blog caliente.

30.12.05

Má quadra (2)

Fazia sempre as leituras, na missa de domingo. Voz possante nos pulsos grossos, enchia a Matriz de palavras anchas, como se dissesse poemas, coisas que ele próprio tivesse escrito, ou que tivessem sido escritas por quem ele amava. E assim era, no fundo: lia amorosamente palavras que sentia amorosas, por duras que fossem.

Começou por querer ser médico, depois (ou antes?) padre, mas o Deus que amava mais que tudo destinou-lhe um uniforme - que trazia, apensa, vida militar. Temperou o carácter rijo e disciplinado em S. Miguel, cinquenta anos antes de eu arribar à mesma ilha, vestido de uniforme diferente - mas que lhe era, também, querido e respeitável - e bem menos provido de força e crença.

Depois disso, a vida foi-lhe escorrendo conforme costuma escorrer, em a deixando, umas vezes melhor, outras pior. Morreram-lhe duas filhas, as duas mais velhas, ainda adolescentes, num acidente triste, que marcou a minha infância tenra com o primeiro sangue fundo. Ganhou coragem nos dias que passavam e na força que já tinha. Espalhou bondade e dureza conforme lhe pareceu que devia, como faz qualquer homem em tempo de decisões.

Para o fim, esmoreceu-lhe o corpo e começou a irritar-se com as limitações que a carcaça lhe impunha à determinação. Foi deixando claro, progressivamente, involutivamente, a toda a gente, que já não era o mesmo. Por outra, era o mesmo, de facto: mas menos, como costuma acontecer a todas as pujanças, com o passar do tempo.

A mulher morreu-lhe, há nove dias. Não teve disso ciência porque o Deus dele, que tanto amava, se esmerou na sua misericórdia por ambos: tirou-o de casa, para o hospital, ele próprio muito mal, algumas horas antes de a chamar a si. Ninguém lhe disse que enviuvara, todos esperando o momento certo. Tontos, que nunca aprenderemos que certeza nenhuma se aplica a momento nenhum.
A consoada foi mais triste, mas fez-se. Fez-se, como se fazem as coisas todas que têm de se fazer: fazendo-as. Pareceu melhorar, anteontem, conseguia falar sem grande pieira, perguntou por ela; e nós dissemos-lhe que estava bem, à espera dele, que talvez passassem o ano juntos, se tudo corresse bem, e ia correr.

Como se nos lesse na escolha cautelosa das palavras a verdade que lhe escondíamos, feitio dum raio, decidiu piorar. Como se adivinhasse, mesmo, que aliviávamos o luto, nas roupas, antes de o ir ver, para que não soubesse.
Está, neste momento em que escrevo de longe, porque o cuidava convalescente e pretendi para os meus um pouco de paz e de riso despreocupado, a preparar-se para ir ter com ela. Como se ela o chamasse, como se ele a escutasse, como se o Deus que ambos tanto amaram os quisesse juntos para se desejarem, mutuamente e aconchegados, um Ano Bom.

Adeus, Tio-Avô Manuel, último tecto do meu Pai antes do Céu. E Bom Ano para todos os homens e mulheres de boa vontade.

Por falar em sol, eu gosto dele

A lolita brindou-nos com Sergei Rachmaninov e com a banda sonora de "Ladies in Lavender". Como não consigo escutar népias deduzo que se trata de um som subliminar, ou seja, que os meus ouvidos são incapazes de o escutar. Nesse sentido, o problema será do meu aparelho auditivo, que necessitará de novos tímpanos e de novos ossículos.

Creio, mesmo, que no dia em que Correia de Campos descobrir que o ouvido possui três ossículos, o martelo, a bigorna e o estribo, dispensará os otorrinos do país inteiro, reforçando a diáspora clínica com mais ortopedistas. É como o sol.

Momentos inesquecíveis (2)


Sócras! Sócras! Sócras!

Momentos inesquecíveis

"-Não me fale de vida, não tem direito a falar de vida.
- Quem é o senhor para me dar ou não o direito de falar? O direito dá a Constituição e o povo que é democrata.
- O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Não tem a mínima ideia do que isso é. Eu tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança. Sei o que é gerar uma vida."

Debate de Paulo Portas e Francisco Louçã, Janeiro 2005

29.12.05

é sábado no encéfalo

A notícia deve ser lida a seco. A informação deve chegar assim, singela. É esta: "Os médicos de serviço nas urgências hospitalares vão passar a receber as horas extraordinárias em função do número de doentes que atendam".

Parece lógico. Eu gosto desta notícia. É uma notícia simples, expõe factos: vai passar a ser assim, vírgula, ponto final.

Querem saber alguma coisa do regime de trabalho dos médicos hospitalares? Eu conto. Tentarei ser claro, coisa que me é cada vez mais difícil e nunca me foi fácil. E imparcial, o que é empresa sempre complicada. Mas consegue-se. O MEM já abordou isto pela rama, aliás, mas agora não encontrei o "link" directo.

Para facilitar, evitemos a confusão dos regimes de 42 horas em dedicação exclusiva com os de 35 horas sem dedicação exclusiva. Registo aqui que a dedicação exclusiva me parece um bom princípio, que me parece bondosa a separação nítida entre o que é serviço público e o que é serviço privado, mas admito que possa haver práticas satisfatórias mesmo na mistura - se bem praticada - dos dois conceitos. Não discutamos isso agora.

Imaginemos que há um único regime: 42 horas, dedicação exclusiva. É o meu e o de muitos dos especialistas das áreas consideradas básicas e essenciais, a Medicina Interna e a Cirurgia Geral.
Bom, como se distribui este tempo, em regra? Consideremos os 5 dias úteis da semana, de segunda a sexta. Em cada semana, essas 42 horas incluem (salvo as excepções previstas na lei) 12 horas de prestação de serviço na Urgência. É como se a Urgência, que não tem um quadro próprio, sub-contratualizasse com os médicos dos outros serviços a sua presença durante 12 horas, com duas nuances engraçadas: essas 12 horas são obrigatórias, podem ser diurnas ou nocturnas, e estão incluídas no horário normal do médico. Não são pagas, obviamente, horas extraordinárias por esse serviço. Isto é assim.
Bom. Restam 30 horas, para distribuir pelos outros quatro dias da semana, o que dará uma média de 7 horas e meia diárias, mas a distribuição pode ser feita doutra forma, e é, geralmente, para assegurar que o internamento tenha apoio diário até às 20 h. Estes horários, geralmente, cumprem-se. Com a elasticidade que pode impor um caso mais grave (que nos obriga a ficar mais tempo) ou uma placidez ocasional (que pode permitir que saiamos mais cedo). Não é isto que está em questão, porque, até aqui, não se falou de horas extraordinárias.

A lei diz que qualquer médico, para além do seu horário normal (que já inclui 12 horas na urgência) pode ser obrigado - sem necessidade, portanto, de ser obtida a sua anuência para o efeito - a prestar mais 12 horas no serviço de urgência. São horas, portanto, extraordinárias. Podem ser diurnas ou nocturnas, também, passando o médico a trabalhar 54 horas semanais, nesse caso.

A necessidade das instituições (e, presume-se, de quem a elas recorre) criou, ao longo dos tempos, sobretudo em hospitais mais carenciados em recursos humanos, uma espécie de "obrigatoriedade geral" dessa excepção legal que, na sua génese, se previa "extraordinária". Ou seja, como é bom de ver, presume-se que qualquer articulado deve prever casos excepcionais, e que foi, apenas, essa previsão de excepcionalidade que presidiu à feitura da lei, se ela foi feita de boa fé. E deve ter sido. Contudo, na prática, o que se verifica é que a generalidade dos médicos presta 24 horas seguidas na urgência: as 12 incluídas no seu horário e as 12 a que é obrigado "se for preciso". E é sempre, ou quase sempre.

Essas horas são penosas. E existe uma tabela de pagamento dessas horas extraordinárias, que está publicada. A hora é calculada pelo vencimento/hora do médico, havendo horas que são pagas a 100%, outras a 125% , outras a 150%, outras a 175% e ainda outras a 200%. Conforme é de dia ou de noite, consoante é ao fim de semana ou num dia útil, enfim, essas variantes que foram introduzidas para, presumo eu, estimular e premiar um esforço suplementar obrigatório.

Permita-se-me, aqui, um pouco de subjectividade. A experiência conta, é nela que nos baseamos, quase sempre, para analisar seja o que for. E a subjectividade fornecida pela experiência, se for honesta - e a minha é, acredito muito que sim -, constitui-se num suporte da objectividade: longe de a desvirtuar, empresta-lhe verosimilhança.
Já ganhei muitas horas extraordinárias, a maioria das quais dispensaria. Já cheguei a fazer 3 turnos de 24 horas numa semana, já trabalhei 48 horas seguidas. Nunca as pedi, a essas horas privilegiadas. Não conheço nenhum colega que as tenha pedido, aliás, dos tantos que, como eu, já passámos por isto. Em muitos desses casos, consegui descansar alguma coisa, tive noites, raras, em que dormi, seguidas, 4 horas, o que é bom. Até porque, para essas horas extraordinárias serem assim consideradas e pagas, há que cumprir o trabalho normal no dia seguinte. Lembro-me dum tempo, e estou a falar de anos a fio, que eu já ando nisto há quase vinte anos, em que entrava no hospital às 8 e meia da manhã de terça feira e saía às 16 horas de quarta, num estado bovino de missionário que se cumpriu e chega a casa derreado de fé, pedindo algumas horas de irreligioso coma.

Há, decorrendo paralelamente a este regime, um outro, diferente. É o de prevenção. Estão neste regime, geralmente, médicos de especialidades consideradas não tão imprescindíveis como isso "logo ali" (o que é dicutível) ou que, por imprescindíveis que sejam, não dispõem, nos seus quadros, de médicos suficientes para assegurar presença física na urgência durante as 24 horas do dia. Refiro-me à Urologia, à Oftalmologia, à Psiquiatria, à Radiologia, à Gastroenterologia, à Otorrinolaringologia, à Nefrologia. Pode variar, conforme as existências de cada hospital. Foram só exemplos.
Bom. Estes médicos não são obrigados à presença física, mas devem comparecer no hospital quando solicitada a sua presença pelos colegas que lá estão. Não auferem horas extraordinárias, ganham o que foi combinado entre eles e o hospital para esse serviço, que é prestado, em parte, durante o seu horário normal, noutra parte fora dele. Mas não ganham horas extraordinárias. O que se entende, porque não são obrigados à presença física.

Posto isto, que se pretende agora? Transformar a presença física, objectiva, efectiva, dos médicos, no hospital, fora do seu horário de trabalho contratual, num regime de prevenção alternativo e digno do ideário esclavagista? Obrigar homens e mulheres, profissionais diferenciados, a pernoitar fora de casa, longe do aconchego da família (se a tiverem) ou dos seus livros, filmes e amantes (se for o caso), em nome de quê? A troco de quê? De pagamento à peça?

Eu peço a cada um dos senhores que calhar interessar-se por estas coisas e que tenha uma profissão diferente da minha, que me diga: o que pensaria se lhe propusessem isto?
"- Você, por via das dúvidas, porque pode ser preciso, vem para aqui e fica cá esta noite; doze horas, sim; e, sim, é obrigatório; sim, sabemos muito bem que isto se passa tudo fora do seu horário de trabalho, mas é assim a vida tal como ela é, a partir de agora. O senhor, em lhe chegando apenas 2 doentes durante a noite, receberá 10 euros. Em lhe chegando 20, receberá 100 euros. Se não tiver de ver nenhum doente, porque nevava muito e ninguém veio, pode sempre regressar a casa, no dia seguinte, de mãos a abanar e com uma gratificante sensação de ter cumprido o seu dever, repousando nesse catre que lhe fornecemos, atento aos ruídos que lhe chegam do exterior, duvidoso entre querer que chegue alguém - para lhe darem 5 euros - ou que o deixem em paz na sua humilhação de ser inútil."

Pensaria, certamente, que não pode ser assim. Não pensaria? Ou que, em sendo assim, não seria justo.
Espero eu que pensaria assim, mas eu engano-me bastas vezes, sobretudo à medida que me vai custando mais a acompanhar o pensamento de quem pensa por mim, para mim e para toda a gente. Como se lhes fosse sempre dentro um sábado cerebral, as sinapses já a desligarem-se para o descanso de domingo.

