Pena-se, se se nasce pobre, desengraçado, inexpressivo, pouco esperto. E pena-se mais ainda se, com o passar dos anos, se esbate o brilho e a frescura. A humanidade compõe-se, genericamente, de pessoas ressentidas com os seus destinos que se contrapõem a outras, mais biologicamente beneficiadas ou cujo percurso lhes prolongou as virtudes. As primeiras fixam o olhar nas segundas, temendo-as em silêncio. As segundas inquietam-se, pelo desconforto da censura surda. Costuma-se, por acordo tácito, sublimar isto de maneira a que tudo se pareça com um sistema moral que as primeiras se dedicam a louvar e as segundas se entretêm a quebrar.
O que faz falta, no dilema, para convencer os politicamente indecisos
Há, do lado de quem defende o não no referendo, alguns argumentos relevantes a considerar (muito embora passem despercebidos, no meio do demasiado ruído com que se têm bradado razões). É verdade que, se ganhar o sim, o projecto do governo sobre a despenalização poderá, de um ponto de vista estritamente prático, ser equivalente a uma vitória de pirro: despenalizar-se-á, nesse caso, o aborto clandestino, mas não se o erradicará. É possível, para não dizer provável, que a prática do aborto em estabelecimentos de saúde autorizados continue a ser uma miragem, por razões várias que vão desde o pudor da mulher que o quer praticar à inexistência de meios para que uma IVG seja realizada dentro das dez semanas. Além disso, a despenalização do aborto não acabará com os negócios sujos do actual "mercado paralelo" de prestadores de cuidados às mulheres que abortam. Falta, de facto, ao governo um projecto integrado de despenalização do aborto, articulado com medidas de sustentação da sua prática como solução última de uma crise individual, que vão desde as medidas preventivas ao aconselhamento e apoio psicológico, social, jurídico. Falta, a quem propôs o referendo dizendo ler - e bem - na consciência colectiva a tolerância a quem recorre ao aborto, um projecto de sociedade que acolhesse uma equilibrada ponderação dos valores em questão; que estabelecesse, como princípio, o compromisso possível entre a valorização ética da vida e o irrecusável respeito pelas convicções e os projectos individuais de cada cidadão. Um projecto de despenalização da IVG bem estruturado responderia a uma boa parte dos argumentos do não no referendo e calaria os seus defensores mais confessadamente moderados, remetendo-os - de duas uma - ou para o reconhecimento da validade do projecto político-social da despenalização da IVG ou para um fundamentalismo radical que, como se sabe, costuma ser típico de minorias não representativas.
Desatentos que temos andado, coisas que não deviam acontecer mas acontecem, não demos fé quando devíamos. Demos agora. O atraso não tem desculpa, nós bem sabemos, mas o abraço de parabéns que aqui deixamos para o LNT e para o CMC é genuíno, fraterno e apertado.
É, sobretudo, cheio de estima. Merecem-na muito, por muitas coisas.
Sem o referendo, o processo da averiguação sobre o destino da Esmeralda e o apito dourado, o país mergulharia, deprimido, na infinita melancolia de nada ter de apreciável para ser contra.
O gozo que me deu ver isto ... não só pela excelente caricatura do MRS, como pela evidência de que não se pode ser, como o Prof. quer para ter "sol na eira e chuva no nabal", a favor da despenalização e contra a liberalização.
Kátia Guerreiro, clarividente e astuta, transformou a despenalização do aborto numa questão de mera acessibilidade aos recursos hospitalares. E porque, segundo descobriu, no interior (julgo que se referia ao país profundo) toda a gente se conhece, as mulheres reprimir-se-ão, por pudor, a recorrer aos hospitais. A Kátia Guerreiro é, portanto, uma céptica da despenalização: não funciona (pelo menos em parte). Por isso, vota não.
A Lídia Jorge saiu-se mal com aquilo da coisa humana. E, emotiva mas sem habilidade, falou do instinto maternal, no seu reverso - matéria que, pese embora a sua plena atendibilidade, todos sabemos só ser atendível se invocada por um homem, e que seja um homem credível, como acontece com Pacheco Pereira sempre que escreve ou fala sensatamente sobre o aborto. O pior foi ter de ouvir a Kátia a dizer-lhe, por causa disso, que lhe ia cair em cima. Tinha três argumentos escritos num papel, todos eles verdadeiramente decisivos. Um deles era o dos jovens, que ela exige que cresçam para a verem envelhecer. O segundo não me lembro. O terceiro vai já a seguir.
Chegou o aviso, era domigo à tarde e a tarde ia mansa naquele Junho de S. Miguel. O Santo Cristo da Caloura ja tinha regressado ao gradeamento casto de S. Francisco, seria quase Julho. Estava ameno.
Vinham dois doentes mal, de Santa Maria, num "aviocar" da Força Aérea. E era preciso ir buscá-los ao aeroporto.
Quem vai, quem fica, éramos seis, "vais tiú!". "Tiú" era eu. Não era acidente, eu era o da medicina interna, ainda barafustei "eu vim aqui para aprender e ninguém me ensina, puta de vida de forcado amador!", mas eles disseram "vais tiú, tens de ir tiú".
E mais: "levas o David, o enfermeiro, e a tralha da emergência e da ressuscitação". Eu levei tudo. "É isto? OK, que bom, sois uma merda, uma grandessíssima merda, que havia de vos vir aí um baptizado inteiro de caganeira enquanto eu vou, seus filhos da puta!". E levei o David, que era "rabo-torto", falava sem sotaque.
Convém referir que, naquela altura, à força de termos quase a mesma idade e os mesmos medos, era comum que enfermeiros e médicos nos tuteássemos. E nem sequer era uma moda continental, bem pelo contrário. Era de lá. Bom, isto nada acrescenta à estória, excepto mais um pingo de verdade.
Chegou a ambulância. Ao volante vinha uma espécie de Jack Nicholson, topei logo que, para cuco, só lhe faltava o ninho doutro pássaro. Entrámos. " É pa im deprâsse?". " É, acelera, merda, é!" " Vá bã..."
"Vá bã" o caralho. Andámos ali em bolandas e tivemos de ameaçar o corisco, "ou vais mais devagar ou fodo-te os cornos, meu rafeiro!", e ele "tiú â que pedâst...", e eu "cala-te, caralho!".
Pelo caminho, assim que o Jack Fângio se acalmou, o David perguntou-me: - Já entubaste alguém? - Assim mesmo, sem ajuda? Não. - Vai correr bem. Não vai ser preciso. Vais ver. E se for, repara: tu já fizeste, eu já vi fazer, a gente amanha-se. Vais ver.
O silêncio que ficou durou pouquinho. O Jack Fangio Nicholson resolveu falar. - Eiuòm! e se fô preçaise a gente vã voànde proxpital! Vá bã!
Sem fotografia, mas hei-de um dia pôr aqui das minhas.
O homem era grande e gordo, ou assim parecia, parecem sempre mais gordos e maiores quando vêm deitados e os encaramos de cima. Não respirava, vinha roxo. Chamados à pressa, o Targa e eu, começámos as manobras. Faz-se sempre assim, vai-se começando tudo, porque a informação sobre o que foi, sobre como foi, sobre quando foi, não chega nunca ao mesmo tempo do manobrado. Já suávamos ambos quando se refez a história, de pedaços soltos: tinha-se sentido mal, parando de se mexer e de respirar, meia hora antes. Cuidava-se que vinha da Lagoa.
A ausência de resposta pode motivar perguntas, isso é certo, mas mais certo é que, ao fim de meia hora de silêncios, motiva respostas: quem entrou morto é porque está. De maneira que parámos.
"Rotura de aneurisma!", disse o Targa. Havia TAC (agora diz-se só TC), mas só de dia. De maneira que, sendo de noite, teve de ser a necrópsia a dar razão ao Targa: eu apostara num enfarte do miocárdio, convencido que estava de que se morria quase sempre do coração. E morre, mas naquele caso não.
De manhã, cheguei a casa tarde. Eram dez horas. Ao pequeno almoço disseram-me: "Morreu-te um homem, não foi? Já soube. Era pescador, jantou demais de madrugada e, assim empanturrado, ainda quis a mulher. Qui-la e morreu-lhe em cima. Toda a gente diz que morreu em casa. Vai descansar, ele já ia morto. Era da Lagoa, acho que disseram que era da Lagoa".
O problema é o problema. O resto é "muito complicado".
Como já disse ao alonso, não faz sentido eu vir aqui fazer campanha pelo "sim" ou pelo "não". Não faz. Eu não consegui explicar as razões: é uma coisa que se sabe, bem ou mal, e pronto. Uma decisão íntima e pesada, mas não no mercado. Vou votar "sim", penso que isto é claro. E, sem me justificar o "sim", este texto ilumina-mo. Tento aqui fazer ligação ao texto, mas nem sempre, no "Abrupto", se consegue fazer isso directamente. Por isso, acrescento que é o texto que JPP publicou às 23:59 de 25.01.07. (*)
A imagem não é minha, também. Espero que não me processem por a publicar aqui, mas tinha de mostrar a "minha ilha" vista de cima, que é a maneira mais humilde de a ver. E a última imagem que dela me ficou.
Nota mais tardia: por qualquer razão que não tem a mínima importância, o texto que refiro passou a ser "o das 00.00 de 26.01.07".
Era aquele, ali à esquerda, verde clarinho, prolongando-se depois urgência fora, o hospital velho de Ponta Delgada.
Uma noite, chamaram da Unidade Coronária. Quando era preciso chamavam, e era preciso algumas vezes. Não havia cardiologista ali, havia eu. Eu sabia pouco, o que sei hoje, pouco menos, pouco sabia. Mas se chamavam, ia.
