Eleitorados
Seguindo a toada político/reflexiva que se instalou neste blogue, debito eu agora qualquer coisa sobre o assunto.E, para não correr o risco de escrever qualquer coisa de parecido com quem já escreveu aqui (ou seja, tentando não seguir o género crítico/catedrático da lolita nem o género "agarrem-me se não eu grito palavras de ordem do PREC" do besugo, tentarei ser prático/analítico.
Assim, temos que a decisão "em quem votar", no contexto actual, se tornou extraordináriamente complicada, pelo menos para alguns. E passo a descrevê-los, começando na direita e acabando na esquerda:
a) o eleitorado saudosisto/salazarista
(eleitor/tipo - mais de 60 anos, pequeno comerciante, padre ou retornado das ex-colónias)
Votou CDS no PREC, votou depois AD, depois dividiu-se entre o voto útil (PSD) e o voto no CDS. Rendeu-se definitivamente ao PSD com o Prof. Cavaco Silva. Em 2005, de repente recordou-se que "isto da democracia é um nojo, como eu sempre disse", foi-se confessar por ter votado algumas vezes e não vai votar nestas eleições;
b) o eleitorado conservador
(eleitor/tipo - mais de 40 anos, católico, influenciado pelos eleitores tipo "a)", de quem é normalmente filho ou por qualquer razão próximo, e tanto pode ser rico como pobre)
É democrata, o que o distingue do anterior. Tem votado maioritariamente PSD, embora ocasionalmente CDS, ou mesmo PS (versão guterrista). Quando o CDS passou a PP achou que nunca mais teria remorsos por votar PSD. Neste momento, volta a hesitar. Continua a não perdoar ao Portas a campanha anti-Cavaco (que acha ser o "maior"), mas votar no PSD "versão Santana" está a dar-lhe volta ao estômago. O Sócrates nem sequer é hipótese. Provavelmente vai abster-se.
c) o eleitorado liberal
(eleitor/tipo - entre os 25 e os 45 anos, com formação superior, profissional liberal, jovem quadro da banca, do sector empresarial, ou mesmo empresário)
Muito semelhante ao anterior, este eleitorado é no entanto mais pragmático nas suas escolhas, e tanto pode votar PSD como PS. Costumam concordar com o que diz o CDS - sobretudo na área económica e social - mas acham que votar neste Partido é desperdiçar o seu voto, que acham ser muito valioso. Dizem sistematicamente mal da política e dos políticos (por quem manifestam pouco mais do que desprezo), acham que o Governo é sempre formado por incompetentes e, a acreditar no que dizem, cinco economistas de reputação indiscutível chegavam e sobravam para governar o País com eficácia.
Para estas eleições, arvoram um misto de sorriso cínico ("eu não disse") e de ar preocupado ("isto nunca esteve tão mau"). Vão votar, esmagadoramente no PS ou no PSD como é costume, alguns são capazes de votar no CDS e outros tantos no BE ("ao menos a gente diverte-se com aqueles gajos, que raio")
d) O eleitorado "centrista"
(eleitor/tipo - Português inscrito nos cadernos eleitorais, ou seja, quase todo o eleitorado)
Tem memória curta, detesta perder e gosta de, na segunda feira pós eleitoral, dizer aos/às amigos/amigas "Foi bem feito. Aqueles tipos enganaram-me nas últimas eleições e agora tiveram o castigo que mereciam. Pode ser que assim aprendam") - A cultura política desta espécie de eleitores é, geralmente, escassa. Quando a discussão se adensa - o que é raro - acaba por se soltar dela com um desabafo do género "Olha, sabes o que te digo? Eles são todos iguais e a gente que se amanhe!" A meio dos mandatos está sempre desiludido, a não ser que a vida lhe corra MESMO bem. Só vota PS ou PSD, e normalmente vota em quem ganha. É o eleitor-alvo das campanhas eleitorais, que comprou o CD do Vangelis em 1995 e que já nem sabe que o tem, muito menos onde está.
Sem corresponder à descrição acima, também faz parte deste eleitorado - como subespécie minoritária - o eleitor com alguma cultura, que não se define - nem se preocupa em fazê-lo - por referência ao leque partidário existente. Simpatiza mais com o discurso da esquerda, e portanto pende mais para o PS, mas basta o PSD dizer que é um Partido humanista e com preocupações sociais e reformistas para - no ciclo eleitoral adequado - confiar o seu voto ao PSD.
