Versinhos
Houve eleições no Iraque.
Ok, vamos embora que já está.
Era isto, não era? Mas, que era?
Filhos da puta que somais
a divisão. Raizes quadradas
dum escaleno pequenino.
Isto é um poema.
Sou mau em poemas e nem gosto.
Falta música quando as palavras são certeiras.
Tiro ao alvo, ganha o preto.
Aliás, falta sempre muita coisa
quando se facilita a vida.
Perteguêzes de Pertugale
Herman José pintou-se, há tempos, de loiro fósforo. E flamejante se mantém, o homem. E eu penso que ele pode fazer aquilo, e até mais que aquilo. Cada tipo deve poder fazer consigo o que quiser desde que não chateie, não cheire mal, nem peça subsídios. Nem decida fazer pedagogia.
Eu explico isto da pedagogia: quem decide subverter-se, a menos que tenha um exército rebelde por detrás (Fidel tinha, mas também não se limitou a dizer caralhadas, a rodear-se de actores feios desempregados e a pintar a trunfa), pode e deve fazer isso, subverter-se. Mas sem tentar subverter os outros. A pedagogia não é uma ciência acessível, é a suprema arte da subversão. É assim mesmo. Quando não, o Marco Paulo doutorava-se "onoriscauza" por Bedford. É uma espécie de Ford Transit, mais para gitanos. E quem quer fazer pedagogia deve apresentar-se despido de tudo que seja ornamento, uma espécie de teixo no inverno.
Hoje, Herman, levou lá, ao programa que tem, aquele neto do Manoel de Oliveira, o que é actor. O que parece o João Baião enquanto jovem, até na
belfice. Aquilo vê-se-lhe ali um grande talento, mas eu sou chato. E, em sendo chato, rebolo de gozo sempre que vejo elevar pinderiquice.
Muito bem, admito. Manoel de Oliveira, quando lhe dá para empunhar a máquina fotográfica (
VHS, slow-motion, still slower, stop, keep it stopped...stilll...still, bolas isto é outra coisa!), telefona sempre ao Cintra (Luís Miguel Antigo e Sempre Igual Cintra) para ser o actor principal da fotomontagem e, depois, vai ao rol genealógico que tem lá em casa, circunspecta-se e diz, enquanto relê histórias do Tico e do Teco,
"hum... hoje vai o neto!". E escolhe o neto. Mas podia escolher sobrinhos. Só em sobrinhos, Manoel deve-nos 617 filmes! 990 fotogramas. "Screenshots". É o que ele faz. Um Lasquinhas.
Só em netos, vai ser uma data de documentários. Haja tempo.
Oliveira é o caso mais antigo e conhecido de falta de talento desde que morreu o ponta-de-lança suplente do Sacavenense, em 1926. Começou o estado novo e, já nessa altura, Oliveira gostava de carros de corrida. Isto é estranho. Duvido que Alain Prost, o melhor piloto de fórmula 1 de nariz torto que, algum dia, comeu as princesas do Mónaco durante um "opus ensemble", caso se viesse a dedicar à arte cinematográfica, fizesse merda tão pestilenta como este mestre vai fazendo. Uma colonoscopia de Oliveira faz falta ao país, mas musiquem aquilo de forma inodora.
Não tem talento. Tem idade. Quando morrer façam-lhe um busto. Pensavam que era um broche? Isso põe-se na lapela. Eu sei escrever capela, não brinquem.
Childhood and Manhood
É difícil resistir a não agir como não queremos; é difícil resistir a fazer aquilo que se tem vontade de fazer. A saída do dilema, de que nem se chega a tomar consciência, é aquela que for ditada pela dureza da mágoa ou pela ferocidade da vontade. Ganha a que for mais forte. Ganha, na verdade, a que tiver mais a perder.
A mim, a vontade trai-me quase sempre. Por exemplo, aos primeiros acordes de uma música, se for, claro está,
aquela música que, insidiosa e inebriante, nos sossega os ímpetos. Aquela música que, subitamente, se tem vontade de ouvir.
(...)
Madurezas de besugo
Já conhecia
os colegas, já os tinha ido ler, mas isto aqui é um blogue em que as batas são minoritárias. Isto, por um lado. Por outro lado, tiram-se ao vir para aqui. As batas. A bem dizer, a bata. Agora só eu é que uso disso, aqui.
Vão passar ali para o lado dos "linques" logo que a Lolita entenda, que isto de as minhas sugestões serem quase ordens durou só um dia: foi quando eu disse bem do Baía, do Mourinho e da Foz Velha. Parou logo aí. Eu depois falei sobre o que penso dos advogados e do Pinto da Costa, tive um simulacro de esquecimento e, evidentemente, parou-me a festa, acabou-se-me o estado de graça. Eu tenho de ter cuidado com o que escrevo, porque há uma atracção quase magnética entre as teclas e a ponta dos meus dedos, o que faz com que algumas das palavras que uso pareçam "hímenes". Boa piada? Fracota. Bom.
Isso dos
genéricos, que os colegas vêm abordando com alguma frequência, é terreno pantanoso. Para nós, médicos.
Eu explico: os medicamentos genéricos são, geralmente, mais baratos. Isso são. Certo? E o Infarmed, que podia chamar-se outra coisa, mas chama-se assim, assegura as bioequivalências. Isso mesmo, entre genéricos e os medicamentos de marca. Ou seja, garante-nos, esse tal Infarmed (um novo para o Boavista? sei lá...) que são iguais em eficácia. E que os medicamentos de marca são, geralmente, mais caros. Isso são. Certo até aqui? Bom.
Estou sempre a dizer "bom". Mau. Um discurso sempre igual dispersa as cabeças leves de hoje. Eu não jogo playstation, mas admito que algum dos colegas se sinta, entre urgências, encantado com a maquinaria dos jogos.
"A jugar!, que este fala muito e daqui a nada desligo!"
Mas eu centro-vos, colegas.
Anda aí uma campanha assanhada sobre Coversys e outros "prys". E outras coisas, olhem as estatinas, que são tudo menos estáticas.
Os cardiologistas andam a participar muito nisto, o que se entende: os cardiologistas, lá nos sítios onde estão amontoados, que é onde há mar, acotovelam-se. Como se acotovelam, têm tempo para isto. Nos sítios onde não se acotovelam, onde não há mar, onde têm menos tempo para estes estudos de "prys", não fazem estes estudos: vêem e tratam doentes e aspiram, desgostosos, a estudar "prys". Mas compensam a frustração de não estudar "prys" com vantajosas clínicas privadas, daquelas boas, em que
"eu faço-te um ecocardiograma, vais ali pagar, e agora vai ao teu médico internista, lá no hospital, que te medique, que eu é mais ecos, aqui, e umas fibrinólises, se for lá na choça". Convém dizer que o eco é mais bem pago que a fibrinólise. E dá menos chatices, os tipos fazem menos arritmias e a gente fica contente pelo cardiologista que, assim, deita-se mais cedo. Na choça (no hospital) é sempre mais cansativo, foda-se. Um cardiologista também tem coração, com feixe de His e tudo. E válvulas.
Bom, isto para lhes dizer, aos Colegas, que façam o favor de fazer do "Lasix" uma excepção. Não me lembro agora de mais nenhum genérico que seja pior que "
la pure et chère mollecule originale... do que quer que seja".
O "Lasix" faz-nos mijar edemas agudos, os genéricos são quase todos "Nacqua". Água. Eu, um dia, tabalhava numa unidade coronária daquelas em que a enfermagem é simpática, e meteram-me, as rafeiras, duas ampolas de "Lasix" na garrafa de água. Colegas: eu ia-me liquefazendo e, até hoje, não me lembro de pila mais desgostosa que a minha, sempre ali a deitar um líquido cada vez mais transparente e inodoro. Passei a noite com ela na mão, a verter-se de desgraceira! Com genéricos dormiria tranquilo, mijando-me na cama, quanto muito. E pouco! E só daria conta de manhã, perplexo!
Mas esta história acaba quase no "Lasix". Certo? O resto é "marketing". O "marketing" é a profissão dos panascas que hão-de sobreviver a tudo, porque são os únicos patifes que vivem de se vender e têm sangue de barata. São piores que as putas por isto: são os sucedâneos dos chulos. Um chulo de hoje, faz o marketing das suas putas. A puta, qualquer puta, limita-se a fazer o costume.
Bem vistas as coisas, o chulo também: só mudou de nome e frequentou um instituto qualquer, daqueles de média baixa à entrada e, à saída, dizem-lhe "sai lá, vai lá, andor, venha outro canhão". E ele sai e vai chular. Não os abatem.
Tem estado frio.
Receitem genéricos, bolas! São bons e mais baratos. E evitam irritar-me. Isso da
evidência científica, vinda da pena dum médico, caramba:
parece-nos. Não é? Parece-nos mesmo.
E, depois, discutimos estas coisas com outros que pensam nestas coisas, também, e
parecem-nos cada vez menos coisas. E ficam a parecer-nos meia-dúzia de coisas. E a essas, depois, a gente consegue defendê-las, porque entretanto já pensou nelas como se não fosse dono de verdade nenhuma só porque faz aquilo que os colegas chamam "prescrever" e eu chamo "passar receitas".
E correm risco ainda mais sério. Conhecem o
Trenguices?
Não? Bom, andam desatentos. Ponham-se a pau.
Os colegas correm o risco supremo de terem à perna (como eu tive, até me explicar muito bem), o nosso comum amigo Trenguices, um boticário. Olhem que os boticários costumam saber de remédios. Podem não saber de doentes, mas de remédios sabem. Nós também sabemos, mas eles sabem um bocadinho mais. É como nós de doentes, estão a ver como tudo se compensa, tudo se junta?
Por isso é que é bom discutir com eles. Eu fiz parte, durante 4 anos, da comissão de farmácia e terapêutica do meu hospital. E era um gosto discutir com as farmacêuticas: sabem, geralmente, do que falam.
E, se o
Peliteiro não é nosso amigo comum, a culpa há-de ser dos colegas, que ainda devem ser novinhos. O que não é mau, isto de ser novinho era bom, que eu lembro-me.
Mas nota-se de caraças ao escrever sobre coisas que exigem madureza.
O plano Ibarretxe é um bom plano
É algo intrigante, mas é agradável: a
Catalunha contribuiu para a internacionalização deste blogue. Eu, grata pela preferência, continuarei a torcer - como é de justiça - para que os catalães caminhem, em passos rápidos mas seguros, da actual comunidade autonómica para um estado da federação ibérica de que, um dia, também nós talvez façamos parte (leia-se esta última frase em tom de lamento premonitório). Ou não. É que somos tão profundamente diferentes dos espanhóis que pode ser que essa diferença, que é a nossa fatalidade, também seja a garantia da nossa infinita independência.
O catalão lê-se relativamente bem.
O gajo de Tchabes.
Do Douro para cima, para leste, é questão de "um óvo, dois ôvos". Trás-os-Montes começa por aí e começa quase onde se acaba.
As cabeças daí (do Douro para cima) são feitas de "ôvos e presunto" e muita presunção. Criou-se uma espécie de mitologia trasmontana que reside, apenas, no imaginário de alguns trasmontanos.
Os outros dizem que somos miseráveis e ridículos nos nossos indicadores, nós dizemos "ôvos". Os outros acham que somos levemente parolos, nós dizemos "óvo". Nós, não. Eles dizem.
Eles, do Douro para cima. Vila Real incluída, "evidentemainte". Aquilo dista do Douro vários séculos.
Os deputados da nação podem ser como aqueles que eu tenho conhecido, meros merdosos de aparelho, ou podem ser como o Pité, de Chaves.
O Pité é alto, conforme podia ser baixo. Usa roupas baratas (conforme podia usá-las caras), barbeia-se quando acha que sim e tem uma cara honesta. E é muito bom.
Para ele ser deputado, há dois preços a pagar, ó excelentes amigos dos "ôvos" especiais: votar no PC, nessa corja de energúmenos antiquados (primeiro preço), e perder um excelente médico hematologista, durante algum tempo, no distrito. Eu diria, mesmo, na província toda.
Este segundo preço é o que me está a custar pagar. Mas, às tantas, gasto as lecas nele e que se foda.
O beco
Há dias atrás, tentei explicar possíveis razões que levariam, por exclusão de partes, um eleitor desencantado com o espectro partidário a votar no único partido que parecia manter-se à margem da actual travessia do deserto que nos é oferecida diariamente pela encenação própria de qualquer campanha eleitoral, mas mais patética do que nunca nesta que já se iniciou, aliás, apenas oficiosamente.