Eu fui. Eram quase quatro da madrugada e era Março, ou era Abril. Antes da Páscoa era, eu isso sei. Subi as escadas com a velocidade máxima que me permitiu a vontade de nunca lá chegar: "que me querem?, que vou ter de fazer?, fá-lo-ei bem? eu ainda não sei nada!".
Já no quarto piso (acho que era o quarto, "os quatrocentos", mas já me fugiram coisas da memória e não as registei senão aí, fraco moleskine este canhenho) comecei a ouvir, ao longe, um pi...pi...pi... espaçado. Pensei em fugir. Se aquilo fosse um som de coração estava muito lento, lento demais para mim, espaçado demais para um coração, coisa grave e séria. "Que vou eu lá fazer? Pi...pi...pi, coisa tão lenta, quase a parar, que me querem agora? Deve ser precisa aquela droga que nunca usei, nunca vi usar, a das bradicardias, aquela, ai, que droga era aquela que eu agora não me lembro sequer dela, qual era ela?".
Cheguei. Suava de frio e isso é lamentável para camisas claras e batas brancas. E para testas de medo. Sobretudo se se está assim quando se chega onde nos esperam secos.
A enfermeira, que estava calma e sabia quem chamara, "iúm diùs novx, diùs que vierem aí diù continãnt...", esperava-me de seringa na mão e enfadada de tudo, até de mim, sobretudo de mim, suponho. Silabou:
- Atriupâine?
- Sim, atropina, isso mesmo, muito bem, é isso mesmo. Dê. Faça o favor de dar.
Preliminarmente, e quanto ao caso de aborto resultante de perigo de vida da Mãe: como saberás, já não vivemos no tempo em que, se um parto corria mal, ou se salvava o filho, ou se salvava a Mãe. Hoje, as gravidezes de risco são - sempre - de "risco de perda do bebé" (em linguagem do SIM: "risco de perda do feto" ).
As que ainda hoje põem em perigo a vida da Mãe são - o besugo que me desminta, se eu estiver a dizer asneira - por exemplo as gravidezes extra-uterinas, em que não é possível deslocar o bebé e em que o normal desenvolvimento da gravidez PODE provocar a morte da Mãe, e provoca EM QUALQUER CASO a morte do filho.
Nesses casos, é meu entendimento que qualquer médico, pró ou anti-aborto, colocado ante a opção de deixar morrer os dois ou salvar apenas um, salva o que pode ser salvo. Que é a Mãe.
Não deve ser fácil de "executar", mas também não deve ser fácil - numa urgência - receber dois doentes, um sem hipóteses e o outro com hipóteses de sobreviver e, só podendo tratar de um, deixar o outro entregue à morte que já dele é dona.
Isto dito, passo ao teu exemplo da roupa de Ascot. Para dizer o seguinte: eu posso querer ou não querer sair à rua em trajes ridículos, mas uma coisa é certa: sou LIVRE de o fazer. E porquê? Porque não há norma sancionatória para comportamentos bizarros.
Agora ... se eu decidir sair à rua nú, e aproveitar até um banquito de jardim para uma masturbadela pública, já sou capaz de ter problemas. Porquê, lolita? Porque essa atitude, para além de ridícula, é ofensiva de terceiros.
E essa é a questão que aqui está em causa: a ofensa. Que pode ser de um valor social qualquer, ou que pode ser directa sobre alguém. Para mim, o aborto ofende em ambos estes planos. No dos valores da sociedade, e directamente no do bebé que nunca nascerá, porque foi morto.
No plano do bebé, que tu achas que não existe, não me dás razão. No plano da ofensa aos valores sociais, tu achas que esses mesmos valores são tão fortes que dispensam norma punitiva para quem os viole. Eu sou menos optimista ...
Espero ter-me tornado claro, agora.
Finalmente, a entrevista do clérigo. Não a li, a tua referência basta-me. Devo dizer-te que concordo com ele, na medida em que a "vulgarização" de uma atitude errada tem um efeito multiplicador sobre a ocorrência de atitudes semelhantes.
Voltamos à questão da consciência social e da censurabilidade social. É por essa mesma ordem de razões que há quem se insurja com a vulgarização da violência na televisão, só para dar um exemplo. E se criem normas que a regulam. E que a desobediência às mesmas seja punida.
Tens que entender uma coisa, lolita. Para quem entende que o aborto é um acto que NÃO deve ser praticado, os raciocínios que emprega para defender que se promova a sua não-prática são rigorosamente os mesmos (embora, neste caso, possam ser politicamente incorrectos) que emprega para qualquer outra realidade que considere censurável.
Post-Scriptum - Desta vez não te citei, é por isso que este post é a preto e branco, tirando o quote, cuja cor não sei como se define :P
O hospital velho era verde por fora, clarinho, e era forte. Impressionava.
Quando lá entrei pela primeira vez não era meu. Bem vêem, há portas altas demais para quem só leva as mãos e a cabeça nos seus passos.
Não tinha casa, tinha passado dois dias em casa de favor ocasional. Não sabia nada e ia buscar sabedoria onde não sabia sequer se a havia, muito menos transmissível. E logo a mim, que nem isso sabia.
Ninguém falou comigo mais do que o que eu perguntei impôs. Nem menos. Não me chegou, na altura, ou pensei que não me chegasse. Mas teve de chegar, porque nas ilhas há mar e bruma, há mar e sol, mas não se brinca mais do que noutros lugares. Brinca-se menos.
Brinca-se menos? Sim, menos. Disseram-me, olhos nos olhos, disse-me o director clínico da altura, falarei dele noutro tempo, mais perto do fim o folhetim (rimou, mas fica), que contavam comigo. Contar é contar. Comigo, pareceu-me um exagero. Eu tinha ido a contar com eles, eles diziam-me que contavam comigo?
Depois entendi que nada é exclusivo no contar. Não era de contabilidades que se falava ali, era de contares, como os que eu agora conto, que me foram contando e eu ouvindo até saber contar também.
Chegar à ilha já de noite é como não chegar. Não se vê nada.
Quem vai ali buscar futuro pode concluir, precipitadamente, em chegando assim, que o não tem. Mas tem, pode ser bom, pode ser mau, mas isso nunca se ajuíza na chegada. É na permanência - e no retrovisor antigo da carripana que nos leva - que se vê o filme. Mais devagar e com a calma de mais vésperas.
Um dia, já de regresso a um hospital central do continente, onde acabei por completar os quatro anos que me faltavam para isto que agora sou, sugeriram-me que repetisse o ano de internato em São Miguel. Não tinha publicado nenhum trabalho, nem elaborado nenhuma comunicação científica e, portanto, aquilo quase que não valia.
Cuspiam-me, para meu bem, no tempo. No meu tempo. E eu doí-me. Recusei.
Cuspir em parte do meu tempo era cuspir na minha vida, em parte dela.
Aprendi, no velho hospital do Campo de S. Francisco, entre outras coisas, que não se cospe nunca. Muito menos para o ar, que é quase puro se nos sabe bem e mesmo puro se nem dele damos fé.
Vivi aqui um ano. São muitos dias, é mais que três semanas.
A minha rua quase que se vê daqui. Era pequena e terminava, sempre, no sótão da casa dos outros que era a minha casa. Havia uma florista, em baixo. Depois, subindo escadas, uma escola de inglês que nunca frequentei. E, mais acima, um consultório médico, doenças dos ouvidos, do nariz e da garganta. Choros de amígdalas.
Ganhava pouco para o que fazia na altura, acho eu. E demais, acho eu também, para o que fazia por saber mesmo fazer.
Há sempre um equilíbrio precário entre o que achamos de nós, o que os outros de nós pensam e a verdade. A verdade, aliás, nem sequer é fiel de balança nenhuma, é um contrapeso necessário que se busca para tentar medir. Pesar, no caso.
Um confesso defensor da vida ao seu mais extremo limite, ao ponto de não admitir, sequer, as excepções que a lei actual estabelece para a licitude do aborto, confunde-me. Porque, sem precisar de ir mais longe, Alonso, lembro-te que uma das causas de exclusão da ilicitude previstas na lei actual consiste no perigo de vida da mãe - vida essa que, para ti, é irrelevante face à vida do feto, que deve, defendes tu, prevalecer a qualquer custo - mesmo que esse custo seja a morte da mãe. Donde eu depreendo, Alonso, que o que tu defendes com fervor é, afinal, apenas a vida do feto - o que é, convenhamos, um conceito ético de vida de âmbito bem restrito. O que torna a tua causa bem mais... estranha.
Quanto à tua persistência na ideia de que "despenalizar é liberalizar" (que belo panfleto isto daria, heim?), e tendo em conta que já estou em fase de crescente agastamento a lembrar-te a evidência de que uma sociedade se regula e ordena por muitas outras ordens, para além da ordem jurídica que tu, sem querer, endeusas, vou exemplificar a questão pedindo-te para imaginares que, amanhã, te apetecia sair à rua de saltos altos e e chapéu de plumas, no mais puro estilo das corridas de Ascot. É crime? Não. Ias preso? Claro que não. No entanto, não sairás (supunhamos que te apetecia muito, mesmo muito) assim à rua amanhã, pois não? Pois não. Porquê?
