blog caliente.

27.9.05

A Carminho

Quando lhe fiz quimioterapia adjuvante, há 3 anos, ela só tinha 23 anos e era douda. Pensou que tinha ficado curada e eu também pensei que sim.
Agora sabemos ambos que não ficou. Tem 26 anos incompletos e um filho. Continua amalucada e tem o mal a doer-lhe, desta vez nas costelas. Tem de fazer, outra vez, aquelas drogas que lhe causam nojo. E já me disse: não quero, vá-se foder, não quero!

Ela, enquanto fez a quimioterapia adjuvante, aproveitou a queda do cabelo (morena maluca) para ver como ficava loira: e comprou, evidentemente, peruca amarela. Deitou-a fora depois, não gostou, livrou-se dela. Libertou-se da náusea química libertando-se da física e artificial pelagem.

Assim se tivesse libertado da maleita, mas Deus não é justo com ninguém (que Deus é a justiça...) e não tolera brincalhões. Deus parece levar-se tão a sério que insiste em levar a si as criancinhas, o que é profundamente criticável e injusto. E inevitável, tanto quanto se entende desta pequena teologia da miséria.

Amanhã, quando lhe disser que vai voltar ao purgatório da alopécia, paliativa desta vez, há-de dizer-me, vinte vezes, aos berros, que não quer, que não vai, que me vá foder. Depois, há-de entrar na casa de banho do pessoal (fez sempre isso, nunca foi à dos doentes) e fechar a porta, deixando-me no consultório a ouvir-lhe o choro de ranhosa. Há-de sair, depois, mais composta, barafustando ainda, já mais baixinho, perguntando-me quando é que começamos.

Há-de ver-me sempre como o filho da puta que lhe dá as más novas e o tipo tolerável e tolerante e sacana que lhe acaricia o filho como se em cada carícia lhe disséssemos adeus, ambos, a ela.

O homem já não a quer, deixou-a ainda antes da peruca loira. Os tesões são difíceis em altura de sofrimento e toda a gente sofre um bocadinho, todos os dias, dispensando ao drama explicações adicionais. É só a vida.

View blog authority