blog caliente.

23.1.07

Eu bem disse que íamos jogar com as palavras ...

... e não me enganei. Mas, não querendo fazer do jogo um fim em si mesmo, impõe-se recuperar conceitos. Assim:
a) despenalizar - tornar irrelevante do ponto de vista penal;
b) liberalizar - tornar livre.

Parece diferente, não parece, lolita? Mas não é. Tomemos como exemplo a condução sob infuência do alcool. Que chega a ser crime, se a taxa de alcoolémia for suficientemente grande. Agora imaginemos que estava em causa deixar de punir tal comportamento. Pegando na lógica "discursiva", sofista e diletante com que tu, lolita, jogas com as palavras, e desta vez a azul, para variar um bocadinho, o texto com que brindaste os improváveis leitores deste blog fica assim:

Despenalizar, dizes tu, é o mesmo que liberalizar. Dás um salto de gigante, entre a abolição da censura penal da condução sob a influência do alcool e a sua legitimação jurídica positiva. Confundes irrelevância jurídico-penal com atribuição de liberdades individuais. Transformas um recuo na estatuição da norma com a proclamação positiva de um direito. Para ti, concluindo, se o direito não regula, então permite.

Páro aqui para te responder já: CLARO! Se deixar de ser punível conduzir sob a influência do alcool, a BT que apanhar um bêbedo ao volante TEM que o deixar seguir, porque ele não está a fazer nada de ilegal. Não sei o que é que falta a isto para que seja óbvio ... mas acho que não falta mesmo nada.

Mas, lolita, depois, "embandeiras" para "construções ousadas", e pões nas minhas palavras o que nelas não se consegue, mesmo com cuidadoso e (muito) crítico escrutínio, encontrar. Como isto:

Ou, numa construção mais ousada, se o direito não proíbe, ordena.

Huh? ... abortos compulsivos, é disso que estás a falar? Pois, não me lembro de ter mencionado esse perigo ... essa hipótese ... isso, enfim ...

Finalmente, e já fora de qualquer contexto possível, os dedos aceleraram-se-te no teclado e começaste a falar de regimes políticos, do género da ditadura cubana que fuzila balseros, tem polícia política e presos políticos, convenientemente acusados de traição à pátria. Assim ...

Como se passa, aliás, nos regimes políticos que defendes: a heteroregulação moral da vida dos cidadãos, através das normas jurídicas. E, se o Direito não proíbe ou ordena, então instala-se, dizes tu, um inquietante caos em que vale tudo.

Ora, é sabido que eu desejo que o regime cubano seja desmantelado, o Fidel julgado pelos seus crimes (de preferência ainda vivo, que as que "cá se fazem, cá se devem pagar"), por isso esta passou-me ao lado ... mas, além disso, as minhas convicções políticas, as tuas, as do besugo, não são práqui chamadas. Ou são?

E mais não cito: Porque, no mais, voltas a falar da censura social a propósito disto tudo e como travão para que aumente o número de abortos praticados em Portugal. Faze-lo sem fundamento, e provavelmente até sabes que não foi isso o que se passou nos países que despenalizaram o aborto. Mas sobre isso (a banalização progressiva de um acto hoje considerado censurável), que já é uma realidade noutras sociedades, nada tenho a acrescentar ao que já disse.

Quanto à hipocrisia a que, a final, te referes, que fique claro: eu acho que a hipocrisia, neste referendo, está inteiramente colocada do lado de quem defende o "Sim". Que adopta neste referendo uma posição calculista. E que usa como bandeira os poucos julgamentos que em Portugal se têm feito, de mulheres que abortaram e das abortadeiras que a tanto as "ajudaram", sabendo perfeitamente que esses casos não se resolvem com esta lei. Porque os abortos em causa nesses julgamentos foram praticados bem para além das dez semanas.

A verdade é que os partidários do "Sim" não conseguem dizer quando é que o aborto deve ser crime, e quando é que não deve. Por uma de duas razões:

a) porque para eles nunca deveria sê-lo - posição que tem a vantagem da coerência, e a desvantagem da insustentabilidade moral, científica e ... mais simplesmente ... humana;

b) porque não sabem bem. Mas dez semanas já é qualquer coisinha, para lhes sossegar o ímpeto de mudança. Depois se verá, quando os julgamentos continuarem a ser poucos, mas continuarem ...

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