É mula?
A saga dos "grandes portugueses" continua. Como já disse, não tenho nada a opor a isto. Aliás, nem que tivesse: tenho, por exemplo, um razoável nojo doutros programas que aí andam nas pantalhas e enjoo-me de forma perfeitamente individual e (des)contemplativa com eles. Haveria de ser diferente com este por quê?A ideia é aglutinadora. Há quem pense que "assim os portugueses, ao menos, olham para a sua História!". Pois. Deve ser isso, deve. De facto, nada melhor que uma competiçãozinha para estimular as hostes. "Bora ver quem é o melhor? Bora!".
Está bem. Fora deste espírito, a História escreve-se, pelos vistos, com letra mais pequena. Passa a ser, apenas, "o passado". Coisa antiga. Pouco estimulante.
A História, aliás, não tem de estimular nada nem ninguém. Era o que faltava. A História está escrita, escreve-se todos os dias, ainda nem sequer vai a meio do terceiro tomo, triste é o povo que a esquece e que precisa de concursos (com concorrentes póstumos, ainda por cima: é que nem se inscreveram!) para se "emular".
Emular, para os jovens que calhar lerem-me, não é descarregar merdas do e-mule, aquele programa que permite, entre outras coisas, experiências satisfatórias na área da virulogia cibernética. Emular é... É irem ao dicionário para verem o que é. Não, também não é uma perversão sexual. Embora possa ser uma espécie de afrodisíaco. Como na frase "com Maria Elisa a apresentar o programa, Jorge Nuno sentia-se emulado e melhorava do meteorismo".
Temos, agora, para cada grande português, um defensor.
Os grandes portugueses, eleitos pelos portugueses que gostam de opinar, necessitam, agora, de defesa.
Paulo Portas defende D. João II. "O Senhor D. João Segundo", como ele diz, agora, o quase calvo centro-campista da "selecção nacional dos pretendentes à imortalidade ainda vivos", quase encolhido na sombra do seu ministério cómico e antigo. Está bem.
Clara Ferreira Alves apoia a candidatura de Fernando Pessoa. Perfeito. Um dos heterónimos do meditabundo poeta lhe agradecerá a desenvoltura com que pretende convencer o povo de que um esquizofrénico dado à prosa poética e à preguiça do corpo é um "must".
Nogueira Pinto, esse Jaime, defende Salazar. Ora, Salazar não carece de defesa. Nem de ataques. Daqui, ao menos hoje, não sai nada. Não esguicha nada. Não me desencadeia, hoje, Salazar, rigorosamente, nada.
Jaime, sim, desencadeia-me: Jaime cuida defender causa difícil. Nada disso.
Jaime sabe, porque Jaime já usou óculos grossos nos olhos pequenos, que Salazar só não ganha isto se o povo votante for medroso.
Clama-se por Salazar em todo o lado. É por ele e por D. Sebastião. E por Eusébio. E por Amália. E que morra mais gente, sobretudo se cantar e declamar, que mais se clamará (e declamará) em cima das sucessivas tumbas dos que assim tombarem.
Jaime, que é baixinho e grosso do pescoço, sabe que o povo acha que Portugal não vai pá frente porque falta um homem. Um qualquer, falta sempre um qualquer. Reparem, aos quinze minutos de jogo, se estivermos a ver a bola e a nossa equipa estiver a perder, já há um porradão de tempo que estamos a ganir para o treinador que "mete mas é o André Gonçalves de Mendonça, pá!".
Falta sempre um que faça, efectivamente (efectivamente é uma palavra de apoio, uma palavra da poia, portanto) Portugal ir para a frente, esse sentido vectorial que dá sentido à direcção. A direcção é a "adresse" incompleta. É uma espécie de adereço sem sentido, uma direcção sem número na porta, vai-se lá só pelo código postal. Jaime sabe que Salazar só não ganhará se os portugueses que votam decidissem votar sem vergonha de serem o que agora são e, impossibilidade histórica, sem tutores.
Ora, tutores, nenhum votante destas merdas dispensa ou dispensará nos lustros mais próximos. Nem destas merdas, nem doutras.
Um tutor, no fundo, "emula".
É o que é.
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