Lost in(n)

Em 2005 gostei de muito poucas coisas. Nesse aspecto, 2005 foi parecido com 2004. E não será, bem vistas as coisas, muito diferente de 2006.
Não fora esta impressão (quase certeza) que me consola, quase desejaria o rapidíssimo fim deste ano para começar um novo. Mas um ano novo, nos tempos modernos, nunca nos chega verdadeiramente novo, a estrear. Apossa-se de nós com a canga do ano velho a enfeitar-nos o pescoço. A canga dos anos velhos todos.
Nada mudará, nunca, absolutamente, no nosso tempo. As pequenas alterações que nos escorrerem pelo lombo modernaço serão, como se costuma dizer na gíria clínica, "ligeiras pioras", mais nada. Mudanças profundas ocorrerão, inexoráveis, lá mais para o fim dos tempos, brevemente e breves, apressadas, já com deleites de derramamento de sangue. E - sejamos justos, se Deus existe - ocorrerão, já, na antecâmara do inferno, esse lugar em que nos morderemos uns aos outros, à descarada, com as dentadas da raiva e da impotência derradeira. O inferno, sim, esse último sofá de coiro a arder de brilhos fulvos em que andamos todos a tentar alapar o nalguedo gordo, perdidamente apaixonados pelo fim.

Bom ano.

Coisas de que gostei este ano (4)



Sergei Rachmaninov (Concerto para piano nº 2)

Coisas de que gostei este ano (3)


Porto da Praia, Ilha de Santiago, Cabo Verde

Coisas de que gostei este ano (2)



"Tive um verdadeiro cansaço em Paris de gente inteligente. Não se pode ir a um teatro sem precisar dizer se gostou ou não, e porque sim, e porque não. Aprendi a dizer "não sei", o que é um orgulho, uma defesa e um mau hábito porque termina-se mesmo não querendo pensar, além de não querendo dizer."

28.12.05

Coisas de que gostei este ano





Ladies in Lavender, de Charles Dance

O povo unido jamais será vencido

No dia 23 os portugueses foram todos juntos ao multibanco e, sem pedir ajuda a ninguém, conseguiram levantar cento e quinze milhões de euros.

Os efeitos alucinogénios do consumo

Um funcionário da FNAC, hoje, a desejar-me um Bom Natal.

O saber não ocupa lugar se for pequenino (3)

Aquele actor americano que parece sempre que está a ressacar uma disenteria, o Sean Penn, foi entrevistado por um jornal qualquer, aqui há atrasado. Sei que foi numa sexta feira porque jogava o Sporting. Ou numa terça.

O repórter perguntou-lhe se tencionava vir a fazer, ainda, um grande filme (parece uma pergunta dos apanhados, sim, eu também pensei nisso). Perante o silêncio de Penn, que esboçou uma expressão ainda mais jejuno-ileal do que costuma, o repórter acrescentou que "bem, para mim o Mystic River já foi grande demais, se quer que lhe diga...".

E agora? Quem paga a conta da clínica onde Sean deu entrada, em estado catatónico?

Acertaram. Manoel de Oliveira já se ofereceu. "Logo que acabe este filme que agora estou a fazer, vou fazer um com esse "dread"; e dos grandes: nunca menos de seis horas. Não deixem é que o tipo saia desse estado basicamente cataléptico, a ver se não destoa muito da minha filmografia "standard"; sim, preciso mesmo dele, mas tem de ser assim conforme está, que eu já tenho um papel pensado para o Cintra, para doze sobrinhos, sete netos e uma gaja qualquer que agora não me lembro. Sim, um papel para todos, que aquilo cansa muito...Sim, vai ser, no fundo, uma espécie de "Duelo ao Sol", mas como filmamos no Verão e começamos cedinho temos pano para mangas".

O saber não ocupa lugar se for pequenino (2)

Um grupo de dezassete cientistas de ambos os sexos - melhor dizendo, de ambos os fenótipos mais marcantes -(e que não incluía nenhum dos duzentos e dezoito estrangeiros que são escravos intelectuais do Professor Sobrinho Simões no IPATIMUP), reunidos em Nairobi, num hotel jeitoso, discutiu os problemas ambientais de forma genérica. "Sim, de forma muito genérica, basicamente estivemos aqui a discutir com calma várias coisas que nos preocupam e chegámos à conclusão de que isto, assim, não vai bem" - afirmou Ernst Vandervelde, um deles ao calhas, o que acordou primeiro anteontem.
Questionado sobre se pretendia dissecar um bocadinho mais o teor da conclusão, o porta-voz da plêiade cerebral reunida no Quénia adiantou que "isto não vai bem, mas talvez melhore", o que fará amplo sucesso nas revistas anglo-saxónicas, porque, está-se mesmo a ver, o que os anglo-saxónicos querem, no fundo, é que isto "get's better".
"Better" é, por outro lado, como os franceses dizem manteiga, quando falam inglês. A "Science et Vie" não fará, por conseguinte, eco disto. O que prejudicará, no fundo, várias famílias de canadianos do Quebec. É pena.

Pequenos crimes entre conhecidos

- Olá, Justino! Há quanto tempo não nos víamos!
- Alberto! És mesmo tu, raios!
- Passei por aqui e lembrei-me de te procurar. Então que contas?
- Depende.
- Depende?
- Pois. Queres que eu te diga o que penso ou aquilo que estás à espera que eu diga?
- Não sei se te percebo...
- Bom. Posso dizer-te, simplesmente "está tudo bem! E tu, como tens passado?" ou, então, posso falar-te de mim e perguntar, se me apetecer ouvir-te, como está a tua vida. Isto tudo depende, claro, do que te apetece a ti, na mesma medida do que me apetece a mim.
- OK. Eu na verdade gostava é que me desses novidades do Tomás. Como é que ele tem estado?
- Queres saber do Tomás? OK. E, com isso, queres ajudá-lo ou simplesmente saciar a tua curiosidade sobre a desgraça alheia?
- Raios. Assim é difícil...
- Então, mas afinal ao que vens? É para desejar as boas festas?
- Bom, era isso, pois, e saber...
- Caríssimo Alberto: um excelente ano para ti também.

O saber não ocupa lugar se for pequenino (1)

De acordo com um estudo ainda em fase 2 (ou seja, até ver, fui eu que inventei), cerca de 78% dos apoiantes masculinos de Cavaco Silva padecem de disfunção eréctil desde a puberdade. O estudo parece apontar, por outro lado, para outro lado (esta foi sofrível): aproximadamente 59% das mulheres que apoiam Cavaco fazem-no por motivos sexuais ("a ver se o meu gajo, assim, lá vai..."). Presume-se que este subgrupo de mulheres partilha o leito, de forma mais ou menos habitual, com fanáticos do professor de Boliqueime que, tudo parece indicá-lo, são os que mais são dados à moleza. O restante mulherio que apoia Cavaco fá-lo apenas por razões sentimentais e estéticas. "Ele é, de facto, um belo homem", admitiu Kátia Vanessa à nossa report... ao nosso estudo, bolas!

27.12.05

Esguicho de besugo

Aprendi hoje mais uma coisa sobre economia. O aumento das taxas de juro pode fazer os portugueses passarem a consumir menos. Ou seja, a comprarem menos coisas. Se esta perfídia vier a acontecer, a verificar-se a lei de besugo número trinta e sete, pode acontecer esta estranha correspondência: "em quem compra comprando menos, quem vende venderá menos".

Donde se depreende que, do ponto de vista de quem vende, não devem tardar as choradeiras do costume. "Aqui d'El Rei, que há que estimular o consumo!". Eu gosto desta palavra, consumo, porque me faz lembrar as discotecas, com o antiquíssimo consumo mínimo, as consumições de todos os dias, o complexo e relativamente rápido processo digestivo, em geral (com seu segmento distal, esfíncter incluído).

Bom, isto foi o que aprendi hoje.
Gosto de ir entendendo as coisas complicadas.
De maneira que fiz este dogma, logo a seguir: "quem determina o que precisamos não é a nossa necessidade de comprar, de possuir, é a necessidade de vender, inerente a quem vende; que, de forma justíssima e num esforço intelectual arrasador, detesta perder pilim, porque assim não lhe compensa!". Fiz este dogma e, logo a seguir, este: "se um tipo rico começar a esbracejar muito, é sinal de que lhe estamos a abrandar o enriquecimento". E ainda este, num singelo complemento: "em sendo imediatamente abatido, o rico prejudicado esbracejará menos".

Claro que isto não é para ser cumprido, isto é uma falácia, vamos deixar os gajos em paz, evidentemente. É muito giro usar cartões de crédito e pagar plasmas e Kias a prestações, passar a vida toda endividado, a ver se se paga primeiro na Singer ou na Worten ou no Meireles da esquina.
Isto dá pica, dá ginástica mental, aprimora a capacidade de ficcionar a desgraça e, no fundo, até parece que a civilização cresce muito, como as couves no tempo delas.

Má quadra

Já tinha dado conta. Isto passa-se há mais de cinco anos, não é recente, sequer.
Falo das mensagens escritas. "Boas festas, parabéns, as melhoras, lamento imenso, queria estar contigo...".
Recebi algumas. Toda a gente recebe algumas. Uns mais, outros menos. É como tudo.

Respondi a duas. Vinham completas, pelo menos.
Algumas vinham abreviadas, tipo "Bom Ntl, bx fxts, bjs!". Depois parei e decidi que não sou bom nisso. Para começar, não recebo as mensagens como deve ser, porque tenho um telemóvel com cinco anos de existência, que não aceita "coisas giras". Por fim, porque eu próprio não sei mandar "coisas giras". Não mandei mais.

Isto não é da idade: o meu Pai tem um telemóvel mais moderno que o meu e acha piada a isto. Enfim, alguma, que eu já vi que não se ajeita: sorri e depois telefona; ou não.
Também não é caturrice de quem é avesso às inovações, porque eu até aprecio a política de renovação do plantel do Sporting e tudo. Sobretudo a saída do Beto, que havia de ir para o Benfica ou para o Porto, se não conseguisse ir para a Mauritânia.

Não. É que a ânsia de comunicar, essa inflamação digital de que parecemos todos possuídos, é toda muito "sms", leia-se "sem muito senso".

Agora a sério, não vejo nenhum inconveniente nisso. Palavra. Se eu quero dizer à Teresa que vou chegar tarde, que tenha paciência, que espere mais um bocado, mando-lhe uma sms a dizer "xg trd;bjs". Falta é o contraponto, que nunca chega, ao menos nos mesmos moldes. A Teresa, não me parece que vá mandar-me uma sms a dizer "dxpxt fdp, k já tô de servç há 24 hrs!". O mais certo é ligar-me de volta, exasperada, a bradar "ó besugo, vê se te despachas, mas é, ó cabrão!". Porquê? Porque a intensidade dela é maior que a minha. Eu estou atrasado e ela, com toda a razão, acha que eu estou atrasado para ela. O que é verdade. Eu quis despachá-la, ela quis que eu me despachasse. Eu mandei-lhe uma sms por mim, ela ligou-me a insultar-me de viva voz, por ela!

É uma questão de intensidades. Quem nos manda sms, a dizer seja o que for, está-se a cagar para nós e para a maneira como nós estamos, quer apenas dizer-nos o que disse e espera, sinceramente, além de que estejamos bem (e essas merdas todas que costumam desejar-nos), que não sejamos maçadores. Merece, consoante o caso, o seguinte: uma sms de resposta (podemos dizer o que quer que seja, que quer sempre dizer "vtf tb!" ), nada de nada (versão nicles), ou, então, um telefonema, sim o velho telefonema, a perguntar "então, cabra? não me ligaste porquê, ainda estava aí o Sérgio a lavar os dentes, era?".

As sms, em boa verdade, são como os peidos. Não, a sério, são como os peidos. No sentido de que o emissor fica sempre muito mais consolado, porque "já cumpriu". O receptor (que, no caso dum peido, pode ser uma sala cheia de gente, mas, no caso vertente é, geralmente, só um tipo a fazer papel de parvo, a carregar em teclas pequeninas e a tentar decifrar o que lhe chegou ali "a dar sinal") fica a pensar se há-se cumprir também, ou não, tudo isto enquanto vai apreciando o aroma.

26.12.05

Foi assim

Vinte páginas. Um conto de Natal, parecido com o do Mr. Scrooge, ternuras privadas, histórias e palhaçadas, desenhos e descrições. Postais de Natal personalizados, esclarecedores do lugar de cada destinatário no seu afecto. Beijos, segredos, excitação, cansaço. O sono, a manhã, a madrugar, que o Pai Natal viria, se existisse, de certezinha que não existe.
Descrito pelo próprio: foi o meu melhor Natal. Tal como diz todos os anos, sem sequer ter consciência de que é ele o culpado.

24.12.05

Estar bem

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Penso que será mais ou menos isto, em não correndo mal. O que pode sempre acontecer.

O meu tio-avô

Disse, de toda a gente que lhe lembrou, no hospital, cobras e lagartos. Perguntou, depois, pela mulher, tirando a máscara que lhe levava o ar, candidamente.
Dissemos-lhe que estava igual, tudo na mesma, e sossegou, de novo, com a máscara.

Não lhe mentimos. Está tudo na mesma e na mesma ficará, daqui para a frente, no que a ela diz respeito. Que ela já morreu. Ele não sabe, ainda, porque aos 87 anos não se salvam corações à machadada. Nem sequer antes disso, aleija sempre.

