Vento de feição
Não fui parar a Dakar, muito menos a Abidjan, como se anunciava, e os ATR das odiosas hélices ensurdecedoras descolaram e aterraram em boa ordem sempre que necessário. Desconfio sempre que nem uma coisa nem outra; embora, a ter de acontecer, prefira que não cheguem a descolar. Terra firme, mesmo insular, é mais consoladora. A tensão que os ATR me provocam é imensa; tanto que o Airbus da TAP que me traz à metrópole me sossega, parece-me à prova de acidentes.Estreei-me nas intempéries do arquipélago. Bruma seca, que é mais opaca do que a neblina portuense. Chovia em Santiago, quando aterrei. No Sal, todo planície, imaginei como seria um tsunami a engoli-lo de uma ponta à outra. Entretanto, o persistente resfriado que me mantinha em cativeiro desde antes do Natal curou-se miraculosamente. Deixei de tossir e de fungar, apesar das areiazinhas sahaarianas que o vento espalha em todas as ilhas.
Conclui, finalmente, aquilo que começei por pressentir desde a primeira vez que fui a Cabo Verde: os caboverdianos tinham ganho muito mais em manter-se portugueses, no meio da amálgama de desfavores com que a geografia os dotou. Muitas ilhas, muita areia, pouco verde, pouco tudo. Fiquei, além disso, a saber como se conta a história da independência nas escolas e conclui que, dentro de poucos anos, as gerações caboverdianas sub-trinta serão anti-lusitanas. Para não dizer xenófobas.
Se não me tivessem roubado o cabo USB no aeroporto do Sal publicava aqui uma foto da exuberante baía da Cidade da Praia, onde estão dois barcos encalhados parecidos com aquele que há muitos anos encalhou no Castelo do Queijo. Hão-de lá ficar por muito tempo, aposto eu. O custo (ou a vantagem?) da indolência.
Regresso satisfeita por regressar. Aqui, como lá, quase nada funciona bem, mas o nosso nível de tolerância relativamente às pequeninas inoperâncias é sempre maior no país onde nascemos. Felizmente.
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