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23.12.05

O Natal dos simples e a ciência-feita

Uma intenção de voto não passa disso mesmo: duma intenção. E, já que se fala disso, sobre intenções há, até, aforismos.
Um voto é, também, apenas isso mesmo: um voto. Um desejo. A expressão dum desejo. Duma vontade.

Nem sempre as vontades se conseguem explicar convincentemente. Já me aconteceu perguntarem-me "por quê?" e eu rabujar qualquer coisa que, na sua simplicidade mais funda, não se eleva nadinha dum "porque sim". Não tenho, a este respeito, a mais pequena ilusão: não me esgoto na racionalidade, se calhar porque - para começar - não tenho racionalidade pura para tanto. Outros a terão. Eu sei que não, que não a tenho, tomem isto como uma hóstia laica mas fervorosa e derretível no céu. Da boca.

Por outro lado, nem sempre há quem queira estar atento às nossas explicações. Somos pessoas de "ciência feita", na maioria do tempo. Até porque temos de o parecer, seguros da nossa tremura, a máscara a colar-se-nos às feições. E a explicação do outro, se se nos não cola à nossa certeza... não cola, e basta: escorrega por nós abaixo, pelo chão adiante. Adiante.

Continuo a dizer que vou votar em Manuel Alegre. Porque vou, de facto. Por vários motivos, alguns já os disse, mas não me peçam para os explicar. Porque não quero, porque os senhores não querem: no fundo, porque não consigo, que uma explicação não se esgota no explicador, uma explicação tem de ser necessária, tem de ser recebida com vontade, tem de ser parte dum diálogo que não seja de surdos. Não faz sentido este tipo de explicações entre gente que já sabe, de si e dos outros, a mesma coisa: o que cuida saber. Repito: somos pessoas de "ciência feita".

Acrescento, apenas, que numa eleição destas, cheia de simbolismo, fundamentalmente cheia disso, temos todos a atenuante de se nos poder toldar a razão. Somos gente, gostamos de símbolos; apenas lhes chamamos outras coisas, quando calha, para parecermos qualquer coisa entre o "mais espertos" e o "menos entusiastas", coisas mutuamente incompatíveis nas anti-cartilhas por que nos regemos.

Isto vai longo. Encurto (mas não muito, eu não sei encurtar; tal qual como não consigo engrandecer). Não se explica, de facto.

No debate entre Soares e Cavaco, que só vi pela metade (porque jogava o Sporting, meu símbolo de sempre), não me pareceu que Soares tivesse estado tão catastrófico como isso. Penso que falou com Cavaco como se deve falar com ele. De igual para igual, nas partes em que ele deixa, de cima para baixo nas partes em que ele se escuda por detrás da sua ambiguidade de impreparado para o que está aí a vir. No jogo das personalidades prefiro as que se expõem às que se calculam a cada passo. As que desafiam às que se acocoram. As que cometem erros por excesso de entusiasmo (ou por velhice, admito) às que se limitam a gerir "ciências certas".

Penso que Cavaco Silva é o pior símbolo que me poderiam impor, nesta altura da minha vida, embora me pareça que nunca me incomodará, se o vier a ser: eu também não vejo os jogos todos do Benfica, nem do Porto, embora depois observe a tabela classificativa e tenha de os encarar acima do Sporting. Nem esmoreço no meu simbolismo pelo facto de seis milhões de portugueses preferirem um símbolo que não é o meu.

Que tem uma coisa que ver com a outra? Não sei explicar. Mas tem. Há sempre alguma coisa de tribal ou de mágico no pensamento humano. Se for um pensamento lusitano talvez mais, ainda, excepto para alguns eleitos que se desprenderam, já, dessas correntes de suor. Grilhetas de que gosto, que me vão bem ao paladar. Lamento esta confissão de besugo, atacável por todos os lados menos por um, uma reles península do pensamento cujo istmo ( e baluarte) é o meu querer.

Parece-me que será, tudo isto, uma questão universal de "ciência feita", de escola de vida, de prazer, de dor, de amor e ódio, duma chatice com um filho, do dinheiro que não chega para pagar nada do que disse antes e, no fundo, de alguma dor por nos morrer uma tia-avó. Não me perguntem o epicentro deste sismo, deste "cismo", que eu não sei. Não quero saber.

E é de "ciência certa" que vos digo tudo isto, antes de vos desejar um pouco laico Bom Natal. Sou cristão, é sabido, pratico pouco o cerimonial (que me parece fora de mim, embora goste de entrar em Sés em alturas esquisitas) e duvido de Deus em mais de metade do meu tempo. Mas nunca me senti reverencial perante doutrinas alheias pelo simples facto de não perceber - nem cumprir - a minha. Limito-me a fazer o que posso, metade do que poderia. Eu sei, são coisas de mera e antiga canalização. Pois sim, que sim.

A toda a gente, porque eu quero que seja assim, um Bom Natal. Quem não quiser este meu voto, que esteja à vontade e lhe faça o que me estou agora a lembrar: havia até um aforismo malcriado, nos meus tempos de liceu, que falava em "colar isso ao peito" e em "emblemas da CUF". Envolvia prosa excrementária, que agora vos evito por decência, por incompetência e, sobretudo, pela quadra.

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