem por decreto, uma conformidade com um acto circunstancial que involuntaria e incidentalmente a gera. Os Nunos Melos, os das ondinhas capilares e camisinhas alinhadas, disto nada sabem nem nunca saberão por muito que busquem no fundo da sua profunda incultura humanística, entretidos que estão a enfeitar a própria e vaidosinha casca de políticos de brincar às casinhas. Se a justiça humana fosse feita mais de transparências do que de compromissos, estes homenzinhos, que seriam transparentes, não seriam tidos nem achados na discussão de coisas a sério. Fariam surf e seriam admirados pelas namoradas por serem ladinos e frescos. Até eles sairiam claramente beneficiados.
Sondagens Lux
Quanto ao resto não sei, acho que jantava com qualquer um, desde que tivessem todos maneiras à mesa e dividissem a despesa. Com Cavaco era mais difícil, claro, por causa da espuma ao canto da boca. Aquilo enjoa um bocadinho, embora eu suporte coisas piores quando estou de serviço. Mas, lá está, é no serviço. Não é num jantar.
Agora, sobre aquilo de emprestar o carro, caramba: não mudo um milímetro. Eu emprestava o carro, apenas, a Manuel Monteiro. Não tem explicação, é mesmo assim.
Nem sempre bem disposto, mas disposto.
- Você trabalha bem. Conto consigo!
- Conta? Trabalho bem, eu? Que quer de mim, diga.
- Conto consigo. Está disposto?
- A quê?
- A que eu conte consigo...
- Claro. Mas, colocadas assim as coisas, o problema é mais seu que meu, não acha?
- Diga?
- Estou, estou. Como sempre. Mas olhe que já não salto de nenhuma ponte...
- Sempre a brincar. Então, conto?
- Conta. Você conta sempre, eu é que não sei muito bem se conto, mas você, caramba, conta sempre.
O direito de saber
De vez em quando tenho de os internar, nem todos podem fazer quimioterapia em ambulatório.
Ultimamente, os mais antigos, andam num diálogo secreto que desvendei há muito mas que nunca me contaram, assim de olhos nos olhos:
- O Taveira? Já terá ido? Estava aí às quartas feiras...
- Não sei... E a Quitéria? Estava com mau ar...
O Queirós e o Ribeiro estavam nisto, sem saber que o Rocha (não falaram nele, foi rápido, não deram fé, ainda) se escoa da vida na última icterícia. Já não fala, sequer, e sangra muito. Está internado na agonia da morfina e da encefalopatia hepática, duas misericórdias, há alguns dias.
Não. Isto trata-se assim, é muito fácil e não dói nada, muito menos a um boi de "bata branca" sem competência nem alma, não é? Daqueles que se julgam donos da verdade, mesmo à hora em que a família janta, digam para aí, andem! Faz-se assim: interna-se o Queirós ao lado do Ribeiro, longe do Rocha. Nem o Rocha os pode ver nem eles precisam de se ver ao espelho, por enquanto.
Puta da "avec", que me chateou. Escusava de vos contar isto e de passar por aquilo que não sou, por uma espécie de cientista das coisas correctas, como há aí tantos, e tão moles.
Dos rústicos que apetece abraçar
- A minha
maman toma "Xiripituce" e uns que são "amarèle".
- Não trouxe as caixas, não? É que "Xiripituce" aqui, em Portugal, não há, sabe... e "amarelos" há vários...
- "Mé"... foi o
médique francé cadice!!!!
Ban!- Pois, mas era preciso saber o que é, os nomes comerciais variam de país para país, sabe? Eu esse não conheço, não tem esse nome cá... e os amarelos também era bom saber quais são, entende?
-
Ban! Já se save caqui, au Portugal, ningã sabe nadá!- Pois, é por isso que
o país não vai pá frente. Escute, pode ir a casa buscar as caixas?
-
Ancompêtãn!- Cala-te (interrompeu o pai, marido da criatura deitada no leito, que ainda não abrira a boca, baixo nos seus ombros de antigo trolha) e vai buscar a porcaria das caixas, rapariga!
-
Mé!...- Nem mé nem meio mé, vai lá, cabra de merda!
-
Ah! Ban...
Enigmas
Aconteceu-lhe outra vez. Ainda bem, tenho tido dias difíceis (não, não é disso) e assim rio-me, para desopilar.