A ser verdade o que me contaram, o debate entre Jerónimo de Sousa e Paulo Portas - que não vi - nunca devia ter acontecido. O líder do histórico Partido Comunista concordou pelo menos três vezes (e isto tem qualquer coisa de místico) com as afirmações do Portas e desculpou-se, no final, por inadvertidamente se ter dirigido ao adversário sem o tratar por "xôtor". Dificilmente consigo imaginar algo de mais bizarro do que pensar num líder de um partido estruturalmente de esquerda, avesso a compromissos políticos ou a coligações de oportunidade, sem uma ponta de engenho para escalpelizar argumentações políticas de adversários posicionados no preciso lado oposto das ideologias. Faz muita falta a retórica, ainda que demagógica: há momentos críticos em que só a demagogia aponta a saída. E, depois, há aquele embaraçoso servilismo dos "xótores", tão impróprio a quem critica a estratificação de classes. Eu admitiria, em face da ausência de alternativas, votar num partido comunista rígido mas coerente, apesar da sua obsolescência. Não num partido comunista frouxo e descaracterizado, que pede desculpa e se intimida com putativos bem falantes.
Sobre sub-condições
Quem sabe o desprezo que eu devoto à histeria e à instrumentalização do movimento feminista não se espanta que eu afirme, desta forma assumidamente marialva, que considero muito mais intolerável a covardia num homem do que numa mulher. As mulheres usam a covardia em seu próprio benefício; sublimam-na e transformam-na em fragilidade, que é, afinal, qualidade atraente para o sexo oposto. Num homem, a covardia é vexatória. O covarde sabe que o é e esforça-se por escondê-la; contudo ela impõe-se-lhe, como uma mancha transversal. O covarde foge a brigas, fala baixinho e encosta-se aos poderosos, em quem se refugia para atacar escondido, como um sniper que atira a alvo incauto. É nocivo e é repulsivo.
Um ataque só merece defesa quando é completo: quando se conhece o sujeito e este se dá voluntariamente a conhecer. Um covarde permanece irremediavelmente aprisionado na sua própria covardia: vive penosamente, no estupor da sua condição sub-humana, sedento da gratificante admiração alheia. A dignidade está toda nos fracos que levam uma sova de um corpulento a quem ousaram acusar de viva e firme voz, na presente fuça do outro.
Eu nunca diria isto, por exemplo:
CAMBADA DE LAMPIÕES, LEITEIROS DE MERDA!
Nunca. Muito menos aos berros.
Ainda sobre a vida
O que escrevi aqui abaixo não pretende apoucar o Benfica. Muito menos os benfiquistas. Ainda menos, isto é do coração, o meu irmão
stkaneko. Um benfiquista "doente" pelo seu clube como eu sou pelo meu merece, sobretudo, respeito. E logo ele, o meu irmão caçula, dez anos mais novo. Caramba!
A doença, mais ou menos sintoma, maior ou menor "florescimento" do quadro, merece sempre respeito. E terapêutica.
Em tempos que parecem implicar algum cuidado com as palavras, reforço isto: gosto muito do Sporting. Não ataco o Benfica (nem o Porto, nem o Marítimo...), limito-me a defender o Sporting.
Esguicho é logo. Terapeuticamente. Automedico-me.
Nem sempre resultam, os meus tratamentos, mas faço o que sei. E o que posso. Por mim e pelos outros.
Grande Sporting
Bom jogo, esta noite, na Luz. Boa bola.
O Sporting jogou melhor, mostrou uma superioridade quase total. O Benfica, jogando em casa, mostrou-se empenhado e teve a sorte do jogo a seu favor.
É indesmentível, ao contrário do que se sente obrigado a dizer o adjunto Magalhães, próximo técnico do Lourosa (eventualmente) que, se a questão do merecimento da vitória dependesse, apenas, da superioridade futebolística, a esta hora o Sporting seguiria em frente na Taça de Portugal. Assim, como não é só isso que está em causa, a sorte também manda, o Sporting empatou o jogo.
Como o Sporting empatou o jogo, houve prolongamento. Durante esses trinta minutos, o Sporting, apenas com 10 jogadores, continuou a ser superior. A cinco minutos do fim, ganhava por 3-2. Depois, num remate odioso de bom, Sabrosa empatou. E o jogo, com prolongamento, acabou. 3-3. Um empate, num jogo em que o Sporting jogou mais e melhor. Muito melhor.
A seguir, nestas coisas da Taça de Portugal, há uma regra que diz que,
em caso de empate (foi o resultado do jogo),
se marcam pontapés da marca de grande penalidade, em séries de 5 para cada equipa, até desempatar. Ou seja, o jogo, de facto, terminou empatado. O que se passa a seguir é uma formalidade, que vem nas regras da FPF, porque tem de ser decidido, naquela altura,
findo o jogo, quem vai seguir em frente na Taça. Por exemplo, em Inglaterra jogam-se sempre duas mãos, veja-se o caso do Chelsea - Manchester, ainda hoje. Mesmo em Portugal, há bem pouco tempo, um empate no fim do prolongamento levava a um segundo jogo, desta vez no campo do clube visitante.
Não importa: são estas as regras. E as regras de desempate vigentes fizeram o Sporting ficar pelo caminho na Taça. Mas o Sporting não perdeu com o Benfica, num jogo em que mostrou, aliás, clara superioridade sobre o rival.
Três notas soltas:
1 - Aquele rapaz ainda imberbe do Benfica, João Pereira, tem de ser observado, rapidamente, por um neurologista. O garoto, nas nossas barbas, teve uma crise convulsiva, eventualmente uma hemorragia subaracnoideia, após lance obscuro, no chão, com Hugo Viana. Digo isto porque o insurrecto petiz caiu, agarrado à cabeça, queixando-se de qualquer coisa que, estando enrolados ambos no chão, lhe terá feito o sportinguista. Se foi nas partes pudendas, é o primeiro que vejo, após pancada, a agarrar-se à região cefálica. Se foi mais abaixo, ainda mais perplexo fico. Pode ser um indivíduo de anatomia distorcida, o palhacinho, com terminações nervosas embaralhadas nas eferências. Conseguiu, no entanto, fazer expulsar Hugo Viana, voltando o Sporting a jogar com apenas dez jogadores, mais uma vez, quinze dias depois. E a ser superior, mesmo assim. Com onze ou com dez, limpinho, sempre superior.
2 - Paíto, como eu sempre disse, é um excelente jogador. E vai ser ainda melhor. Luisão deve estar a tomar dose dupla de metoclopramida, neste momento, depois daquela "rata" antes do nosso terceiro golo.
3 - Joaquim, o futuro guarda-redes suplente do Benfica, esteve bem nos penalties. Não defendeu nenhum, mas lá tentou fazer o que achou melhor: desestabilizar os adversários de forma incorrecta, usando de parapsicologia e da complacência de António Costa.
Resultou com Miguel Garcia, eu sempre disse que o rapaz se enerva demais, ainda.
Parabéns ao Benfica, porque segue em frente na Taça. À nossa custa, o que me custa. Mas as coisas foram assim, tal e qual como acabei de contar.
Registo de rotina
Embora fosse constatável há já algum tempo dada a ausência de escritos, o Manolo deixou, por motivos pessoais, de escrever neste blogue. Agora, por sua vontade, de forma definitiva.
Felicidades.
Notícias da maior democracia do mundo
Aqui.
Eu li enquanto fumava um cigarro. Felizmente para nós, aqui só temos que nos preocupar com as eleições mais insípidas de que há memória.
Mas também não são assim tantas, é certo.
Registos de besugo
Hoje estavam 27 doentes no OBS. Estavam 9 em camas, as que há, os restantes 18 em macas.
Tem sido quase sempre assim, há mais de 1 mês. Pode piorar, como já tem sido dito, com o frio.
Soluções de fundo são óptimas. Discutem-se, implementam-se, cumprem-se. São planos.
Problemas pontuais, embora graves, exigem medidas de excepção. São imprevistos.
A repetição da necessidade de medidas de excepção deve implicar a sua inclusão nos planos, no que se prevê como soluções de fundo. Passam a ser imprevistos previsíveis.
A ausência de implementação de medidas de fundo, associada à persistência na não adopção de medidas de excepção (quando é o caso, como agora) traduz falta de acuidade visual.
Geralmente é assim: quando se espera que vejam ao longe, estão centrados numa minúcia. Perante uma minúcia, por maior que seja, estão entretidos a pensar com largueza.
Hoje, não foi assim. O director clínico interessou-se. E empenhou-se na resolução das coisas imediatas. Registei.
Registo tudo.
Lagrimas negras
Descobri Bebo Valdés no
Milagre do Candeal, o CD da música de Carlinhos Brown para o filme do Fernando Trueba. Redescobri-o neste CD de palavras cubanas em voz de flamenco, mais o omnipresente piano a derramar
sudamerica. Bebo Valdés e Diego "La Cigala" juntaram o bolero no piano ao flamenco na voz. Boleros doces com vozes rugosas, quase a desafinar, é algo aparentemente impensável. Afinal é possível e é bem bonito.
O doce olhar do outdoor...
... de que falei ontem, é parecido com este:
A campanha junto ao templo do consumo
Na famosa rotunda dos Produtos Estrela (a cidade do Porto orgulha-se de ser a percursora nacional da actual moda das rotundas em tudo o que é capital de distrito, de concelho ou de freguesia), cujo nome toponímico é bem menos apetitoso (Rotunda da AIP), há um espaço onde, por altura do Natal, se vendem pinheiros e azevinho e, na época balnear, se vendem cadeiras de praia e tapa-ventos. Fora desses períodos sazonais, esse mesmo espaço tem vindo a ser ocupado, não com menos utilidade, pelos protagonistas daquele debate da semana passada onde se discutiu a respectiva capacidade geradora e, com ela, o respectivo grau legitimidade para discutir o aborto (pequeno aparte: duvido muito que Paulo Portas tenha ido à tropa; como pode ele ser ministro da Defesa? Louçã, tu já pensaste nisto?)
Dizia eu: Paulo Portas e Francisco Louçã estão, ali, lado a lado, em dois gigantescos outdoors. Quem vem da Boavista e acorre ao Norteshopping não os pode falhar; os dois olham-nos de frente, confiantes e metediços. O que é espantoso e verdadeiramente inovador é o olhar angélico de Paulo Portas. Não apenas o olhar, aliás: o leve sorriso, também. Como uma espécie de ícone da bonomia. Por seu lado, Louçã olha confiante, como quem sabe o segredo da virtude e está apenas à espera que lhe perguntem qual é. Na verdade, o olhar de Louçã no outdoor mostra bastante menos emoção do que o de Portas. Mas, reconheço, é difícil falar em evasão fiscal sem ostentar um olhar de xerife.
Mais tarde, se me lembrar, eu ponho aqui uma foto que ilustra o olhar do Portas. O inesquecível olhar do Portas.
Com a morte na alma (2)
Gosto de ti, senhor.
Com a morte na alma
Como se pode ver
aqui (que a Bola ainda está desactualizada, no gráfico), o Sporting está empatado com o Porto no primeiro lugar. Contudo, para efeitos de classificação, o primeiro é o Porto. É assim. É duro, mas é assim, mesmo.
Isto é tremendamente doloroso, mas as promessas cumprem-se. E em lugar separado.
Crenças
Logo à noite, nos gráficos da "BOLA", o verde estará lá em cima, novamente.
Desde que Peseiro explique aos pupilos que aquilo
é para ganhar e mais nada, pouca bulha, é ganhar em Barcelos, senão ides para o Sacavenense e eles entendam (pode ser preciso berrar, admito), o verde vai estar lá no alto. Porque o Porto não ganha em Leiria.
Se o Sporting não estiver no primeiro lugar da SuperLiga, esta noite, no fim da jornada, eu venho aqui e ponho uma fotografia do Paulo Portas, com a seguinte legenda: "Gosto de ti, senhor!".
Era só mais isto.
Sócrates & Vitorino
O Averell é o meu preferido dos irmãos Dalton, mas nunca votaria nele para primeiro ministro.
Mesmo sabendo que o vivaço do Joe lhe explica tudo o que ele precisa de saber.
O fim da pólvora. Seca e fria.
Não há dia nenhum, há mais de um mês e meio, que se não entre na urgência sem se ficar oleoso. Há muito unto na desgraça. E o unto, em camadas, exala o odor próprio do unto antigo e sedimentado. O unto é um caldo de cultura: meta-se o unto num autoclave e verifica-se que está ali um unto pleno. Os doentes e nós, ali no caldo.