Esguichos de besugo (talvez o 258º, não?...)

Não se trata aqui de prémios. Quem sou eu para premiar, punir, apontar de cima, acenar de baixo, galardoar de lado? Galardoar, aliás, faz-me sempre lembrar um galão servido com alarde. Deve tratar-se, aqui, de deficiências minhas. Sintácticas, fonéticas, essenciais. Essenciais, mesmo, no sentido de essências, de perfumes.

Claro que isto é se for eu a fazê-lo, a servi-lo, ao galão. Porque eu sei de mim e mal e, dos outros, menos bem ainda.

Sou só eu a falar. A escrever consoante falo. Atenção, consoantes certas, correctas vogais, que não há gralhas neste texto. Não as há.

A Casa de Cacela é o blog do ano. Como o conheço há um ano, apenas, pode mesmo ser o blog do século. O de sempre, o de todos os dias. O de quase todas as noites.

São todos bons, gosto de todos. Mas a Casa de Cacela é a melhor das que têm luz acesa.
E não sei explicar porquê, embora saiba por que me fico por aqui.

23.12.05

O Natal dos simples e a ciência-feita

Uma intenção de voto não passa disso mesmo: duma intenção. E, já que se fala disso, sobre intenções há, até, aforismos.
Um voto é, também, apenas isso mesmo: um voto. Um desejo. A expressão dum desejo. Duma vontade.

Nem sempre as vontades se conseguem explicar convincentemente. Já me aconteceu perguntarem-me "por quê?" e eu rabujar qualquer coisa que, na sua simplicidade mais funda, não se eleva nadinha dum "porque sim". Não tenho, a este respeito, a mais pequena ilusão: não me esgoto na racionalidade, se calhar porque - para começar - não tenho racionalidade pura para tanto. Outros a terão. Eu sei que não, que não a tenho, tomem isto como uma hóstia laica mas fervorosa e derretível no céu. Da boca.

Por outro lado, nem sempre há quem queira estar atento às nossas explicações. Somos pessoas de "ciência feita", na maioria do tempo. Até porque temos de o parecer, seguros da nossa tremura, a máscara a colar-se-nos às feições. E a explicação do outro, se se nos não cola à nossa certeza... não cola, e basta: escorrega por nós abaixo, pelo chão adiante. Adiante.

Continuo a dizer que vou votar em Manuel Alegre. Porque vou, de facto. Por vários motivos, alguns já os disse, mas não me peçam para os explicar. Porque não quero, porque os senhores não querem: no fundo, porque não consigo, que uma explicação não se esgota no explicador, uma explicação tem de ser necessária, tem de ser recebida com vontade, tem de ser parte dum diálogo que não seja de surdos. Não faz sentido este tipo de explicações entre gente que já sabe, de si e dos outros, a mesma coisa: o que cuida saber. Repito: somos pessoas de "ciência feita".

Acrescento, apenas, que numa eleição destas, cheia de simbolismo, fundamentalmente cheia disso, temos todos a atenuante de se nos poder toldar a razão. Somos gente, gostamos de símbolos; apenas lhes chamamos outras coisas, quando calha, para parecermos qualquer coisa entre o "mais espertos" e o "menos entusiastas", coisas mutuamente incompatíveis nas anti-cartilhas por que nos regemos.

Isto vai longo. Encurto (mas não muito, eu não sei encurtar; tal qual como não consigo engrandecer). Não se explica, de facto.

No debate entre Soares e Cavaco, que só vi pela metade (porque jogava o Sporting, meu símbolo de sempre), não me pareceu que Soares tivesse estado tão catastrófico como isso. Penso que falou com Cavaco como se deve falar com ele. De igual para igual, nas partes em que ele deixa, de cima para baixo nas partes em que ele se escuda por detrás da sua ambiguidade de impreparado para o que está aí a vir. No jogo das personalidades prefiro as que se expõem às que se calculam a cada passo. As que desafiam às que se acocoram. As que cometem erros por excesso de entusiasmo (ou por velhice, admito) às que se limitam a gerir "ciências certas".

Penso que Cavaco Silva é o pior símbolo que me poderiam impor, nesta altura da minha vida, embora me pareça que nunca me incomodará, se o vier a ser: eu também não vejo os jogos todos do Benfica, nem do Porto, embora depois observe a tabela classificativa e tenha de os encarar acima do Sporting. Nem esmoreço no meu simbolismo pelo facto de seis milhões de portugueses preferirem um símbolo que não é o meu.

Que tem uma coisa que ver com a outra? Não sei explicar. Mas tem. Há sempre alguma coisa de tribal ou de mágico no pensamento humano. Se for um pensamento lusitano talvez mais, ainda, excepto para alguns eleitos que se desprenderam, já, dessas correntes de suor. Grilhetas de que gosto, que me vão bem ao paladar. Lamento esta confissão de besugo, atacável por todos os lados menos por um, uma reles península do pensamento cujo istmo ( e baluarte) é o meu querer.

Parece-me que será, tudo isto, uma questão universal de "ciência feita", de escola de vida, de prazer, de dor, de amor e ódio, duma chatice com um filho, do dinheiro que não chega para pagar nada do que disse antes e, no fundo, de alguma dor por nos morrer uma tia-avó. Não me perguntem o epicentro deste sismo, deste "cismo", que eu não sei. Não quero saber.

E é de "ciência certa" que vos digo tudo isto, antes de vos desejar um pouco laico Bom Natal. Sou cristão, é sabido, pratico pouco o cerimonial (que me parece fora de mim, embora goste de entrar em Sés em alturas esquisitas) e duvido de Deus em mais de metade do meu tempo. Mas nunca me senti reverencial perante doutrinas alheias pelo simples facto de não perceber - nem cumprir - a minha. Limito-me a fazer o que posso, metade do que poderia. Eu sei, são coisas de mera e antiga canalização. Pois sim, que sim.

A toda a gente, porque eu quero que seja assim, um Bom Natal. Quem não quiser este meu voto, que esteja à vontade e lhe faça o que me estou agora a lembrar: havia até um aforismo malcriado, nos meus tempos de liceu, que falava em "colar isso ao peito" e em "emblemas da CUF". Envolvia prosa excrementária, que agora vos evito por decência, por incompetência e, sobretudo, pela quadra.

22.12.05

Segundo os lisboetas ...

... vou hoje "para o Norte". É claro que vou "para norte" (de Lisboa), mas não "para o norte", como qualquer não-lisboeta saberá.

Tudo isto para dizer que, nos próximos dias, nada lerei ou escreverei. Não é que isso mude grande coisa, atenta a minha fraca participação, mas é só para saberem.

Antes de formular os votos que se impõem nesta quadra, algumas pequenas notas:

1- o besugo acusou o toque dos "estereótipos". Tenho que fazer aqui retratação pública. O besugo constroi, magistralmente aliás, pequenos diálogos plenos de ironia, que são o equivalente escrito do que, em imagem, se encontra consagrado pelo termo "caricatura". E é este, na verdade, o termo que eu devia ter empregue, em vez do termo "estereótipo". *

2 - a lolita atribui à postura do Cavaco no "debate" que teve com o Soares uma série de adjectivos pouco edificantes, que sumariza ao qualificá-lo de "songamonga". Eu acho que a lolita está errada. Estivesse lá eu, ou mesmo ela, e teríamos adoptado a mesma postura, admitindo que o conseguíamos. O Soares praticou ali um verdadeiro hara kiri, seja porque deu nessa noite o voto de inúmeros indecisos (eu, só eu, conheço muitos que decidiram o seu voto pelo Cavaco durante aquele debate), seja porque só muito duvidosamente arrebanhou para si quaisquer votos, sendo que me parece terem sido mais os que perdeu.

É fácil, quando não se gosta de um candidato, menosprezar uma atitude objectivamente certa dele, ou mesmo atribuí-la a defeitos, seja de carácter seja de capacidade ( no caso, a lolita acha o Cavaco incapaz de argumentar e contra-argumentar com eficácia política).

É fácil, mas dificilmente é objectivo. E, objectivamente, o Cavaco obteve, naquele debate e porque se não deixou enredar pelo Soares, talvez uma das mais importantes vitórias políticas da sua carreira. Por mérito próprio, dirão os que dele gostam. Por pura sorte, parece depreender-se do que escreveu a lolita.

3 - Quer-se-me parecer que grassa algum desânimo nas hostes "alegristas". Devo dizer que não partilho desse desânimo e que mantenho confiança em que:
a) vai haver segunda volta;
b) o Alegre vai ter mais votos que o Soares na primeira volta.

4 - Agora sim despeço-me com votos de um "Feliz Natal" ou, para aqueles que não celebram nesta quadra o nascimento de Jesus Cristo, com os votos, rigorosamente laicos, de "Boas Festas".


*não, não estou doente. Estou é "emboído" de espírito natalício :)

Agora é que é mesmo a última.

Não me parece que deva ser elogiada a contenção de Cavaco Silva perante as investidas de Soares. Por uma série de razões. Cavaco Silva calou-se por lhe faltar a destreza da retórica para responder à altura da situação e porque, respondendo, corria fortes riscos de agudizar as acusações e de, então, sair danificado. Calou-se por preferir, no balanço de custos e proveitos, rentabilizar o processo de vitimização do homem honrado contra o político profissional (no contexto do pensamento cavaquista, leia-se biltre sem emenda). Calou-se por intimidação, por reverência, gritantemente saloia, ao figurão Soares. Calou-se, em suma, por ser dissimulado (vulgo, songamonga).

São as novas tendências da política moderna. Uns grasnam demais, outros calam-se. O modelo da contenção verbal que foi usado, com sucesso, por Sócrates para fazer pendant com Santana Lopes, é agora reeditado por Cavaco Silva vs. Mário Soares. Neste caso, com forte entusiamo e sentido de entrega de ambos (mas sobretudo do último).

Só mais uma coisa.

Sim, Cavaco Silva ganhou o debate de ontem. Com um clamoroso auto-golo do adversário.*

*Dedicado ao cantinho do hooligan.

21.12.05

Antecipações do discurso de vitória do supra-partidário

A inconsequente aleivosia que Soares dirigiu ontem a Cavaco deu o empurrãozinho que faltava para que este deixasse de ter dúvidas quanto à sua vitória na primeira volta das eleições. Ficando-lhe bem agradecer, por cortesia e gratidão, o valioso contributo do ex-presidente, optou porém por declarar, sibilinamente, que é preciso ter "paciência" para estas coisas. Já o PS, e sobretudo Jorge Coelho e Sócrates (mas sobretudo Jorge Coelho) são já, inequivocamente, credores da gratidão eterna não só do futuro presidente mas igualmente do partido que oficialmente o apoia (muito embora, como sabemos, ele não tenha nada a ver com isso).

Assim sendo, adiante. Esta eleição já não tem mais história.

Vi a Luz. Está mais gorda.

Consigo encarar a possibilidade de Cavaco Silva ser presidente da república. Agora já consigo. Admito que é possível, mesmo, que a maioria dos portugueses goste dele. Genuinamente.

Um povo de pequenos prevaricadores com sonhos grandes e pés pequenos (a maioria dos eleitores masculinos calça o quê? quarenta-menos-um?) há-de sentir-se melhor perante a simplicidade da dicotomia bem-mal, certo-errado, que já vem definida dos catecismos dos "egrégios", que perante a discussão das coisas, sejam elas novas ou antigas.

Pensar custa, porque é, ao contrário de respirar, um acto primariamente voluntário. Pensar é, pensando bem, "mal-acomparado", uma espécie de esforçado defecar contra um tumor do recto inoperável, na ausência de colostomia: uma coisa dolorosa, muitas vezes sangrante e, para este fim dos tempos, impossível.

É por isso que são precisos os saquinhos, as colostomias, as cavacostomias redentoras. Eu isso entendo e até tenho andado calado para não ofender ninguém. Ninguém me ouvirá dizer que encaro Cavaco como um receptáculo sintético de produtos da enzimologia digestiva nacional. É natural, embora não pareça, quase nunca. Que assim seja, evidentemente: nada mais.

A revolta dos anónimos

Consigo pensar em múltiplas razões para se querer manter o anonimato, assim como consigo pensar em outras tantas para se divulgar a identidade. Todas igualmente válidas e legítimas; em geral todas, também, do foro pessoal. Ou seja: na verdade, ninguém tem nada a ver com isso. Manter o anonimato, na blogosfera ou em qualquer outro contexto, é tão válido e razoável como não divulgar a terceiros os resultados de uma ressonância magnética, o saldo bancário ou em quem se vai votar nas presidenciais. Em suma, exerce-se um direito, um direito legítimo à reserva dos dados pessoais.