Não percebo muito bem onde vês hipocrisia nos defensores do "sim" ao referirem a ignomínia dos julgamentos das mulheres que abortaram na vigência da actual lei. E tu referes que foram poucos, esses julgamentos. Acompanhas, portanto, o D. Luciano Guerra(*) na sua brilhante tese do grau de escândalo social do pecado: quanto menos se souber, menos pecado é. Se a adaptarmos à tua excelente nota sobre a inexpressividade do número de julgamentos, teremos então que, para ti, os defensores da despenalização não têm razão porque a lei actual pode manter-se, desde que todos façamos de conta que ela não existe.
(*) Não comentaste a entrevista que te indiquei no outro post. Leste? E então, o que me dizes?
Uma semifusa encontrou uma semicolcheia e perguntou-lhe: - Viste a clave de sol? A semicolcheia respondeu: - Não. E, se eu não vi, tu muito menos: és tão lépida, tu. Mas há-de estar ali à esquerda... A semifusa, agastada, retorquiu-lhe: -Olha, se estás assim dada à verrina, vai falar com a semibreve, que é mais lenta! Do que tu e do que eu. OK? -Pouco barulho. Isto é um compasso quaternário. Deixai-vos de ziguezages - disse a breve, brevemente, empurrando levemente a semibreve, que já vinha rubra de picada. - Tende calma - gemeu o metrónomo, naquele seu tiquetaque de medida, de cima do piano.
antes de mais, esclareço que só depois de publicar o post anterior li o teu, a que agora respondo. de seguida, esclareço que, embora me sejas "caríssimo" também, não repeti o título para que não parecesse que apenas trocamos salamaleques.
Tens razão no que dizes. Penitencio-me pela minha correspondente falta (dessa mesma razão). Sucede que já há muitos anos que discutimos estes (e outros) assuntos, e que o que escrevi tem por base apenas essa experiência passada.
Recordo-me, muitas vezes, de um texto do Carl Sagan que aqui publicaste. Muito bem feito, aliás. No qual o autor acaba por pugnar pelo regime que, salvo erro, e com diferenças de Estado para Estado, existe nos Estados Unidos. No 1º trimestre, o aborto é livre (ou seja, e isto para que a lolita entenda o que eu quero dizer: não é punido). No 2º, depende da legislação estadual, mais ou menos restritiva. No 3º, só em situações excepcionais.
Tenho a ideia de que tu concordavas com o Carl Sagan. E presumo que vais votar "Sim" neste referendo.
No mais, sei - e penso ter lido já escritos teus sobre isso - que manifestaste sempre grande repúdio pelo julgamento de mulheres que abortaram, e das abortadeiras ou abortadeiros a que recorreram. E eu chamei a atenção para o facto de que esses julgamentos continuarão a ocorrer, mesmo que o "Sim" ganhe o referendo.
Já agora, antes que me acusem de mais coisas que eu nunca disse, afirmo solenemente que nunca defendi que a progenitura (a global ou só a mãe) de Carlos Martins devesse ter podido usufruir da despenalização da IVG, na altura em que podia usufruir dela, caso ela existisse.
Por dois motivos: porque não se sabia, ainda, não se podia saber, que ele ia dar nisto; e porque sempre defendi que ele devia estar vivo, sim, bem vivo e relativamente feliz, mas na Académica.
Na Académica porquê? Bom, isso não sei explicar tão bem. Tenho defendido isso porque a Académica é um clube que me enerva, o Carlos Martins também, ficava lá bem ele e ficava eu a enervar-me de forma mais centrada, enervava-me quase tudo duma vez, quando passasse passava duma vez também.
... e não me enganei. Mas, não querendo fazer do jogo um fim em si mesmo, impõe-se recuperar conceitos. Assim: a) despenalizar - tornar irrelevante do ponto de vista penal; b) liberalizar - tornar livre.
Parece diferente, não parece, lolita? Mas não é. Tomemos como exemplo a condução sob infuência do alcool. Que chega a ser crime, se a taxa de alcoolémia for suficientemente grande. Agora imaginemos que estava em causa deixar de punir tal comportamento. Pegando na lógica "discursiva", sofista e diletante com que tu, lolita, jogas com as palavras, e desta vez a azul, para variar um bocadinho, o texto com que brindaste os improváveis leitores deste blog fica assim:
Despenalizar, dizes tu, é o mesmo que liberalizar. Dás um salto de gigante, entre a abolição da censura penal da condução sob a influência do alcool e a sua legitimação jurídica positiva. Confundes irrelevância jurídico-penal com atribuição de liberdades individuais. Transformas um recuo na estatuição da norma com a proclamação positiva de um direito. Para ti, concluindo, se o direito não regula, então permite. Páro aqui para te responder já: CLARO! Se deixar de ser punível conduzir sob a influência do alcool, a BT que apanhar um bêbedo ao volante TEM que o deixar seguir, porque ele não está a fazer nada de ilegal. Não sei o que é que falta a isto para que seja óbvio ... mas acho que não falta mesmo nada.
Mas, lolita, depois, "embandeiras" para "construções ousadas", e pões nas minhas palavras o que nelas não se consegue, mesmo com cuidadoso e (muito) crítico escrutínio, encontrar. Como isto:
Ou, numa construção mais ousada, se o direito não proíbe, ordena. Huh? ... abortos compulsivos, é disso que estás a falar? Pois, não me lembro de ter mencionado esse perigo ... essa hipótese ... isso, enfim ...
Finalmente, e já fora de qualquer contexto possível, os dedos aceleraram-se-te no teclado e começaste a falar de regimes políticos, do género da ditadura cubana que fuzila balseros, tem polícia política e presos políticos, convenientemente acusados de traição à pátria. Assim ... Como se passa, aliás, nos regimes políticos que defendes: a heteroregulação moral da vida dos cidadãos, através das normas jurídicas. E, se o Direito não proíbe ou ordena, então instala-se, dizes tu, um inquietante caos em que vale tudo. Ora, é sabido que eu desejo que o regime cubano seja desmantelado, o Fidel julgado pelos seus crimes (de preferência ainda vivo, que as que "cá se fazem, cá se devem pagar"), por isso esta passou-me ao lado ... mas, além disso, as minhas convicções políticas, as tuas, as do besugo, não são práqui chamadas. Ou são?
E mais não cito: Porque, no mais, voltas a falar da censura social a propósito disto tudo e como travão para que aumente o número de abortos praticados em Portugal. Faze-lo sem fundamento, e provavelmente até sabes que não foi isso o que se passou nos países que despenalizaram o aborto. Mas sobre isso (a banalização progressiva de um acto hoje considerado censurável), que já é uma realidade noutras sociedades, nada tenho a acrescentar ao que já disse.
Quanto à hipocrisia a que, a final, te referes, que fique claro: eu acho que a hipocrisia, neste referendo, está inteiramente colocada do lado de quem defende o "Sim". Que adopta neste referendo uma posição calculista. E que usa como bandeira os poucos julgamentos que em Portugal se têm feito, de mulheres que abortaram e das abortadeiras que a tanto as "ajudaram", sabendo perfeitamente que esses casos não se resolvem com esta lei. Porque os abortos em causa nesses julgamentos foram praticados bem para além das dez semanas.
A verdade é que os partidários do "Sim" não conseguem dizer quando é que o aborto deve ser crime, e quando é que não deve. Por uma de duas razões:
a) porque para eles nunca deveria sê-lo - posição que tem a vantagem da coerência, e a desvantagem da insustentabilidade moral, científica e ... mais simplesmente ... humana;
b) porque não sabem bem. Mas dez semanas já é qualquer coisinha, para lhes sossegar o ímpeto de mudança. Depois se verá, quando os julgamentos continuarem a ser poucos, mas continuarem ...
Não vem ao caso, aqui, nem nunca veio, o que eu penso sobre mórulas. Sobre concepção e nidificação. Sobre "sim" ou "não". Sabes porquê? Porque não falei sobre isso.
Portanto, não deves afirmar - de mim - "que tu achas que num aborto não se mata nada a não ser um conjunto de células", porque não sabes, de facto, sobre isso, concretamente sobre isso, o que eu acho.
Da mesma maneira, é excessivo resumires-me a "e essas coisas todas que tu pensas e que fazem de ti um defensor da liberdade de abortar até não sei bem que semana de gestação". Podes resumir-me assim na tua cabeça, mas não me arremesses os teus resumos sobre a minha cabeça, à minha cabeça, conforme te dá jeito.
O texto que escrevi e a que te referes mostra-te, apenas, o que penso sobre a vilanagem. A que tem dois pesos e duas medidas sobre o acto de matar. Mostra-te apenas isso por dois motivos: porque mostra isso e porque é só isso o que mostra.
Não te acusei de seres a favor da pena de morte. Não te romantizes assim. Graça Moura, o sensível tradutor de Petrarca, por exemplo, defende-a (cuido que só em certos casos). E publica as suas coisas, sempre sensivelmente, e por aí anda. Ou seja, pode defender-se a pena de morte e continuar vivo, e ser exaltado, o que é excelente. E pode ser-se contra ela desde o ventre materno. Talvez eu um dia tenha de vir aqui explicar-me sobre a singeleza do meu pensar sobre isto, sobre as diferenças entre o "estar vivo dentro" e o "estar vivo às cinco mil semanas". Mas, como ainda o não fiz, não te antecipes: zurzes-me na altura, de maneira menos leviana e mais severa. Pode ser?
Mas não nos desviemos, porque é melhor agora não nos desviarmos: não podes escrever que exprimes o contrário de mim quando afirmas que "penso que abortar, mesmo antes das dez semanas, é causar uma morte", porque não me leste a dizer o contrário disso. Se me lesses, ter-me ias lido a contar semanas de vida. E a mostrar a irrelevância da sua contagem quando se trata de matar.