A sala de observações da urgência, concebida para estadias (tendencialmente curtas) de casos mais graves, doentes ainda sem vaga na UCIP, na UCIC, ou nas UI (unidades intermédias), ou, então, para estudo e observação (OBS, chama-se assim às salas de observação, esta era fácil) da evolução de casos ainda mal definidos, que fazem hesitar entre a alta e o internamento, subverteu-se na sua função. Há vários lustros que se subverteu, ficando lustrosa. Do unto. Transformou-se no depósito de doentes sem vaga em sítio nenhum. "Não há vagas? OK", babuja o director.
Ser director da urgência é, hoje em dia, prosperar de amarelo.
No meu hospital, as salas de OBS têm, há dez anos, 9 camas. Três salas, três camas por sala, dá nove. Todos os anos, por esta altura, em que o frio aperta em Trás-os-Montes, se depositam lá, diariamente, entre vinte e vinte e cinco doentes. A média etária dos doentes é, se eu exagerar, de duzentos e dezassete anos. Um médico que lá entre com trinta e cinco anos sai de lá, doze horas depois, se eu exagerar, com quarenta e um. Um doente que lá entre com duzentos e oito anos, sai, se sair, com trezentos e doze. E nove camas para vinte e cinco doentes... são dezasseis macas. Eu deixei de exagerar logo que falei dos doentes, note-se.
Todos os anos é a mesma coisa. Todos os anos se sabe que vai ser assim. Todos os anos se implementam medidas. Eu explico isto, o que vem a ser isto de "implementar medidas".
Implementar medidas, já se sabe, é aquilo que faz um ser humano avesso à água e ao sabão, quando passa BAC (ou outro "roll on") nas axilas encardidas: uma operação de camuflagem. O problema está ali e berra alto. Os problemas berram, exigem solução, querem-na agora. Vem o director, o mais recente, e diz o que disse o anterior, antes dele. Por baixo dele, aliás, que isto é sedimentar, já expliquei. Diz ele assim, o de agora, comp dizia o anterior:
"o problema é perspectivar o futuro, nunca o presente, que a culpa é do passado, à luz da economia". Ora a economia. A economia é luzinha que só sabe de si e de si vive, economicamente. O que a legitima, obviamente, para mandar em tudo: a economia é o David Beckham do mundo, não joga grande merda mas vai tremendamente bem em "outdoors".
Abram, senhores, as enfermarias que estão fechadas, à espera de enfermagem mal paga. Que, mal paga, não vem. Fechem, e reabram com função decente, as camas destinadas ao "estudo do sono"! O "estudo do sono", essa primazia! Isso faz-se, com vantagem, no cinema: monitorizem os doentes durante o último flato desanimado de Manoel de Oliveira, aquele do reizinho pequeno de Portugal (ou outro qualquer).
Contratem médicos, experimentando pagar-lhes mais do que lhes pagam no Porto. Pode ser que, por mais dinheiro, venham do Porto até ao gelo. Por menos dinheiro pode ser que venham, há malucos para tudo, mas cada vez há menos malucos desses. Eu duvido. E os senhores, que já tentam essa estratégia tipo "SAD do Sporting" há dezenas de meses, deviam ter a certeza da merda que têm estado a fazer: não veio para cá nenhum!
Ampliem a área de depósito a que chamam OBS e confiram-lhe a dignidade duma grande UCIP, ao menos em termos de "ratios" doentes/enfermeiros/médicos! Uma UCIP de seis camas funciona sempre bem, porque são só seis camas, um doente por cama, seis doentes! Três médicos e não sei quantos enfermeiros para seis camas dá ... enfim, dá lustro a qualquer casa. Pequena. Se for uma casa grande é diferente. Qualquer sopeira sabe que, se tiver de tratar apenas da sala de visitas, a limpa esmeradamente, várias vezes por dia, se for preciso. Difícil é manter o resto da casa limpa, no mesmo espaço de tempo, sem sopeira nenhuma.
Bom. Chega.
É que vem aí, pelos vistos, um frio ainda maior. E eu pensava que já havia aqui frio que chegasse.
Mais pólvora seca (e fria)
Seja como for, parece que vai arrefecer, ainda mais do que "já bastava assim", em Trás-os-Montes.
Isto pode ser grave. O frio conserva os corpos, enrijece-os, dizem. Mas isso é, sobretudo, depois de mortos.
Em vida, o frio tem o péssimo hábito de fazer os corpos aglomerar-se em lugares quentes e fechados, onde os miasmas (palavra antiga, em desuso, mas que existe) que nos brotam da inevitável respiração individual se entretêm a cirandar entre colectivos brônquios.
Os velhos têm os brônquios como têm o resto do corpo: fragilizados pelos tratados da União Europeia. E, mesmo, pelo tempo.
Quando um velho adoece, adoece gravemente. Uma doença aguda pequenina, uma gripe, um catarro que seja,
implica-lhe com o coração, com os rins, com a cabeça. Implica(-lhe) com o corpo todo.
Eu sei que um médico não fala assim, nem os senhores aqui vêm, os que vêm, para ouvir falar um médico. Não sou bastonário de causa nenhuma.
Eu não falo como médico. Falo como falo sempre, como homem, heterossexual, quarenta e quatro anos, sportinguista, relativamente esbelto, casado, com pais, mulher e filhos, todos vivos. Amigos é que já nem todos.
Eu não uso bata como quem usa sotaina, uso bata por limpeza e por respeito, como outros que vestem fato-macaco ou usam paramentos, suponho que para se não sujarem, nem sujarem os outros. Os dos paramentos, realmente, nunca sei.
Vem aí o frio, dizem. Mesmo sem ele ter vindo, ainda, na sua pujança toda de
icebergue gasoso, os corredores da urgência do meu hospital têm estado apinhados de velhos, deitados em macas, transportados por serviços úteis e solícitos (INEM, VMER, etc), que esgotam a sua utilidade e a sua solicitude no transporte e na deposição da vítima. Das variadas vítimas que transportam.
Eu tinha avisado: este blogue é sedimentar, umas coisas por cima das outras. É como uma urgência em tempo de frio, os doentes quase
uns por cima dos outros, outros tantos à espera de colocação. De depósito.
As estruturas sedimentares são assim: até os novos sedimentos têm direito a um tempo de espera.
Eu podia falar aqui, agora, já de doido, na Caixa Geral de Depósitos.
Mas estou a falar a sério. Pode não parecer, mas estou.
Vai parecer mais sério a seguir.
A pólvora
Segundo dizem, vem aí uma onda de frio. Isto, de há uns tempos a esta parte, também, vem tudo às ondas: ele é o frio, ele é o calor, ele é qualquer desgraça, como por exemplo o "tsunami". Esta última desgraça, o "tsunami", despoletou interessante e útil discussão por alguma blogosfera adentro: é que ninguém duvidará que uma discussão linguística é de fundamental importância, sobretudo perante qualquer catástrofe.
Não vou falar de catástrofe nenhuma, só do frio que aí vem.
Do frio que aí vem, se vier: os tipos da meteorologia também me tinham dito que vinha aí um fim-de-semana de sol, eu estava todo animado com isso e, apesar da carga científica informativa inerente ao IMG, eis-me a escrever aqui, rodeado de nevoeiro por fora da casa, sabendo da existência do sol apenas porque possuo memória.
Isto vai tão longo e nevoento que decidi, tão longo e nevoento isto vai, falar do frio em escrito adjacente. Como vai ser mais tarde, corrijo já: em escrito suprajacente. É que este blogue tem, como os outros, uma estrutura perfeitamente sedimentar.
Eu sei, sou excelente a descobrir a pólvora todos os dias. Seca. Mas fria, raios.
Assim está bem!
Não sei se Nuno Assis vai ser titular do Benfica, mas é possível que sim: afinal de contas o João Pereira também joga de início, às vezes.
Mas o que é mais impressionante é o sentido premonitório do rapaz, os dois dedinhos espetados, como que a querer alertar os lampiões para o que se ia passar naquele estádio, o tal que foi construído para estar cheio... de clareiras.
Foi engraçado.
Thanks, Silva.
A moral interpretativa
O Eixo do Mal segue o modelo habitual da tertúlia colectiva em formato televisivo. Aquilo que este Eixo tem de diferente dos demais é que - exceptuando, talvez, a CFA - todos os intervenientes ostentam uma expressão vagamente entediada, do tipo "OK, OK, cá estou eu para explicar, directamente cá de cima aí para baixo", intervalando as frases com aqueles irritantes "err...." e com expressões como "e tal... " "etc...". Já para não falar dos excessivos "eu considero, "eu já não tenho dúvidas" com que pontuam todo o discurso. E mais: têm problemas de dicção, falam baixo demais, riem-se demasiado. Em suma: são pouco profissionais. Deviam aprender qualquer coisa com a Júlia Pinheiro, ao menos... mas não demais, enfim. Pensando melhor: não se incomodem.
Lembro-me, em particular, do Daniel Oliveira que, a propósito do tema "Nuno Cardoso" (que, aliás, informo, visitou hoje de manhã o Toys'r'Us de semblante carregado) afirmou que as recentes investigações sobre a corrupção no desporto não o preocupavam quando a questão se resumia apenas a árbitros. Isso porque o futebol não é tema que lhe interesse, disse.
Bom. O Daniel Oliveira há-de ser feliz, ou pelo menos mais feliz do que muitos. O mundo relevante acaba onde acaba o seu enorme mundo de inquietações. A moral, para o Daniel Oliveira, confunde-se com os seus prazeres. Sorte a do Louçã, que faz parte do mundo visível do Daniel, ou ele imediatamente o trataria como
"irrelevant subject". Que ele, titubeante, defendeu dizendo qualquer coisa parecida com
"eu não vi assim como vocês viram, mas se visse também achava que aquilo foi um valente tiro no pé".
Siglas
O excelente
Viva Espanha interessa-se pelo potencial desvario dos Hospitais SA. Trata-se aqui de analisar as vantagens e as desvantagens de Portugal (quiçá, o Mundo) adoptar uma sigla, privada e anónima, no final de cada denominação de cada serviço público.
Eu detesto siglas, em regra. Já tenho dito que o Benfica nunca ganhará nenhum campeonato enquanto se chamar "ècèlebê", por exemplo. Admito-as nos partidos políticos, porque não se compara a importância do Benfica à do CDS-PP, por exemplo (isto foi um exemplo ao calhas, juro, podia dizer outro partido, saiu-me este).
Mais a mais, o CDS-PP demorará mais anos a ganhar um campeonato que o Benfica umas eleições. A menos que Portas se vestisse de vermelho e fosse berrar cantigas de Piçarra para a nova Luz. Mesmo assim, haveria quem o tomasse pelo demo. Um demo de perna fina. E mesmo a águia Vitória, esse pássaro tonto, o evitaria, no seu leve pousar, entre estrofes antigas que ecoariam dos cantos da catedral, esse templo que mofa.
Mofina Mendes não diria melhor? Pudera, colchões de mofo pesam na cabeça de quem lá os esconde.
Eu temo não ser imparcial quando voltar ao tema, mas
o meu amigo sabe disso. E se volta a chamar-me ilustre eu chamo-lhe, logo, senhor dom Duarte. E teremos a guerra! A peste! O Simão Sabrosa a acertar, enfim, no penteado.
Crónica da razão pura
Eu não vi a SIC Notícias, ontem. E do debate entre Portas e Louçã só sei o que o Alonso aqui contou.
Mais a mais, sou suspeito: se concordo que, por vezes, Louçã assume uma pose de seminarista, ou seja, uma postura iluminada de quem se encontra a ser penetrado pela verdade em exclusividade e permanência, também confirmo que, aquilo que me é mais intestino (visceral, pronto, o intestino é uma comprida víscera, tão comprida que há grande possibilidade de apanharmos lá um cancro... eu sei que a próstata e os ovários são mais pequenos e aquilo também descamba, frequentemente, para a neoplasia; mas isto é a linha geral dos meus argumentos, a que ninguém ligará, por favor, mais que a um apêndice), dizia eu que aquilo que me é mais intestino, mais imediato, mais catárctico, no sentido que se atribui aos enemas, é, exactamente, isto:
Paulo Portas estava presente e falou? Pois, então, caca.
Quem estava lá era Louçã? Pois, então, nem que seja por contraponto, viva a higiene e a limpeza.
Bom, eu sei que isto não é bem assim. O que Louçã disse (eu acredito no Alonso, homem de bem e, isto é verdade, fiel depositário -
selon Louçã, lui-même - de qualquer discussão sobre a IVG, aqui no blogue e em quase todos os blogues do mundo... é que é mesmo verdade, são muitos e bons, os filhos do Alonso!) foi um tiro no pé, do ponto de vista kantiano.