Neste último delírio, Clinton é Cavaco.
Que raio: Cavaco faz-lhe lembrar Clinton porquê? Sabe Deus...
Clinton ia para o segundo mandato, Cavaco é (ou dizem que é, mas não se pode dizer, ainda; só em Outubro, ou assim, uma estupidez qualquer de indeciso - eu, se quisesse derrotá-lo numa campanha, começava a zurzi-lo com isto:
olhe, Aníbal, deixar no ar que "eu vou, mas só digo em Outubro" é duma pobreza confrangedora, de timoratozinho) candidato ao primeiro.
Depois fala em dígitos. Dois. De vantagem. O que é isso de dígitos? Refere-se às unidades, às dezenas, a quê? Está mal. Não é dígitos que se diz. Ele devia saber, porque escreve para um público vasto. Bom, pelo menos eu vou ler, mas também gosto do Inimigo Público, serei suspeito. Bom.
A seguir sentencia que "a diferença é irrecuperável", fundamentalmente porque
agora não é importante e
porque Soares não merece. Vão lá ler, é isto que ele diz. É muito engraçado.
Em contrapartida, Cavaco merece.
Pelo seu passado (belo tiro no delgado pé, até admito que haja quem pense que merecem igual, pelo passado, que eu lembro-me do episódio de luta no eléctrico, aquilo do candeeiro, enfim... mas mais, não),
pela circunstância nacional (ou seja, ele vai ser presidente da república mas vai "abiscatar" como ministro das finanças, da economia, da defesa, do economato, da moral, dos bons costumes, da justiça, da saúde, da pesca e, não consigo deixar de me rir, da serralharia; isto por conta da chave que tem)
e pelo futuro (os desafios que aí vêm, para Delgado, não são o caralho do Halmstadt, do Inter, do Manchester, do Estrela Vermelha, nada disso: os desafios são uma coisa qualquer que ele tem na cabeça; e reparem que evitei um caralho nesta frase, apesar de tudo).
Será que Mário Soares pensou em tudo isto?, questiona Delgado, gravemente.
Quero lá saber, homem! Deixe rolar, espere aí, a ver se o Cavaco, em Outubro, sempre vem dizer o que disse que só dizia em Outubro (descobri: o homem só funciona depois do verão, às tantas) e, se vier, esperemos pelas eleições. Custa-lhe assim tanto evitar o disparate baseado em virtualidades?
Mas, como eu disse, não quero saber disso para nada, acredite. Soares, Cavaco, olhe: para já, neribi.
O que eu gostava de saber é como é que você faz estas coisas. Não, agora a sério: Clinton faz-lhe lembrar Cavaco porquê? Há qualquer coisa que não esteja a partilhar connosco?
Mais um
O
jovem colega escolheu a Cirurgia Geral. Fez bem.
Escolheu o "inimigo". Nos dois últimos anos aprendeu, entre muitas outras coisas infinitamente mais úteis, seguramente, como são as relações entre internistas e cirurgiões: uma mistura de "detesto-te e gosto de ti", que é mútua e cimenta amizades. Muitas vezes, sobre estéreis discussões, consolida-se o respeito.
Como internista, nunca senti os cirurgiões gerais como exército do outro lado da barricada. Penso mesmo, cada vez mais, que vamos sendo nós (os "tontos") os únicos que vamos segurando a mesma bandeira, do mesmo lado das trincheiras.
Não ligue, quando ouvir um internista dizer-lhe que não passa dum trolha, e que, em seis meses, aprendia o que você vai levar seis anos a aprender: queria ser ele a operar o doente, também, e não sabe fazer isso. Nós também não ligamos quando os cirurgiões nos dizem que "o teu doente vai morrer, enfim, mas conseguiste que tivesse análises quase normais, finalmente". Ambos sabemos que temos especialidades complementares e um objectivo comum, que a nossa competição tem raízes fundas na pueril rivalidade entre quem " só mexe" e quem "só pensa", sendo seguro, hoje, que todos fazemos, o melhor que podemos, ambas as coisas. E, esperemos, fá-lo-emos cada vez melhor.
São provocações de quem se respeita, salvos os casos de mau carácter, que os há em todo o lado.