Não vamos discutir, porque não vem ao caso, a questão do crime. Pois não? Isso seria o cúmulo. Há quem vá por aí, mas espero que tu não. Já se sabe que é difícil cometer crimes às dez semanas de vida intra-uterina e que é bastante mais fácil cometê-los às cento e sessenta e quatro semanas de vida cá fora. Eu próprio, por essa altura, roubei maçãs. E, no ventre materno, não me lembro de lá ver macieiras. Nem de me apetecer cadastrar-me como transgressor.
A César o que é de César, a Deus o que é de Deus. Perfeito. Eu também só quero, para mim, o que me pertence. Nada mais.
Não te sabia tão normativista e prescritivo, Alonso. Muito menos tão monocromático.
Senão vejamos:
Despenalizar, dizes tu, é o mesmo que liberalizar. Dás um salto de gigante, entre a abolição da censura penal do aborto e a sua legitimação jurídica positiva. Confundes irrelevância jurídico-penal com atribuição de liberdades individuais. Transformas um recuo na estatuição da norma com a proclamação positiva de um direito. Para ti, concluindo, se o direito não regula, então permite. Ou, numa construção mais ousada, se o direito não proíbe, ordena. Como se passa, aliás, nos regimes políticos que defendes: a heteroregulação moral da vida dos cidadãos, através das normas jurídicas. E, se o Direito não proíbe ou ordena, então instala-se, dizes tu, um inquietante caos em que vale tudo.
Já sem discutir a ideia, que eu defendo, de que ninguém pode impor a sua própria moral a ninguém, se no dia 11 de Fevereiro ganhar o "sim", achas tu, Alonso, como o bom do César das Neves, que as mulheres correrão a fazer abortos como quem troca de telemóvel? Não acredites nisso. O Direito recua, mas a censura social permanece (*). E a religiosa, que ainda surte efeito, e não é pouco. Mas, mais do que isso, persiste a consciência moral individual e, nessa, eu acredito tanto ou mais do que tu na justiça divina. E a moral social, que precede o Direito e que não depende dele.
Fiquei, portanto, a saber que, para ti, onde não há Direito há o caos. Abre-se a caixa de Pandora. Deve ser a isso que se chama deformação profissional...
(*) Muitas vezes em parceria próxima com a hipocrisia, involuntariamente bem ilustrada pelo Reitor do Santuário de Fátima, Luciano Guerra, quando disse numa entrevista que se o pecado não for divulgado, enfim... "é menos mau".
besugo, não sei onde é essa coisa do "copiar atalho", nos botanitos acima da janela onde escrevo só há "link" e depois aparece uma janelita para dizer que o link é htpp: e depois pedem para escrever o link e ... voilá, o link aparece, em todo o seu esplendor, na janela em que eu costumo escrever os meus dislates, ou comentar os vossos.
Começo pelo teu último. A propósito do Saddam. É interessante a analogia que fazes entre o aborto e a pena de morte. Foi involuntária, eu sei, porque sei que tu achas que num aborto não se mata nada a não ser um conjunto de células ... e essas coisas todas que tu pensas e que fazem de ti um defensor da liberdade de abortar até não sei bem que semana de gestação. Um dia me dirás.
Mas eu, por acaso, penso o contrário. Penso que abortar, mesmo antes das dez semanas, é causar uma morte. Tu aliás, sabes bem que eu nisso sou radical, e que nem com a actual lei concordo.
E, no que respeita ao Saddam ou a qualquer outro condenado à morte/ou já executado, eu SEI que não te passa pela cabeça que eu concorde com a pena de morte. Por isso não percebi porque é que me vieste falar disso.
Agora tu, minha querida lolita (o "querida" é respeitoso, saliente-se): Queres jogar comigo um jogo em que és mestre e eu aprendiz, mas eu aceito o repto. Joguemos então com as palavras.
Começo por repetir as tuas, sem enlace porque não o sei fazer: Alonso: a questão é, de facto, simples, mas não é a que te parece. O que se vai referendar é se o aborto deve ou não ser despenalizado e não se deve ser livre. O que é diferente, em várias dimensões: jurídica, ética, moral, religiosa. Não concordas?
Claro que não concordo. O que é para ti ser despenalizado, mas não livre? É não haver pena prevista para quem o faça, mas ainda assim não se poder fazer?
Isto faz algum sentido? Só se estás a defender que: deixe de haver pena, passe-se a simples contra-ordenação, com uma multazita ... é isto?
Pois ... bem me parecia que não.
Outra hipótese: Não há penalidade legal por esse acto, mas pela cumplicidade de terceiros (como no suicídio, por razões óbvias). Será isto?
... humm ... também não acho que seja ...
Então o que é que resta? O Estado proibir aos hospitais públicos, às clínicas privadas e aos médicos, paramédicos, enfermeiros e maqueiros que executem abortos a pedido, e penalizá-los em caso de incumprimento, mas deixar de fora as parteiras e "curiosas" de vão de escada?
... errr ... isso era dramático.
Sobra o quê? O que se pretende e que tu sabes muito bem que assim é: que uma mulher grávida, com uma gravidez até dez semanas, possa abortar ... se quiser.
Chama a isto o que entenderes. Eu chamo a isto tornar o aborto livre, até às dez semanas.
Quanto à parte final do teu post, ou seja: Já sabemos o que pensa o Cónego de Castelo de Vide sobre esta questão. E tu, o que dizes? Tenho apenas a dizer o que já disse. E apenas acrescento o seguinte: A César o que é de César, a Deus o que é de Deus. A mim importa-me, neste referendo, apenas o domínio de César. Ou seja: que a sociedade em que vivo não se vá, gradualmente, transformando numa sociedade que considera irrelevante, no plano das suas normas, o aborto. E que prefira torná-lo uma atitude lícita do que combater as suas causas.
Até porque, a desgraçada verdade é esta: combater as causas do aborto clandestino (sempre, ou quase, realizado bem depois das dez semanas, mas isso, por enquanto, os defensores do "Sim" calam bem fundo, por pura conveniência política) é muito mais difícil do que despenalizá-lo.
E disse. Sem enlaces, que a tanto não chega o meu engenho.
Um distrito tinha três hospitais que recebiam, por dia e noite, nas três urgências que os três tinham, oitocentos doentes. Destes, quarenta ficavam internados. Os outros, não se sabe. Talvez tivessem alta, mesmo que voltassem dezassete nas vinte e quatro horas seguintes e, desses, ficassem internados cinco. Dou esses cinco a Deus. Até dou os dezassete, e mais seis dos que ficaram logo dentro. Não interessam aqui os médicos e enfermeiros que as três urgências tinham. Nem os que passa a ter o único hospital que fica com a urgência aberta. Interessa isto, do ponto de vista científico e milagreiro: oxalá se crie, por decreto, a "flexidilatação" do espaço físico. Ou seja, arranjem mais macas, caralho, muitas macas.
Um génio tirou as chinelas e resolveu andar descalço pela Rua Augusta afora. Debaixo do arco, calçou-as outra vez e sentou-se no chão. Qualquer palerma percebe que isto se passa em Lisboa, mas o fundamental é discutir se ele tirou as chinelas porque lhe doiam os pés ou apenas pela impura vontade de dar nas vistas. E se as calçou de novo por vergonha ou porque o chão estava frio. E se se sentou no chão em sinal de protesto ou por estar cansado. E isto é importante, sobretudo para mim: eu uso botas com cordões, estamos no inverno, não vivo em Lisboa e, se me sentar no chão, preciso duma mão que me alevante. Só não apago isto porque a música é bonita, senão apagava.
Por mim, fica. Traz-me à memória a esperança gorada de há um ano atrás. Agora temos um presidente que teve de ir à Índia para trazer a flexisegurança na algibeira, ao lado de vários cartões de visita de empresários indianos.
Eu sabia que fazia bem em manter este lugar activo. Já se escuta a música, outra vez. E pode ser que inspire quem quiser escrever ao som dela, ou sorrir com ela, apenas, sem fazer mais nada. Por mim, fica: esbate-me "o hiato" ainda mais do que, sozinho, ele consegue.
Alonso: a questão é, de facto, simples, mas não é a que te parece. O que se vai referendar é se o aborto deve ou não ser despenalizado e não se deve ser livre. O que é diferente, em várias dimensões: jurídica, ética, moral, religiosa. Não concordas? Já sabemos o que pensa o Cónego de Castelo de Vide sobre esta questão. E tu, o que dizes?
(*) Um link do teu texto, para ilustrar a oportuna lição sobre enlaces que te oferece o besugo.
A preocupação do Alonso sobre a possibilidade de, das dez semanas que já o atormentam, se poder passar a exigir poder matar com doze, vinte e quatro, talvez mesmo mais semanas, é legítima. Contudo, há sítios onde se pode matar com mais semanas ainda, e por sentença. Não há nenhuma gravidez que dure tantas semanas, eu sei, tudo isto se passa fora do ventre materno, mas mesmo assim. Para que não fique deste blogue a ideia de que defende que dentro do ventre materno é tudo mais sagrado do que fora dele, fiz contas. Saddam Hussein foi morto com, mais coisa menos coisa, quatro mil setecentas e sessenta e seis semanas (contando com as quarenta que passou dentro da mãe, mas aí era sagrado: aí não se pode nada, só depois, cá fora, ao léu do mundo, se passa a poder quase tudo).
Um inquérito, promovido pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência e destinado a adolescentes entre os doze e os dezoito anos, visa saber qual é a relação entre o consumo de drogas e a violência doméstica. Selecciona-se, assim, o universo de inquiridos adolescentes, potenciais observadores/vítimas/agressores de actos de violência familiar, e pergunta-se-lhes: o teu pai obriga a tua mãe a ter relações sexuais à força?O teu pai agride a tua mãe com murros e pontapés?
