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18.9.05

Algumas notas sobre eleições, programas e presidentes

Admitamos, como o besugo, que há um conjunto de eleitores, que ele designa por eleitorado do centro, que "não tem ideias, não tem inteligência, não tem motivação". Com isto eu concordo. Há, de facto, muita gente que não tem nenhuma destas características e muita gente, também, que só possui algumas delas. Mas todos eles, titulares de um direito inviolável a sufragar, são bem mais decisivos do que os eleitores disciplinados - aqueles que votam sempre no mesmo partido ou que, em qualquer caso, votam sempre de acordo com a orientação que o partido lhes der - no resultado de uma eleição. É que, quanto a estes eleitores acríticos, são favas contadas. Na prática, são irrelevantes do ponto de vista das previsões das intenções de voto.

Não me parece é que esse eleitorado acéfalo e desmotivado se situe algures no centro, seja o que for que isso signifique, até porque para se saber que se está no centro é imperioso que se saiba quais são os extremos - dado esse que, convenhamos, se torna cada vez mais irrelevante do ponto de vista das ideologias e das convicções. Hoje, muito mais se cultivam personalidades e senadores e já ninguém estranha que as lideranças de esquerda evoluam para lideranças de direita. Lembremo-nos de Garcia Pereira, enaltecendo as qualidades de Freitas do Amaral. E, falindo as ideologias, também se esbatem as convicções. Se exceptuarmos aqueles que, com algum atrevimento, admito, se podem designar por fundamentalistas dos partidos, todos os outros se decidem casuisticamente, ao sabor das influências, das simpatias e das motivações dos homens políticos - e muito pouco dos partidos.

Todos sabemos, por exemplo, que o actual eleitorado do BE é constituído por muita da malta que, há uns anos atrás, votava no MEC. Trata-se daquela franja de eleitores que se sentem atraídos pela política colorida, que discute temas das minorias num tom fracturante, independentemente de se situar à esquerda ou à direita. São eleitores que votarão Soares porque o acham muito jovial para a idade, e que votariam Cavaco se este, um dia, decidisse aparecer na Praia da Rocha com calções de surfista. Ou que votaram, uns no Sócrates, outros no Santana Lopes, pela mesma razão: pelo charme (?) de ambos. Decidem-se, do ponto de vista das escolhas, pelo show-off do candidato e não sabem nem querem saber de programas eleitorais. Este eleitorado, ululante e volátil, também decide eleições - embora só muito raramente se situe ao centro.

Quanto a Soares. Pressente-se o esforço do besugo em torná-lo menos susceptível de desconfiança do que se tem demonstrado e, consequentemente, em torná-lo mais simpático e mais mobilizador do tal eleitorado "acéfalo e desmotivado". Mas há manchas que permanecem, por muitas lavagens que se façam e ainda que se usem branqueadores: o episódio "rasteira ao Alegre " é um exemplo bem ilustrativo. Eu acredito, no entanto, que os eleitores acéfalos e desmotivados se motivem a votar no Soares apenas para que Cavaco Silva (o ícone máximo do cinzentismo) não ganhe. Mas acredito, da mesma forma, que há eleitores mais obstinados e imunes à retórica bacoca, ao penteado trendy ou aos auto-proclamados reservas morais da nação que não querem Cavaco mas que, entre Soares e Cavaco, saltam fora. O besugo é um destes eleitores, parece-me; com a diferença de que previligia a derrota de Cavaco, se ela de si depender.

Isto é uma verdadeira escolha democrática? Não me parece. Esta discussão, feita de sondagens, previsões e dados por confirmar sobre as estratégias de mobilização de uma esquerda unida contra o futuro (quase perfeito) candidato da direita, só demonstra que, nas próximas presidenciais, os portugueses não escolherão um presidente de entre vários possíveis; decidirão, isso sim, se o próximo será Cavaco Silva.

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