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21.1.05

A emoção na política

Imagine-se Francisco Louçã com Paulo Portas num debate televisivo em que, a dado momento, se discute o aborto. Partamos do princípio - que penso ser indesmentível - de que Louçã não é propriamente parvo e que sabe com toda a clareza que o contraponto que ofereceu a Portas o lançará na onda de crítica mais inflamada e mais abrangente de toda a pequenita história do BE. Sabe, ainda, que, como ele, também Paulo Portas está longe de ser intelectualmente franzino. No entanto, ainda assim, diz isto, dirigindo-se ao Portas: "O Senhor não tem o direito de falar sobre esse assunto! O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Eu tenho uma filha."

Agora pense-se que estamos em período de pré-campanha eleitoral e pense-se, também, no eleitorado potencial do BE. Pense-se naqueles e naquelas que defendem o aborto da mesma forma que há umas décadas atrás queimavam soutiens e que reivindicam o direito à barriga como argumento moral que, defendem, ser decisivo para a legalização. Pense-se naqueles que preconizam e promovem os abortos à fartazana, mesmo que sejam realizados em barquitos em alto mar ou através de pílulas abortivas ad-hoc compradas na farmácia da praça; enfim, em todas as cabecinhas tontas embriagados por essa ideia obsoleta e segregatória da defesa do direito à auto-determinação feminina, que sustentam com uma determinação próxima do fundamentalismo, como se tratasse de uma espécie de ditadura das liberdades.

Relembro: Louçã não é distraído. Não fez mais do que arriscar a via da demagogia de dez tostões quando decidiu usar daquilo a que se poderia chamar de ultra-esquerdismo emotivo. A política emocionada é geralmente eficaz para chamar o eleitorado sensível ao drama da vítima da repressão social, que é muito boa pessoa e compreensiva com os demais mas que, apesar disso, sofre o estigma da incompreensão alheia. Aquilo com que este tipo de eleitorado - que gosta de afirmar, repare-se, ser modernaço - se deixa seduzir nas telenovelas brasileiras: o sofrimento solitário e imerecido do personagem coitadinho.

Foi, provavelmente, nesta perspectiva telenovelesca do mundo que o Louçã apostou para ganhar mais uns votos. Lamentavelmente, julgo eu, deve colar com alguns. Ou alguém acreditou que ele disse aquilo só porque é reaccionário?

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