Já para não falar na devassa que este inquérito representa para aqueles que respondam "sim" a tão bizarras questões, isto há-de ser um instrumento pedagógico inovador: participantes activos no estudo, os adolescentes aprendem que a prática de actos violentos em ambiente doméstico é tão corrente, quase atávica, até, nos progenitores do sexo masculino que mesmo nos inquéritos se fala nisso. Se nunca notaram nada no seu amantíssimo pai, hão-de começar a olhá-lo de soslaio, como quem diz "tu podes não bater à mãe, mas que tens potencial, lá isso tens. Senão não me perguntavam isso".
Excelente. Excelente estudo. Os autores, esses nem percebem por que é que se fala neste brilhante método de investigação. E lembram, para que todos sosseguemos, que é anónimo.
Este não é um blogue de causas. Não se chama "causa minha", quanto mais "causa nossa". Cada um sabe de si, Deus de todos e Todos de deus. É. Eu ando aqui a fazer-me, desesperada e descaradamente, ao purgatório.
Posto isto, que é só comigo, o Alonso tem de aprender a fazer links.
Alonso, é assim: 1 - Escolhes a notícia do jornal que queres "linkar". 2 - Fazes "copiar atalho". 3 - No teu texto, em lugar de colocares aquele arrazoado de sinais estranhos, escreves uma coisa qualquer, tipo "façam o favor de ler isto". 4 - Seleccionas o "façam o favor de ler isto" e, depois, carregas no primeiro símbolo que antecede, na barrinha ali em cima, o de "texto alinhado à esquerda" - que é o que tu usas, curiosamente, podias usar o "justificado", o "alinhado à direita", o "centralizado", mas usas esse. 5 - Carregas "Ctrl-v" no local que te parecerá evidente para o efeito e, como por artes de magia, aquela singela frase "façam o favor de ler isto" aparecerá, quando publicada, com uma cor diferente. 6 - Fizeste um "link".
Esta malta é engraçada, e há figurões de todo os lados. Agora pretende-se saber quanto custa ao erário público a assistência médica às mulheres que fazem abortos clandestinos.
Haja juízo, senhores. Aqui, a questão é mais simples do que parece. O aborto, por simples "vontade" (conceito insindicável que vai da necessidade ao capricho) da mulher, deve ser livre ou não?
Para mim, é óbvio que não. Para outros é óbvio que sim, e a única coisa que me chateia é o calculismo premeditado com que querem este "até às dez semanas".
Como é que não se dão conta de que são verdadeiramente "sonsos", e portanto falsos?
Porque as carpideiras das mulheres presas (se é que as há) estão-se nas tintas para as dez semanas. Feito o referendo, e mesmo que o ganhem (o que é tão possível como o contrário), continuarão a carpir à porta dos tribunais por mulheres que sejam julgadas por abortos feitos às doze, às catorze, às dezasseis, às dezoito, às vinte, às vinte e duas, às vinte e quatro ... e por aí fora.
Mas enfim ... têm uns cónegos que misturam as leis da Igreja com as leis do Estado e só dizem disparates a dar uma ajuda ...
E mais nem digo, queria só temperar o facies deste blog para que os mais distraídos saibam que, aqui, o "sim" ganhava o próximo referendo, com 0% de abstenção ... mas com 66,66% de percentagem, não 100%, como a minha reiterada forma relapsa de ser "blogger" poderia dar a entender.
O que nem é mau (que, mesmo aqui, seja só a 66,66%). Considerando que daqui a não muito tempo, se o "sim" ganhar o referendo, voltamos ao mesmo, desta vez a discutir as "doze semanas" ... talvez. Valha-nos a vergonha que os agora defensores das dez semanas têm em assumir a plenitude da sua incapacidade de condenar uma mulher que abortou. Por essa incapacidade, pensam que, passo a passo, conseguirão o que querem. Mas também é verdade que essa mesma incapacidade torna mais lento o progresso da cultura que querem implantar: a da irresponsabilidade de quem é adulto, fala e se vê, à custa de quem está por nascer, não fala, não se vê e ... portanto ... é dispensável, no caixote de lixo de uma clínica qualquer.
PS - Na semana passada estive com uma pessoa que fez trabalho humanitário na Índia e no Brasil. Falou-me, quanto a ambos os casos, de sociedades que não têm o menor respeito pelos mais fracos. No caso da Índia, pelos velhos. No caso do Brasil, pelos bebés e crianças. Na Índia, quando um velho é um empecilho, a família deixa simplesmente que ele morra. No Brasil, passa-se o mesmo com as crianças. Ouvi histórias pungentes. E deu-me que pensar, sobretudo porque tinha antes lido um texto da lolita sobre que a Lei não vai mudar o conceito social de que o aborto é inerentemente mau (não foi assim que ela disse, foi assim que o li). Eu acho que não é bem assim. As sociedades mudam. E a banalização do aborto, de que o César das Neves falou (para gáudio da lolita) não só não é improvável, como a tenho por certa.
Meus amigos em geral, portugueses, portalegrenses, habitantes de Castelo de Vide em particular: isto está claro.
A excomunhão não será, sequer, precedida de auto-de-fé: será automática. O que está bem visto. Sendo o voto secreto perante os homens não o é perante Deus, pelo menos perante o Deus de Tarcísio Meira. Perdão, Tarcísio Alves. Donde se depreende que Tarcísio proclama a auto-excomunhão. "Pondes a cruz no sim e renegais a cruz total do sacrifício? Ó sacripantas do caralh... , perdão, do demo, a botardes assim a cruz no sítio do pecado, eu já vos fod... excomungo. Psicologicamente, vós haveis de saber que estais excomungados!". Sim, que mais ninguém senão o excomungado e Deus saberão disto. E Tarcísio, claro.
Isto remete-nos ao estatuto e ao papel dos padres. Alguns padres católicos são xiitas. Outros são sunitas. Outros nem uma coisa nem outra. Mas o Padre Tarcísio Meira, perdão, Tarcísio Alves, é uma espécie de Torquemadazinho.
Claro que, como o próprio Tarcísio doutrina, pode haver sempre a intervenção do bispo. O bispo chega e diz: "ó Jesualdo? tu botaste sim? sim? ai que aborrecimento! tá bem, vou-te reintegrar." E a coisa resolve-se a bem, pronto. "Ah, foi o senhor Bispo...." Mas sem o bispo, neribi, isto é sagrado: "sai, demónio, sai, despenetra nosso seio siliconado de sanctus-sanctus!"
Tarcísio, que tem cara de quem aprecia o seu tintorro - mas nas galhetas, isto que fique bem entendido, ali o tinto a fingir de branco da Galileia, que ninguém vê colorações na missa matinal, quanto mais na vespertina -, vai mais longe e derrama esta relíquia:
"Se votar no 'sim' ou se se abstiver, poderá estar também a cometer um pecado mortal gravíssimo. No referendo até as irmãs vão sair dos conventos porque senão também incorrem num pecado de omissão".
Meira, desculpem, Alves, assume aqui as suas dúvidas sacerdotais: quem votar "sim" poderá estar, eventualmente - ele não garante, acha apenas que poderá estar, mas está ainda à espera de instruções do bispo -, a cometer um pecado mortal gravíssimo. Porque, é consabido, há pecados mortais ligeiros, há pecados mortais graves e há, depois, os gravíssimos. Ele não sabe se é o caso de isto ser, mesmo, um pecado mortal, isto de votar "sim". Mas, a ser, pode ser de último grau, que é o gravíssmo, ainda mais grave do que "muito grave", trata-se aqui da superlativação da gravidez. Desculpem, da gravidade.
Tarcísio Gonzalez, desculpem, Alves, vai mais longe: as freirinhas que não desalaparem o cu das conventuais cadeirinhas para irem votar "não", incorrem (isto quer dizer que o processo de excomunhão vai correr "internamente") num pecado de omissão. Ou seja, em não indo lá votar que "não" (o Tarcísio depois sabe disto, se as freirinhas votaram "sim" ou "não", porque Deus comunica-lhe por e-mail os "sins" todos e os "nãos" absolutos), a religiosa está feita ao fogaréu da excomunhão e do inferno, porque se omitiu no seu dever de ir lá brandir o pinto virgem no lusco-fusco das decisões sobre pintos invadidos. Eu peço desculpa pelo franganário: isto de pintos, evidentemente, não é sobre criadores, é sobre criação.
Vai dai, num crescendo emocional de quem se julga latifundiário dos cemitérios, o pio homem geme que quem fenecer depois de votar "sim" não se enterrará debaixo do som gemebundo de ladaínhas. O que é um incentivo do caraças ao "sim", ou pode ser. Quem votar "sim", por outro lado, não poderá casar-se à sombra "fashion" de sotainas. Nem ser baptizado em pias por sotainadas pias mãos. Terá de continuar a penetrar-se pecaminosamente, ainda por cima sem preservativo para não agravar as contas com o Senhor São Pedro, esse defensor do "tira fora que vem gente!... ah!... azar, já está...". E a praticar a higiene capilar em casa, envergonhadamente.
O artigo, que é bastante assertivo, termina assegurando-nos de que "isto é bom sobretudo para os velhos de Castelo de Vide, que só têm acesso à televisão e que nunca estudaram". É bom saber isto. Se uma velha de 75 anos, de Castelo de Vide, analfabeta e sem e-mail personalizado, frequentadora de Floribelas e quejandos bezoares, engravidasse, garanto que não abortaria. Em Castelo de Vide, pelo menos, Tarcísio velaria pelo parto, pela parturiente e pelas vacinações subsequentes do nascituro santo. E pela avozinha. E pela intermédia enteadaria .