Mas
tenho para mim (gosto desta frase intimista, admito) que Louçã se enervou. Mas, também, quem não se enerva perante Portas? Até Kant, esse calminho! Quem, na plena posse de 2/5 dos seus sentidos (ou 2/6, segundo o tamanho do grelo) não sente um nojo próximo da vómica por Portas? Aí 7% do eleitorado? E quantos destes são parecidos com aquele pequeno caixa-de-óculos que parece um sapo, que agora aparece sempre ao lado de Portas? Ou seja, quantos deles vacilam entre serem Sanchas ou Telmos? Sim, eu disse Sanchas, é uma variedade de Cogumelos.
Louçã enerva-me às vezes, Alonso. Portas enoja-me sempre. É visceral.
Tu não. De ti eu gosto, mesmo quando vais buscar estas coisas pequenas à SIC Notícias.
Louçã passou-se e não teve razão, o que acontece frequentemente a quem se enerva: perde a razão. Pois. Mas só isso. Até Kant diria que se trata aqui de perder a razão perante uma razão impura.
O mal, o que é?
É eu sentir-me um vilão se não te dissesse isto, Alonso. Pega lá um cigarro e poupa-me, que eu sei que isto é tão visceral, tão de beduíno, tão de babuíno(?), que só tu vais entender e perdoar, que tu conheces o babuíno em questão. Perdoas tu e perdoariam os restantes 93% do eleitorado português, caso me lessem.
A emoção na política
Imagine-se Francisco Louçã com Paulo Portas num debate televisivo em que, a dado momento, se discute o aborto. Partamos do princípio - que penso ser indesmentível - de que Louçã não é propriamente parvo e que sabe com toda a clareza que o contraponto que ofereceu a Portas o lançará na onda de crítica mais inflamada e mais abrangente de toda a pequenita história do BE. Sabe, ainda, que, como ele, também Paulo Portas está longe de ser intelectualmente franzino. No entanto, ainda assim, diz isto, dirigindo-se ao Portas:
"O Senhor não tem o direito de falar sobre esse assunto! O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Eu tenho uma filha."
Agora pense-se que estamos em período de pré-campanha eleitoral e pense-se, também, no eleitorado potencial do BE. Pense-se naqueles e naquelas que defendem o aborto da mesma forma que há umas décadas atrás queimavam soutiens e que reivindicam o direito
à barriga como argumento moral que, defendem, ser decisivo para a legalização. Pense-se naqueles que preconizam e promovem os abortos à fartazana, mesmo que sejam realizados em barquitos em alto mar ou através de pílulas abortivas
ad-hoc compradas na farmácia da praça; enfim, em todas as cabecinhas tontas embriagados por essa ideia obsoleta e segregatória da defesa do direito à auto-determinação feminina, que sustentam com uma determinação próxima do fundamentalismo, como se tratasse de uma espécie de
ditadura das liberdades.
Relembro: Louçã não é distraído. Não fez mais do que arriscar a via da demagogia de dez tostões quando decidiu usar daquilo a que se poderia chamar de ultra-esquerdismo emotivo. A política emocionada é geralmente eficaz para chamar o eleitorado sensível ao drama da vítima da repressão social, que é muito boa pessoa e compreensiva com os demais mas que, apesar disso, sofre o estigma da incompreensão alheia. Aquilo com que este tipo de eleitorado - que gosta de afirmar, repare-se, ser modernaço - se deixa seduzir nas telenovelas brasileiras: o sofrimento solitário e imerecido do personagem
coitadinho.
Foi, provavelmente, nesta perspectiva telenovelesca do mundo que o Louçã apostou para ganhar mais uns votos. Lamentavelmente, julgo eu, deve colar com alguns. Ou alguém acreditou que ele disse aquilo só porque é reaccionário?
"O Senhor não tem o direito!"
Ontem a vida corria mal a Francisco Louçã, no debate com o Portas (Paulo). Eis quando, no final, os entrevistadores colocam a questão do aborto. O Bloquista lá diz o que pensa - aproveitando o ensejo para mais uns tantos insultos a quem não pensa como ele, mas isso já a gente sabe que é assim - e depois é dada a palavra ao Portas.
Mal este começa a dizer qualquer coisa sobre o direito à vida do feto, quando o Louçã o interrompe, já sem o sorriso sardónico que ostentou ao longo de todo o debate, e voltando ao arzinho sério de seminarista que lhe é tão característico (desculpem lá, mas eu acho, e sempre achei, que o Louçã tem um ar um bocado "apadralhado"), com a frase que está no título. E repetindo, com grande veemência: "O Senhor não tem o direito de falar sobre esse assunto!"
O Portas queda-se, surpreso, e eu penso ... "ah, afinal os trotskistas também sofrem de autoritarite aguda", mas logo a seguir o Louçã explica-se. "O Senhor não tem o direito de falar sobre esse assunto porque nunca gerou um filho. Sim, porque eu já gerei uma criança, tenho uma filha e sei o que é ... etc."
Reprimi uma gargalhada e pensei: "Olha, os trotskistas machos também geram filhos".
E descobri que, na visão do Dr. Louçã, sou uma pessoa particularmente qualificada para falar sobre este assunto. Mais qualificada do que ele e, aliás, a mais qualificada deste blogue. Tungas.
Nota: Eu não sabia que os trotskistas machos geravam filhos.
Nota2: Vai-se a ver e os trotskistas são hermafroditas.
Nota3: Ou simplesmente idiotas.
Nota4: Não se pode excluir a hipótese de serem ambas as coisas.
Arroz carolino
(Instantâneo "gamado" ao Lusofolia)
Esta mulher tem olhos de má e é difícil explicar impressões doutra maneira que não seja afirmá-las e pronto. Uma impressão não é uma reflexão profunda, nem requer (sequer!) bibliografia.
Não gosto dela, da Rice. O que é uma estupidez, dito assim sem qualquer justificação. Pronto, quando não há justificação há, ao menos, um instantâneo ilustrativo. Não justifica nada, eu sei, mas eu também disse que isto é instantâneo, é isso que está ali em cima, um instante dela.
Não gosto nada dela, assim instantaneamente. Vem-me dela um frio feio, daqueles olhos para fora.
Claro que também pode ser por ela ser tão parecida com aquele tipo efeminado e sem pelos que foi ao último Big Brother, o Castelo Branco. Ambos alisam o cabelo e ambos têm ar de quem se purga. De purgatório.
Damned rice
O cérebro da nova administração Bush é, também, a sua faceta mais sinistra. A Condi é negra e, portanto, símbolo americano do triunfo das liberdades individuais. Contudo, como estratega da repressão do eixo do mal (que entretanto redefiniu e já conta, agora, com a pobre Bielorrússia), dificilmente se encontraria um republicano branco mais autista. A América republicana é tão bera quanto isto: até o triste sonho americano comprou para, vitoriosa, colocar ao serviço da guerra santa. Como num filme hollywoodesco série B, com actores de quinta categoria, cujo final se topa assim que começa.
Fosse a Rice um canídeo e seria um Rottweiler.
A agonia, o que é?
É sentir a morte a entrar-nos, depressa ou devagar? A gente a senti-la e a negá-la, ao mesmo tempo, cheios de medo, buscando, nos olhos do outro, do que nos vela, apoio para a nossa negação... tudo isto enquanto ela entra?
É estar a ver a morte a entrar no outro, depressa ou devagar, e não sabermos fazer gesto nenhum que não seja adormecer o outro, a ver se (ao menos) não a sente tanto, à morte, enquanto lhe entra?
Não. Agonia é sentir a morte entrar, depressa ou devagar.
O resto são pêsames.
Eleitorados (2)
Devo dizer que a lista de "eleitorados" que aqui escrevi foi feita de rajada (deu-me para aquilo naquele momento) e, não sendo eu sociólogo, psicólogo, político ou coisa do género, não tenho a pretensão de que a mesma seja mais do que o reflexo da minha visão "dos outros". Ou, como o besugo escreveu, os meus "outros" sou eu a olhar para eles.
Dito isto, acho normal a tentação em que todos caímos de - olhando para uma qualquer enumeração de eleitores/tipo, mesmo que elaborada por quem não tem, manifestamente, qualificações para tanto - procurar-nos a nós próprios nessa enumeração. O besugo tentou encontrar-se e não conseguiu. A lolita - como é mulher, com tudo o que isso implica e que aqui me dispenso de referir - apenas disse que tentou procurar-ME. Eu próprio, como o besugo, li e reli o que tinha acabado de escrever, tentando encontrar-me naquelas classificações. Sem sucesso.
É que, ao elaborar aquela lista, não olhei nem para mim nem para o que de vós conheço. Estive mesmo a olhar para "outros".
De qualquer maneira, acho difícil que nenhum de nós três se reveja ao menos em aspectos parcelares de duas ou três categorias daqueles eleitores/tipo que inventei.
E assim, faço aqui um exercício de auto-classificação. Não tentarei fazê-lo quanto aos meus colegas de blogue. Mas a verdade é que nenhum de vós correponde - a meu ver - a nenhum dos eleitores/tipo que elenquei. O mais que posso dizer é que, de acordo com aquilo que de vós conheço - e a minha amizade por vós não é "intrometida", pelo que não vos conheço tanto como isso - o besugo andará algures entre o e) e o f), mais para o último que para o primeiro. A lolita, por seu lado, andará entre o c) e a identificada subespécie do d).
Dito isto, e voltando ao que me respeita, considero-me algures entre os eleitores/tipo a), b) e c). O discurso do Salazar em Guimarães, no início do que viria a ser o "Estado Novo" (o famoso discurso sobre, num tempo de dúvida e angústia, quais as certezas que ele considerava essenciais para que Portugal seguisse um caminho) é um discurso que aprecio. E, já o disse aqui, considero o Salazar o melhor estadista que Portugal teve no séc. XX. No entanto ... sou convictamente democrata, e acho que o Salazarismo feneceu por ser um regime sem democracia e, portanto, sem possibilidade de gerar em si mesmo a renovação necessária e de permitir a este País reprojectar regularmente o futuro. Na verdade, o futuro do "Estado Novo" nos anos 30 era o passado dos anos 60. Mas não era possível mudar de projecto. E por isso, um estadista que poderia ter passado para a história como um marco de sucesso na época em que era jovem e rompeu com o estado de desgraça crónica do País, será por ela julgado sobretudo à luz da quase imobilização do País na segunda metade do séc. XX (enfim, e para ser mais rigoroso, nos quase 30 anos que mediaram entre o fim da II Grande Guerra e a revolução de 1974). Mais por isso do que pela sua suposta característica "ditatorial". Na verdade, seja pela sua matriz católica, seja pela sua formação jurídica, o Salazar foi um fraco ditador, se é que ditador é nome que se lhe possa chamar.
Assim, na alínea a) não caibo. Não só não me arrependo de ter votado como convictamente defendo a democracia enquanto regime político. E, também, não vivo do passado ou da sua saudade (apesar de a lolita dizer que sim, de cada vez que o meu anti-comunismo primário assoma aos meus escritos). Estou assim mais próximo da alínea b), a do eleitorado "conservador", do que da a).
Ainda assim, também não me revejo inteiramente na descrição que eu próprio fiz do eleitor/tipo dessa categoria. Por uma razão, que a lolita sagazmente descortinou: sou incapaz de votar no PSD e, muito menos, no PS. Não é tanto por o PSD ser ou deixar de ser de esquerda. É que acho, e achei sempre, que o PSD não é ideologicamente nada. Ou por outra, é o "centro" em todo o seu esplendor. Tudo e o seu contrário, dependendo do líder e das circunstâncias. Um Partido com tal falta de raíz pode gerir - por exemplo com um Cavaco - com sucesso, se a conjuntura fôr de feição. Em tempos adversos, em que seja necessário fazer face a interesses instalados, ou destruir pela raíz causas do imobilismo do País e/ou da mediocridade geral da sociedade, é um partido incapaz. O poder político é um meio para chegar a um fim. Para o PSD - e também para o PS - o poder político é um fim em si mesmo. E acho que, assim, fica também explicado porque é que não me enquadro no eleitor/tipo da alínea c) Concordo que a generalidade dos políticos é incompetente, concordo que o motor da sociedade e da economia tem que ser a sociedade e detesto o Estado-paternalista que alguns conservadores apreciam, mas defender que o País poderia ser gerido por um conjunto de tecnocratas com sucesso no sector privado é tomar a nuvem por Juno e, mais uma vez, não ter ideias. E elas fazem falta. Fazem mais falta do que o pragmatismo e a defesa da pura "eficácia" que é apanágio desse tipo de eleitores.
