Dar
Era aquele, ali à esquerda, verde clarinho, prolongando-se depois urgência fora, o hospital velho de Ponta Delgada.
Uma noite, chamaram da Unidade Coronária. Quando era preciso chamavam, e era preciso algumas vezes. Não havia cardiologista ali, havia eu. Eu sabia pouco, o que sei hoje, pouco menos, pouco sabia. Mas se chamavam, ia.
Eu fui. Eram quase quatro da madrugada e era Março, ou era Abril. Antes da Páscoa era, eu isso sei. Subi as escadas com a velocidade máxima que me permitiu a vontade de nunca lá chegar: "que me querem?, que vou ter de fazer?, fá-lo-ei bem? eu ainda não sei nada!".
Já no quarto piso (acho que era o quarto, "os quatrocentos", mas já me fugiram coisas da memória e não as registei senão aí, fraco moleskine este canhenho) comecei a ouvir, ao longe, um pi...pi...pi... espaçado. Pensei em fugir. Se aquilo fosse um som de coração estava muito lento, lento demais para mim, espaçado demais para um coração, coisa grave e séria. "Que vou eu lá fazer? Pi...pi...pi, coisa tão lenta, quase a parar, que me querem agora? Deve ser precisa aquela droga que nunca usei, nunca vi usar, a das bradicardias, aquela, ai, que droga era aquela que eu agora não me lembro sequer dela, qual era ela?".
Cheguei. Suava de frio e isso é lamentável para camisas claras e batas brancas. E para testas de medo. Sobretudo se se está assim quando se chega onde nos esperam secos.
A enfermeira, que estava calma e sabia quem chamara, "iúm diùs novx, diùs que vierem aí diù continãnt...", esperava-me de seringa na mão e enfadada de tudo, até de mim, sobretudo de mim, suponho. Silabou:
- Atriupâine?
- Sim, atropina, isso mesmo, muito bem, é isso mesmo. Dê. Faça o favor de dar.
besugo
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