Eu hoje era para falar sobre o Carlos Martins, mas não falo, porque já me chateia falar sobre o Carlos Martins. De maneira que vou antes falar sobre as possibilidades de o Sporting SAD ganhar um campeonato sénior (de futebol, andebol ou futsal) nos próximos anos. Tenho dito.
Um génio chegou um dia a um sítio qualquer, numa fossa séptica que estava de molho num alguidar, por hipótese estúpida, e pensou: - Bolas, isto o que há é serviços de urgência a mais e médicos a menos. Fecham-se algumas urgências e juntam-se os médicos nas que ficam. É fácil.
Como só pensou, ninguém lhe respondeu. E ele lá foi à sua vida, feliz. Que é como se deve estar nesta vida, feliz e contente. Foi legislar, foi genializar para aí.
As urgências que ficaram, entusiasmadas da criatividade genial do génio, como que por artes mágicas, duplicaram imediatamente as suas dimensões físicas e o número de camas e de macas e de salas que possuiam. E os hospitais a que pertenciam esses serviços de urgência restantes e assim magicamente redimensionados, solidários com os seus serviços de urgência e em ânsias de produtividade, triplicaram a sua capacidade de internamento. Houve meia dúzia que quadriplicou essa capacidade. E consta haver um, em Trás os Montes, embora não existam provas, que até a quintuplicou.
Implantou-se um sistema simplex de declaração de cura ou desistência a todos os que não coubessem, sendo pago pelo utente o regresso ao domicílio no caso de não caber e, apesar de tudo, querer ficar; seria expulso a expensas próprias. Caso quisesse voltar ao remanso do lar, ou ao hospital de origem (embora com alguma falta de ar) veria o táxi comparticipado em 20%, mas teria de felar um dos taxistas mais feios - com suporte ventilatório nas pausas, para recuperar. Em querendo ficar e fazendo força para isso, por exemplo arroxeando-se, seria enviado por telemedicina para um privado. Ou para uma privada, mas limpinha.
Não é particularmente incomodativo que João César das Neves utilize figuras de estilo de pendor economicista para defender o não no referendo do aborto - nem se podia, bem vistas as coisas, esperar algo diferente disso. Pelo contrário: comparar o aumento de abortos, em caso de despenalização, ao aumento de telemóveis para condenar a "normalidade" com que se recorreria à IVG acaba por ser, se virmos bem, uma preciosa ajuda à causa do sim. Estatísticas indesmentíveis na mão, fervor na condenação à apocalíptica libertinagem e aplicação das regras da macroeconomia ao direito a nascer: uma abordagem económico-inquisitória. Na questão da despenalização do aborto, tudo se resume, para o visionário César das Neves, ao consumo, à leitura das estatísticas do nível de consumo e à repressão do excesso de consumo por via legal. É, pelo menos, isto que diz a sua inseparável máquina de calcular. Telemóveis e abortos, tudo é comparável. São números.
1 - Uma das coisas que me diverte nos deputados do CDS-PP é o ar amuado com que pensam estar a falar severamente. Seja ao país, seja aos outros deputados, seja aos jornalistas, seja lá entre eles: quando não estão a sorrir de forma um bocadinho cínica por debaixo das melenas (o Diogo Feyo, por exemplo, não pode fazer isso por debaixo das melenas, porque possui aquele tipo de capilaridade que consiste, basicamente, numa imitação desajeitada do Santo António), os moços parece que estão sempre a falar severamente. Isto, evidentemente, se fazer beicinho for considerado severo.
2 - Depois, há qualquer coisa de muito engraçado na maneira como se chateiam uns com os outros. Aquilo parece tudo muito passional, tipo "faca e alguidar para queques". Hoje, fazendo pequeno beiço, lá veio Nuno Melo acusar Ribeiro e Castro de "ciumeiras". Como se dissesse - e isto é uma brincadeira inocente, eu não tenho a mais pequena desconfiança sobre as virilidades pessoais e colectivas de qualquer deputado do PP, nem sequer daquela senhora com ar pasmado que lá está: - "Ó melheres! lá porque estivemos todas a bater palminhas e a gritar muitos hurrinhas ao Paulo, que é para nós uma coisa que valha-nos Deus, que até estivemos no Governo à conta dele, lá porque ficámos assim alevantadotas por dois minutos a falar muito grosso e alto, como só nós sabemos, vem agora esta parva que está lá na Europa (em lugar de estar no Caldas, que é onde devia estar), fazer chinfrineira! Isto é ciumeira de torta "fustrada"!, é o que eu vos digo, ai, virgem santíssima!"
São muito engraçados. Querem governar. Pronto, já que ali estão, querem. Uns, querem com o PSD. Outros acho que preferem com o PS. Outros é com quem calhar.
Mas eu sou estúpido. Não me liguem, isto é tudo brincadeira. Sobretudo a parte de Ribeiro e Castro e do PS. E tudo. É tudo a brincar.
Discordo da criação da figura do professor-tutor, uma das últimas novidades da obsessão reformista do governo Sócrates. Sei que noutros sistemas de ensino se preconiza essa pedagogia abrangente, tutelar, mas estou convencida de que, podendo ser uma solução razoável, está longe de ser a única e muito menos de ser excludente do actual modelo de ensino do segundo ciclo. Pelo menos por três razões, assim de repente. Antes de mais, porque essa transição de um professor para vários acompanha a transição etária da infância para a pré-adolescência, catalizando essa evolução e suportando-a, sustentando o amadurecimento pré-púbere. Depois porque me parece paternalista e bizantina: preconiza-se protecção e descomplicação num momento - a entrada no segundo ciclo - que é o mais oportuno para "complicar", para iniciar a aprendizagem do complexo real nas matérias e nos métodos. Ter vários professores é bem mais proveitoso e parecido com a vida real do que beber a sabedoria de uma mente única, que acaba forçosamente por ser, ainda que involuntariamente, uniformizadora do pensamento. Julgo (embora admitindo estar errada) que o insucesso escolar no segundo ciclo explica-se muito mais por razões estruturais de natureza social, cultural e familiar do que por essa súbita multiplicação dos docentes. Que, aliás, sempre foi o modelo utilizado ao longo de várias gerações portuguesas, muito antes de se falar em insucesso escolar como um problema estrutural do país. Por último, desagrada-me o termo escolhido. A palavra "tutor" soa-me bafienta, pseudo-sábia e, sobretudo, contraditória com o termo "professor". O conceito de "professor-tutor" encerra um antagonismo óbvio entre a ideia de fornecer os meios para descobrir a realidade (que consiste em ensinar) e a ideia de transmitir uma realidade hetero-concebida (que define a acção de tutelar). Por tudo, parece-me que com esta ideia peregrina se obterá, não um prolongamento da infância (até porque, no quinto e no sexto ano, ela já se esbate a olhos vistos), mas antes um prolongamento da menoridade. Até ao terceiro ciclo, and going.
Um génio que andava a ver se encontrava o último CD dos Doors e que, por isso, já tinha sido achincalhado por vários lojistas da grande superfície comercial em que deambulava, esbarrou, quando saía da Rádio Popular, onde disfarçara a irritação de não encontrar o que queria observando LCDs e vários mecanismos pequenos de "cinema em casa", com um transeunte vulgar.
Isto acontece muito, esbarrarmos com génios que estão a sair de sítios esquisitos.
A saga dos "grandes portugueses" continua. Como já disse, não tenho nada a opor a isto. Aliás, nem que tivesse: tenho, por exemplo, um razoável nojo doutros programas que aí andam nas pantalhas e enjoo-me de forma perfeitamente individual e (des)contemplativa com eles. Haveria de ser diferente com este por quê?
A ideia é aglutinadora. Há quem pense que "assim os portugueses, ao menos, olham para a sua História!". Pois. Deve ser isso, deve. De facto, nada melhor que uma competiçãozinha para estimular as hostes. "Bora ver quem é o melhor? Bora!". Está bem. Fora deste espírito, a História escreve-se, pelos vistos, com letra mais pequena. Passa a ser, apenas, "o passado". Coisa antiga. Pouco estimulante.
A História, aliás, não tem de estimular nada nem ninguém. Era o que faltava. A História está escrita, escreve-se todos os dias, ainda nem sequer vai a meio do terceiro tomo, triste é o povo que a esquece e que precisa de concursos (com concorrentes póstumos, ainda por cima: é que nem se inscreveram!) para se "emular".
Emular, para os jovens que calhar lerem-me, não é descarregar merdas do e-mule, aquele programa que permite, entre outras coisas, experiências satisfatórias na área da virulogia cibernética. Emular é... É irem ao dicionário para verem o que é. Não, também não é uma perversão sexual. Embora possa ser uma espécie de afrodisíaco. Como na frase "com Maria Elisa a apresentar o programa, Jorge Nuno sentia-se emulado e melhorava do meteorismo".
Temos, agora, para cada grande português, um defensor. Os grandes portugueses, eleitos pelos portugueses que gostam de opinar, necessitam, agora, de defesa.
Paulo Portas defende D. João II. "O Senhor D. João Segundo", como ele diz, agora, o quase calvo centro-campista da "selecção nacional dos pretendentes à imortalidade ainda vivos", quase encolhido na sombra do seu ministério cómico e antigo. Está bem.