Nota: Curiosamente, um destes que eu conheço - que diz ser de si próprio ser "de centro-direita" e que falou comigo ontem disse-me que ia votar pela primeira vez PS. Não porque seja socialista ou de esquerda. Mas porque quer que o Santana deixe de ser líder do PSD, para que o PSD possa fazer oposição eficaz e substituir rapidamente o PS, com outro líder. Votar CDS não considera, sequer como hipótese. O CDS nunca indicará o Primeiro Ministro, e o que interessa é quem vai ser Primeiro Ministro.
Nota2: A lolita diz que eu apresento o eleitorado de direita como mais pensador, crítico e esclarecido. E o de esquerda mais disciplinado e vulnerável à demagogia. Não é verdade e não sei onde foi buscar tal ideia. Quem eu acho que não pensa é o eleitorado centrista. É apenas verdade que este constitui a maioria do eleitorado.
Nota3: Eu acho que o eleitorado de esquerda pensa, mas pensa mal.
Nota4: Mas isso sou eu a vê-los, como diria o besugo.
Advérbios
Se
isto fosse só assim, Bush e Rice seriam dois espécimes lamentáveis.
Mas não deve ser só assim.
Bush deve ter nictúria, Rice anúria.
Permixon e duas algálias, por favor, que Rice não tem, suponho, próstata. Só aquele cabelo liso, naturalmente solto.
Pois, lamentavelmente. É o advérbio do modo de ambos.
O sentido do tempo
O que nos sustenta é o gosto daquilo com que mantemos a memória adocicada e a alma entranhada de sabores. Volta-se sempre, depois de passada a tormenta, para os finais de dia felizes.
Não percebo
Parece que António Costa resolveu empurrar Sócrates na direcção do costume: o PS pede aos portugueses uma maioria absoluta. Aliás, cabe aqui corrigir uma coisa simples: é mais um
sentido que uma
direcção, uma direcção tem sempre dois vectores, dois sentidos. Isto é matemática, a vida tem muito disto, embora não pareça.
A bem dizer, Costa empurra Sócrates
no sentido que pressente ser o único que convém ao PS. E não é. Eu gosto muito mais de Portugal que do PS, mas fico perplexo perante esta súbita fuga para a frente do PS.
O PS nunca teve maioria absoluta. Pôde sempre flutuar, entre fracassos, nas desculpas de
nunca ter podido ser o que poderia ter sido. Ressuscitou das cinzas por isso mesmo, sempre. Nunca se assumiu, desde há quase vinte anos, como um motor, nem sequer daqueles a dois tempos. Foi sempre, para meu desgosto, uma espécie de "ponto morto". Preferiu, sempre, ser uma "alternativa viável" em tempo de oposição, um "peço desculpa, mas não nos deixam" em tempo de poder.
Que mudou agora? Sócrates é
mais o quê, que eu não estou a ver, que até vejo menos do que dantes via? Para que quer o PS uma maioria absoluta nesta altura?
Reparem, não falo do País, não falo de nós todos, com as nossas visões diferentes para o que é nosso. Falo do PS, estratégia política simples dum partido de que gosto. Estratégia simples porque sou eu a falar, note-se. Só por isso.
Não é altura de mostrar vontades férreas, de governar sozinho. É altura, mais do que nunca, de partilhar poderes, de abrir as portas. Ao resto da esquerda, que ou se queima connosco ou nos ajuda a fazer diferente. A mesma direcção, a mesma trajectória, mas um sentido diferente. Como se insistir em dar boleia fosse um recuo, fosse inverter o rumo. Nada disso.
A partir daqui, falha a matemática. Aplicada aos homens falha mais, a matemática. Os vectores proporcionam jogos de forças, as forças são representadas por vectores, há muitos sentidos, sempre o dobro das direcções. Mas pode equacionar-se a mesma direcção, o mesmo sentido, dum somatório de vectores. É saber escolhê-los e somá-los.
A menos que o PS já não faça parte de "resto da esquerda" nenhum. Isso trairia o meu raciocínio, evidentemente. Traí-lo-ia ainda mais que a minha estupidez.
Eu peço desculpa por vos maçar com isto.
Aos votantes
Por falta de tempo minha e por excesso de retórica do Alonso, tive de digerir
isto em duas vezes (pelo menos, irra, que incontinência verbal!). Mas li, ontem à noite, aturada e pacientemente, toda a interminável tese sobre o mapa de eleitores nacionais do ponto de vista - dado não dispiciendo - de um
lisboeta-importado-das-beiras, profissional liberal e
fortemente-inclinado-para-a-direita-bem-definida. Dessa densa leitura concluí que, na opinião do Alonso, o eleitorado de direita pensa mais, é mais crítico e mais esclarecido; ao passo que o eleitorado de esquerda ou vota disciplinadamente ou deixa-se invadir pela demagogia pós-modernista da esquerda de vanguarda. E isto, acho eu, é o Alonso a esforçar-se por ser imparcial.
O Alonso, porém, não quis retratar-se nesta extensa, mas não exaustiva, descrição. Estive para incluí-lo nos conservadores mas desisti, porque duvido que ele alguma vez tenha votado num partido tão à esquerda como o PSD. Nos liberais muito menos, porque o Alonso nunca proferiria uma frase do tipo "economistas de reputação indiscutível" sem ser em tom de crítica jocosa. Enfim. Só restariam os eleitores saudosista/salazaristas, mas fico confusa: o Alonso não é nem padre, nem comerciante, nem retornado das ex-colónias...
Faltam alguns possíveis eleitores, parece-me. Dou exemplos: as fans do Santana Lopes. Os defensores do ambiente. Os saudosistas do soarismo. Os nostálgicos de Sá Carneiro. Os admiradores de Marcelo Rebelo de Sousa. Os activistas de Canas de Senhorim. Os imigrantes naturalizados. Os eleitores que votaram no Castelo Branco para rei da Quinta. Enfim, uma infinita lista de grupinhos de características ainda indefinidas, mas investigáveis. E de perfil apropriado para investimentos em propaganda...
E o operário disse "não!"
A
história do Hilário Eleitor segundo o Altino situa-se algures entre o
Cotidiano do Chico Buarque e o
Operário em Construção do Vinicius (perdoem-me o abuso da analogia com a poesia brasileira, mas os brasileiros sabem escrever melhor do que ninguém sobre rotinas atormentadas). Uma parábola bonita, mas utópica e equivocada. Não é por culpa do Altino; é porque, ainda que do voto surgisse a bendita mudança, o caminho está errado sempre que se faz por simples mimetismo dos caminhos alheios.
C'est nous, les cons
Eu não percebo nada de cinema, nem de outras artes. Deve ser porque são muito difíceis.
Mas sei do que gosto. Não é sempre da mesma coisa, mas não vario muito de gostares.
Revi "Os compadres", o meu irmão trouxe-me o filme a casa, tirado dum sítio qualquer, sem legendas. Eu sei falar francês, tanto que gosto de Eça. Esse mesmo, o que se esforçou sempre por fazer de conta que preferia os ingleses, entre galicismos. E de Hugo. E doutros.
Gosto das musiquetas francesas. Um dia sonhei que me perdia em França, uma França pequena, à minha medida, só coisas que eu entendesse bem, de que gostava. Ficava melhor se escrevesse "de que gostasse", eu sei, mas esta verdade que eu digo é mais um pretérito imperfeito que um condicional. Era uma França musicada por um romeno, Vladimir Cosma. Que ironia sublime, há países e coisas que baralho tanto!
Querem saber a história, ao menos quem não viu? Eu conto, de qualquer maneira. Vantagens de contar aqui: mesmo que ninguém nos leia escrevemos com a ideia que sim. E nunca saberemos se sim, se não.
É a história dum homem que tem um filho que fugiu de casa. A mãe, Christine, perante a inoperância dos meios legais (a polícia, o marido calmo e passivo) resolve telefonar a dois ex-amantes. Encontra-se com eles, um após o outro, e conta-lhes uma mentira: que cada um deles é pai do filho que lhe fugiu. Ambos a conheceram pela mesma altura, relações que passam.
Cabe aqui uma espécie de "parêntesis de besugo":
Mas, no fundo, passam? Não nos ficam todas? As relações acabam, mesmo? Ora! Por muito que nos custe, não. Nunca acabam. Mudam, apenas. Mudam-se. Ficamos nós, o tempo e nós. E sempre os outros, cambada de invasores do nosso tempo.
Bom. Ambos os antigos amantes vão procurar o filho que fugiu. Encontram-no, entre
gags simples e pueris. Trazem-no de volta ao pai, ao que ficou. O pai ficou, mas é o pai. O puto tem um lampejo de encantamento, no meio da competição que se criou entre os falsos pais "para ver quem é que é mesmo o pai", quando convence cada um dos dois que "tu, sim, falei com a mãe, o pai és tu". Ambos ficam naquela estupidez boçal de que só um homem é capaz, aquela parvoíce de, no fim de contas, (contas?) sermos nós, aquela parvoíce que nos desvanece antes de se desvanecer.
O puto regressa ao pai, ao que ficou. E à mãe, que é do que trata a história. Que se resume em 26 segundos do filme: o miúdo acaba por dizer o inevitável. "Quer dizer que a minha mãe, por essa altura, andou com três meqcs...". É Depardieux que lhe responde: "...faut pas juger les âutres, p'tit con!"
Les uns et les autres (acho que já fiz um com este título, mas pronto)
1 - O Alonso vem poucas vezes mas vem as vezes que pode. São menos que as que deve, mas eu gosto de o ler, mesmo que ele se ria sempre da minha
comunice, mais feita de cansaços que de crenças, dos romenos que eu lhe atiro como provocação, do resto. Crava-me cigarros, mas eu farei o mesmo logo que possa: ambos fumamos, já se percebeu que a Lolita também, corja de blogue, este, que é tão bonito.
Sabes, Alonso? Não me tendo conseguido encaixar em nenhum dos teus "items" dedicados ao eleitorado, decidi que tenho de os reler. Reler, meu amigo, é ler melhor. Não é, apenas, ler outra vez.
2 - Hoje, estou bem desde ontem. Entre outras coisas que não vêm ao caso, revisitei-me nas pequenas coisas que me alegram, que me fazem "jouir", aquilo que os franceses dizem a propósito de tudo, dum bom jantar, duma boa conversa, dum bom filme, duma boa...
"quelque chose". Os franceses não são assim, às tantas, eu sei. Mas eu viajo pouco: continuo a pensar dos outros aquilo que quero pensar, aquilo que gosto de pensar. Sobretudo nos dias em que estou bem desde a véspera.
Pensar que os outros são como a gente acha que eles são é, um bocadinho, querer que os outros se fodam. Porque os outros são os outros, claro, que sabemos nós, tanto, do que nos é alheio? Mas isso desculpa-se pelo facto de, pelo menos, falarmos nos outros em vez de falarmos de nós. Concedo que defini, às tantas mal, que falar dos outros é uma espécie de
"aqui vou eu com outro nome, outra fachada" . Mas, bem vistas as coisas, que são os outros senão nós, a olhar para eles?
A gralha
Até a MMG devia perceber que cada um tem uma função social bem definida: a ela cabe-lhe, singelamente, ler o teleponto das notícias; a nós - que a ouvimos e vemos - cabe tirar as conclusões. É francamente hilariante assistir aos comentários explicativos e escarninhos da Manuela pivot depois das reportagens sobre as inaugurações do Santana e sobre os investimentos do Mexia, como quem explica onde reside a piada de uma anedota insípida que acabou de contar. Todos - ela e eles - igualmente parceiros na convicção pacóvia de que conhecem os segredos da propaganda eficaz. De resto, eu até apostaria que ela é das que aceitava fazer parte da lista do PSD, não fosse o periclitante posto do marido.
Niculae
Ó besugo, o Niculae era aquele romeno do tempo do Jardel, não era?
Se era, e se bem me lembro, era bom jogador, por isso levo as tuas "bocas" à laia de cumprimento.
Género: "Aquele fdp daquele reaccionário daquele fascista daquele Alonso que não sei porquê tive um dia a infeliz ideia de convidar para este blogue, só escreve para me irritar, mente descaradamente, goza com os meus sentimentos genuinamente de esquerda, atreve-se a dizer aqui bem do Portas (Paulo), admite votar no PP ("vade retro ... ai vade retro não que eu não sou cristão"), confunde os nossos leitores, torpedeia a nossa linha editorial, é um chato, crava-me cigarros indecentemente, pendura-se para almoçar quando eu estou cheio de trabalho mal pago, atrasa-me a vida quando eu quero ir ao Porto ver um concerto de um tipo que ele - burro e inculto - nem conhece, e ... ainda por cima tem a lata de escrever aqui poucas vezes. Irra, que é tudo o que já disse e também mal agradecido!!!!"