Deixe a subespecialização, por enquanto. Aguente-se. Diferencie-se quando puder, evidentemente, que um homem tem de tentar ser feliz e encontrar a sua paz, depois de
passar o seu quinhão de passas do algarve. Mas aceite os meus parabéns pela sua escolha de agora.
Bem vindo a bordo. Força e felicidades.
Tenho de fazer a ronda pelos blogues de jovens médicos que por aqui andam, tenho-me desleixado e perdido com isso.
No name song
Tenho andado em baixo, um bocadinho.
Um besugo andar em baixo, ainda que só um bocadinho, importa tanto, ao mundo, como qualquer outro patamar em que um besugo ande. Ou como qualquer coisa que um besugo diga. Um besugo é só um besugo. E, se se limitar a nadar pacificamente nas suas pequenas águas, esguichando vez por outra, pode ser considerado, mesmo, um adereço divertido: sem assento baptismal seguro, mas nadando menos mal na pia pia. Sim, foi mesmo isto que eu quis dizer.
Isto não é de agora: o que dizemos vale, para os outros, o que valer o nosso nome.
Aqui não. O blogame mucho pode ter muitos defeitos (agradecia, contudo, que me apontassem um, um honesto e inequívoco defeito que mais ninguém tenha, por aí, entre amigos e senhores arquitectos do futuro) mas não tem estes: não tem falta de sentido nem se apouca na falta de nomes.
Faz sentido ter o blogame mucho enquanto, se um besugo estiver em baixo, houver uma lolita que o conheça bem e que lhe assegure ser, mesmo remexendo-lhe na dúvida, um homem de bem, tolerante e necessário. Faz sentido enquanto houver um alonso que não escreve dias a fio, mas sabemos que vai escrever a qualquer momento, e que telefona a dizer "está tudo bem? eu não tenho tido tempo mas ontem pareceu-me... está tudo bem?". Faz sentido enquanto um besugo souber muito bem quando é que há-de estar calado e quando há-de, toscamente, rabiscar um texto a dizer obrigado. E faz sentido enquanto houver alguém que, de fora, bata levemente para entrar, mesmo que seja para sorrir sem perceber.
Num mundo sem heróis e sem vilões, que cada vez mais se confundem e se anulam, mesmo nas individuais profundezas da alma, se é que existe uma, faz sentido, mesmo, deixar ficar assim, no ar, sem mais química explicativa, por que raio estou assim. Estou assim porque estou. E, disso, sabe quem sabe. Hei-de subir de novo, em breve, porque mereço e mo merecem as pessoas que gostam de mim. Assim sinta, outra vez, força nas pequenas barbatanas.
Quem me não conhece, quem não me quer, que fique bem, também.
Mas, quem me conhece, a lolita, disse que sou um homem de bem. Notem. Sim, era comigo, o exagero amigo ali abaixo. E ser um homem de bem é bálsamo que só aceitamos de quem sabe do que fala, ainda que com a benevolência da candura, que tudo desculpa. Há quem nos encontre brilho mesmo onde sabemos estar baços, foscos, com verdete.
Quando passo dos fundos da raiva e da tristeza, que se confundem muito quando estou na minha cinza, ao elevador da ternura, renovo-me. Apetece-me abraçar pessoas, tocá-las, beijar os filhos, os pais, os amigos, as amigas, toda a gente, desejar-lhes bem.
Há muitas falsificações de Rubens. Mas eu não sou, garanto-vos, nem um Rubens, nem nenhuma falsificação. Há alturas em que me sinto, mesmo, feia moldura da beleza que adivinho. Nos outros? Sim, evidentemente. Onde mais? Num espelho mentiroso qualquer?
O que é um homem de bem?
Homens que se construiram nas agruras dos dias árduos que sempre lhe adiam vontades, umas pueris, outras decisivas. Que acreditam tão convictamente que abalam os que têm certezas; que são a prova viva de que há erros que não são mais do que pontos de vista. Que se doem mil vezes por uma mágoa repetida, que lhes dói sempre como da primeira vez. Que têm gosto bom, daqueles refinados na mais pura essência, inatos e sempre inacabados, capazes de reconhecer o belo sem nunca antes ter sabido dele. Homens que amam tão profundamente a descendência que tantas vezes se confundem com ela, na procura do seu caminho. Que sentem pelos outros quando outros sofrem. Homens que não fogem a desafios, mesmo os sinuosos ou incertos, quando estes se lhes impõem para que possam saber-se honrados e, no final dos seus dias, morrer no conforto dos seus, sabendo-se amados e admirados por quem lhe percebeu, acima de tudo e de todos, a essência da vida, construída no caminho em que os seus passos se davam mais adiante de si, para que se cumprisse o seu nobre desígnio de se cumprir nos outros.