O desvio, lamentavelmente corrente, não consiste, note-se bem, em manter o anonimato. O desvio só ocorre quando alguém se serve desse direito ao anonimato para, exalando a mais inqualificável covardia, insultar ou ultrajar terceiros sem ter de prestar contas dos impropérios proferidos. O problema não reside, portanto, no anonimato em si. Reside, isso sim, na tortuosa mente que se apropria do anonimato com objectivos deliberadamente nocivos. Não me interessa, sequer, discutir aqui a psicopatia notória de quem se dedica a tão bizarra actividade. O que sei é que, por muito que se tenha como certo que tudo isso merece a mais profunda e genuína indiferença, nem sempre se consegue pôr em prática tal sabedoria. Os anónimos escroques às vezes chateiam. Os identificados também, mas com esses podemos melhor.

Da mesma forma, incomodam-nos as baixarias em praça pública. Todos gostamos de uma boa discussão de ideias, elevada e acesa, isenta de qualificações ou juízos pseudo-moralistas sobre os envolvidos, ainda que, às vezes, correndo mal por meros equívocos ou por causa da incontornável gestão dos egos. Mesmo que termine em ira, esta suaviza-se com o tempo e acaba por cair no esquecimento. O que é bem diferente do desconforto que se sente ao ser vítima de uma injúria praticada em público, essencialmente gratuita e desproporcionada, sobretudo se quem o faz nem sequer se retracta. Pior será, claro, se quem injuria não se identifica.

Tenho lido, de quando em vez, censuras explícitas ou veladas sobre o uso do anonimato na blogosfera (como aqui sucede, no blogame mucho), mas julgo que quase sempre se erra o alvo. O que é censurável não é guardar reserva sobre dados pessoais; é, antes, violar regras de cortesia e, nos casos mais patológicos, ultrajar sem outra razão ou consequência que não o próprio ultraje. Pela parte que me toca, continuarei a divulgar a minha identidade sempre que entender fazê-lo e apenas a quem eu entender.

Ponha-se um ponto final na censura absurda de quem escreve com um nome inventado. Lembremo-nos de Cunhal/Manuel Tiago, esse homem de pseudónimos que a história tornou praticamente incontroverso, como quase sempre sucede, pelo menos com os homens de bem. A Carla, por exemplo, já tem isto tudo muito claro.

Fomos à oral (é a brincar)

É a brincar o título. Daí para baixo não.

O Patrick Blese atribuiu-nos um prémio. O galardão de melhor blogue "escrevo como falo".
Eu gostei. Não sei se foi justo, mas foi certeiro. Sei que não respondo só por mim, nem agradeço sozinho: aqui não sabemos escrever doutra maneira. Noutros sítios sim, sabemos: noutros lugares temos, mesmo, de escrever diferentemente. Mas, aqui, escolhemos escrever assim e é assim que isto nos tem saído, há quase dois anos e meio.
O Patrick topou-nos bem. Não somos mais do que isso, não merecemos mais que tal, mas também não somos menos, nem rejeitamos esse mérito. Andamos aqui, em boa companhia, a escrever conforme falamos. A arte pequena da conversa. Esse artesanato.

Aqui há uns dias li, num blog qualquer, comentários em que se endeusava Lobo Antunes, isto por um lado, enquanto por outro, com um despudor do tamanho da ignorância repentista, se criticava o facto de lhe terem saído, recentemente, pela mão das filhas, as cartas antigas à mulher. Havia, mesmo, quem lhe elogiasse o distanciamento da publicação (não sei se ele se distanciou, até porque ele parece, já, um homem tão distante de quase tudo que, se se distancia ainda mais, cai da borda do mundo abaixo) por ter ideia que o revelar de cartas é trair o intimismo. Só se for por ele estar vivo e ter vergonha delas, pudor delas, e, nesse caso, que não permitisse esse desvelar da sua intimidade (que me pareceu, sempre, muito pobre, muito umbiguista, uma intimidade de cotão).
A não ser por isso, que diabo, que venham mais cartas! Mais epístolas. Mais "escrever como se fala".
É nas epístolas que mais se sente o homem, não é no romance (também é, mas menos). Basta ler as cartas de Eça para quase o sentarmos à mesa, num ripanço de falares.

Vem isto a propósito de "escrever como se fala". A culpa é do Blese, chateiem-no a ele, sim? Não acho mal. Nem bem.
Sei que somos assim. De "esguicho". Quem quiser que nos ature, agredecemos sempre.

Comovo-me sempre que me distinguem. Mas é engraçado. Primeiro, provinciano de gema, desconfio sempre. "Isto é gozo? Será mais um(a) que, da crueza, conhece, apenas, a que lhe arrefece o pêlo e que, por mal-me-ler, me cuida apenas mais um fazedor de diários tontos?". Depois, leio melhor, reconstruo-me nos meus alicerces de parolo que aprendeu as coisas (de as ver, de as pensar, de as sentir) conforme as coisas lhe calharam, e - quase sempre - concluo que pode ser que haja mesmo, neste mundo, não digo noutros mundos, mas mesmo neste, quem aprecie ler quem escreve consoante fala. Com palavrões e tudo, consoante eu discrimino que assim seja, que a pena é, quando eu a tenho, minha.

Pessoalizei, sem querer, na verborreia final, este agradecimento. É um agradecimento, mesmo. E cuido que é, no fundo, de todos nós. Não pensem que é mais que isso. Mas também não é menos.
E acredite, Patrick, que, se o tornei mais meu do que devia, é porque era mesmo eu quem mais precisava de mimo, por estas bandas. São feitios.

P.S - Miguel: obrigado, já agora, da mesma forma; e, também, sem hiper-ligação (é o raio do linque). Ficamos assim, nós os dois, que ainda por cima parece que relemos Eça com mais prazer do que lemos outras coisas que aí há, daquelas que são uma espécie de tarantantan-tling-tlong, a chocalhar conforme os dias dos outros.

20.12.05

Oração. Enfim, uma espécie.

Sempre gostei de pescar. Mas fui sempre uma nódoa.
Apeteceu-me partilhar isto convosco porque é um bom exemplo duma coisa qualquer que agora não me lembro mas que há cerca de dez minutos parecia fazer algum sentido.

Um dia levaram-me às Furnas, à Lagoa, para uma pescaria. Era de carpas. Nunca pesquei nenhuma, mas as carpas são aquelas grandes que saltam sempre a mais de trezentos metros de distância da merda do sítio para onde se atira o isco. Isto é cientificamente comprovado, há um estudo feito na Universidade dos Açores que o demonstra: "atire-se um isco, envolvendo competente anzol, para o local da lagoa das Furnas onde se viu saltar uma carpa e, imediatamente, ela dará novo salto a cerca de trezentos metros desse local; em contrapartida, atire-se o isco - e competente anzol - para uma merda dum sítio qualquer que fique algures numa circunferência com trezentos metros de raio, cujo centro seja o sítio onde a carpa saltou antes e, como se fosse por uma estranha geometria do destino, ela voltará a saltar no centro dessa figura regular, a grande puta".

Isto vem num tratado, por isso não se ponham com coisas.

Bom. Estava eu nisto e, às tantas, pareceu-me sentir um violento puxão na cana. Sim, evidentemente, não era nada, tinha ficado o anzol preso no fundo. Puxei e o fio partiu-se, ficaram lá o imbecil do isco, mais o caralho do anzol e a carpa saltou, evidentemente, trezentos metros à esquerda. Atirei-lhe uma pedra, aborrecido, o que a fez saltar a trezentos metros de distância do chapão.
Fiz novo isco, meti outro anzol (são grandes!) na ponta do fio, mais chumbo, que chumbo não falta, e voltei à carga. Atirei aquela porcaria lá para dentro, trezentos metros para o lado esquerdo da posição inicial. Senti novo puxão, bastante forte, ao fazer o "currico", e era a carpa, a cabra da carpa, que tinha sido enganada! Era o caraças. Era só a ver se colava. Não era nada. Estava mas era o anzol preso no fundo, outra vez.
Puxei tudo. Dei voltas ao carreto com o pensamento tão enevoado que começou a chover. Pouco, mas enfim, era Verão, nunca o pensamento se enevoa tanto como no Inverno, nem que tente.
O fio não se partiu e o meu novo anzol trazia, agarrado a si, mimoso e cintilante, o anterior.
Sei que era ele porque me sorriu, reconhecido. O isco nunca mais o vi, palavra de honra. Mas que Cavaco Silva não ganhe as eleições se isto não for tudo verdade!

Nada se perde, tudo se transforma

Num curioso acto de purificação, o Altino fechou o food-i-do, instalando-se no Terceira Voz. É a prova de que não há machado que corte a raiz ao pensamento. Nem à voz.
Nem às audiências, por mais que o Altino se chateie. Cá estou, por isso mesmo, a fazer a devida publicidade.

Já o João Tunes, original, edita os seus blogues como quem organiza uma enciclopédia. Já vamos no quinto fascículo.

Quero lá saber que não interesse, lembrei-me.

Cavaco enerva-me mais que Sean Penn.

Foi você que pediu mais vaselina?

Marcelo Rebelo de Sousa tem sido económico nas notas que atribui aos candidatos, nos debates. Mas muito constante nas notas a Cavaco. Dezasseis. E ganha sempre.
Há uma certa semelhança entre MRS e Jorge Sousa, aquele jovem árbitro sem queixo e (aparentemente) míope: ambos são descomprometidos, ou parecem muito sê-lo.

Alunos de Marcelo: nos exames dele, não faleis. Se ele vos perguntar, numa oral qualquer, seja sobre o que for, "diga lá o que pensa sobre isto?" vós calai-vos, ou então dizei que não tendes comentários a fazer, que "os portugueses vos conhecem!". Ele perguntará "Mas conhecem mesmo?" e vós repetis, "que sim!", de mão sobre o precórdio, espalmada. Olhai, fazei mesmo como fez o conde de Abranhos, afirmai-lhe que "desisto, não posso mais; eu, por mim, tenho apenas o trabalho, Vossa Excelência tem o génio!". E não saiais daqui, desta pertinácia erecta, de mão no peito, que tereis sempre dezasseis, enquanto ele começa a desfolhar livrinhos.
Ao contrário, abri a boca, desgraçados, que não seja de língua de fora dirigida ao escroto intelectual do pequeno minhoto, e espera-vos o catorze, a nota mínima que ele, na sua bonomia descomprometida, tem para vos dar. Tudo isto em horário nobre, na televisão pública, como convém a todas e a todos e, mesmo, à Felicidade. A Felicidade é uma vizinha minha, muito dada às coisas da sua fé, vem cá muito pouco.

Questão: "todas" e "todos" não são substantivos nada colectivos, pois não? São substantivos comuns, plurais, dependendo o resto do fenótipo. Mas comuns, não é? Pois. Bem me parecia.

Aos mais jovens (selecção sub-7 neurónios)

Aquele anúncio em que o Mourinho, além de ser um grande treinador de futebol e um gajo bem vestido, salta entre telhados de prédios com uma ginástica incrível, para logo a seguir entrar numa sala, penteado como se viesse da sauna do Chelsea, começar a fazer uma apresentação sobre "imagiologia celular" e sair, sacudindo poeirinha do ombro do fato com ar desdenhoso, aquilo É MESMO ASSIM! AQUILO NÃO É TRETA!

Vota José Mourinho. Um presidente que não necessita de debates. Nem de efeitos especiais. Nem de décimo terceiro mês.

19.12.05

Apoiantes e seguidores

É fácil perceber que a independência é uma característica comum a quem apoia Manuel Alegre. Falo, evidentemente, não do eleitor anónimo, mas sim dos "notáveis", que se movem nos meios políticos e partidários, económicos e culturais, em que cada um se integra num lobby ou numa malha de influências que lhe traz vantagem, notoriedade e garantia de futuro auspicioso mas que, em contrapartida, exige fidelidade, apoio a todo o custo, disciplina, renegação de princípios (para quem os tem, claro está, embora tendo-os o resultado seja semelhante), em suma, uma espécie de voto incondicional de obediência. Sendo assim, apoiar Manuel Alegre é um verdadeiro e próprio acto de coragem para os homens do partido, ou dos lobbies económicos ou culturais que gravitam em torno do aparelho.

Ao mesmo tempo, realça-se-lhes a diferença, notória, face aos que, querendo apoiar Manuel Alegre, lhes faltou a coragem, tolhidos pelo temor da retaliação. É desta massa de gente, desapossada da própria opinião e subjugada ao poleiro que defendem a qualquer custo, que é feita a colectividade de apoiantes dos candidatos que são apoiados pelos partidos, por muito que se esganicem a proclamar-se supra-partidários (longe de se capacitar que o que querem, na verdade, dizer é que são apartidários, que isto tudo está bem longe de ser um concurso para eleger super-heróis). Produto pré-construído, mas mal construído, bacoco e saloio, sustentado em modelos obsoletos do bem estar social para iludir tolos e incautos. Mas que, ainda assim, congrega apoios das pessoas mais insuspeitas, por razões diferenciadas, até pelo receio da libertação do aborto. Não me enganei. Quis escrever libertação porque parece, aos olhos dos receosos, que se vai libertar um monstro da jaula. Basta ler o Alonso que, por causa disso, até vai ponderando oferecer-lhe o seu voto.