Besugo, fiquei comovido por me comparares ao Niculae. Não sei porquê, mas deixa-me que te diga: Se os teus escritos fossem patrocinados pelo Instituto Português de Cinema, o povo português esqueceria definitivamente o Manoel de Oliveira. E se aparecesses nos teus próprios escritos, transformados em filmes, o mundo esqueceria o Sean Penn !
Eleitorados
Seguindo a toada político/reflexiva que se instalou neste blogue, debito eu agora qualquer coisa sobre o assunto.
E, para não correr o risco de escrever qualquer coisa de parecido com quem já escreveu aqui (ou seja, tentando não seguir o género crítico/catedrático da lolita nem o género "agarrem-me se não eu grito palavras de ordem do PREC" do besugo, tentarei ser prático/analítico.
Assim, temos que a decisão "em quem votar", no contexto actual, se tornou extraordináriamente complicada, pelo menos para alguns. E passo a descrevê-los, começando na direita e acabando na esquerda:
a) o eleitorado saudosisto/salazarista
(eleitor/tipo - mais de 60 anos, pequeno comerciante, padre ou retornado das ex-colónias)
Votou CDS no PREC, votou depois AD, depois dividiu-se entre o voto útil (PSD) e o voto no CDS. Rendeu-se definitivamente ao PSD com o Prof. Cavaco Silva. Em 2005, de repente recordou-se que "isto da democracia é um nojo, como eu sempre disse", foi-se confessar por ter votado algumas vezes e não vai votar nestas eleições;
b) o eleitorado conservador
(eleitor/tipo - mais de 40 anos, católico, influenciado pelos eleitores tipo "a)", de quem é normalmente filho ou por qualquer razão próximo, e tanto pode ser rico como pobre)
É democrata, o que o distingue do anterior. Tem votado maioritariamente PSD, embora ocasionalmente CDS, ou mesmo PS (versão guterrista). Quando o CDS passou a PP achou que nunca mais teria remorsos por votar PSD. Neste momento, volta a hesitar. Continua a não perdoar ao Portas a campanha anti-Cavaco (que acha ser o "maior"), mas votar no PSD "versão Santana" está a dar-lhe volta ao estômago. O Sócrates nem sequer é hipótese. Provavelmente vai abster-se.
c) o eleitorado liberal
(eleitor/tipo - entre os 25 e os 45 anos, com formação superior, profissional liberal, jovem quadro da banca, do sector empresarial, ou mesmo empresário)
Muito semelhante ao anterior, este eleitorado é no entanto mais pragmático nas suas escolhas, e tanto pode votar PSD como PS. Costumam concordar com o que diz o CDS - sobretudo na área económica e social - mas acham que votar neste Partido é desperdiçar o seu voto, que acham ser muito valioso. Dizem sistematicamente mal da política e dos políticos (por quem manifestam pouco mais do que desprezo), acham que o Governo é sempre formado por incompetentes e, a acreditar no que dizem, cinco economistas de reputação indiscutível chegavam e sobravam para governar o País com eficácia.
Para estas eleições, arvoram um misto de sorriso cínico ("eu não disse") e de ar preocupado ("isto nunca esteve tão mau"). Vão votar, esmagadoramente no PS ou no PSD como é costume, alguns são capazes de votar no CDS e outros tantos no BE ("ao menos a gente diverte-se com aqueles gajos, que raio")
d) O eleitorado "centrista"
(eleitor/tipo - Português inscrito nos cadernos eleitorais, ou seja, quase todo o eleitorado)
Tem memória curta, detesta perder e gosta de, na segunda feira pós eleitoral, dizer aos/às amigos/amigas "Foi bem feito. Aqueles tipos enganaram-me nas últimas eleições e agora tiveram o castigo que mereciam. Pode ser que assim aprendam") - A cultura política desta espécie de eleitores é, geralmente, escassa. Quando a discussão se adensa - o que é raro - acaba por se soltar dela com um desabafo do género "Olha, sabes o que te digo? Eles são todos iguais e a gente que se amanhe!" A meio dos mandatos está sempre desiludido, a não ser que a vida lhe corra MESMO bem. Só vota PS ou PSD, e normalmente vota em quem ganha. É o eleitor-alvo das campanhas eleitorais, que comprou o CD do Vangelis em 1995 e que já nem sabe que o tem, muito menos onde está.
Sem corresponder à descrição acima, também faz parte deste eleitorado - como subespécie minoritária - o eleitor com alguma cultura, que não se define - nem se preocupa em fazê-lo - por referência ao leque partidário existente. Simpatiza mais com o discurso da esquerda, e portanto pende mais para o PS, mas basta o PSD dizer que é um Partido humanista e com preocupações sociais e reformistas para - no ciclo eleitoral adequado - confiar o seu voto ao PSD.
Nestas eleições este eleitorado "centrista" está particularmente desmoralizado. Ainda não se esqueceu que está zangado com o Guterres, e já está zangado com o Santana. Pela primeira vez desde que votam, não acreditam no líder da oposição, quando ele diz que vai "criar 150.000 empregos", "equilibrar as finanças públicas", "aumentar as reformas para que não haja portugueses abaixo do limiar da pobreza", etc. Provavelmente, a abstenção deste eleitorado - normalmente votante - vai ser elevada. Os que votarem, e tirando alguns pândegos que vão visitar outras paragens (com as mais diversas e divertidas auto-justificações), vão fazê-lo no PS (maioritariamente) ou no PSD (minoritariamente).
e) O eleitorado da "esquerda responsável"
(eleitor/tipo - tem mais de 30 anos, foi marxista no liceu, quando teve que escolher escolheu ser socialista de esquerda, e à medida que foi crescendo passou a social democrata, não no sentido PSD, mas antes no sentido SPD)
Este eleitor normalmente vota PS, porque isso faz parte da sua "identidade de esquerda". Mas, de quando em vez, trai o seu partido "de sempre", seja porque vota PSD numa conjuntura de grande desgaste ou fraqueza do PS (foram muitos destes que, somados aos "scentristas" deram ao Cavaco as suas estrondosas maiorias absolutas), seja porque - uma franja muito minoritária, sobretudo mais jovem do que os 30 anos do eleitor/tipo - vota BE. O PCP não é opção, seja porque estes "esquerdistas" são convictamente democratas, seja porque as notícias e reportagens que viram depois da queda do muro de Berlim os convenceram - de forma definitiva - de que o comunismo é um ideal não realizável.
Nestas eleições estão francamente desconcertados. Não acreditam que o Sócrates seja um deles - quando curiosamente é-o - e o PSD nem chega a ser hipótese, ainda por cima agora que anda tão amigo do PP, partido que este eleitorado verdadeiramente detesta. Irão votar PS ("enfim, que é que se há-de fazer") ou BE ("os tipos não são de confiança, mas o Sócrates também não").
f) O eleitorado da esquerda "verdadeiramente socialista"
(eleitor/tipo - Normalmente com mais de 40 anos, muito parecido com o anterior, com um percurso muito semelhante mas, por uma razão ou por outra, fidelíssimo do PS. Odeia o PSD - do CDS nem se fala -, acha piada aos tipos do BE ("que pena o PS não dizer algumas das coisas que eles dizem"), acha-se antifascista e, quanto aos comunistas, tem pena que eles não percebam que os tempos mudaram, que as sociedades mudaram e que o comunismo "ficou para trás".
Nestas eleições o sentimento é de grande amargura. Zanga mesmo. Estão zangados com o Sampaio por causa da indigitação do Santana, estão zangados com o PS por causa do Guterres, estão zangados com o Ferro por se ter ido embora (é deste que estes eleitores gostam) e duvidam que o Sócrates seja socialista. Quanto muito, e se tiverem que incluir o Sócrates nalgum "ismo", chamar-lhe-ão oportunista.
Talvez pela primeira vez ponderam seriamente não votar no PS. A maior parte votará, no entanto. Os outros ... ou se abstêm, ou votam BE ou votam PCP ("pelos velhos tempos e para que não desapareçam")
g) O eleitorado comunista
(eleitor/tipo - Mais de 50 anos, trabalhador da função pública ou das raras empresas que já existiam na altura do 25 de Abril e que existem ainda. Também pode ser professor do ensino secundário que andava na faculdade em 68/69 e que resistiu estoicamente ao fim do bloco de Leste, com os olhos postos em Cuba e com o ódio bem fixado na "América")
Aqui, não há surpresas. Votaram sempre no PCP, votarão sempre no PCP. A não ser que, um dia, chegue a sua vez de discordar de qualquer coisa e passar a ser considerado um "renovador", o que, como se sabe, é pior do que ter lepra. Nestas eleições, a taxa de "novos renovadores" silenciosos deve ser baixa, apesar da sangria que nos últimos anos ocorreu no "seu" Partido. E mesmo os que, pela primeira vez nestas eleições, não votarem PCP, não irão seguramente votar PS. Ou se abstêm, ou votam no BE.
h) O eleitorado "BE"
(eleitor/tipo - Jovem cheio de consciência social. Ele tem um retrato do Che no quarto, ela anda na rua com um lenço palestiniano)
Estes eleitores, poucos em número mas suficientes para se dar por eles, acham que "os velhos" - que tanto podem ser de esquerda como do centro como da direita, pouco importa - não percebem nada, que a globalização é um perigo, e que o aborto é um direito, que os ricos exploram os pobres e que os pobres não percebem nada também.
Ideologicamente são "pós comunistas" (seja isso o que for), acham o BE o máximo, o Louçã o máximo, o Portas (Miguel) um gajo porreiro que até diz umas coisas, o Rosas (Fernando) um gajo com ar de ser culto, sendo que a cultura é superimportante (ou sprimpr", como escrevem nos SMS lá do telemóvel que os "velhos" lhes deram).
Como ainda não sabem bem de que é que estão a favor, para já preocupam-se em definir aquilo que combatem. E como combatem tanta coisa (A Amárica, o Bush, o G8, Israel, os anti-abortistas, os capitalistas globalizadores, os interesses, os lobbies, a mãe que compra a "Nova Gente", o pai que às vezes ameaça tirar-lhes a mesada, etc.) ficam felizes assim.
Estes não têm dúvidas. Vão votar BE. Quando crescerem, logo se verá.
Os miseráveis
Como os pobres deste país (os que vivem miseravelmente em esterqueiras sem nome, os que não se lavam porque têm medo da água e do sabão, os que são doentes e nem dinheiro têm para comprar comida, quanto mais remédios, mesmo que tenham filhos na Suíça que os visitam em Agosto, montados em BMWs verde-alface, os mesmos BMWs em que os transportam, imediatamente, porcos e doentes, ao hospital, onde ficam depositados em macas duras e encostadas às paredes porcas dos hospitais que têm que dar lucro, esses mesmo, os que mesmo quando são saudáveis se lhes lê na cara que só o são porque ainda não adoeceram, os pobres mesmo, os pobres a sério que gostam de sonhar que a Moura Guedes e o Louçã são amigos deles, que pensam mesmo neles, esses todos e outros ainda) insistem em não votar no PC, vou eu votar.
A Lolita, pelos vistos, também. A diferença é que eu já devia ter juízo, já o fiz antes, vou repetir a teimosia porque me acenam com palhacinhos cor-de-rosa como alternativa à paneleiragem.
Querem gozar? Façam favor. Mas eu é que cheguei agora do país real, mal lavado, doente e burro. Sei perfeitamente do que falo. Ainda por cima, metade dos pobres que tratei bem hoje eram capazes de me bater, se lhes confessasse que vou votar neles.
No fundo, vou votar neles por gratidão: os pobres diabos passam a vida a votar em mim, filhos da puta, imbecis, que nem sabem a força que têm, bastava repararem nos pulsinhos tísicos do Portas, do Santana, do Sócrates e do Louçã para perceberem que vivemos um tempo de... Sean Penns.
O voto inútil
Os tempos são de mudança. Numas quaisquer eleições até há pouco tempo atrás, podia pensar-se em três tipos de votos, se analisados do ponto de vista da intenção: o voto
coerente (daqueles que votam sempre no mesmo partido porque até parecia mal votar noutro), o voto
convicto (daqueles que votam no partido que lhes assegurou aumentar o rendimento mínimo, atribuir pensões aos ex-combatentes ou repor os benefícios fiscais; ou daqueles que representam o eleitorado fiel do PCP) e, finalmente, o voto
útil: o voto típico de um final de legislatura em que o partido governante está queimado como um tição, ou de uma segunda volta de umas presidenciais em que a alternativa se coloca entre o insípido e o mau. O voto útil consiste numa manifestação do instinto de sobrevivência; como instinto que é, nada tem de racional ou de reflectido. É um voto contra o perdedor, mas com efeitos colaterais que determinam que ganhe o vencedor (com perdão da redundância).