Nestas eleições este eleitorado "centrista" está particularmente desmoralizado. Ainda não se esqueceu que está zangado com o Guterres, e já está zangado com o Santana. Pela primeira vez desde que votam, não acreditam no líder da oposição, quando ele diz que vai "criar 150.000 empregos", "equilibrar as finanças públicas", "aumentar as reformas para que não haja portugueses abaixo do limiar da pobreza", etc. Provavelmente, a abstenção deste eleitorado - normalmente votante - vai ser elevada. Os que votarem, e tirando alguns pândegos que vão visitar outras paragens (com as mais diversas e divertidas auto-justificações), vão fazê-lo no PS (maioritariamente) ou no PSD (minoritariamente).
e) O eleitorado da "esquerda responsável"
(eleitor/tipo - tem mais de 30 anos, foi marxista no liceu, quando teve que escolher escolheu ser socialista de esquerda, e à medida que foi crescendo passou a social democrata, não no sentido PSD, mas antes no sentido SPD)
Este eleitor normalmente vota PS, porque isso faz parte da sua "identidade de esquerda". Mas, de quando em vez, trai o seu partido "de sempre", seja porque vota PSD numa conjuntura de grande desgaste ou fraqueza do PS (foram muitos destes que, somados aos "scentristas" deram ao Cavaco as suas estrondosas maiorias absolutas), seja porque - uma franja muito minoritária, sobretudo mais jovem do que os 30 anos do eleitor/tipo - vota BE. O PCP não é opção, seja porque estes "esquerdistas" são convictamente democratas, seja porque as notícias e reportagens que viram depois da queda do muro de Berlim os convenceram - de forma definitiva - de que o comunismo é um ideal não realizável.
Nestas eleições estão francamente desconcertados. Não acreditam que o Sócrates seja um deles - quando curiosamente é-o - e o PSD nem chega a ser hipótese, ainda por cima agora que anda tão amigo do PP, partido que este eleitorado verdadeiramente detesta. Irão votar PS ("enfim, que é que se há-de fazer") ou BE ("os tipos não são de confiança, mas o Sócrates também não").
f) O eleitorado da esquerda "verdadeiramente socialista"
(eleitor/tipo - Normalmente com mais de 40 anos, muito parecido com o anterior, com um percurso muito semelhante mas, por uma razão ou por outra, fidelíssimo do PS. Odeia o PSD - do CDS nem se fala -, acha piada aos tipos do BE ("que pena o PS não dizer algumas das coisas que eles dizem"), acha-se antifascista e, quanto aos comunistas, tem pena que eles não percebam que os tempos mudaram, que as sociedades mudaram e que o comunismo "ficou para trás".
Nestas eleições o sentimento é de grande amargura. Zanga mesmo. Estão zangados com o Sampaio por causa da indigitação do Santana, estão zangados com o PS por causa do Guterres, estão zangados com o Ferro por se ter ido embora (é deste que estes eleitores gostam) e duvidam que o Sócrates seja socialista. Quanto muito, e se tiverem que incluir o Sócrates nalgum "ismo", chamar-lhe-ão oportunista.
Talvez pela primeira vez ponderam seriamente não votar no PS. A maior parte votará, no entanto. Os outros ... ou se abstêm, ou votam BE ou votam PCP ("pelos velhos tempos e para que não desapareçam")
g) O eleitorado comunista
(eleitor/tipo - Mais de 50 anos, trabalhador da função pública ou das raras empresas que já existiam na altura do 25 de Abril e que existem ainda. Também pode ser professor do ensino secundário que andava na faculdade em 68/69 e que resistiu estoicamente ao fim do bloco de Leste, com os olhos postos em Cuba e com o ódio bem fixado na "América")
Aqui, não há surpresas. Votaram sempre no PCP, votarão sempre no PCP. A não ser que, um dia, chegue a sua vez de discordar de qualquer coisa e passar a ser considerado um "renovador", o que, como se sabe, é pior do que ter lepra. Nestas eleições, a taxa de "novos renovadores" silenciosos deve ser baixa, apesar da sangria que nos últimos anos ocorreu no "seu" Partido. E mesmo os que, pela primeira vez nestas eleições, não votarem PCP, não irão seguramente votar PS. Ou se abstêm, ou votam no BE.
h) O eleitorado "BE"
(eleitor/tipo - Jovem cheio de consciência social. Ele tem um retrato do Che no quarto, ela anda na rua com um lenço palestiniano)
Estes eleitores, poucos em número mas suficientes para se dar por eles, acham que "os velhos" - que tanto podem ser de esquerda como do centro como da direita, pouco importa - não percebem nada, que a globalização é um perigo, e que o aborto é um direito, que os ricos exploram os pobres e que os pobres não percebem nada também.
Ideologicamente são "pós comunistas" (seja isso o que for), acham o BE o máximo, o Louçã o máximo, o Portas (Miguel) um gajo porreiro que até diz umas coisas, o Rosas (Fernando) um gajo com ar de ser culto, sendo que a cultura é superimportante (ou sprimpr", como escrevem nos SMS lá do telemóvel que os "velhos" lhes deram).
Como ainda não sabem bem de que é que estão a favor, para já preocupam-se em definir aquilo que combatem. E como combatem tanta coisa (A Amárica, o Bush, o G8, Israel, os anti-abortistas, os capitalistas globalizadores, os interesses, os lobbies, a mãe que compra a "Nova Gente", o pai que às vezes ameaça tirar-lhes a mesada, etc.) ficam felizes assim.
Estes não têm dúvidas. Vão votar BE. Quando crescerem, logo se verá.
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