O resto dos pensadores faz de conta que discute, entre Soares e Cavaco, ao mesmo tempo que faz de conta que apoia um deles com firme convicção. Sobre declarações de candidatura, vê-se de tudo. E há, claro, os arautos das candidaturas, acérrimos defensores das qualidades endeusadas dos seus candidatos, que acreditam de forma tão pia que, não fôra a infinita patetice, pareceriam transidos de fé.

Foi você que pediu mais estereótipos?

Pegue lá.

1 - "Jovens agricultores querem tributar terras abandonadas (...) Luís Miranda defende que é necessário reforçar os incentivos ao associativismo".

Se isto não é o povo, onde é que está o povo? Reforma agrária já, mas com jipes, yá, para haver condições decentes, pah!

2 - "Cavaco Silva desvaloriza importância dos debates".
- Mas você não liga, mesmo?
- Ó meu amigo: os gajos não ligam, ia ligar eu? Pois, se eu calado subo nas sondagens! Eu vou é deixar de me mexer, também!

3 - "Na primeira década da TV privada em Portugal, os canais ignoraram alguns sectores da vida social; pelo que os programas informativos não são um espelho, mas sim, um prisma da sociedade ao serviço de opiniões dominantes".
(vamos fazer juntos um pequeno livro? "a redescoberta da pólvora"? vamos? não por quê?)

Eu gosto de estereótipos, faz-me lembrar a possibilidade de me tirarem um Ford GT40 de cada orelha, como naquele anúncio em que se vê pelas orelhas a cisma de cada um, geralmente um telemóvel, ou um plasma...
Era uma piada, percebem? protótipos, estéreo... pois, mais vale continuar caladinho, assim é que sou lindo.

18.12.05

"'tás parvo ou quê?"

- Vou votar no Alegre.
- Quê?
- Vou votar no Alegre.
- Porquê?
- Não gosto do Cavaco. E detesto o Soares, claro.
- Mas o Alegre é socialista, pá! À esquerda do próprio Soares!
- Duvido que seja mais esquerdista que o Soares, mas mesmo que o fosse, não é nem mafioso nem balofo. E como o Cavaco, de direita, também não é ...
- Essa agora ...
- Porra, o Cavaco é um tecnocratosocialista, carago. Só não vê quem não quer.
- Tu dizes isso porque embirras com o PSD.
- Não tem nada a ver com isso ... se bem que é verdade que o Cavaco tem a mesma densidade ideológica do PSD.
- Ahhh ! Eu bem digo, é o teu anti-PSDismo a falar.
- Já disse que não.
- Mas ... o Alegre porquê? Sempre te podias abster ...
- Porque isto precisa de um abano.
- Pois ... olha, ainda apanhas com a legalização do aborto por lei e promulgação presidencial.
- É o único risco que me faz ponderar abster na segunda volta, se esta fôr entre o Alegre e o Cavaco. Mas na primeira volta voto Alegre, não tenhas dúvida.
- 'Tás parvo.
- Não 'tou não.
- ...
- ...
- Mas olha lá, se muita malta que pensa como tu fizer como tu, às tantas há mesmo segunda volta, e arriscas-te a que seja entre o Cavaco e o Soares. E arriscas-te a que ganhe o Soares. Ganhas alguma coisa com isso?
- Perco alguma coisa com isso?
- Tens o Soares presidente outra vez ...
- Fazes-me rir. NUNCA votei útil, o que sabes muito bem. E não era agora que iria fazê-lo.
- ´Tás parvo.
- Não 'tou não.
- ...
- ...
- Olha lá ...
- DIz.
- O ... Manuel Alegre?
- O Manuel Alegre.
- Mas em que é que te identificas com o gajo?
- Na vontade de mexer com este estado de coisas em que ninguém acredita em nada, em que ninguém verdadeiramente tem vontade de combater nada, em que todos apostam na mediocridade como melhor maneira de passar incólume pela vida.
- Olha, se és um sebastianista, acho que escolheste o Sebastião errado.
- Não sou sebastianista. Aliás, o sebastianismo é essencialmente esperar o regresso de quem nunca voltará. D. João foi quem veio, não era D. Sebastião, e ainda bem.
- Isto está a ficar muito esotérico, se queres comparar o Manuel Alegre aos Duques de Bragança.
- Pois, se o VPV lesse isto, o fígado rebentava-lhe de vez ... e não era pelas razões que pensas, era de tanto se rir.
- Esse gajo é capaz de se rir?
- Sei lá. Deve ser como o Eanes dos livros do Augusto Cid ... " Não me posse rir que fique feie".
- Ahhh, reaccionário, que admites que leste esses livros! Como é que um gajo que lia esses livros do Augusto Cid admite votarAlegre?
- Também li todos os D. Camilo, do Guareshi. E sempre simpatizei com o Peppone.
- Olha ... 'tás parvo.
- Olha ... não 'tou não.
- ...
- ...
- Só mais uma pergunta ...
- Diz.
- Agora deste em imitar o besugo, a escrever diálogos no blog?
- Não, e ainda bem que me colocas essa pergunta, que eu já estava a ver que isto acabava sem eu dar uma alfinetada, por pequena que fosse, nesse cromo. Há três diferenças fundamentais entre este diálogo e os do besugo: primeiro, este é longo e chato, enquanto os do besugo são curtos e cómicos; segundo, este sou eu a falar comigo próprio (sim, que tu também és eu, não sei se tinhas percebido), enquanto os do besugo são ele a falar com os estereótipos que ele meteu na cabeça sobre o que são "os outros"; terceiro, o besugo é, apesar de tudo, bom rapaz, que acredita mesmo que o que pensa e escreve é o que está certo, e eu sou um cínico.
- Cínico, e parvo.
- Cínico, mas não parvo. Ainda te mando calar.
-Pois ... já agora, sobre a lolita, não escreves nada?
- Não bato em mulheres, nem em jogos florais.
- Isso não é verdade ...
- Pois não.

Bons conselhos sobre livros (e para acabar com a série interminável dos foibocê do besugo)

Fiquei ontem a saber que, nos últimos minutos do Eixo do Mal, se pede aos comentadores que aconselhem/informem/dediquem um ou mais livros ao telespectador. A Maria Filomena Mónica e a Clara Ferreira Alves, espertas, aconselharam Amos Oz e Alan Bennett (o adversário mais directo do laureado Harold Pinter), a primeira, e uma colectânea de poemas de Luis Miguel Cintra, a segunda. Atentas, portanto, às tendências da estação. Limpinho. Está despachado.

Daniel Oliveira surpreendeu, ao aconselhar duas ou três obras de Amin Maalouf, alertando desde logo, enfim, para o facto de nenhuma delas ser recente, uma vez que se trata de publicações que têm, pelo menos, um ano. Uma delas era "As Cruzadas vistas pelos Árabes", (que eu também recomendo e que, aliás, tem acompanhado as noites de insónia do besugo, que resolveu aprofundar o seu saber acerca da Tripolitânia e dos Franj). Excelente escolha. Mas o livro em questão saiu em 1983 e o que o Daniel devia querer dizer, se calhar, é que o tem em casa há um ano. Não se espera, sequer, que o tenha lido, que eles nunca os lêem (como o MRS, que semanalmente aconselha até a 44ª edição da Cozinha Tradicional Portuguesa). E ia melhor se tivesse calado aquelas banalidades sobre um escritor que "aborda duas culturas" (supõe-se que se referia à cultura "ocidental" e à cultura "não ocidental").
Afinal, o Daniel Oliveira deve conhecer o livro há um ano, mais mês, menos mês. O que não é o mesmo que o livro ter, como tem, um passado maior do que a memória do Daniel Oliveira.
Piaget explica muito bem este tipo de fenómenos.

Foi você que pediu respeito?

Uma vez foram buscar o Marcelo Rebelo de Sousa a um sítio qualquer para o trazerem para aqui. E isso há-de ficar-lhes na memória como se tivessem ido buscar alguém de jeito, para lugar jeitoso, por causa meritória.

Foi você que pediu um mono?

Aníbal: não precisamos de ti. Vai-te embora. Desiste. Diz que já não queres. Que nunca quiseste. Que estás doente.
O povo português não sabe o que faz, aparentemente. Diz que gosta de ti mas está apenas baralhado com demasiada informação e escassa autoridade. Falta-lhe quem tenha a tua cara de cu debaixo dum bivaque. Isso resolve-se. Desiste e recomenda-lhes menos leituras de cevados. E que passem pelo posto da GNR da freguesia deles, isto para terem boa dose de autoridade satisfatória antes das pataniscas de farinha.

Mas faz isso, desiste mesmo. É uma vergonha uma pessoa como tu ter de deixar de estar em casa, onde se está tão bem. Fica-te. Passa. Não sejas assim, tão bruscamente, o que não és.

Foi você que pediu uma frase?

Se Cavaco Silva ganhasse as eleições seria o primeiro presidente da república depois do vinte e cinco de Abril cujo único mérito seria, logo dois "serias" numa frase, mérito nenhum.

Foi você que pediu um segundo marujo?

Quando era puto deram-me o papel de segundo marujo na "Nau Catrineta". Aquilo tinha uma coreografia. Mas não me lembro bem, andava na escola primária.
Lembro-me do cheiro a naftalina da gabardina da Noémia e que o chão do Cine-Teatro Avenida chiava, gasto, debaixo das nossas solas gastas.
Eu limitava-me a dar a baínha do meu punhal porque "terra, cada vez mais longe...".
Nem isso dei, pelos vistos, que descobri-a há bocadinho numa caixa antiga. Era de napa.

17.12.05

Foi você que pediu isto?

Se bem que, bem vistas as coisas, um gajo que diz que é do centro esquerda ou do centro direita é, do ponto de vista sexual, um tipo que - isto basicamente - dá para os dois lados...

Foi você que pediu um autógrafo a Lobo Antunes?

A sério. Isto diverte-me. Às tantas é assim, mesmo. Esta sondagem mostra que, entre outras coisas, houve eleitorado de Alegre que se passou para Cavaco. Para Soares, ainda entendo. Para Cavaco também. Eu, a bem dizer, já entendo tudo.

- Você mudou a sua intenção de voto?
- Mudei!
- Para quem e porquê?
- Para Cavaco!
- Muito bem, respondeu à primeira parte! E a segunda parte?
- Diga?
- A segunda parte...
- A segunda parte vai ser "difícel", porque o treinador deles, o Rafa Benitez, é um tipo que já treinou o Valência e faz bem as substituições, e os gajos têm lá o Cissé!
- Foda-se, não é isso. Porquê?
- Porque o Valência já foi uma grande equipa, pá, e porque o Cissé é um gajo rápido!

Foi você que pediu um frasco de óleo de rícino?

- Você é de direita, de centro direita, de centro esquerda ou de esquerda?
- Eu quero é comprar barato nos hipermercados.
- Mas vai votar em quem?
- Não sei, falta-me passar no Pingo-Doce, a ver...
- Vá. Diga lá.
- Lá! Fodi-o, eheheh!
- Pois foi. Agora tem de casar comigo, seu imbecil!
- E caso! Quanto é?

Foi você que pediu um martelo que o esmague?

- Você é de direita, de centro dir...
- Eu sou de esquerda!
- Boa. Um decidido! E vai votar em quem?
- No Cavaco!
- O Cavaco é de esquerda?
- Não, mas eu não durmo sem um conflito intelectual íntimo...
- Fode pouco e com quem não gosta, é? Isso dá-lhe insónias...
- Também, mas isso não tem nada "a haver"!

Foi você que pediu vaselina?

- Você é de direita, de centro direita, de centro esquerda ou de esquerda?
- Eu?
- Sim, foda-se, que besta, você. Está aqui mais alguém?
- Respeito! Eu... hum... eu sou de centro esquerda.
- E em quem vai votar?
- Eu?
- Não, o Camões! Você, sim, sua alheira!
- Respeito! E voto no Cavaco.
- Mas você acha que o Cavaco é de centro esquerda?
- Eu não acho nada, e cale-se mas é! Eu sou o que eu quiser e isso chega-me para botar uma cruz. No Cavaco, olarila. Mais alguma coisa?

Pragmatismo passageiro

O Sporting foi ganhar à Figueira. Jogou mal, mas ganhou. Foi lá fazer o que o Porto fez em metade dos jogos em que ganhou campeonatos, foi lá ganhar, dois a zero, tungas, já está, três pontos. Jogámos mal? Que pena tão grande!
Tivesse corrido assim com o Cova da Moura e eu andava menos dispéptico.

É preciso ganhar os jogos em que se joga mal, esses sim, que aqueles em que se joga bem, geralmente, ganham-se.

Nota: o Paulo Bento gosta de dar trunfos ao inimigo. É um homem de risco (ao meio...). Meter o Sá Pinto foi de artista, fez-me lembrar a vertigem do poço da morte, mesmo visto de fora. Ninguém me tira que fez aquilo para enervar o Álvaro.