Há sinais de que existe, agora, um quarto tipo de intenção de voto: trata-se do voto que pressupõe um aturado itinerário de reflexão através do qual o eleitor vai excluindo hipóteses possíveis. O eleitor começa por rejeitar o partido a que se sente ideologicamente mais próximo, sobretudo porque é o partido que governou na legislatura finda. Numa situação normal, esse raciocínio levá-lo-ia a lançar mão do voto útil. Porém, também não lhe agrada o voto útil no maior partido da oposição, porque o maior partido da oposição (bem como o futuro primeiro ministro) lhe parece assustadoramente parecido com o anterior. Sendo assim, rejeita-o também. O percurso pode ser o inverso: importante é reter que não vota em nenhum dos dois porque ambos são bastante mais convergentes do que divergentes.
Passa, então, aos partidos satélite, os partidos aparentados com associações de amigalhaços que vão navegando ao sabor das correntes e das possíveis coligações. O eleitor em reflexão pode, por vezes, assombrar-se com a verborreia intencionalmente marcante dos retóricos desses partidos; se assim suceder, o seu percurso de dedução lógica acaba aqui. É o que sucede com quem vota como quem compra o detergente que lava mais branco. E é assim que, à esquerda e à direita, os tais partidos satélite vão conseguindo manter dois-a-três assentos no parlamento.
Mas há eleitores mais exigentes e menos permeáveis ao estardalhaço propagandístico. São aqueles que têm o saudável hábito de mudar de canal nos intervalos dos filmes e aos quais, por isso, é indiferente a marca do detergente, desde que lave bem. E, aqui chegado no seu percurso lógico-dedutivo, o eleitor desilude-se. E, então, de três uma: abstém-se, vota em branco ou
vota mesmo. Se se abstiver de votar, resolve, ainda que por omissão, o seu dilema. Se decidir votar, porque quer forçosamente votar e entende que para votar em branco lhe bastaria abster-se, o que lhe resta?
Nesta fase final do processo de decisão o eleitor já excluíu a maior parte das alternativas possíveis, mas continua exigente e continua a querer forçosamente votar. Porém, quer votar num partido que não lhe recorde a bagunça político-aparelhística dos partidos que antes rejeitou. E pensa, assim, num partido que, ainda que anacrónico e rígido, se mantenha próximo do ideário que o viu nascer e que, ainda que inaceitável como partido governante, continue a ser útil e consistente como oposição. Curiosamente, um partido cujo líder, embora fossilizado no discurso, exortou os eleitores a recusar o voto útil.
Não parece lógico, isto? O voto de quem votar assim é um voto perfeitamente inútil. Mas é, seguramente, mais lógico do que qualquer voto útil. Não é um voto convicto, o que é mau. Mas sempre permite evitar arrependimentos tardios e, mais importante do que isso, ajuda a espantar a poeira.
Coimbra
A verdade é que o Porto jogou muito melhor que a Académica, mas empatou. Devia ter ganho, que eu sei e gosto de futebol.
O certo é que o estádio de Coimbra é grande demais para Coimbra, mas está lá, todo ele feito do vazio que a Académica é.
Os olhos de puto reguila do Benny não bastaram, desta vez. Devia, talvez, almoçar a horas e mais frugalmente, o sul-africano galego.
O meu problema é que gosto mais do Sporting. É só por isso que retiro tudo o que disse, excepto aquilo do estádio de Coimbra. Pensando bem, até isso retiro, devagar e calmamente.
Eu explico: cuido ser o espírito coimbrão um dos grandes problemas de Portugal. Pelo menos em véspera de urgência, acho isto. É um espírito sobranceiro visto de fora, porque Coimbra só existe, como Coimbra, vista de fora. Por dentro, Coimbra é uma espécie de Lamego, em maiorzito.
É que, mesmo em hospitais, Coimbra está sobredimensionada. Não vive quase ninguém na zona centro do país. A maior parte das pessoas que lá vai é por causa do leitão da bairrada e vai-se embora logo a seguir. Coimbra é uma placa na auto-estrada.
E, no entanto, os HUC são um dos melhores hospitais do país inteiro. E ainda há os Covões! O centro hospitalar de Coimbra! Os sacanas são poucos mas vivem bem! Têm lá tudo o que nos faz falta, até os
ratios deles são cómodos e inteligentes: têm espaço de manobra, ar para respirar.
O IPO de Coimbra é o melhor do país inteiro, eu sei que é. Não sei se ainda é o Dr. Manuel António (que jogou na Académica, como o meu Pai, antes dele, com muito menor relevo) que o dirige, mas é o melhor. É dimensionado a pensar no que pode acontecer e não
naquilo que é suposto acontecer se tudo correr bem.
É a mesma coisa com o estádio: um dia aquilo enche e a gente percebe por que raio é que o fizeram assim, tão grande.
Tenho uma relação difícil com Coimbra, como se fosse uma mulher que me recusasse sem explicações, num dia antigo qualquer.
Nunca hei-de conseguir contar-vos isto bem. Muito menos antes duma urgência.
Odeio-os. No fundo, sinto que se está bem ali e eu não estou lá. O amor é fodido.
Coisas simples
Gostava que houvesse alguém a fazer triagem, amanhã. De trabalhar seguido e certo, mas sem pressas, sem angústias. Sem receios maiores que o do costume. Que me respeitassem. Que o meu filho ganhasse o jogo de andebol que eu não vou ver, que não se magoasse. Que estivesse sol. Que o Sporting fosse ganhar ao Nacional. Que tudo corresse bem, podendo ser.
Lições da mitologia
No filme Tróia (que vi hoje aos bocadinhos), o Aquiles diz a dada altura à amada Briseida (sacerdotiza troiana feita escrava pelos gregos) que os deuses invejam os mortais, por estes poderem viver como se cada momento fosse o último. Como fazia Heitor, que sabia que podia morrer em cada instante. Como fazia Aquiles, que acreditava que não morreria a menos que escolhesse morrer. Ambos faziam por não desperdiçar cada irrepetível momento e ambos viveram no seu tempo de maneira suficientemente intensa para serem perpetuados. Mas são personagens lendárias e, ainda que não fossem, tiveram a sorte de ver os seus destinos pessoais misturados com os destinos de nações também lendárias. Nós, os verdadeiros mortais, que não somos imortais como às vezes julgamos ser, esquecemo-nos muitas vezes de ser, apenas, humanos.
Campanha de besugo
O blogue de
Miss Pearls não se limita a mostrar-nos coisas bonitas, imagens de sítios antigos, de gente intemporal. Ao contrário deste blogue, que é torrencial de prolixo (pelo menos na sua vertente besugal, admito), o
Xanel Cinco é contido e sintético. Como se se entretivesse a fazer-nos pensar que se limita à legendagem certeira da beleza. Dá-nos largueza.
Na minha última visita, espreitando as
bijuterias que Miss Pearls mantém no necéssaire, encontrei
um colega. Mais novo, decerto, a experimentar-se por Braga. Está lá a fazer o seu internato. Fiquei curioso: o internato geral, o complementar?
Se for o complementar, decisão já feita, nada a fazer. É como eu disse: decisão tomada, tomada está.
Agora, se for o geral, junte-se aos bons, quando for tempo de escolha: medicina interna.
Não tenha medo: nem todos ficamos assim como eu, só por escolhermos uma especialidade com tanto potencial para nos gastar. E, bem vê, se você vier, aumentam as minhas possibilidades de descansar um pouco mais. Quer maior sinceridade?
Evolução de besugo
Depois de ter lido, atentamente, a Lolita, venho aqui propor um novo slogan, para o próximo PREC:
"Os ricos que paguem a crise, a gente depois ajuda!".
É o máximo que o meu coração vermelhusco consegue arranjar, para já. Peço desculpa.
Pintar de novo
Quando Pimenta Machado, há uns anos (a propósito duma coisa qualquer que já não me lembro), afirmou ser perfeitamente possível à verdade de hoje tornar-se, amanhã, grossa mentira, foi imensamente glosado. E gozado.
Ainda hoje, no mundo futebolístico (a par daquela pérola do "porco a andar de bicicleta", saída da boca dum árbitro), a afirmação de Pimenta Machado é cansativamente citada, quando se quer ilustrar uma
troca-tintice qualquer
.
Pimenta Machado, que lá terá os seus problemas, não vem ao caso senão pela frase que disse em tempos. E, repare-se, encarada na sua singeleza, trata-se duma frase humilde e sábia. Condensa a própria essência da evolução, do conhecimento. Assegura a possibilidade duma nova "teoria heliocêntrica", eventualmente. Pára, besugo.
Mas, se não me recordo das circunstâncias em que Pimenta Machado se saiu com aquela frase, sei perfeitamente por que raio me lembrei de José Sócrates, ao pensar no assunto.
É que, de facto, lembro-me das circunstâncias em que Sócrates se manifestou,
ontem, contra a cessação dos chamados "benefícios fiscais". E conheço, também, o enquadramento que o leva,
hoje, a encontrar-lhe menor perversidade. Ou, mesmo, alguma virtude.
Não estão em causa os benefícios fiscais, evidentemente. São conjunturas que me davam jeito, porque tenho a sorte de poder beneficiar delas, apenas isso. Não são um direito meu, muito menos um direito fundamental. Se acabarem, acabaram.
Direito meu, e fundamental é este: poder perguntar a José Sócrates que raio o fez mudar de opinião, ouvir-lhe a resposta e, eventualmente, analisá-la. E, se for perfeitamente claro que nenhum dado novo, nenhum revolucionário conhecimento entretanto adquirido, esteve na génese da cambalhota pensadora do senhor engenheiro, é direito meu chamar-lhe "troca-tintas", nem que seja por interposta cruzinha colocada fora do sítio que ele mais gosta.(*)
(*)Já é a segunda ameaça de "nega" que faço ao senhor engenheiro, em poucos dias. Eu sei que isto o preocupa pouco, mas a mim faz-me bem.
Nos pasaran la cuenta
Fui ler o Vicente Jorge Silva no DN, sobre a factura aos ricos.
Do que li, confesso que não vislumbrei nada que acrescentasse um ponto que fosse à discussão sobre a
solucionática (com perdão do besugo, mas aqui assenta que nem uma luva) da saída da crise. Mas é importante ter em conta, em abono da mais límpida verdade, que não há maior inutilidade do que discutir a seriedade ou a consistência das propostas dos partidos políticos em épocas de campanha ou pré-campanha eleitoral.
Sendo assim, o que pretende VJS dizer, se partirmos do princípio de que o DN não lhe paga para debitar banalidades de mesa de café e de que, ele próprio, terá a auto-estima suficiente para não baixar uns lugares no ranking das cabeças pensantes do país (a menos que tenha sido atacado por uma forte gripe)?
Em querendo dizer mais , suspeito que será algo bem pior do que aquilo que o besugo leu sobre a factura dos ricos. O besugo, conforme se nota, tem o coração tão vermelho como um benfiquista, embora não o seja. E é fácil imaginar que muitos besugos se revoltarão, felizmente (embora inutilmente), contra saídas da crise como a que VJS parece preconizar. Porque o que ele quis provavelmente dizer já nada tem a ver com o slogan que os sindicalistas - igualmente vermelhos - ostentavam nas bandeiras e nos grafittis durante o PREC. Em vez de "os ricos que paguem a crise", há-de ser algo mais próximo de "todos teremos de pagar a crise", como sempre pagámos, como sempre pagaremos. É que, repare-se, os ricos portugueses são poucos e, na maioria, não são tão ricos como isso (se não contarmos com o Tio Belmiro, com o Pereira Coutinho e mais dois ou três). Não chegam, portanto, para pagar coisa nenhuma, muito menos a crise secular de um país inteiro. E, pagando ou não, sempre lhe sobejará o suficiente para que a crise lhes passe ao lado. Sobre isto, consultem-se os livros da história da humanidade.
Pensando bem: o que traz isto de novo?
"...é que já pagaram muitas crises..."
Vicente Jorge Silva, comentador, reafirma (depois de Cavaco e meia dúzia de blogues o terem feito, há uns tempos) que não há almoços grátis. De há uns tempos a esta parte, David Lodge anda a ser citado como se tivesse parido uma espécie de
nouvelle phrase dos eruditos. Quando lerem
"Terapia" os eruditos hão-de arranjar outro slogan qualquer. Talvez
"uma dor no joelho pode ser maçadora", não sei.