Porque é que falo nisto? Porque estes homens são a medida dos outros. A bitola para que os restantes se dividam em medianos, maus ou imprestáveis.
Despertar o silêncio calando o ruído
"Uma pessoa nunca deveria contar nada, nem fornecer dados nem contribuir com histórias nem fazer com que os outros recordem seres que nunca existiram nem pisaram a terra ou cruzaram o mundo, ou que passar, passaram, mas estavam já meio a salvo no vesgo e inseguro esquecimento. Contar é quase sempre um presente, mesmo quando a história contém e injecta veneno; é também um vínculo e outorga de confiança, e rara é a confiança que antes ou depois não se atraiçoa, raro o vínculo que não se enreda e embaraça, e assim acaba por apertar e há que puxar da navalha ou gume para o cortar. Quantas das minhas permanecem intactas, das muitas confianças oferecidas por quem tanto confiou no seu instinto e nem sempre lhe deu ouvidos e foi demasiado tempo ingénuo? (Já menos, já menos, mas a diminuição disso é muito lenta.) Continuam intactas as que depositei em dois amigos que ainda as conservam, face às colocadas noutros dez que as perderam ou desbarataram; a escassa que dei ameu pai e a pudibunda que dei a minha mãe, muito parecidas se não foram a mesma, a dela aliás não durou muito, já não pode defraudá-la ou só postumamente, se eu fizesse um dia alguma má descoberta, e algo oculto deixasse de ocultar-se; não perdura a da minha irmã, nem a de nenhuma noiva nem de nenhuma amante nem de nenhuma esposa passada, presente ou imaginária (costuma ser a irmã a primeira esposa, a esposa menina), parece obrigatório que nessas relações se acabe por utilizar o que se sabe ou o que se viu contra o amado ou cônjuge - ou quem acabou por ser só momentâneo calor e e carne -, quem fez revelações e admitiu uma testemunha para as suas fraquezas e pesadumes e se prestou a confidências, ou simplesmente rememorou sobre a almofada abstraído em voz alta sem reparar nos riscos, nem no olho arbitrário que sempre nos fita nem no ouvido selectivo e enviesado que nos escuta (muitas vezes não é nada grave, uma utilização apenas doméstica, defensiva e encurralada, para se encarregar de razão num apuro dialéctico quando se discute copiosamente, um uso argumentativo).
A vulneração da confiança também é isso: não só ser indiscreto e ocasionar prejuízo ou perdição com isso, não só recorrer a essa arma ilícita quando os ventos mudam e se mete a proa ao que contou e deixou ver - aquele que se arrepende agora e nega e confunde e enturva agora, e quisera apagar e cala -, mas sim tirar vantagem do conhecimento obtido por debilidade ou descuido ou generosidade do outro, sem respeitar nem ter em conta a via pela qual se veio a saber o que se esgrime o tergiversa agora - ou basta tê-lo enunciado para que já o ar o desfigure ao recolhê-lo -: se fossem as confissões de uma noite apaixonada ou um desesperado dia, de um entardecer de culpa ou um despertar desolado, ou da embriagada loquacidade de uma insónia: uma noite ou um dia em que quem falava falava como se não houvesse futuro para além dessa noite ou dia e fosse a sua língua solta morrer com eles, ignorando que há sempre mais para vir, resta sempre, um pouco mais, um minuto, a lança, um segundo, a febre, e outro segundo, o sonho - a lança, a febre, a minha dor e a palavra, o sonho -, e também o interminável tempo que nem sequer vacila nem afrouxa o passo após o nosso acabamento, e continua a acrescentar e a falar, a murmurar e a indagar e a contar embora já não ouçamos e nos tenhamos calado. Calar, calar é a grande aspiração que ninguém concretiza nem depois de morto, e muito menos eu, que contei amiúde e para mais por escrito e relatórios, e ainda olho mais e escuto, embora quase nunca pergunte já nada em troca. Não, eu não deveria contar nem ouvir nada, porque nunca estará na minha mão que não se repita e se afeie contra mim, para me perder, ou ainda pior, que não se repita e se afeie contra aqueles a quem eu bem quero, para os condenar."