Outra que eu podia calar, mas enfim.

É notório (e notável, até), que algumas pessoas - nos jornais, na televisão e, mesmo, aqui, neste espaço pequeno - se esforçam por reduzir os debates entre os candidatos presidenciais a uma coisa inútil. A um folclore sem consistência.

Terão razão. No entanto, quando se afirma que um candidato a presidente da república é um mero candidato a quase coisa nenhuma, por não ter poderes para mudar seja o que for, assumindo a vertente "globalmente desinteressante" desta eleição com um ar vagamente entediado, desvalorizando o confronto e a discussão "porque o povo escolhe, mas é, de acordo com o que lhe interessa para a sua vidinha" é preciso explicar melhor porque é que se diz isso em artigos de opinião impressos. Quando não, alguém se lembra de perguntar "olhe, então por que raio se preocupa em manifestar que apoia determinado candidato? e por que é que apoia esse e não outro qualquer? se isto é tudo assim uma espécie de maçada, para que se maça? e, já agora, o candidato que apoia é o melhor para a sua vidinha porquê?".

Desculpe, Francisco, mas como o seu candidato não explica rigorosamente nada a ninguém - tal qual os outros, dirá você; já o disse, até, mas quem escreveu um artigo de opinião no JN foi você, não foi ele, nem nenhum dos outros - explique lá isto, se puder. E se quiser, claro.

É que, doutra forma, eu vou achar que, hoje em dia, se parem frases e teorias "só para fazer efeito". Coisas como aquela, bem peregrina (no sentido de que "mais lhe valera passar por detrás do santo, em Santiago, que andar em bicos de pés nas pantufas da vida") do Lobo Antunes - o mais pedante, não é o irmão que mexe no encéfalo: "esquecer uma mulher inteligente custa um número incalculável de mulheres estúpidas".

Sabe porquê, não sabe? Para começar, por isto: para quê esquecer uma mulher inteligente? Não é uma frase parva? É uma estupidez que deveria retirar o autor dos escaparates da inteligência, ao menos por cinco minutos.
E, depois, não sei se reparou, aquele ar de tédio de verdadeiro conhecedor de conário, estampado numa face que - e eu sei, que conheço o personagem de o ver de perto, nos olhos quase - só não é mais vermelhusca porque ficaria quase roxa, não é patético? De presunçoso? Pois é.

Não. É preciso explicar as coisas. Não que sejam precisas muitas explicações, mas porque a negligência não existe só na medicina, na engenharia de pontes e nos pais que esquecem os filhos. A negligência pode notar-se em notáveis artigos de opinião que, não atingindo patamares subterrâneos dignos dum hirto Delgado, ou dum bélico Rogeiro, também era o que faltava, são desdenhosos sem razão válida para o desdém. E quem merece respeito, merece reparos.
Tome este, faça-lhe o que quiser, eu sei que há reparos que não merecem reparação, dependendo tudo do ponto de vista do tipo que está de serviço.

do carácter

O João Tunes ,o Evaristo e o LNT, duma maneira natural e simples, enobreceram outra vez a blogosfera. Mostraram que são aquilo que já se sabia: aguerridos, lúcidos, atentos; e, sobretudo, reafirmaram que são gente de bem.
Não faço ligação, directamente, para os textos em que isso se nota mais. Faz bem procurar, há lá outros exemplos sem ser aquele a que me refiro, quem não souber ainda do que falo agora que procure.
Parabéns aos três, que foram nobres.

16.12.05

Soltas de besugo

1 - Estou sem sono, mas vou-me já embora.
2 - Jogamos amanhã com a Naval. Ide lá jogar a medo, ide. Não entreis para ganhar aquela merda que ides ver. Fazei como contra o Cova da Moura que o Fogaça atesta-nos a marmita. Rijo e para ganhar, se faz favor, que há coisas na vida em que não se pode entrar candidamente e com pezinhos de lã, isso é nos quartos dos filhos, à noite, para o último beijo antes do sono.
3 - É legítimo tentar que doentes no fim acabem só depois do Natal, mesmo que isso custe dinheiro a toda a gente, só para passarem o Natal em casa, se percebermos que eles querem isso? É. Digo eu. Albumina não cura, é cara, mas nem sempre é caro ao cura o que me é caro a mim. Que também não curo, tanta vez.

Boa noite. Vou de mansinho.

Mais uma coisa que me ficava melhor não escrever, mas pronto.

A lolita não me encomendou nada, eu sei que ela não liga a acontecimentos mundanos (a menos que participe), mas tenho de lhe contar daquele programa da TVI que houve hoje. O das vinte canções românticas mais bonitas de sempre.

Aquilo deixa-se ver.

Segue relatório. Tudo mentira.

1 - Do ambiente:
Casino Estoril, tons de negro e prata, uma escadaria de sete ou oito degraus por onde se despenhavam os apresentadores. Muita Caneça, muito Pingalim. Uma gaja estava a imitar o Moshe Dayan, o que achei despropositado. Depois percebi que não era uma gaja, nem estava a imitar ninguém, era o Castelo Branco com a pala no olho certo. A Moura Guedes, com ar de quem toma corticosteróides, o Moniz com ar de estar casado com quem toma corticosteróides. O Júlio Magalhães bem disposto, o pessoal da geral a curtir o "evento". Uma festa de empresa. Calhou ser de televisão, se fosse de construção civil era a mesma coisa, menos o gajo a imitar o Moshe Dayan: haveria um empreiteiro a imitar o trolha dos Village People.

2 - Dos apresentadores:
Esteve o Goucha, a fazer de panasca, com evidente esforço visceral. Esteve aquele tipo que faz de Bizalhão, com a Júlia Pinheiro. Um tipo que é jornalista, que acompanhava a Iva Pamela (isto vai fazer despertar as feromonas ao Alonso, eu sei...), que agora se chama Iva Domingues. Foi interessante, porque lembraram-se de fazer aquele trocadilho original entre o nome da pequena e o imposto que o Sócrates subiu. Ah! E o Carlos Ribeiro, aquele tipo que a gente imagina a dizer que o mundo vai acabar com o mesmo sorriso com que anuncia o Toni Carreira ou o Toy ou que se lhe exteriorizou uma hemorróida lancinante. E o puto que faz de gajo do Porto na novela do Tozé Martinho, o Granger, aparentemente emparelhado com uma gaja enjoada com um nome provindo das estepes, não sei se é a mesma enjoada da novela, sei que tem umas canetas que se lhes botarmos tinta aquilo escreve. Mal, mas escreve.

3 - Das cantigas:
Rui Veloso (aparentemente saltou "O primeiro beijo", deixou cantar a Lúcia Moniz: ou deu-lhe uma "íria" e foi arejar ou tinha de "ir ali" e veio depois cantar o "Riboli") esteve igual a si próprio e isso notou-se nos olhos da orquestra e da Nandinha, que estava lá em cima a fazer coros, como sempre. Paulo de Carvalho também esteve bem, canta como já não se canta e como sempre ele cantou, deu-me para cismar que dedicava aquilo ao Salgueiro Maia e gostei. Quando cismo que canta "E depois do adeus" noutro contexto enerva-me, se fosse dedicada a Cavaco Silva, por exemplo, desligava o caralho do receptor, sim, que aquilo só recebe, se eu desligar recebe népias. Esteve o Represas, a cantar as músicas do João Gil e os versos da Florbela Espanca, com a mesma cabeleira postiça de sempre. Aquilo nem mexe, parece natural. O Gonzo inventou novas versões dos "Jardins Proibidos" e doutra que não me lembro, parecendo a caminho duma "nana" monumental em versão cada vez mais Telly Savalas. O Abrunhosa também lá esteve, a ouvir os coros da Nandinha e, nesse particular, não esteve mal. Ainda emitiu sons, mas poucos. Tivemos a Rita Guerra, na qualidade de residente do casino, canta bem. A Adelaide Ferreira experimentou a 657ª versão daquela cantiga que canta sempre, acho que também tem outra, mas não cantou essa, foi a do costume, desta vez a orquestra esteve a pontos de desatinar com as variações finais da cantora (quando ela se desencontra com a realidade e depois chocam de frente), andaram à pesca. E mais? Ah! O Olavo Bilac, que anda a frequentar o Dr. Anti Tallon e já tem de cantar sentado, para não escorrer por ele abaixo: punha-se uma forma e ia ao forno, ficava um "tabuleiro de brigadeiros". E aqueles tipos que imitam o Jorge Palma, os Toranja, que até se meteram pelo Variações adentro, o que foi bom, porque as cantigas do Variações, quando são outros a cantá-las e a tocá-las, melhoram um bocadito.
Por fim, aqueles putos que parece que acabaram de acordar com vontade de faltar à escola e sem vontade de mais nada, os que entram numa novela que é acerca de frutas e diabetes, os "Dissestes". Se não é "Dissestes" é "Disserem".

4 - O que faltou.
Tudo. "Cavalo à solta", a cantiga mais bonita do mundo, e mais dezasseis do Tordo, uma ou duas do Cid (que está longe de ser o tosco musical que alguns parolos acham que é), a "Amélia" do Carlos Mendes, a "Nini" do Paulo de Carvalho, meia dúzia do Carlos do Carmo, muitas outras, não digo mais nada que a hora vai longa e já se percebeu, há muito, do que o nosso povo gosta, além de que o fodam.

5 - Nota final: e por detrás!

15.12.05

da matéria

Não vi o debate todo, sou um imbecil (isto são conceitos aditivos, não é a pedir mimos nem pancada; eu podia, mesmo, ter evitado a vírgula entre "todo" e "sou", punha lá um "e" e escusava de estar com esta explicação, já se percebia que havia ali uma coordenação copulativa, eu gosto destas palavras derivadas do que é bom, aliás, mas pronto, saiu assim, saiu menos ainda que assim-assim, é feitio, expulsem-me), mas já reparei que as perguntas dos debates são quase sempre as mesmas e as respostas também.

Em tempos dizia-se que os tipos que tinham muitas vezes sensações de "déjà vu" poderiam padecer de epilepsia temporal. Eu acho que pode não ser epilepsia, mas temporal é de certeza.
Há-de ser do tempo, de qualquer maneira.
Não sei se faça um exame qualquer. Ah! também sinto cheiros estranhos. Não, não é nada disso. Em tempos, a associação entre estas discrasias sensoriais e a epilepsia temporal também se estabelecia como hipótese.

Vou mas é a um neurologista. Digo-lhe "olha, eu acho que padeço de tal e tal, ora verifica". Vai ser engraçado remetê-lo à bibliografia e à agressão verbal.

Não. Eu acho que preciso é dum bom exorcismo, que me ponha a cabeça a andar às voltas e as entranhas a vomitar qualquer coisa verde para cima dum santo. Ou para dentro dum penico.
Podem ser ambos de barro, sim.

14.12.05

Frogs flying through the window

Carla: ainda bem que sim.
Você também, por gostar desse insuportável sapinho. Tão insuportável que se esse bicho medonho aterrasse na minha casa me daria, ao menos, o enorme prazer tratar de saber se, além de infinitamente chato, também voa.

Este lado do nosso paraíso

Aprende tarde, mas vai aprendendo. Cavaco Silva já tomou consciência do conceito de desemprego como um "drama pessoal", muito mais do que uma questão económica. E já vai ensaiando tentativas, ainda frustradas, de ironia fina. Mas, também é certo que a presença de Jerónimo de Sousa o pôs mais à vontade. Descobre-se, então, que um Cavaco Silva menos intimidado aparenta ser dono de um cinismo ainda mais desajustado do que a aspereza que já se lhe conhece. Seja qual for a virtude que se lhe observe, Cavaco Silva parece estar condenado a parecer um transplante de si próprio. Uma cabeça num corpo alheio. Ou um candidato no homem errado. E isto não é ficção.

13.12.05

Cinzas e coisas que ainda não arderam

A lolita deu-me, nos anos, uma caixinha do E.R.
Agora comprei outra, a quarta série. De vez em quando vejo um episódio. Faz-me bem.

Hoje, Ross e Greene foram à Califórnia. Num carro alugado, sem ar condicionado que lhes servisse de refrigério àquele Novembro quente. O pai de Ross estampou-se e morreu, eles foram lá.
Não importam mais detalhes.
Foram os dois, dois homens diferentes em fase individual (e colectiva) de diferenciação. Andaram por ali. Foram ver os pais de Greene, a San Diego. Pais antigos, os de Greene. Ele, antigo militar que não passou de capitão, dado à "bricollage" do fim. Ela dada, como sempre, a ele, ao capitão que amou. Tudo isto antes de irem espalhar as cinzas do pai de Ross num desfiladeiro alto e em que o sol estava ainda baixo, naquele azul de manhã cedo.