Bom, VJS defende a utilização da linguagem da verdade por parte dos políticos (ou seja, admite que os políticos são tipos que tendem a mentir largueiro e deviam deixar de o fazer, o que é um
bom conselho) para conseguir uma espécie de mobilização geral do país e, aparentemente, tem a certeza que, desta vez,
"infelizmente, já não chega passar a factura aos ricos".
Esta última afirmação é perfeitamente empírica.
Que raio de facturas importantes têm pago os ricos, assim dum modo geral (seria bom definir ricos, também, mas pronto) a não ser as das suas próprias e particulares despesas? Que enormíssima dívida de gratidão tem a população "excluída", "injustiçada" e pobre para com os seus ricos? Não brinquem comigo, por favor.
Eu, com o mesmo empirismo, digo que bastava, sim senhores. E que, se não bastasse, ajudava muito.
E, como isto nunca foi feito, até prova em contrário, pode ser que eu tenha razão.
Talentos pujantes - 2
A Lolita voltou e ainda bem. Este blogue estava a ficar completamente desaustinado, até porque me deixaram aqui sozinho. Nem sei para que raio mantemos ali aquilo dos sete co-autores, aquilo é uma espécie de
"também temos o Niculae, é um excelente avançado... mas não joga!" multiplicado por cinco.
Bom. Ela voltou e trouxe um bocadinho de África com ela. E perdeu uma coisa qualquer no Sal. E ainda não se pegou comigo (*). Tudo bons augúrios.
Por isso, tentando atenuar a má imagem que posso ter dado deste
blogue caliente nos últimos dias (mas, insisto, eu estava aqui sozinho!), a propósito de talentos pujantes, refiro duas coisas.
1 - João Pereira Coutinho, rico, está a dar uma entrevista a Judite de Sousa, na RTP1. Começou por dizer que está na disposição de ajudar Portugal, ainda mais do que já tem ajudado na sua condição de empresário. Ora, isto é muito bom. Embora possa ficar a sensação, a algumas pessoas mal (in)formadas, assim de repente, que para João Pereira Coutinho, Portugal é ele.
Foi o meu caso, ficou-me essa sensação, mas também estive doente em criança, deixaram-me sozinho alguns dias, tudo isto é fado, de maneira que vim para aqui e deixei-o a perspectivar-se por interposta Judite. Aliás, só comecei a ver o programa porque pensava que o Coutinho que ia ser entrevistado era o outro. O que gosta de fumar, da Lauren Bacall e, eventualmente (qual SG Memória), de fumar a Lauren Bacall. E que define os fumadores como pessoas interessantes. Eu nem sabia que ele pensava tão bem de mim, mas também pode acontecer que o facto de eu fumar seja mais ou menos secreto nos meios que ele frequenta e que, eventualmente, o cronista se não referisse a mim. Pelo menos especificamente.
Mas é pouco provável. Tudo isto é nebuloso.
2 - O que não é nebuloso é o imenso talento, o pujante talento, de Sean Penn. Tanto assim é que ganhou um oscar. Conhecem alguém sem talento que tenha conseguido um oscar? Sem ser daqueles oscares de carreira, daqueles que até Manoel de Oliveira se arrisca a ganhar um? Ah! O vosso silêncio expressa bem a vossa perplexidade contrita!
Penn, o versátil ex-espancador de Madonna, ganhou um dos oscares verdadeiros. Tudo por causa dum filme em que o lingrinhas faz de histérico, de mau, de pensador e de compassiva criatura, tudo misturado.
Fica aqui um retrato de Penn, emergindo (a custo) do seu talento, encerrando a minha incursão cinematográfica dos últimos dias. Prometo remeter-me, nos tempos mais próximos, ou ao silêncio (o que me parece pouco provável), ou aos temas simplistas relacionados com a miséria humana. Excluindo o tema Penn, obviamente, que esse já está.
Até está aqui, ora vejam:
(*) - Cabe aqui um aditamentozinho. Basta ler a posta subjacente para se perceber que mesmo eu, ponderado besugo, tenho os meus momentos de precipitação.
Os Gallos do cinema
Noto, entretanto, que o besugo entrou em força no mundo da crítica cinematográfica. Na sua estreia, escolheu o cinema de autor para tema da sua inspirada verve. Estou, porém, em crer que o insólito Barney, mais a sua obtusa sequência Cremaster, não passam de prodigiosas invenções besugais, criadas apenas para que ele possa dar largas ao seu cepticismo (para não dizer desprezo) face ao cinema que ele chamaria
vagaroso. Mas o besugo ainda há-de falar mais do Manoel, não duvidemos disso nem por um segundo.
Baseando-se no trailer do filme, o besugo fala, também, do Brown Bunny do Vincent Gallo. E do Gallo propriamente dito. Excelente crónica! O besugo acrescenta ao filme aquilo que poderia tê-lo tornado pelo menos tão interessante como a colonoscopia do Ebert. Eu explico: na versão do besugo, o Gallo vai comendo algumas tipas enquanto viaja naquela espécie de furgão. Na versão do besugo, o Gallo convence a Chloe a mergulhar na felação. Na versão do besugo, o verdadeiro amor do Gallo perdeu-se para sempre. Ora bem: estas - ligeiríssimas - alterações ao guião seriam as suficientes para que o Brown Bunny passasse a ser um êxito de bilheteira, como sucedia há uns anos atrás naqueles "serões" do Teatro Sá da Bandeira. É que, na versão "Gallo", ninguém come ninguém e a Chloe, uma ex-amiga do Gallo, é suficientemente pró-activa para tomar as suas próprias decisões. De forma perfeitamente desinibida, é certo; mas a verdade é que nenhum
trolha da Areosa vai ao cinema para ver duas horas de
road-movie com dez minutos finais de
hard-core. É mau negócio.
Concluindo: o besugo tem, afinal, um cineasta dentro de si. Seria, possivelmente, um Gallo mais espevitado e com um sentido comercial substancialmente acrescido. Ou um Manoel, mas em mais Obikuelu. Talvez até um Bergman mais meridional. Ou um Lars Von Trier mais expansivo.
Aguardo, com muita expectativa, as próximas crónicas. Eu cá estarei, de teclado em punho, pronta para a defesa da sétima arte.
Ele que se atreva a dizer mal, por exemplo, do Hitchcock. E eu até consigo imaginar como...
Vento de feição
Não fui parar a Dakar, muito menos a Abidjan, como se anunciava, e os ATR das odiosas hélices ensurdecedoras descolaram e aterraram em boa ordem sempre que necessário. Desconfio sempre que nem uma coisa nem outra; embora, a ter de acontecer, prefira que não cheguem a descolar. Terra firme, mesmo insular, é mais consoladora. A tensão que os ATR me provocam é imensa; tanto que o Airbus da TAP que me traz à metrópole me sossega, parece-me à prova de acidentes.
Estreei-me nas intempéries do arquipélago. Bruma seca, que é mais opaca do que a neblina portuense.
Chovia em Santiago, quando aterrei. No Sal, todo planície, imaginei como seria um
tsunami a engoli-lo de uma ponta à outra. Entretanto, o persistente resfriado que me mantinha em cativeiro desde antes do Natal curou-se miraculosamente. Deixei de tossir e de fungar, apesar das areiazinhas sahaarianas que o vento espalha em todas as ilhas.
Conclui, finalmente, aquilo que começei por pressentir desde a primeira vez que fui a Cabo Verde: os caboverdianos tinham ganho muito mais em manter-se portugueses, no meio da amálgama de desfavores com que a geografia os dotou. Muitas ilhas, muita areia, pouco verde, pouco tudo. Fiquei, além disso, a saber como se conta a história da independência nas escolas e conclui que, dentro de poucos anos, as gerações caboverdianas sub-trinta serão anti-lusitanas. Para não dizer xenófobas.
Se não me tivessem roubado o cabo USB no aeroporto do Sal publicava aqui uma foto da exuberante baía da Cidade da Praia, onde estão dois barcos encalhados parecidos com aquele que há muitos anos encalhou no Castelo do Queijo. Hão-de lá ficar por muito tempo, aposto eu. O custo (ou a vantagem?) da indolência.
Regresso satisfeita por regressar. Aqui, como lá, quase nada funciona bem, mas o nosso nível de tolerância relativamente às pequeninas inoperâncias é sempre maior no país onde nascemos. Felizmente.
Talentos pujantes (parte 1)
Vivemos tempos de grande actividade política, com vários pensadores (e, mesmo, tradutores de Petrarca, que acham Portugal "cansadote") dedicando as férteis meninges à análise dessa problemática.
Uma
problemática, para quem não sabe, é um conjunto de chatices que, filtradas por certas meninges, conduzem àquilo que ficará conhecido nos anais da História (e eu, aqui, digo anais porque esta palavra há-de acabar por vir a propósito) por
solucionática. É um tema inesgotável. Cada conjunto de meninges, cada solucionática. E há-de haver sempre quem se dedique a estas coisas de forma entusiasmada. O que é bom, porque assim eu posso vir aqui falar de Vincent Gallo.
O Vincent Gallo, aparentemente, é este tipo:
Lamento, mas parece que ele é mesmo assim.
Bom. Vincent Gallo é, entre outras coisas, produtor, realizador e actor. E bastante feio, dirão os senhores. Bom, pode ser a fotografia que não o favorece, eu já vi Paulo Portas e mesmo Jorge Cadete pouco favorecidos em algumas fotografias. Sejamos benevolentes.
Em 2003, Vincent Gallo realizou e protagonizou um filme que se chamava (e chamará ainda, a menos que a película tenha sido, entretanto, incinerada)
Brown Bunny.
Há quem diga que se trata dum filme fabuloso, embora diversas opiniões refiram que aquilo não passa duma
espécie de roteiro da pila de Gallo pela América profunda. E é sabido que a profundidade da América é significativa.
Adiante.
O certo é que eu vi um "trailer". Vi mesmo. Ora, o "trailer" pareceu-me longo e pastoso, o que é raro acontecer-me em "trailers".
Mas, enfim, também li uma espécie de resumo da trama. E é mais ou menos isto:
Bud Clay (é o nosso Gallo) é corredor de motocicletas e anda às voltas num circuito qualquer, em New Hampshire. Depois, tem de viajar 5 dias até à Califórnia, onde vai participar noutra corrida. Pelo caminho, sempre assolado pela memória do seu verdadeiro amor (uma gaja qualquer que o deve ter deixado quando lhe observou a frontaria), vai comendo algumas tipas que lhe aparecem "on the road". Eventualmente desesperadas, ou mesmo cegas.
Durante a longa viagem, Gallo consegue, mesmo, convencer uma rapariga chamada Chloe Sevigny a felá-lo (mesmo à séria, foi a própria actriz que o afirmou, em várias orgulhosas entrevistas) e, aparentemente, não se terá passado mais nada de relevo.
Claro, excepto um corte que tiveram de fazer na cena de abertura: a não ser esse corte, os primeiros vinte minutos desta fascinante película mostar-nos-iam o bom do Vincent a guiar a motocicleta através da América. Não se sabe se terá sido o próprio Manoel de Oliveira, depois de ter murmurado
"bolas, assim também é demais!" , a sugerir o corte.
O que se sabe é que um senhor chamado Roger Ebert, que é (entre outras coisas) crítico de cinema, afirmou sobre a obra prima de Gallo que
"it was the worst movie in the history of the Cannes Film Festival" . Ofendido, Gallo argumentou que Ebert não passava
"de um porco gordo com o físico dum traficante de escravos". Ebert, no entanto, acabou por ter a última palavra nesta interessante discussão conceptual, sustentando que um filme da sua colonoscopia, se um dia, eventualmente, viesse a efectuar uma, seria mais interessante que o filme de Gallo. Ora, aqui está: "anais" acaba por vir sempre a propósito, eu sabia. E tinha avisado.
Bom, para situar melhor a amplitude do problema, Ebert é assim:
Tudo indica que Gallo, mantendo embora o aspecto que vos mostrei ali acima, conseguiu participar num outro filme, que se vai chamar
"Mary" . É produzido por outra pessoa, e ainda bem, até porque parece que aquilo vai meter uma paixão assolapada entre Gallo (no papel dum seguidor de Cristo) e Maria Madalena. Oxalá se temperem na amostragem "gráfica" das habilidades da senhora, para não termos problemas adicionais com o Priorado do Sião.
Para terminar, uma fotografia de Chloe Sevigny, a preto e branco. A tal do Brown Bunny. Não consegui saber se foi tirada antes ou depois mas, presumo, não foi durante.
Evidentemente, estou de acordo: é uma pena.