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12.12.05

O lume

Custódio bufou no lume, a espevitá-lo, e sentou-se no banco velho, à mesa tosca da cozinha. Chamou "ó Jerivaz!" e o cachorro chegou-se, lento.
Estava o fumo a começar a encher o aposento. Levantou-se e foi fechar a porta grossa, de castanho, que dava para o quinteiro. Cerrou-se toda, num chiar de dobradiças gastas pela secura das geadas.
Com as mãos grossas, tirou a navalha do bolso e cortou nacos de salpicão e de broa. "Este é para ti, Jerivaz, come, cão". Foram comendo, na lassidão do fastio.
O fumo era cada vez mais denso. Deu-lhe a tosse do costume, praguejou "puta da tosse!" e cuspinhou o sangue para o chão de xisto doente. Bebeu, duma vez só, pela garrafa, metade da aguardente. O cão olhava-o como se soubesse que o dono perdera, também, o tino. Iam mascando em silêncio, só o crepitar das vides e o resfolegar fundo de Custódio se escutavam.
"Feliz Natal, Jerivaz!", e o cão agachou-se na mansidão refastelada que antecede o sono. Custódio ergueu-se, num último sorvo de ar, mas derramou-se, fundo, no banco, novamente. Ficou assim, de cabeça descansada no tampo tosco da mesa velha, num abandono de fim de quaresma.

A lareira consumiu-se. E estava fria, a cozinha, já a manhã seguinte ia alta no céu, quando deram com eles, no fim daquela consoada dos mortos. Alguns homens mais fortes foram ao telhado, mistura de telha escura e de musgo húmido. E, ao gemer dos sinos que chamavam para a missa, tiraram os sacos de serapilheira com que Custódio sufocara a chaminé.

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