A não-resposta
Assisti apenas ao final do debate (ou entrevista--dupla-simultânea, que é o que estes debates parecem) entre o Cavaco e o Louçã.Não tendo por isso possibilidade de fazer uma análise completa, como a dupla besugo/João Tunes, não tive no entanto dificuldade, pelo pouco que vi, em apreciar o à-vontade de Louçã e o constrangimento do Cavaco.
Continua a ser para mim óbvio que o Cavaco se contém, e que o Louçã sabe que joga tudo na primeira volta, que é a única que disputará. De qualquer modo, é uma evidência que na política de hoje em dia, o discurso é sempre um jogo de sombras - mesmo quando, como no caso do Louçã, se representa uma fatia pequena do eleitorado.
É impressionante, por exemplo, ver o Louçã a falar da (in)sustentabilidade da segurança social e não dizer, claramente, que defende o aumento dos impostos. Apenas disse, muito instado pela CCS, que era pelos impostos que o problema devia ser resolvido. Mas não falou em aumento, até porque disso ele sabe duas coisas: a) faltam-lhe os números exactos; b) Só sabe - sem exactidão - que esse aumento teria que ser exponencial;
Mas, no que respeita ao Cavaco, a não-resposta foi o resultado de tudo o que vi e ouvi. Fiquei, por exemplo, sem perceber se defenderia alguma vez a demissão de um PGR.
O caso mais flagrante foi, no entanto (e como a lolita já aqui referiu) o do casamento e adopção por homossexuais. Ouvida a sua resposta, sobrou nada. Ao que parece, acha o tema fracturante e não tem opinião. A AR que a tenha ... se quiser.
Findo o debate, fiquei a pensar naquilo. E cheguei - amargurado - à seguinte, e simples, conclusão. Ele fez muitíssimo bem em responder daquela maneira.
Vejamos as seguintes hipóteses, assumindo eu em ambas que o Cavaco, não o tendo dito, é contra, quer o casamento, quer a adopção e portanto que, se o dissesse, a pergunta seguinte era, imediatamente, "Porquê?":
Hipótese a): responder o que pensa 80% da base de apoio natural -> "porque os homossexuais são pessoas com uma tara sexual, e a lei não deve consagrar a possibilidade do casamento ou da adopção nesses casos"
Caía o Carmo e a Trindade em estúdio, o Louçã ficava feliz da vida, o Cavaco não podia demonstrar a sua teoria da "tara" e afundava-se ali inapelavelmente. Tínhamos tema de campanha para pelo menos duas semanas, comunicados da ILGA e do Opus Gay nas primeiras páginas dos jornais e uma manifestação do BE pelo direito ao casamento entre homossexuais. Era capaz de perder as eleições por causa disto.
Hipótese b): responder com um rebuscado raciocínio jurídico-constitucional (matéria que, estou seguro, ele não domina), tipo isto -> "Porque o casamento, quer na sua definição legal, quer constitucional, é inseparável do conceito de família e, também, dos conceitos de paternidade e maternidade, também constitucionalmente protegidos. Ora, como não se pode, evidentemente, proibir ninguém de ter filhos, até porque isso (ter filhos) pode ser feito, por exemplo, por recurso ao útero de uma mulher estranha à relação, ou por recurso a dadores anónimos de esperma, torna-se extraordinariamente complicado - sem colocar restrições legais quase impossíveis de aplicar - consagrar legalmente o casamento de homossexuais. Quanto à adopção porque, sem prejuízo da inteira liberdade de orientação sexual das pessoas - que a lei já protege - estamos perante um instituto em que o interesse fundamental em causa é, não o dos adoptantes, mas o do adoptando. E, quanto à criança nestas condições, deve ser assegurado, na medida do possível, que beneficie também dos valores constitucionalmente protegidos da maternidade e da paternidade."
Ninguém percebia nada, o Louçã rejubilava ainda assim com o "ultramontanismo" de quem responde "Não" a estas questões e, provavelmente, a resposta seria escalpelizada até ao tutano do osso, veementemente contestada, mais uma vez fazendo deste tema um leit-motiv do anti-cavaquismo a partir daí e até ao dia das eleições.
É certo que qualquer destas respostas segurava eleitorado. Mas também não é menos certo que lhe definia com mais clareza os limites. Que provavelmente ficariam um bocadinho "à pele", para quem quer ganhar eleições presidenciais.
Assim, Cavaco não respondeu. Disso não se fez assunto mediático nem isso passou a tema de campanha.
Fez mal? É pena, mas parece-me que não. Assim é a política ...
<< Home