A história completa-se, porque doutra maneira ficava curta, na chegada de Carol, a namorada eterna e recorrente de Ross. Ele tinha-lhe telefonado a dizer que gostava que ela estivesse ali, com ele. Embora ele já estivesse com Greene e, para a história, isso quase bastasse. Era um desbafo de impossibilidade, ele não pensou mais nisso. Queria, naquela altura, pelo menos. E quase nunca se consegue o que se quer quando se quer "qualquer coisa, pelo menos".

Contudo, ela foi. E foi a três, sem nenhum deles estar a mais, que espalharam as cinzas do sacana. Sacana é o que é, sempre, um pai que nos morre longe.

Dúvida metódica e circadiana

A parte final do texto do Alonso faz-me lembrar aquelas coisas que estou habituado a ler nos capítulos de qualquer tratado de medicina interna, naqueles que descrevem as doenças como entidades que têm etiologia, fisio(pato)logia, clínica, diagnóstico, terapêutica e prognóstico. Sobretudo no que se refere ao prognóstico, por dois motivos:
1 - Nunca saía nos exames (e faz tanta falta, a qualquer médico, saber qual é a evolução natural das doenças... os doentes têm, por vezes, noção mais acertada desse importante particular).
2 - O Alonso tem de ser lido à luz do dia para se lhe responder melhor à noite. Aquele escrevinhar críptico de bom sacana merece sempre resposta, mas o prognóstico de sucesso desse ripostar depende, sempre, de alguma luz fresca e clara que nos alumie do cimo das "horas de mais cedo".

Mea culpa, cheguem-me no lombo.

Não vi o debate de hoje. Não pude. Também não vem mal ao mundo. Haja quem tenha visto.

Sobre aquela minha ideia, um bocado peregrina (até por ser inconsequente do ponto de vista formal e da execução: no fundo, o que eu pretendia com aquilo era uma coisa simples, que só percebi depois; era ver se havia laços, alguma laçada mais forte a unir quem eu gosto mais, e há) de escrever a quatro, a seis, a oito mãos, já vi que seria preciso mais tempo, mais comunicação, menos trabalho daquele que dá o pão e, sobretudo, que cada um não tivesse a sua vida. E temos todos.
O João Tunes, que é um tipo admirável com quem eu embirro (e ele comigo, muito mais que eu com ele, sendo eu bem menos admirável) de vez em quando, agarrou a ideia e acompanhou-me. O Miguel, que anda arrredio, até foi mais longe: alinha de qualquer maneira, desde que tenha tempo. Vontade segura tem. O Altino, para quem o conhece de o ler muito, também disse que sim. Com o Altino é sempre um "sim, mas!". O que faz do Altino um tipo a quem apetece sempre fazer propostas e ficar à espera do "que é que este tipo vai dizer desta vez para não ser como eu digo e ser como ele quer?".

A minha ideia foi má. Não acrescenta nada, pelo menos conforme a pensei. Pode-se tocar uma música a quatro mãos, há mesmo pautas escritas para esse desiderato de execução, mas dificilmente se escreve um texto a mais que uma (o alonso escreve só com dois dedos da mão direita, por exemplo, e quando é para escrever de mim usa só o do meio...) ou duas.

A minha nova proposta, pedindo desculpas por ter feito a primeira, é bem mais simples. Eu prometo, porque gosto e porque estabeleci algumas prioridades nas minhas leituras de fim-de-noite, ir ler o que cada um dos meus amigos que não conheço (e os que conheço também, tenho estes dois biltres juristas aqui comigo, quem havia de dizer que eu havia, um dia, de ser amigo, a sério, de juristas!) escreveu sobre os debates. Conforme faço, sempre, sobre outras coisas que eles escrevem. É uma questão de precisão, de necessidade, de gosto.

A menos que algum deles se saia com uma proposta mais inteligente e prática do que a minha, por mim, ficamos assim. Cada um na sua, sabendo dos outros pelo gosto que se tiver, e eu tenho, em saber o que os outros dizem.

O João Tunes pode achar que sou inconsequente. Ele alinhou e fizemos, ambos, o que prometemos fazer. Ele à pressa, que nem sequer teve tempo para pensar nisto, alinhou logo. Mas é uma questão de encarar isto como mais um "entusiasmo de besugo" que, agora, não sabe como lhe dar continuidade. Diga o João o que pensa sobre isto, eu tenho sempre receio que pense mal de mim por ter estes fogachos que depois deixo cair, o João diga o que pensa e eu alinho, fui sempre mais de seguir quem tem a luz do que o tipo que leva a candeia.

É muito mais o que nos une que aquilo que nos separa. Disto tenho a certeza. E deixo um abraço profundo a todos, mesmo aos que aqui não referi e se gastam nos teclados, como eu, na desinteressada ternura de estar com os outros.

Mesmo aos que me cuidam cru.
Não sou.

12.12.05

Prognósticos, só depois do resultado, mas ...

hipótese a): Não se atacam, fazem vénias recíprocas, dizem mal do Cavaco e pronto, tiveram ambos tempo de antena!

hipótese b): Louçã vai com instintos assassinos, ataca o Alegre por se ter furtado à votação do OE e arrasa "as políticas de direita do PS", a ver se o Alegre se defende ou se defende o PS. Alegre, para não hostilizar o eleitorado BE, não defende o PS, mas também não contra-ataca.

hipótese c): Louçã vai com instintos assassinos, ataca o PS e Alegre, e este responde à letra, atacando o BE e o Louçã. Um verdadeiro duelo, enfim.

Acho a primeira hipótese difícil de se verificar. tirando as primeiras intervenções em que se fazem os salamaleques do costume e se protesta o "maior respeito democrático" pelas opiniões do adversário.

Hesito entre achar mais provável a segunda ou a terceira. Que Louçã vai querer atacar tenho poucas dúvidas. Afinal, ele está nestas eleições para reforçar a sua posição eleitoral na esquerda. Mas não sei se Alegre vai aceitar tratá-lo como verdadeiro adversário, ou se o vai menorizar, como fez Cavaco.

A meu ver ( mas o meu ver é o de quem, da Terra, vê um campeonato entre Marcianos e Venusianos) Alegre tem mais a ganhar se optar por "ir à liça". Afinal, aqui trata-se de disputar eleitorado, para se ir à segunda volta. Além disso, é com uma postura forte - na esquerda - que Alegre pode finalmente começar a desligar-se do estatuto de "candidato vítima-surpresa" e consolidar o estatuto de "favorito da esquerda".

Até porque, diga ele o que disser agora ao Louçã, o certo é que os votos que este tiver na primeira volta vão, direitinhos, para o candidato que combater o Cavaco na segunda volta ... se a houver.

Finalmente, porque já vai sendo tempo de termos um debate a sério, e não candidatos a cumprir calendário (debate Alegre-Cavaco) ou vitórias de Pirro, por falta de vontade/interesse de um dos presentes (debate Louçã-Cavaco).

Nota de rodapé:

É quando vejo pessoas a emitir juízos políticos (enfim...) ao mesmo tempo que brandem o jornal "O Crime" que recordo, com saudade, o séc. XIX e o sufrágio censitário. Um gajo que chama fascista ao Soares não devia poder votar, por manifestamente não saber usar, naquele personagem, insultos muito mais apropriados.

Aliás, em vez do sufrágio censitário clássico (com base na formação académica e posses próprias), acho que vou passar a pugnar pela inibição do direito de voto dos leitores d' "O Crime", d' "O Correio da Manhã", do "24 Horas", e d' "O Expresso".

Pensando bem, acho que só eu e o besugo é que devíamos votar. A lolita não percebe nada disto e o resto do povo, embora perceba alguma coisa ... percebe pouco.

O lume

Custódio bufou no lume, a espevitá-lo, e sentou-se no banco velho, à mesa tosca da cozinha. Chamou "ó Jerivaz!" e o cachorro chegou-se, lento.
Estava o fumo a começar a encher o aposento. Levantou-se e foi fechar a porta grossa, de castanho, que dava para o quinteiro. Cerrou-se toda, num chiar de dobradiças gastas pela secura das geadas.
Com as mãos grossas, tirou a navalha do bolso e cortou nacos de salpicão e de broa. "Este é para ti, Jerivaz, come, cão". Foram comendo, na lassidão do fastio.
O fumo era cada vez mais denso. Deu-lhe a tosse do costume, praguejou "puta da tosse!" e cuspinhou o sangue para o chão de xisto doente. Bebeu, duma vez só, pela garrafa, metade da aguardente. O cão olhava-o como se soubesse que o dono perdera, também, o tino. Iam mascando em silêncio, só o crepitar das vides e o resfolegar fundo de Custódio se escutavam.
"Feliz Natal, Jerivaz!", e o cão agachou-se na mansidão refastelada que antecede o sono. Custódio ergueu-se, num último sorvo de ar, mas derramou-se, fundo, no banco, novamente. Ficou assim, de cabeça descansada no tampo tosco da mesa velha, num abandono de fim de quaresma.

A lareira consumiu-se. E estava fria, a cozinha, já a manhã seguinte ia alta no céu, quando deram com eles, no fim daquela consoada dos mortos. Alguns homens mais fortes foram ao telhado, mistura de telha escura e de musgo húmido. E, ao gemer dos sinos que chamavam para a missa, tiraram os sacos de serapilheira com que Custódio sufocara a chaminé.

Das coincidências

O homem exaltado que quis agredir Mário Soares hoje, em Barcelos (Mário Soares e quase toda a gente, que o homem já estava em rota de colisão com o existencialismo!) estava a mostrar-lhe uma notícia que vinha no 24 Horas. Pareceu-me, não posso jurar. (*)

É uma pena que as pessoas, mesmo ex-combatentes (se bem que aquele parecia mais um combatente a sério, embora estivesse a pontos de se desequilibrar com qualquer encosto mais assertivo que lhe dessem, do que um ex-combatente), se fiem nas notícias que lêem naquele jornal. Por exemplo, em relação a Kátia Guerreiro - fadista, médica e, sobretudo, económica na verbalização não canora -, a malta do Pulo do Lobo não acredita no que lá veio escrito, e faz muitíssimo bem. Não acredita, por exemplo, que ela não seja interna de oftalmologia. Aparentemente só porque é lá que vem, naquele jornal. Mas isso basta-lhes.

A malta do Pulo do Lobo que mande um cartão de Natal ao ex-combatente, uma coisa pedagógica, do tipo "ó homem, não se exalte com as coisas que vêm nesse pasquim, que a gente também não liga!"

O "site" da Ordem está em obras, aliás. Nem sequer dá para ver se Kátia Guerreiro está inscrita na Ordem, quanto mais. Mas isso não invalida que seja tudo mentira, até porque se fosse verdade ela já tinha dito qualquer coisa, nem que fosse a cantar. Não?

(*) Afinal era o Crime. Bolas. Cai pela base tudo o que eu disse. Passa Kátia Guerreiro a ser, portanto, uma brilhante assistente graduada de oftalmologia. E o ex-combatente um homem de leituras profundas. E eu um míope da pior espécie.
E a Kátia, às tantas, também já explicou o que anda a fazer nos Capuchos, para além de cantar o fado. Chuif. Isto correu mesmo mal. Caramba. Confundir o Crime (essa criteriosa publicação) com o 24 Horas.
Isto só um boi, besugo.

Annoying thing é pouco

Com perdão da frontalidade, Carla: eu devo dizer que tenho, até, alguma pena que as associações de pais britânicas não tenham levado a luta onde ela deveria ter chegado. Deviam era ter erradicado de vez o execrável sapo cantante, monumento avassalador ao culto do mau gosto, sucedâneo mal amanhado do infinitamente imbecil tamagochi, versão moderna do Badaró em boneco de acrílico. Caramba, que coisa feia. A quinta essência do lixo para consumo de massas.
Eu, quando gostava de bonequinhos, gostava mesmo era do Rudolph, the red-nosed reindeer.

11.12.05

A lista de Xindla

O Alonso nem precisou de telefonema para aderir. Eu ia telefonar-lhe só amanhã, para não o incomodar no remanso do fim-de-semana. Ainda bem.

Verifica-se que existe, neste blog, alguma unanimidade relativa: Cavaco esteve mal.
Há um blog que acha que esteve bem, que é o oficial, depois há mais alguns que dizem mais ou menos o mesmo que diz Luís Delgado ("andem praí, digam o que quiserem, que isto já está no papo" - o que é confrangedor, mas os portugueses, à falta de naus, tendem a chapinhar junto às bordas) e há, ainda, exactamente, há ainda Marcelo Rebelo de Sousa.