P.S. Esta é uma transcrição integral do primeiro capítulo do romance "O teu rosto amanhã (1. Febre e Lança)", de Javier Marias. Aconselho leitura atenta e aguardo reacção (é contigo, sim, besugo, que sabes contar estórias e percebes de silêncios).
Ainda que torne a acontecer.
A nossa incapacidade de prever catástrofes não é a razão que explica a nossa incapacidade de nos prevenirmos. A primeira está além da nossa natureza. A segunda, porém, é da nossa natureza.
Vivemos o presente dia a dia, suportando males e disfrutando de alegrias, seguros de um futuro risonho cuja incontornável incerteza, sempre que possível, afastamos do pensamento. Na certeza de que somos indefesos contra qualquer horror que nos assalte, seja através de mão humana ou por acto de Deus.
Mas não há, ainda assim, outra forma de viver em paz. E é em nome da nossa paz é que não nos prevenimos.
Pêsames
Outra vez 11 de Setembro.
Lembro-me de ter pensado, nessa altura, o que penso hoje:
não vou assustar-me mais com a barbárie só porque passou a ser espectacular; vou é ter de ouvir os tipos que pensam que ela só começou agora a tentar explicá-la; no seu tempo, no seu espaço, para a perceberem e não terem de mudar grande coisa no que se passa dentro das suas caixas córneas sem memória.Bem vêem: eu já vi gente morrer à sacholada. E li sobre um linchamento em Quebradas, perto de Aveiras, há uns anos, executado por cidadãos eleitores e de fato no intervalo dum casamento, ou dum baptizado, já nem me lembro de que sacramento se tratava ali.
E vi os dois polícias ingleses serem espancados até morrerem na Irlanda do Norte, em 1989. E o piloto isralelita que teve o azar de se ejectar no Líbano, a levar pontapés na cara. E os belgas. E os outros, no Sudão, na Libéria. E sei o que fizeram ao Miguel de Vasconcelos, às bruxas, ao Ceausescu e à mulher, a vários médicos e filósofos, àquela romena que ia a passar naquela praça grande, em Bucareste, quando os mineiros desceram à cidade, aos judeus, aos adeptos do Braga que foram ver o jogo a Vigo, no ano passado, aos pretos que moravam nos prédios velhos de Paris...
E vi muitas mais coisas, em quase todos os sítios. Ligo-as todas e, perante estas coisas más, e outras que não digo agora, tento pensar: "não te assustes mais, não te assustes mais, não mudou nada, agora filmam tudo, tu estás sempre a ver, é só isso, mais nada, é sempre igual".
É, não é?
A ho(n)ra é calma, sofrida e soli(d)tária
Sobre o Sporting - Benfica digo o seguinte:
1 - Que estou contente, o Sporting ganhou. O contentamento, a alegria, são sentimentos conjunturais. Continuo a saber que amanhã é outro dia, depois é outro. Já li muitos livros e os livros acabam todos, mesmo que não os acabe eu: acabam eles.
2 - Que gostei que o Loureiro marcasse um golo. É bom jogador, esforçado, personalizado, forte.
3 - Que vi a bola ser salva, por três vezes, por defesas do Benfica, em cima da linha de golo, o que traduz uma leiteira monumental dos lampiões. E que os jogos são, também, feitos de leiteira. Já vi disso ao contrário, não vamos por aí.
4 - Que a justiça do vermelho a Ricardo Rocha é muito discutível. Eu, se fosse árbitro, mesmo sendo doente pelo Sporting (o que nem é o caso do árbitro, mas é o meu caso), não lho mostrava. Dava-lhe cartão amarelo, que nem o jogo nem o Ricardo Rocha pediam aquele vermelho.
Digo isto, que também é discutível: os árbitros têm de sentir o jogo, gostar dele. Eu gosto muito, é por isso que digo o que digo, gosto de ver, já o joguei, gosto e sinto-o. Era amarelo, mais nada.
5 - Que jogou muito bem, o Benfica, depois de ficar com dez jogadores. O Benfica tem jogadores com personalidade e um bom treinador. Gostei de ver, fizeram-me sofrer muito, gostei. Isto é "desportivamente correcto", eu sei, mas eu não acredito nas virtudes absolutas da incorrecção como modo de vida. Não sou uma gaja histérica, não aprecio rebeldes sem causa.