Clara Ferreira Alves apoia a candidatura de Fernando Pessoa. Perfeito. Um dos heterónimos do meditabundo poeta lhe agradecerá a desenvoltura com que pretende convencer o povo de que um esquizofrénico dado à prosa poética e à preguiça do corpo é um "must".
Nogueira Pinto, esse Jaime, defende Salazar. Ora, Salazar não carece de defesa. Nem de ataques. Daqui, ao menos hoje, não sai nada. Não esguicha nada. Não me desencadeia, hoje, Salazar, rigorosamente, nada. Jaime, sim, desencadeia-me: Jaime cuida defender causa difícil. Nada disso. Jaime sabe, porque Jaime já usou óculos grossos nos olhos pequenos, que Salazar só não ganha isto se o povo votante for medroso. Clama-se por Salazar em todo o lado. É por ele e por D. Sebastião. E por Eusébio. E por Amália. E que morra mais gente, sobretudo se cantar e declamar, que mais se clamará (e declamará) em cima das sucessivas tumbas dos que assim tombarem. Jaime, que é baixinho e grosso do pescoço, sabe que o povo acha que Portugal não vai pá frente porque falta um homem. Um qualquer, falta sempre um qualquer. Reparem, aos quinze minutos de jogo, se estivermos a ver a bola e a nossa equipa estiver a perder, já há um porradão de tempo que estamos a ganir para o treinador que "mete mas é o André Gonçalves de Mendonça, pá!". Falta sempre um que faça, efectivamente (efectivamente é uma palavra de apoio, uma palavra da poia, portanto) Portugal ir para a frente, esse sentido vectorial que dá sentido à direcção. A direcção é a "adresse" incompleta. É uma espécie de adereço sem sentido, uma direcção sem número na porta, vai-se lá só pelo código postal. Jaime sabe que Salazar só não ganhará se os portugueses que votam decidissem votar sem vergonha de serem o que agora são e, impossibilidade histórica, sem tutores.
Ora, tutores, nenhum votante destas merdas dispensa ou dispensará nos lustros mais próximos. Nem destas merdas, nem doutras. Um tutor, no fundo, "emula".
... que os meus distintos e eloquentes colegas de blogue já cá escreveram sobre o concurso da RêTêPê, aproveito para dizer que:
1) Concordo em princípio com o besugo (lá acontece, isso, mas é só em princípio). Ser herói, grande, o que for, pode-se sê-lo de tantas maneiras, com reconhecimento público ou sem ele, que este concurso não passa de uma valente chachada.
2) Dito isto, a minha definição, não necessariamente de "herói", mas de pessoa notável, (o que implica o reconhecimento público) tem por pressuposto tratar-se de alguém que passou - muito - "para lá" do que seria comum, e se afirmou, neessariamente, como pessoa de qualidades excepcionais (pode ser através da pena, da espada, da sagacidade política, da capacidade científica, etc.);
3) Se associarmos a definição de notável, atrás sumariamente explicada, ao conceito de "português", e por referência à história pátria, então eu não consigo dissociar uma classificação deste tipo à importância política do sujeito. Directa - como Afonso Henriques, por exemplo - ou indirecta - como Camões, que por ter escrito "Os Lusíadas", ultrapassou a sua importância "nas letras"(que seria semelhante então, ou menor, do que a de Gil Vicente), e criou (mais) um referencial sobre o que é o "ser português".
4) Nesse contexto, eu simplifico. Não encontro, no séc. XX, alguém que ultrapasse as fronteiras desse século. O português que mais o marcou foi o Salazar, mas o Salazar - que foi, goste-se dele ou não, um homem notável - marcou o fim de um ciclo. Sem que outro se adivinhe que não seja o de um POrtugal, finalmente, acomodado ao que era antes dos Descobrimentos: o País que Afonso Henriques fundou. Uma espécie de condado portucalense que se estendeu até ao Algarve.
5) Concorreram muitos notáveis para que Portugal, durante séculos, fosse coisa diferente disso. De todos, no entanto, destaco um: o Rei D. João II. Sem ele, o caminho que o seu tio avô (o Infante D. Henrique) tinha desbravado não tinha assumido a grandeza que depois assumiu. Apanhou de seu Pai (D. Afonso V) um reino dividido nos vários ducados que a Ínclita geração deixou, transformou-o num reino centralizado (deve ter gasto algum sangue nisso, suponho), e tornou o reino de Portugal uma realidade que até então era, não só insuspeita, como aparentemente impossível.
Tudo se pode comparar. Preços, intensidades luminosas, frieiras, namoradas, calores, frios, namorados, charutos, castanhas, azeitonas, vinhos, vícios e amores, férias, sofrimentos, peidos, carruagens antigas, professores, apartamentos, vistas de apartamentos, filhos, mães, colares de pérolas, peixes, pais, computadores, habilidades, velocidades, tenacidades, pilosidades, número de sócios, cevadas, lágrimas, sorrisos, sorridos de cevados, garagens e tamanhos de pilas. Tudo.
Tem de haver uma bitola qualquer que permita a comparação? Melhor dizendo: têm de se comparar frios com frios, colares com colares, pilas com pilas? Não. Pelos vistos, não.
Contra os "grandes portugueses", que a RTP anda aí a comparar sem critério entendível, nada me move. As coisas vêm como vêm. Se o toiro não se pega de caras há-de pegar-se de cernelha: nunca soube foi de nenhum que se não pegasse. E há artifícios para tudo, dependendo do artífice e da matéria que tem de moldar.
Não há nenhum denominador comum que permita, isolando-o, submetendo-o depois a um qualquer instrumento razoável de medida, comparar Amália Rodrigues, Aristides Sousa Mendes, Afonso Henriques, Álvaro Cunhal, António Vieira, Florbela Espanca, Fernão de Magalhães, Pedro Nunes, Salgueiro Maia, Salazar, Carlos Lopes, Saramago, Camões, Eça, Humberto Delgado e Maria de Lourdes Pintasilgo. Não se pode comparar assim, só por comparar, a não ser que se introduza na equação comparativa um factor emocional que nos provenha, a nós que decidimos comparar assim o incomparável, das entranhas.
Isto remete-nos, se fôssemos honestos remeter-nos-ia, ao menos, à teoria do herói acidental.
Há um filme sobre isto. Há vários livros. E há episódios diários, que cada um de nós conhece mas que não contamos, porque não valorizamos e - sobretudo por isto - não nos valorizam: a interiorização em nós do valor dos outros é custosa, detestamos - os que não somos modernos - penetrações avulsas fora dos carnavais. Que são três dias.
O critério da ausência de critério leva-nos, leva-me, sem sombra de pecado - sem sol não há sombra e um pecado só tem sombra se o sol lhe incidir de maneira não vertical - a Salgueiro Maia. Se a comparação é baseada no aleatório, no "tudo ao molho e fé em Deus", qual é a bitola porque se medem os heróis? Como comparar, nesse lodo imenso e incomparável das grandes mulheres e dos grandes homens, os grandes homens e as grandes mulheres?
Tem de ser o herói ocasional, como me esforço por vos explicar, o que nos faz levantar. O homem ou a mulher impreparados, inesperados, inesperáveis, que se revelam, no cadinho do imponderável, ponderáveis e ponderosos, muitas vezes poderosos, ocasionalmente poderosos, por si só.
Salgueiro Maia. Aí em cima está a tumba dele, em Castelo de Vide. Há quem nunca a tenha visto, embora estando-lhe a dois passos. Mas a preguiça é o segundo maior pecado, segundo besugo, logo a seguir à falta de higiene. Besugo afirma isto porque besugo conhece preguiçosos que se lavam, preguiçosamente, mas não conhece ninguém escarcajado que seja indolente na insolência de negar isto da preguiça de não ir, desdenhosamente. A cultura, o saber, a religião dos que a fazem sempre, se verdadeiros, não são feitos de desdenhosas "Antunices".
O maior de todos os heróis, de todos os homens bons, quando nada se compara, é o herói ocasional. O que se revela assim sem contar, sem se contar; o que, de surpresa (para todos e para ele, se calhar sobretudo para ele, o surpreendido herói ocasional da ocasião que não criou) se agiganta, brava e acidentalmente, na sua completa inadequação para o pedestal que não pediu.
Devíamos olhar com outra atenção, com muita calma, para as pessoas que todos os dias encontramos, nos nossos desencontros com o nosso espelho, não vá estar ali alguém que mereça mais a nossa mão aberta e generosa do que nos merecem a memória de Camões, esse zanaga caceteiro dado a musas, a do introvertido e estéril Pessoa dos versinhos de alpaca, a do Pombal, esse vil e esperto cabrão, ou a do próprio Infante D. Henrique (que, covardemente, com seu irmão D. Duarte, como se impõe sempre a quem é candidato a ser sobrevivente sobre cinzas alheias, deixou ali, nas areias do Magrebe, pendurado na ira dos felás da altura, o Santo Infante, seu irmão de sangue, chorando de medo e dor, a santificar-se por eles ambos, para a lenda, enquanto ele, ele e o irmão que nos reinou, visonários de si, se posicionavam para a vida, a sua vida, a deles, na nossa).
Ride. Gozai. Fazei para aí chufas de arraial. "Ridículo, besugo! Então, agora o Maia!". Grunhi, refocilai para aí de gozo. Ide-vos foder. Não sabeis de intestinos mais do que o que vos convém ao hemorroidal, já gasto pela contra-corrente da vossa necessidade.
Não vou votar, claro está. Nem sequer agora, no Top-Ten que a sopeiragem já elegeu para a ejaculação final da grande punheta televisiva da memória colectiva.