Esse deu dezasseis valores a cada um, o que denota duas coisas:

1 - MRS deve ser daquele tipo de indivíduos que, mesmo desde a juventude tenra e magra, deve ter dado pontuações às namoradas e mantido uma lista delas - num moleskine adaptado - ordenada por habilidades. Não sei, é uma coisa que se consegue imaginar, ele a mostrar aos amigos, "a Rute é tão fresca que até penso nela como a Rutinha, dou-lhe vinte seguidas, tás a ver? pois, nem eu, hehehe; já a Cacilda é um bocadinho insossa, dou-lhe dezasseis na vida inteira, mas só se for obrigatório...ihihih" . Não sei se é assim, não é seguramente, mas eu consigo imaginá-lo nessas tertúlias; já, por exemplo, António Vitorino não. Mas isto não é, necessariamente, um elogio a António Vitorino. Enfim.

2 - MRS vê debates consoante lê livros. Os que lhe interessam, vê e lê muito bem. Os que tem de despachar, faz-lhes pontaria com a caçadeira de canos serrados que lá tem. E, na dúvida, num tiro com essa amplitude de dispersão plúmbea, Cavaco nunca perde.
O que está perfeitamente correcto. É público que MRS apoia Cavaco. E nós temos, neste preciso momento, uma democracia tão consolidada e madura que já se pode, sem correr qualquer risco para a nossa tão alicerçada democracia, ter um apoiante duma das candidaturas, em horário nobre, na televisão pública, a debitar esse apoio de forma "praticamente neutra, análise pura".

Eu, por acaso, acho isso inocente e bom. Eu conheço o meu povo e sei que é tudo menos influenciável. Não, não é nada dado a deixar-se ofuscar por pensadores/formatadores de verbo fácil. Mesmo por se tratar dum povo intelectualmente autónomo, paridor de pensamento, em lugar de tender a embeber-se no dos outros. Basta ser um povo que tem telemóveis em barda, caramba!
Não, estou mesmo feliz.
A seguir quero que MRS venha aqui a casa roubar-me o pinheirinho de Natal para oferecer à Ana Sousa Dias. É um pulo de raciocínio muito grande? Pois é, é mesmo um pulo de coiote!

Quanto ao raciocínio jurídico-constitucional que Cavaco podia ter desenvolvido, em relação ao casamento de homossexuais e à sua capacidade de adopção, não discuto essa vertente. Não sou jurista, para começar. Mas refiro-me, levemente, como compete aos leigos menos dotados, à hipótese b) que o Alonso lá põe.

Bom. Embora pense que as crianças, além do direito constitucional a possuirem um pai e uma mãe de sexos opostos - eu não sabia que o texto constitucional era assim tão claro nestas questões de alguma inevitabilidade biológica, mas pronto - têm, também, direito (como todos os cidadãos) a um lar, a alguma educação, a algum dinheiro para o bolso, a um cartão de sócio do Sporting, a algum afecto, enfim, a essas coisas pequenas, e como me parece que essas "coisas pequenas" - isto é discutível, eu sei - talvez sejam mais fáceis de conseguir, para as crianças, num lar de "dois pais" ou "duas mães" do que num asilo, ou num orfanato, ou na rua, sem pai nenhum, sem mãe nenhuma, eu atrevo-me a propor que, talvez, e desculpem a frase tão grande, mas é para não se perceber bem o que eu estou a dizer, até porque eu sei que, mesmo em versão curta, se não percebe quase nada do que digo, dizia eu que me atrevia a propor que, talvez, Cavaco pudesse ter respondido doutra forma sem perder eleitorado.

Como é que fazia? Reparei agora que a lolita já falou no assunto, mas pronto, eu repito: dizia que um PR deve debruçar-se sobre todos os temas nacionais, mesmo estes que são "tabu" para 80% da sua base eleitoral de apoio e, depois de neles reflectir, porque são muito importantes... fazia como diz que fará se lhe chegar uma lei que liberalize os despedimentos: mandava tudo para o Tribunal Constitucional!

Aqui, Cavaco esteve igual a si próprio. Pelo menos, com ele, a partir do momento em que alape a magra peidola na presidencial poltrona, quem trabalhar por conta de outrem e tiver alguma estabilidade no seu vínculo laboral, está pior do que o que estava: dantes, o professor de economia preconizava que se lhes esperasse pelo óbito para se lhes varrerem os restos para a cova; agora, talvez não seja preciso tanto: ele chuta, imediatamente, para cima - um "charuto" - e tudo passará a depender da revisão que se fizer, entretanto, ao texto constitucional.

Eu proponho, desde já, este pequeno texto; parágrafo único:

"Qualquer patrão, com o poder que Deus (pode ser um dos quatro ou cinco Deuses com mais filiados, à escolha, que há liberdade de religião neste País, desde que os outros três ou quatro não chateiem muito) lhe conferiu por ser quem é, filho de quem é, neto de quem foi e bisneto de quem poucos já se lembram - mas respeito!, e, também, por ser dono de dinheiro, de pilim bastante, dizia eu, portanto, enquanto legislador, que qualquer patrão passa a poder, em lhe dando na veneta, colocar no olho da rua qualquer trabalhador que tenha contratado, mandando às malvas os termos do contrato, porque deixou de lhe convir esse contrato (e, por maioria de razão, o contratado) a ele, patrão, e à família. E que isto seja válido, também e sobretudo, no sector público, onde grassa uma cambada de filhos só da mãe, conforme é sabido por todos, até por eles, essa corja de bastardos".


Admira-me o Alonso não se ter referido a isto, mas também me parece que foi na primeira parte, logo a fechar, foi a parte que eu vi, ele não...
Ó Alonso, parece-te bem o meu textozeco, assim do ponto de vista jurídico-constitucional "adaptado"?
Já sei, nem respondas.

Tomando a parte pelo todo

O bocadinho de debate Cavaco - Louçã que o Alonso conseguiu ver permitiu-lhe, ainda assim, várias reflexões sobre o tema. De todas, destaco duas:

- É abusivo, parece-me, afirmar-se que Louçã defende a sustentabilidade da segurança social através do aumento dos impostos. É abusivo e absurdo, aliás. Sob todos os pontos de vista. Entendamo-nos: Louçã colocou, durante o debate, vários dedos na ferida, e este é um deles. Afirmou que a solidariedade social deve ser responsabilidade de todos os que auferem rendimentos (incluindo os rendimentos de trabalho - do eleitorado maior do BE), que deverão contribuir para o pagamento das prestações sociais de quem não tem rendimentos (por razões de miséria social ou em consequência da idade). E disse, também, que para que isso aconteça, é preciso que se aumente a produtividade da economia - o que não se confunde com a fórmula, gasta e enviesada, do "aumento da competitividade das empresas" da cartilha cavaquista -, para que aumentem os rendimentos da população activa e, consequentemente, o bem estar social. Com isso, não defendeu o aumento dos impostos, mas antes o aumento dos rendimentos, do qual decorreria, evidentemente, um aumento da receita fiscal. Foi a esse propósito que falou, ainda, da garantia constitucional da proibição dos despedimentos. Tema a que Cavaco Silva, aliás, instado a responder sobre uma hipotética lei de liberalização dos despedimentos que tivesse de promulgar, nos deslumbrou com a certeza de que, em questões difíceis e "fracturantes", tratará sempre de saber a quem pode passar a batata quente - que, nesta questão, passaria ao Tribunal Constitucional.

- Tenho de reconhecer que concordo com o elaborado raciocínio táctico do Alonso acerca da não-resposta de Cavaco Silva sobre o casamento e a adopção por homossexuais. Qualquer resposta seria, de facto, mortífera para Cavaco Silva. Seria, aliás, hilariante: o homem que quase nunca responde a coisa nenhuma e que, quando responde, se limita a uma justaposição das frases do manifesto eleitoral, a responder sobre um tema tão polémico, em que qualquer resposta o encostaria à parede. Eu aposto que era dessa que desistia desta aventura.
Impressiona-me, no entanto, o pragmatismo, algo cínico, do Alonso, quando diz achar que ele fez bem em não responder. Presumo eu, para salvaguarda dos altos interesses da candidatura. Para fins subversivos. Enfim, para enganar os tolos.
Para mim, a mais fundamental ilação que se retira daquela não-resposta é a de que, não respondendo, respondeu. Refugiando-se em pretextos patetas, em nome desse respeitável designio, esse de não perder votos. Ora, isto só não vê quem não quer. Ou quem votar por disciplina partidária. Ou, ainda, quem acha que estas fugas estratégicas de quinta categoria são a forma mais eficaz de fazer política. Se, na política, perdermos de vista a ética e se acharmos que é legítimo defraudar, enganar, esconder ou omitir para cumprir as boas práticas, então, Alonso, estará tudo perdido. Andamos todos longe da perfeição mas acredito que, de entre todos, ainda há quem insista em não fazer do que está torto uma regra universal.

A não-resposta

Assisti apenas ao final do debate (ou entrevista--dupla-simultânea, que é o que estes debates parecem) entre o Cavaco e o Louçã.

Não tendo por isso possibilidade de fazer uma análise completa, como a dupla besugo/João Tunes, não tive no entanto dificuldade, pelo pouco que vi, em apreciar o à-vontade de Louçã e o constrangimento do Cavaco.

Continua a ser para mim óbvio que o Cavaco se contém, e que o Louçã sabe que joga tudo na primeira volta, que é a única que disputará. De qualquer modo, é uma evidência que na política de hoje em dia, o discurso é sempre um jogo de sombras - mesmo quando, como no caso do Louçã, se representa uma fatia pequena do eleitorado.

É impressionante, por exemplo, ver o Louçã a falar da (in)sustentabilidade da segurança social e não dizer, claramente, que defende o aumento dos impostos. Apenas disse, muito instado pela CCS, que era pelos impostos que o problema devia ser resolvido. Mas não falou em aumento, até porque disso ele sabe duas coisas: a) faltam-lhe os números exactos; b) Só sabe - sem exactidão - que esse aumento teria que ser exponencial;

Mas, no que respeita ao Cavaco, a não-resposta foi o resultado de tudo o que vi e ouvi. Fiquei, por exemplo, sem perceber se defenderia alguma vez a demissão de um PGR.

O caso mais flagrante foi, no entanto (e como a lolita já aqui referiu) o do casamento e adopção por homossexuais. Ouvida a sua resposta, sobrou nada. Ao que parece, acha o tema fracturante e não tem opinião. A AR que a tenha ... se quiser.

Findo o debate, fiquei a pensar naquilo. E cheguei - amargurado - à seguinte, e simples, conclusão. Ele fez muitíssimo bem em responder daquela maneira.

Vejamos as seguintes hipóteses, assumindo eu em ambas que o Cavaco, não o tendo dito, é contra, quer o casamento, quer a adopção e portanto que, se o dissesse, a pergunta seguinte era, imediatamente, "Porquê?":

Hipótese a): responder o que pensa 80% da base de apoio natural -> "porque os homossexuais são pessoas com uma tara sexual, e a lei não deve consagrar a possibilidade do casamento ou da adopção nesses casos"

Caía o Carmo e a Trindade em estúdio, o Louçã ficava feliz da vida, o Cavaco não podia demonstrar a sua teoria da "tara" e afundava-se ali inapelavelmente. Tínhamos tema de campanha para pelo menos duas semanas, comunicados da ILGA e do Opus Gay nas primeiras páginas dos jornais e uma manifestação do BE pelo direito ao casamento entre homossexuais. Era capaz de perder as eleições por causa disto.

Hipótese b): responder com um rebuscado raciocínio jurídico-constitucional (matéria que, estou seguro, ele não domina), tipo isto -> "Porque o casamento, quer na sua definição legal, quer constitucional, é inseparável do conceito de família e, também, dos conceitos de paternidade e maternidade, também constitucionalmente protegidos. Ora, como não se pode, evidentemente, proibir ninguém de ter filhos, até porque isso (ter filhos) pode ser feito, por exemplo, por recurso ao útero de uma mulher estranha à relação, ou por recurso a dadores anónimos de esperma, torna-se extraordinariamente complicado - sem colocar restrições legais quase impossíveis de aplicar - consagrar legalmente o casamento de homossexuais. Quanto à adopção porque, sem prejuízo da inteira liberdade de orientação sexual das pessoas - que a lei já protege - estamos perante um instituto em que o interesse fundamental em causa é, não o dos adoptantes, mas o do adoptando. E, quanto à criança nestas condições, deve ser assegurado, na medida do possível, que beneficie também dos valores constitucionalmente protegidos da maternidade e da paternidade."

Ninguém percebia nada, o Louçã rejubilava ainda assim com o "ultramontanismo" de quem responde "Não" a estas questões e, provavelmente, a resposta seria escalpelizada até ao tutano do osso, veementemente contestada, mais uma vez fazendo deste tema um leit-motiv do anti-cavaquismo a partir daí e até ao dia das eleições.

É certo que qualquer destas respostas segurava eleitorado. Mas também não é menos certo que lhe definia com mais clareza os limites. Que provavelmente ficariam um bocadinho "à pele", para quem quer ganhar eleições presidenciais.

Assim, Cavaco não respondeu. Disso não se fez assunto mediático nem isso passou a tema de campanha.

Fez mal? É pena, mas parece-me que não. Assim é a política ...

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