6 - Que vou torcer pelo Benfica contra o Lille. Não por achar que se deve estar sempre pelas equipas portuguesas quando jogam com equipas estrangeiras, isso depende (há muitos mais portugueses a jogar no Dínamo de Moscovo, por exemplo, que no Benfica, no Sporting, no Porto), não, eu vou torcer pelo Benfica porque acho que, desta vez, eles merecem.
7 - Que, como é óbvio, não se sentiu a falta do Beto. De nenhum dos Betos, aliás.
Sou do Sporting, estou contente pelo singelo facto de o meu clube ter ganho, ainda por cima ao Benfica, mas gostei do Benfica, hoje. Dir-me-ão que foi por ter perdido? Nada disso. Foi por ter mostrado que não queria perder e por me parecer que, apesar de o resultado ser justo conforme ficou, podia não ter perdido. E perdeu. Fica aquela sensação de partilhar da tristeza dos outros, esse terno entendimento da tristeza dos outros que legitima, de forma absoluta, as nossas tristezas, quando nos calha tê-las, também.
O Benfica é insuportável na vitória mas, em o vendo aos pés, apetece estender-lhe sempre a mão para se levantar e dar-lhe outra oportunidade.
Com o Porto é o mesmo. Também não gosto de os ver de rastos. Se bem que (e a lolita que me desculpe, aliás ela não é assim, é de "estender a mão", por isso desculpa-me, de certeza) muitos dos adeptos do Porto não sejam, em regra, capazes de entender, sequer, por que é que eu digo isto. Mas há muitos que sim, há-de haver mais com o tempo, espero.
Viva o Sporting.
(O título é uma merda, admito. O resto não acho, mas pode ser que seja.)
Não há maneira de aprender
Tomei conhecimento,
caro Miguel.
Por momentos, pensei que o Penn, que tem sempre aquele ar de quem hesita entre espancar a Madona ou fazer-se sodomizar pela mesma (e pela parentela restante), tinha ido ao fundo com o respectivo e histérico bote.
Seria bom. Mas não.
Penn limitou-se a ser o que é sempre, uma talentosa mistura de Jane Fonda com Luís Delgado, com menos talento que a subtracção aleatória do talento dos outros dois: um entusiasta de si, um cróio, um escorbuto num mundo que não tivesse laranjas decentes. Olhe, nem rosas, já agora.
No fundo,
você não tem culpa: bem me avisou que tinha sido o barco a afundar-se, não o Sean. Mas que quer? Eu penso logo que quando um barco vai ao fundo se escuta a música do Titanic e o mundo se embeleza de catástrofes geladas, belas, purificadoras.
Pigs on the screen
Hoje, um homem que (creio) é empresário - portanto, anda a esforçar-se para fazer parte da "dúzia e meia" de que eu falava ontem, a querida "empreitagem" -, afirmou que o que competia aos empregados dos serviços públicos era fazerem muitas horas extraordinárias à borla, para imitarem (isto é indesmentível, a excitação do homem não lhe deixa margem de manobra) os trabalhadores dele. "Privados, logo, dele". Isto tudo para salvar o país. Pobres trabalhadores dele. Não lhe dão coça porquê? Ah! Pois. Já percebi. Para salvarem o país.
Eu gosto muito destes tipos que exortam os outros a salvarem o país, porque me parecem imprescindíveis e extraordionariamente contributivos. E sacanas. Mas retiro o que disse, sei lá se o homem, apesar de parecer extraordinariamente convicto, não estava só a brincar. Eles são muito dados a jogos florais, às suas petúnias. Reinam muito, são reinadios.
O discurso empresarial
já maçadote é este: "ó animal, tu, se queres comer 250 gramas de fiambre por semana, ou contribuis para as minhas trufas diárias ou, alternativamente, vai matar o porco que hás-de ter, no teu quintalejo - que te cobiço!".
Eu ia lá matá-lo, ao porco, e lá terei de ir, um dia, que também tenho um quintalejo, eu. Embora seja sabido que (em sendo abatidos pelos resinosos e "navalhentos" métodos tradicionais) eles guincham muito. Os porcos.
Depois de dependurados guincham menos e comem-se bem, grelhados.