Ao menos, que ganhe Afonso Henriques. Parece-me o que está mais longe dos que hão-de votar. Longe no tempo, longe no espaço, na dimensão não sei. Dimensão que, dizem, não era grande demais para coisa nenhuma. Mas, pelos vistos, era. Ou seja, ao menos via-se.
Entre outras coisas, notei que Vasco Graça Moura entende que Salazar "teve uma compreensão do país mais sensata e realista", se comparado com Soares. Enfim, há-de ser nostalgia.
Um blog caliente tem a sua amplitude térmica. Um blog caliente pode ser submetido, evidentemente, ao escrutínio de quem prefere guiar-se pelas temperaturas médias. "O blogame é, talvez, enfim, é doze graus e pico". Mas não é. É, às vezes, abaixo de zero - um frio do caraças, arrepia -; outras, apetece-lhe praia e bronze calmo. E, ainda outras, parece Primavera; ou Outono. Isto é mais raro.
Mas nunca será um blogue mediano, nem aferido - por dentro, certeza só intestina - por médias ou medianas. Ao menos na temperatura.
Gostei de ver, ontem, um empresário jovem, menos atraente que contente, no Prós e Contras da nervosa Fátima, ali a assumir-se como "gajo de sucesso" porque já vai no seu segundo projecto empresarial e, escutando-o bem, vai no segundo enquanto não lhe dá para passar para o terceiro, e isto tudo porque os pais, contou ele sorrindo, se endividam por ele, ou seja, "se chegam à frente por ele".
Eu, se um dia puder - e, em podendo, se tiver de ser - farei o mesmo pelos meus filhos. Mas não os deixo ir, depois, à televisão. Fazerem de tontos contentinhos, exemplificando o absurdo excepcional como se daí se extraísse regra útil.
O maior equívoco do debate sobre a despenalização da IVG é a eternização do valor vida como argumento alegadamente decisivo: há vida, logo o aborto é ilícito. Começo por lamentar que quem conscienciosamente defende a despenalização se esqueça tantas vezes que a vida é, com efeito, um valor eticamente indiscutível e que interromper a formação de um ser vivo é irrecusavelmente um acto indesejável - pelo que essa matéria nem deveria, na na pureza da lógica, ser sujeita a discussão. Dir-se-ia, até, que todos deveriam dar essa questão como unanimemente assente. Essa, e a de que abortar é, irrecusavelmente, actuar com violência sobre a mãe e sobre o ser em formação.
Sendo, julgo, unânime que a IVG é indesejável numa sociedade humanista, o que resta então de relevante para discutir? Duas questões, parece-me: por um lado, a da legitimidade (e a dignidade) da punição jurídica de quem pratica o aborto; por outro, a da necessidade da criação de condições para combater o aborto clandestino que, como problema de saúde pública, não pode nem deve ser ignorado pelo Estado e pelos seus cidadãos. Descemos, portanto, do plano ético para o político. Trata-se, então, de saber como deve o Estado posicionar-se perante um mal social impossível de erradicar: ignora-o e assobia para o lado ou acolhe-o, encara-o de frente e atenua os seus efeitos negativos?
Se do referendo resultar uma vontade popular maioritária no sentido da despenalização, que sosseguem os espíritos mais fundamentalistas da defesa da vida: ainda que cesse a censura jurídico-penal, a censura social e moral subsistirá, eventualmente com renovado fulgor. Sabemos que o Direito não é a única forma coerciva de regulação social (se se aceitar a ideia de que há formas distintas de coercividade) e que as condenações morais e religiosas e os autos-de-fé (ainda que simbólicos) daí decorrentes continuarão a ser decisivos nas opções futuras da prática da IVG - quer no que respeita às mulheres que a pretendam praticar, quer aos profissionais de saúde chamados a colaborar nessa prática. Sosseguem, portanto, os arautos da libertinagem que o advento da despenalização possa trazer. Enquanto existir sofrimento, embaraço, consciência moral e pudor, estou certa de que cada mulher que decida recorrer à prática da IVG o fará por falta de outra opção ou, pelo menos, com sentimento de perda profunda.
Parece-me ser este plano de discussão - o da atenuação de um grave problema de saúde pública (com impacto profundo nos estratos sociais mais desfavorecidos) - o único possível no debate da despenalização. Um problema insolúvel, mas cujas consequências negativas podem ser acauteladas se o Estado encarar os seus cidadãos e as suas cidadãs como sujeitos de iguais direitos e de iguais deveres. Trata-se, afinal, de prosseguir a justiça material.
Nesse plano, o plano político-prático, a evidência salta à vista: por muito que custe a alguns activos participantes na discussão, falta ao género masculino alguma legitimidade para discutir a despenalização da IVG - a menos que abandonem os argumentos que lhes dita a sua inabalável consciência ética e a discutam do estrito ponto de vista do direito à assistência médico-social das mulheres potencialmente sujeitas à prática do aborto. Mas o sufrágio é, evidentemente, universal. Homens e mulheres iguais no direito ao voto, mas diferentes nas consequências do resultado do referendo.
"Ainda que em nós o homem exterior se vá arruinando, o homem interior vai-se renovando de dia para dia. Porque a ligeira aflição dum momento prepara-nos, para além de toda e qualquer medida, um peso eterno de glória. Não olhamos para as coisas visíveis, olhamos para as invisíveis: as coisas visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas."
Lacrymosa dies illa qua resurget ex favílla judicandus homo reus.
Huic ergo parce, Deus, Pie Jesu, Domine, dona eis requiem. Amen.
Mas também, fora da música e dentro do tempo dela:
Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Te decet hymnus, Deus, in Sion, et tibi reddetur votum in Jerusalem : exaudi orationem meam, ad te omnis caro veniet.
Ficam aqui duas velas, esta e a que o alonso acendeu, a fazerem o que é suposto fazerem as velas quando as pessoas as acendem: velar. Velas firmes, serenas, tristes. Velas de fé, pequenas, as que temos.
Este lugar ficará assim até tu voltares, Lolita. Até voltarmos todos, contigo.
Aqui estou eu a agradecer a música aparentada do Tubular Bells com que o Besugo e o Alonso me presentearam ali em baixo, enquanto se entretinham a procurar videos da Pamela Anderson no YouTube. Eu, na verdade, não gostava por aí além do Mike Oldfield, que eu via como uma espécie intelectualizada de Richard Clayderman (ambos tinham olhinhos azuis, se bem se lembram). Vou daqui directamente ao YouTube ver se encontro uma coisa de que hoje me lembrei, a ver se também se lembram. O autor não tinha olhos azuis nem cabelo esvoaçante. Não estão a ver quem é?
Quando entrevistado pelo Carlos Vaz Marques, Caetano Veloso fez-se intencionalmente presunçoso ao afirmar que é melhor músico do que Chico Buarque, Milton Nascimento e Gilberto Gil, apenas para demonstrar que, quando diz que é pior músico do que qualquer um deles, o diz por puro realismo e não por modéstia - uma vez que, como então disse, ao afirmar-se como o melhor conquista o estatuto de imodesto. Ao que parece, essa tirada quase infantil valeu-lhe uma primeira página da Veja, publicação a quem ele, depois do sucedido, dedica os piores adjectivos que se podem dedicar ao jornalismo. A estratégia para a demonstração da imodéstia era, de facto, inovadora: o Caetano da voz adocicada, ali maviosa, a declarar-se o melhor, para com isso provar que sabe bem que está uns furos abaixo dos outros. E está, claro. Caetano teve é de o admitir socorrendo-se da razão lógica e, fazendo-o, expôs demasiado a mágoa. Que não é condenável, sequer; devia é ter sido deixada onde estava, silenciosa e recatada, antes de poder ser observada por olhos terceiros.
"Vou estar sempre!" não custa nada a dizer. Diz-se bem e, sobretudo, soa bem na maior parte das vezes em que se diz. A quem diz e a quem escuta. Aliás, soa bem por vários motivos. E bastam dois, como exemplo: porque geralmente se diz quando apetece mesmo dizer isso, ou coisa parecida, e porque se diz, em regra, a quem quer mesmo escutar isso, ou coisa parecida.
Uma conversa a dois em que, a dada altura, um diz que "vou estar sempre do (ao) teu lado", referindo-se ao outro, sobretudo se houver música, alguns copos bons e recarregáveis, se existir conforto ou reconforto dos corpos, se for dia de descanso na manhã seguinte, e se calhar ninguém andar a chatear a cabeça de ninguém lá no trabalho, é uma conversa agradável. E genuína. Ali, naquela altura, a verdade reina.
A parte chata é que "estar sempre do (ao) lado de alguém" é cansativo, difícil, complicado. A maior parte de nós todos tem pouca capacidade para chatices. Para "sempres" que sejam, ao menos, "quase sempres". Isto começa logo no tempo verbal, que não existe no Português nem em língua nenhuma: o incondicional. Na dúvida, no dia-a-dia, "sempre" deve ler-se "sempre que eu puder". Ou seja, trata-se aqui dum condicional miserável, reduz-se soezmente o "sempre" a "se", verte-se a incondicionalidade torrencial dos bons momentos num jarrinho de fancaria: o penico da alma fica quase cheio, na mesma.
Mudando de assunto: eu gosto desta música, muito. Vou gostar sempre dela (embora o Sting me enerve, mais a sua conservação física detestável, que só me apetecia passar-lhe com um camião por cima: sempre e sempre que pudesse, sempre mesmo).
A lolita também gosta, que eu sei. Foi ela que ma mostrou, até. E o alonso também gosta, que eu também sei: mostrei-lha eu, mas apesar disso...
Vamos dificultar os verbos cada vez mais. Vamos complicar. Já chega de simplificadores.